Melhor atriz, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor Roteiro Adaptado
Baseado em fatos reais, o filme ‘Poderia me Perdoar?’ conta a história de Lee Israel, de 51 anos, jornalista e escritora que passa por problemas financeiros e encontra a saída em um negócio um tanto quanto duvidoso: falsificação de cartas literárias de escritores proeminentes. Inicialmente o negócio tem grande sucesso, mas logo começam a surgir os primeiros problemas, o que faz com que Lee procure uma nova forma de continuar lucrando, e acaba enroscada por um emaranhado de teia sem saída.
Lee já foi uma escritora de sucesso, mas na trama a protagonista experimenta o sabor amargo da ruína, sem nenhum insight para um novo livro atrativo, assim como sem prestígio na editora em que faz parte; acaba circulando de bar em bar. Com um humor lamurioso, Israel não acredita nem no seu próprio potencial, vive em uma casa com mínima higiene, e de modo a preferir uma casa cheia de gatos, ao invés da companhia de alguém.
Fonte: encurtador.com.br/rJNW1
Desempregada, com seu gato de 12 anos doente e com 3 meses atrasados de aluguel, Lee vê a saída da funesta condição financeira, e para isto teria de falsificar cartas de autores famosos. Inicialmente, de modo receoso tenta vender a primeira carta, e diante do alto valor recebido, decide continuar forjando. Isto por que Lee tinha míseros inteiros 14 dólares em sua bolsa, e a primeira carta lhe proporcionou ter 175 dólares pela venda, o que é visto com empolgação e combustível para a prática, sem se preocupar tanto com o cunho moral de seus atos.
Sentido no trabalho: encontrando sentido de vida na prática ilegal
As sociedades antigas designaram trabalho usando o termo tripalium – antigo instrumento de tortura –, isto por que perceberam que o trabalho muitas vezes era uma prática de tortura. Logo, trabalho não era visto como um ato de liberdade, muito pelo contrário, filósofos como Platão e Aristóteles associavam o trabalho ao sentido de necessidade, e a necessidade o faz se tornar obrigatório. Geralmente o que se é obrigatório tem como consequência a retirada de prazer da prática (ENRIQUEZ, 1999). Tal cenário é perceptível na vida de Lee. Sem grandes perspectivas em sua carreira de escritora, se vê obrigada a trabalhar em um ambiente em que não gostaria de estar, que visivelmente não a faz feliz, mas se sujeita devido à necessidade par ter o mínimo para conseguir viver.
Fonte: encurtador.com.br/PSUW8
Pode-se notar, também, que Lee vive em estado de estresse, o que pode ser explicado pela sua situação financeira, dificuldades nos relacionamentos com os colegas de trabalho, o ‘abandono’ da ex-companheira, a falta de valorização por parte de sua editora, assim como o bloquei da escrita criativa. Segundo Guevara & Dib (2005, p.209), as situações acima, geralmente causam falta de perspectiva e de motivação e isto “vêm afetando diretamente o dia-a-dia das pessoas e empresas, produzindo stress físico e intelectual e doenças afetivas que terminam minando a saúde pessoal e organizacional”.
Dessa forma, para favorecer a saúde da empresa e do trabalhador, se faz necessário a construção de qualidade de vida no trabalho. Vasconcelos (2001) lista alguns fatores que abrangem a QVT, são estes: vida emocional satisfatória; autoestima; oportunidades e perspectivas de carreira; e possibilidade de uso do potencial. Indo de encontro com Lee, é mostrado no filme, uma mulher com conflito emocional, com autoestima baixa, sem perspectiva de carreira na empresa em que trabalha, assim como na editora em que faz parte. É visto, também, que o local de trabalho não possibilita uso de artifícios para aflorar seu potencial.
Fonte: encurtador.com.br/pDGKO
Outro fator bem importante para ter uma boa QVT é a construção de comunicação. Para Torquato (2007), uma boa comunicação contribui para a melhoria no ambiente de trabalho, assim como na valorização pessoal do trabalhador. No filme é notado que Lee não tem boa comunicação com seus colegas de trabalho, de modo a falar em tom grosseiro, o que resulta em sua demissão abrupta, e é descartada como um objeto qualquer.
A força humana de trabalho é descartada com a mesma tranquilidade com que se descarta uma seringa. Assim faz o capital, e há então uma massa enorme de trabalhadores e trabalhadoras que já são parte do desemprego estrutural, são parte do monumental exército industrial de reserva que se expande em toda parte. Essa tendência tem se acentuado, em função da vigência do caráter destrutivo da lógica do capital, muito mais visível nesses 20, 30 anos (ANTUNES, 1999, p. 200).
No entanto, diante de sua decadência financeira, apesar de ser um ato ilegal, Lee encontra sentido para a vida. De acordo com Vitor Frankl o homem tem capacidade e poder de transformação de perceber infinitas possibilidades no caos. A logoteoria de Frankl acredita que “um homem está disposto a viver por um sentido e por um valor, e mais, está disposto a expor sua vida por eles”. Lee se sente motivada com o prestígio pessoal e financeiro inicial, mesmo sabendo que é um ato ilegal se mostra disposta a se expor ao perigo de ser condenada, pois encontra sentido para viver.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
PODERIA ME PERDOAR?
Título original: Can you ever forgive me? Direção: Marielle Helle Elenco: Melissa McCarthy, Richard E. Grant, Julie Ann Emery, Jane Curtin Ano: 2018 País: EUA Gênero:Drama, Comédia, Biografia
Melhor Filme, Melhor Ator (com Viggo Mortensen), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem.
Don Shirley (interpretado por Mahershala Ali) é um pianista negro brilhante que deseja fazer uma tour no sul dos Estados Unidos, uma região marcada pelo atraso, pelo preconceito e pela violência racial. Para acompanhá-lo durante esses dois meses de shows ele resolve ir a procura de um motorista/assistente.
Tony Vallelonga (vivido por Viggo Mortensen) – também conhecido como Tony Lip – é um malandro de origem italiana que trabalha na noite em Nova Iorque. A boate onde atuava, chamada Copacabana, precisa ser fechada e Tony se vê sem trabalho durante alguns poucos meses.
Responsável pelo sustento da família, Tony, que era casado com Dolores e tinha dois filhos pequenos, começa a procurar emprego para subsistir durante os meses em que a boate estava fechada.
Fonte: https://goo.gl/opdKij
O início da viagem
Um belo dia, Tony recebe um telefonema de um conhecido anunciando que um médico estava a procura de um motorista. Sem saber bem o que lhe espera, Tony vai para a entrevista. Chegando ao lugar, sente-se perdido porque o endereço lhe leva a um teatro.
Quando conhece Don Shirley, na entrevista, Tony se surpreende ao saber que o tal doutor é na verdade um doutor na arte do piano. E é negro. Uma questão especialmente delicada para Tony que, apesar de negar, era preconceituoso assim como uma grande parcela da sociedade em que estava inserido.
Muito conceituado entre o público, Shirley costumava ser chamado de doutor como sinal de admiração. Depois de algumas discordâncias, Tony, que desejava ser apenas motorista e não assistente pessoal, acha melhor não trabalhar com Shirley, especialmente tendo em conta a remuneração proposta.
No dia a seguir, recebe um telefonema inesperado do famoso pianista, que desejava pedir a autorização de Dolores, mulher de Tony, para contratá-lo, cumprindo as exigências que o marido dela havia feito. O acordo é fechado e os dois embarcam rumo aos shows no Sul do país.
Vale lembrar que o contexto norte-americano, na realidade dos anos sessenta, que é a época em que o filme se passa, havia extremo preconceito racial no país. Ao longo do percurso vemos alguns casos explícitos de segregação. Durante uma das apresentações, por exemplo, o pianista é impedido de usar o banheiro do espaço, destinado apenas para brancos. Em outra ocasião Shirley é proibido de jantar no mesmo restaurante em que seu público estava. Ao longo da turnê, o músico também não pode se hospedar em uma série de hotéis reservados só para brancos.
Tony aos poucos vai criando afeto pelo peculiar pianista e se irrita com as regras antiquadas e racistas da região. Os dois vão gradativamente criando um laço de afeto e crescendo pessoalmente com a experiência de lidarem um com outro, com personalidades tão distintas.
Personagens principais
Tony Vallelonga (Viggo Mortensen)
Fonte: https://goo.gl/2KKCFb
De origem italiana, Tony Vallelonga, também conhecido como Lip, é casado com Dolores e tem dois filhos. Ele trabalha como uma espécie de segurança numa boate em Nova Iorque e se vê em apuros financeiros quando o clube noturno decide fechar as portas por dois meses.
Durante esse período, o valentão precisa encontrar um trabalho provisório para pagar as contas da casa e acaba sendo contratado por Don Shirley para atuar como motorista.
Ao longo do seu percurso pelo sul dos Estados Unidos ele passa a sentir na pele o racismo vivenciado pelo pianista afro-descendente. A viagem serve de alerta para ele, que era um cidadão americano branco comum, nascido e criado no Bronx, que não tinha que lidar com qualquer dificuldade devido a cor da sua pele.
Don Shirley (Mahershala Ali)
Fonte: https://goo.gl/LdHsTj
Extremamente solitário, o pianista, que é um virtuoso, não tem amigos e nem família. Ele menciona rapidamente um irmão, com quem não tem contato há muito tempo. Em uma conversa com Tony também deixa escapar que já havia sido casado, mas que o casamento foi por água abaixo devido aos compromissos da carreira.
Correto e honesto, Tony muitas vezes se irrita com algumas atitudes do motorista, que tem uma noção de certo/errado mais fluida.
Rude, muitas vezes antipático e arrogante, Shirley vai se deixando cativar por Tony e os dois vão criando com o tempo uma convivência harmoniosa que se transforma numa amizade plena.
Don representa os negros norte-americanos que sofriam uma série de limitações e humilhações cotidianas devido única e exclusivamente a cor da pele.
Dolores (Linda Cardellini)
Fonte: https://goo.gl/fjyU7a
A mulher de Tony é compreensiva com o marido, embora seja extremamente preocupada com o destino da família. Responsável, ela é dona de casa, cuida do lar, dos filhos e da gestão do orçamento doméstico. Quando a boate Copacabana fecha as portas provisoriamente, Dolores se desespera sem saber como fará para pagar as contas.
Doce, amorosa e gentil, a personagem interpretada por Linda Cardellini é uma típica mulher norte-americana dos anos sessenta: voltada para a família, responsável pela criação dos filhos e pela manutenção da rotina do lar.
Análise do filme Green Book
Baseado em fatos reais
No ano de 1962, o famoso pianista negro Don Shirley resolveu fazer uma turnê pelo sul dos Estados Unidos.
A viagem aconteceu gerenciada pela Columbia Artists, empresa que administrava a carreira do artista, e durou cerca de um ano e meio (o filme na verdade condensa a história, como se a turnê tivesse durado dois meses). Durante o trajeto, o pianista tocou apenas para um público composto por brancos.
Para acompanhá-lo nesse ambiente sulista não muito hospitaleiro, Shirley sentiu que precisava de um motorista, mas também um assistente pessoal e uma espécie de guarda-costas.
Vale lembrar que a preocupação com a segurança não era desmedida, apenas alguns anos antes (em 12 de abril de 1956), o também músico negro Nat King Cole foi atacado no palco enquanto se apresentava para uma audiência branca no Alabama.
O verdadeiro pianista Don Shirley
O Don Shirley da vida real nasceu na Flórida, no dia 29 de janeiro de 1927, filho de pais imigrantes jamaicanos. O pai do pianista era um pastor e a mãe era professora. Shirley ficou órfão de mãe quando tinha apenas nove anos de idade.
Profundamente ligado à música, o menino começou a tocar quando tinha apenas dois anos e se apresentou profissionalmente aos dezoito.
Como o filme menciona rapidamente, Shirley gostaria de ter seguido a carreira de pianista clássico, mas acabou por enveredar no jazz porque ouviu conselhos de produtores que afirmaram que o público norte-americano não aceitaria um negro tocando canções clássicas.
Alguns hábitos e a residência do pianista, que aparece no longa, também são compatíveis com a realidade. Don Shirley viveu num suntuoso apartamento no Carnegie Hall durante cerca de cinquenta anos.
Verdadeiro pianista Don Shirley e Mahershala Ali, que interpreta seu papel no longa metragem. Fonte: HistoryvsHollywood.com, CTF Media
A procura do pianista por essa pessoa que o acompanhasse resultou na descoberta do segurança de boate Tony Vallelonga, que trabalhava em um clube noturno chamado Copacabana.
Com o fechamento provisório do espaço, Tony, então sem emprego e com obrigação de sustentar a família, foi a procura de trabalhos esporádicos.
O encontro com Tony
Criado no Bronx, no seio de uma família ítalo-americana, Tony era o provedor de um lar composto pela mulher e por dois filhos.
Embora no filme o personagem não se assuma declaradamente como preconceituoso, a mulher, Dolores, deixa transparecer esse defeito do marido, que é compatível com a história real.
Apenas em uma breve cena vemos um pouco do preconceito anterior de Tony. Quando dois negros estavam na sua casa, ao retirar a louça da mesa, Tony, ao chegar na cozinha, joga no lixo os dois copos que os negros usaram. Outra ocasião em que o preconceito aparece surge quando Tony rotula o pianista, usando uma série de estereótipos para caracterizar os negros.
Tony Vallelonga da vida real e o ator Viggo Mortensen, que interpreta seu papel no filme. Fonte: HistoryvsHollywood.com, CTF Media
A história contada pelo filho de Tony
Green Book tem como um dos roteiristas o filho de Tony, que incluiu uma série de dados reais no longa. As cartas de amor direcionada à Dolores foram efetivamente escritas pelo pai de Nick com a ajuda do pianista.
A história bebeu muito do real porque o filho, desde os anos 1980, estava interessado em fazer um filme sobre a amizade improvável do pai com Don Shirley. Ele havia gravado uma série de entrevistas detalhadas sobre o que os dois viveram na turnê.
Nick Vallelonga ajudou a contar, em Green Book, a história do pai, Tony. Fonte: HistoryvsHollywood.com, CTF Media
O destino de Tony e Don Shirley
Quando a viagem acaba e os dois regressam para casa, segundo o filme Tony volta à trabalhar no Copacabana, mas ele e o pianista seguem sendo grandes amigos até o final da vida. Os dois curiosamente falecem em datas muito próximas: Tony morre em 4 de janeiro de 2013 e Don em 6 de abril de 2013.
Na vida real, no entanto, parte da família do pianista – que aliás se opôs à criação do filme Green Book – garantiu em uma série de entrevistas que Don Shirley e o pianista não ficaram amigos até à morte.
Fonte: https://goo.gl/d1NBGk
Duas versões pairam sobre a lenda da amizade de Tony e Don Shirley: o longa metragem garante que os dois ficaram grandes amigos até o final da vida, já a família do pianista afirma que essa versão é falsa.
Uma história de opostos
Habitualmente a sociedade estava acostumada a assistir um negro trabalhando para um branco, poucas vezes o statuo quo se alterou e viu-se um branco trabalhando para um negro.
Essa estranheza social compareceu muitas vezes no filme, quando, por exemplo, no Sul, os policiais pararam a viatura onde Tony e Shirley se encontravam para pedir esclarecimentos.
Pondo provisoriamente a parte as questões sociais, em termos de personalidade Don e Tony parecem opostos: o primeiro muito preocupado com a questão social (com a imagem, com a conduta) e o segundo desbocado e irreverente. A lógica dos opostos comparece se pensarmos no nível de refinamento e cultura de ambos os personagens.
Assim como na vida real, Don carrega muito mais a noção de requinte, de conhecimento e de estudo do que Tony, que possui pele branca.
Se historicamente os negros tiveram pouco acesso à informação e à formação, na história do pianista a lógica se inverte e vemos um sujeito cultíssimo de pele negra e um, de certa forma, ignorante, de pele branca.
Don viveu imerso em um ambiente de alta cultura e frequentou os grandes salões enquanto Tony nunca saiu do seu bairro de imigrantes de classe baixa, convivendo sempre com um universo muito semelhante de indivíduos.
Outra distinção de comportamento se dá se pensarmos na conduta social dos dois amigos. Shirley demonstra ser consciente do racismo e da luta de classes, Tony, por sua vez, parece alheio à essas questões e deseja resolver os casos pontuais em que é confrontado através da força bruta.
Extremamente racional, o pianista pensa em cada movimento e em suas consequências, profundamente impulsivo, Tony vive à flor da pele e é movido pelos seus sentimentos.
A amizade de Tony e Don se contrói através da diferença. Fonte: https://goo.gl/vV9AqQ
Por que o filme se chama The Green Book?
The Negro Motorist Green Book, editado por Victor Hugo Green, era uma espécie de guia de viagem para negros que quisessem viajar sem se preocuparem com a segurança.
A ideia era assegurar uma lista de restaurantes, hotéis e lugares turísticos que garantissem que eles seriam tratados com igualdade com os brancos, sem qualquer tipo de preconceito.
O livro foi publicado pela primeira vez no ano de 1936 e continuou a ser vendido até 1966. Habitualmente distribuído nos postos de gasolina, o guia vendia cerca de 15.000 cópias por ano.
O verdadeiro The Negro Motorist Green Book foi efetivamente usado na viagem de Tony com o pianista.
FICHA TÉCNICA:
GREEN BOOK- O GUIA
Título original: Green Book Direção: Peter Farrelly Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini; Ano: 2019 País: EUA Gênero: Comédia Dramática, Biografia
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Homem-Aranha no Aranhaverso: as várias faces de um mesmo super-herói
O último filme da série fugiu um pouco da realidade, e principalmente do que os fãs já estavam acostumados. Além de ter sido transformado em animação, com uma pegada estilo história em quadrinhos, o enredo não girou em torno de Peter Parker.
A gigante Marvel Comics juntamente com a Sony Pictures Entertainment (Columbia Pictures) lançou o primeiro filme do Homem-Aranha nos cinemas em 2002, com o icônico Tobey Maguire, que se eternizou como Peter Parker. Maguire protagonizou até o 3º filme do super-herói, em 2007, e essa foi sua última aparição como Homem-Aranha. Após alguns anos, o ator Andrew Garfield assumiu essa enorme responsabilidade, porém, assim como Tobey, não se firmou no papel. Até a chegada do cômico e divertido Tom Holland, que com uma carinha de bebê conquistou o coração, e os risos de milhares de telespectadores.
O último filme da série fugiu um pouco da realidade, e principalmente do que os fãs já estavam acostumados. Além de ter sido transformado em animação, com uma pegada estilo história em quadrinhos, o enredo não girou em torno de Peter Parker, mas sim de Miles Morales. Miles é um adolescente como qualquer outro que está descobrindo seu lugar no mundo, e recebe grande apoio da família, principalmente de seu pai, com o qual tem uma proximidade maior. No entanto sua maior referência é seu tio paterno, que vive a vida sem regras, se diverte e viaja quando quer. Enquanto isso, o pai de Miles é um policial sério e apaixonado pelo que faz.
Fonte: encurtador.com.br/cdxEW
Sem muita surpresa, a história do filme contempla os passos da Jornada do Herói descrita pelo antropólogo Joseph Campbell, que perpassa desde a saída do indivíduo (Miles) de sua zona de conforto como “pessoa normal”, para o chamado à aventura, a negação desse chamado, mas após essa recusa uma intensa reflexão, e finalmente a aceitação desse desafio e a convicção de que o chamado só pode ser cumprido pelas suas próprias mãos, competência e força de vontade.
Outra grande questão tratada, não apenas nesse filme, mas na maioria das indicações ao Oscar 2019, é o Zeitgeist Negro. Uma onda poderosa de empoderamento negro que veio para mostrar o atual espírito da época em que vivemos. Assunto esse que precisa ser tratado mais do que nunca, pois apesar dos grandes avanços em relação ao racismo, ainda vivemos em uma cultura segregacionista e violenta, quando se trata de diferenças.
Fonte: encurtador.com.br/qvxIR
A comunicação com as outras dimensões
A ação do filme finalmente começa quando noticia-se que Peter Parker, o famoso e amado super-herói de Nova York, está morto. Após um combate contra o Rei do Crime, ele acaba sendo derrotado, porém passa a responsabilidade de salvador da cidade para Miles Morales, que assim que encontra Peter, descobre seus novos super-poderes e habilidades, mesmo assim ainda não sabendo como usá-los.
Com a carga dessa enorme responsabilidade, Morales não faz ideia de como, nem por onde começar. Até então achando que era o único Homem-Aranha, Miles tem uma grande surpresa quando após o funcionamento da máquina do Rei do Crime, aparece Peter B. Parker, ou seja, o famoso Peter Parker, porém alguns anos mais velho e alguns quilos a mais.
Fonte: encurtador.com.br/jEZ15
Com esse encontro Miles pensa que seus medos e inseguranças após essa nova responsabilidade irão acabar, já que ele tem outro Homem-Aranha para ensiná-lo a ser um super-herói, mas na verdade a única coisa que o velho Parker quer, é voltar para sua dimensão. Neste sentido, em um desses “treinamentos”, surge nada mais nada menos do que uma Mulher-Aranha, conhecida como Gwen Stacey. Mais uma vez a Marvel se supera nas surpresas, e principalmente sustenta o empoderamento feminino que cada dia mais ganha espaço no cotidiano.
E quando pensa que já surgiram “Aranhas” demais, ainda conta-se com a presença do Homem-Aranha Noir, que se apresenta todo de preto, como se fosse constituído de uma sombra de história em quadrinhos. Também surge o Spider-Ham, conhecido como Porco-Aranha, com um carisma e comicidade sem igual. E, por último, Peni Parker, uma estudante de Ensino Médio, com características dos Animes Japoneses, que conta com a ajuda de um parceiro que é um robô muito interativo e com uma avançada tecnologia.
Fonte: encurtador.com.br/ghHIS
Após o encontro de todos, agora eles têm um grande desafio: impedir que o Rei do Crime faça o acelerador entre dimensões funcionar, pois se isso acontecer não será possível voltarem para suas respectivas dimensões. No meio de todo esse problema, ainda tem a insegurança de Miles, que é apenas um adolescente que recebeu uma enorme responsabilidade e não sabe como agir diante dela.
Nesse momento Morales busca a ajuda de seus pais, porém não se sente à vontade para contar-lhes o que realmente o aflige, pois sabe que seu pai não era um grande fã dos serviços de Peter Parker, que agora pertencem ao Miles. Mas independente da clareza com seus pais, Morales sabe que sua casa sempre será um lugar seguro, cheio de amor e compreensão.
Com isso, o novo Homem-Aranha cria coragem para construir seu legado e ajudar seus novos amigos a voltarem para suas dimensões. Como se é esperado, eles conseguem destruir os planos do Rei do Crime, e cada um volta para sua dimensão. Miles fica feliz em conseguir ajudar e com uma sensação de dever cumprido, e sabe que sempre que precisar buscar forças interiores para vencer seus futuros desafios, lembrará das grandes amizades que conquistou durante essa jornada.
“A pessoa que ajuda as outras porque isso deve ser feito, e porque é a coisa certa a se fazer, é sem dúvidas uma super-heroína”. Stan Lee.
FICHA TÉCNICA :
HOMEM-ARANHA NO ARANHAVERSO
Título Original: Spider-Man: Into the Spider-Verse Direção: Peter Ramsey, Bob Persichetti, Rodney Rothman Elenco: Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Jake Johnson,
Nicolas Cage,Kimiko Glenn Ano: 2018 País: EUA Gênero: Animação
Sempre focado no seu objetivo de pintar para assim conseguir mostrar
aos outros o seu modo de ver o mundo, Vincent vivia de modo obsessivo
Quando vemos alguma obra que retrate a vida do genial pintor holandês, quase sempre nos deparamos com uma visão de que ele era um homem tão problemático, que chegava ao ponto de quase não ser humano. Em ‘No portal da eternidade’ o diretor e co-roterista Julian Schnabel, sabiamente, foge dessa narrativa caricata que segue Vincent Van Gogh (Willem Dafoe) e representa o pintor de uma forma extremamente humana.
No filme, que tem seu início já nos últimos anos de vida do biografado, Vincent vive só de suas pinturas, porém não por ser um artista de sucesso, mas sim porque seu irmão Theo Van Gogh (Rupert Friend), um negociante de arte, sustenta o artista para que ele possa seguir seu sonho. Nesse caso a melhor afirmação a se fazer é a de que Vincent não vivia de suas pinturas e sim vivia para elas.
fonte: https://bit.ly/2BLhIBg
Sem conseguir alinhar suas ideias com a dos artistas e também do público de Paris, após conversa com o também pintor e amigo Paul Gauguin (Oscar Isaac), Van Gogh ruma ao sul da França, onde procuraria tranquilidade e inspiração para elevar a qualidade de suas pinturas. O que de fato encontrou, porém o seu modo excêntrico de viver fez com que o mesmo fosse odiado por grande parte da população das cidades em que viveu.
Sempre focado no seu objetivo de pintar para assim conseguir mostrar aos outros o seu modo de ver o mundo, Vincent vivia de modo obsessivo, concluindo diversas obras em poucos dias. No entanto essa obsessão fazia com que o mesmo se desligasse de outros aspectos de sua vida, como retratado; em certa época o mesmo passava semanas sem ao menos tomar um banho, era muitas vezes agressivo e sofria com lapsos de memória.
Para tentar fazer com que Vincent se comportasse melhor, seu irmão Theo resolve então fazer um acordo para que Paul Gauguin vivesse um tempo no sul da França junto com Vincent. O que foi muito bom enquanto durou, porém em pouco tempo Gauguin passa a fazer sucesso e tem que se mudar para Paris.
fonte: https://bit.ly/2Siv4dA
O que leva ao momento mais caricato e possivelmente mais memorável da vida de Van Gogh ao qual nem mesmo o diretor Julian Schnabel consegue deixar de retratar, após brigar com Gauguin, o pintor holandês corta uma de suas orelhas e entrega a uma moça a pedido de que esta encontrasse seu amigo e entregasse a mesma para ele, como um pedido de desculpas.
Após o ocorrido, Van Gogh é internado em um asilo, onde ao conversar com um padre (Mads Mikkelsen) antes de sua liberação, chega a conclusão de que suas pinturas não são para as pessoas de seu tempo. Se muda para a cidade de Auvers-sur-Oise onde ao pintar o retrato de um amigo chega a outra conclusão: sua pintura não tinha mais o objetivo de mostrar aos outros como ele enxergava o mundo e sim o de marcá-lo para a eternidade.
Em Auvers-sur-Oise Van Gogh viveu por 80 dias antes de ser baleado e por conta do ferimento vir a falecer 30 horas depois. Durante os 80 dias nessa nova cidade, o artista pintou 75 quadros, que junto as suas outras aproximadamente duas mil obras, definitivamente o marcou para a eternidade.
fonte: https://cbsn.ws/2D1Ec1T
Fora uma nova visão da história de Van Gogh, o filme ainda conta com uma fotografia que muitas vezes utiliza uma paleta de cores semelhante a utilizada por Van Gogh, o que gera muitas imagens bonitas. Outra curiosidade da fotografia, é como muitas vezes a câmera nos coloca na perspectiva da personagem principal, o que humaniza a visão dos acontecimentos e gera maior aproximação de quem assiste a obra.
FICHA TÉCNICA:
fonte: https://imdb.to/2G8Dode
NO PORTAL DA ETERNIDADE
Título original: At Eternity’s Gate Direção: Julian Schnabel Elenco: Willem Dafoe, Rupert Friend, Oscar Isaac, Mads Mikkelsen; Ano: 2018 Países: Estados Unidos da America, França Gênero: Drama, Biografia
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Nasce uma Estrela: Lady Gaga se despoja de artifícios e traz música à superfície
Melhor Filme, Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Fotografia, Melhor Mixagem de Som, Melhor canção original
Em todos os bons momentos me vejo desejando uma mudança E, nos momentos ruins, tenho medo de mim mesma (Tradução de versos da música Shallow, de Lady Gaga e Bradley Cooper)
Star is Born é a quarta versão da história de uma estrela que nasce enquanto outra se apaga. Até 1970, a cada duas décadas esta história era novamente contada. A primeira produção ocorreu em 1937, quando William Wellman dirigiu Janet Gaynor como a jovem atriz que se apaixonava por Fredric March, o ídolo alcoólatra e desiludido. Judy Garland e James Mason reprisaram os papéis no clássico de Cukor em 1954, quando novamente a estrela era uma atriz, e sua estreia em um musical ocupou 15 minutos do filme. Só em 1976, no remake de Frank Pierson, que há uma mudança de cenário, os bastidores do cinema dão espaço ao mercado musical, com Barbra Streisand no papel principal e Kris Kristofferson como uma estrela de rock em declínio.
Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.
Depois de mais de 40 anos, nossa geração finalmente ganha sua versão de Star is Born, e a espera não poderia ter um resultado mais interessante. Bradley Cooper estreia na direção (além de ser co-roteirista, ter o papel masculino principal do filme e colaborar na composição da canção principal) e traz como estrela da sua versão de Star is Born nada menos que a rainha do pop, Lady Gaga, até então vista, na maior parte de suas apresentações e saídas públicas, com adereços espetaculares, roupas inusitadas (quem não lembra daquele vestido de carne?) e performances acrobáticas (vide o show no Super Bowl https://www.youtube.com/watch?v=txXwg712zw4). Além disso, Gaga é dona de uma voz poderosa, toca vários instrumentos e compõe suas próprias músicas (grande parte das composições do filme tem sua assinatura). Isso, mais sua personalidade intrigante, sempre a colocaram em um patamar elevado nesse competitivo e implacável cenário musical do século XXI.
Mas, voltando ao filme, Jackson, o country-roqueiro que passa grande parte da sua vida alcoolizado (interpretado por Bradley Cooper) tem uma visão bem particular sobre a música. Sua visão parece ser a metáfora ideal para explicar porque uma história tão batida ainda chama tanto a atenção e é tão aclamada pelo público e pela crítica. Ele dizia que “a música é essencialmente 12 notas entre qualquer oitava. 12 notas e a oitava se repete. É a mesma história contada várias vezes, para sempre. Tudo que um artista pode oferecer ao mundo é como ele vê essas 12 notas. Só isso.” E acrescentou que amava como Ally (Lady Gaga) as via. Talvez aí esteja o segredo do sucesso do filme, a história tem um mesmo esqueleto, mas quando vemos Ally aparecer em um palco de um bar cantando “La Vie en Rose”, e Jackson é atraído por aquela voz, aceitamos embarcar na história novamente, mesmo já presumindo o inevitável final. A química entre eles, citada em toda crítica e entrevista sobre o filme, salta da tela. Isso e mais uma Ally tão diferente da imagem que temos da Lady Gaga, ou seja, mais vulnerável (sem ser fraca), quase nenhuma maquiagem e com um cabelo sem produção tornaram essa versão de Star is Born especial e, por que não, única.
Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.
A impressão que temos é que os dois se apaixonam, especialmente, pelo talento um do outro. Para Jackson, um artista precisa ter algo a dizer, não basta ser apenas uma voz, e ele via isso em Ally, pela forma natural que a música nascia dela. Shallow, a música tema, é apresentada pela primeira vez em um estacionamento, na noite que eles se encontraram. Na música, Ally mostra que em pouco tempo já entendeu a falta de sentido e o desassossego que marcam a vida dele (Diga-me uma coisa, garoto, você não está cansado de tentar preencher esse vazio? Ou você precisa de mais? Não é difícil manter isso tão extremo?). Na próxima vez que a música vem à tona, é no show dele, quando a convida para cantar no seu show de surpresa e começa a entoar um verso que compôs para ela: “Diga-me uma coisa, garota, você está feliz neste mundo moderno? Ou precisa de mais? Há algo mais que está procurando?”. E nestes versos são apresentados como um vê o outro, mas, especialmente, como a história de cada um fatalmente os separará.
Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.
Segundo Peter Travers, da Rolling Stone [1], o papel de Ally foi geralmente interpretado como uma moça ingênua à procura de orientação em um mundo de predadores masculinos. Mas, sorte a nossa – e do filme – Gaga não faz a ingênua. Ally sabe de seu potencial, sabe que é boa, apesar de ter sido preterida por uma indústria que gosta de seu som, da sua voz, mas não da sua aparência.
Dois outros relacionamentos são trazidos à tona no filme: a relação da Ally com seu pai, um cantor frustrado, mas amável e presente; e de Jackson com seu irmão mais velho, Bobby (Sam Elliott), que também tinha sido um cantor, mas abriu mão de sua carreira para apostar no irmão mais talentoso, que além da voz, também criava suas composições. A bebida não fez de Jackson um homem violento ou fanfarrão, como em algumas das versões anteriores do filme, mas levou-o a um estado mais autodestrutivo, presenciado, em alguns momentos, por seu irmão.
Fonte: Live Nation Productions, LLC; Malpaso Productions.
Na segunda parte do filme temos conhecimento do passado do Jackson, da sua vida com o pai alcoólatra e da sua tentativa de suicídio aos 13 anos, também vemos Ally atingir o estrelato de forma meteórica. Meteoros iluminam, mas também destroem. Nem sempre o amor ou a arte são capazes de mudar a direção de uma pessoa. A jornada obscura que Jackson travava em sua mente e em seu organismo enfraquecido pelo vício mostrou-se, muitas vezes, uma jornada solitária e, em alguns aspectos, doentia.
Assim, cada vez mais distantes da parte rasa e, talvez, por isso mesmo, estupidamente tranquila da vida, tem-se o ápice da jornada de ambos. A ícone pop e o artista em declínio parecem, em um dado momento, vivenciar um dos aspectos mais estranhos da física quântica, o entrelaçamento quântico, aquilo que Einstein nomeou uma vez como uma “ação fantasmagórica à distância” [2]. Isso é notado quando dois objetos estão em uma espécie de paralelo infinito, mas em um dado ponto (neste caso, a música), misteriosamente, se encontram. De certa forma, algumas músicas podem tocar vários pontos equidistantes e heterogêneos, podem até ultrapassar nossa noção de espaço e, especialmente, de tempo. Talvez para Ally e Jackson, a música é a constante em meio a turbulência, conectando-os a muitos outros que são tocados pelas suas composições, mesmo que todos pareçam estar sempre em um infinito e angustiante movimento.
FICHA TÉCNICA:
NASCE UMA ESTRELA
Título original: A Star Is Born Direção: Bradley Cooper Elenco: Lady Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliott; Ano: 2018 País: EUA Gênero: Drama, Música
Melhor Filme, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Montagem
Trata-se de uma obra de importância crucial dadas as consequências atuais em torno da adesão de parte do mundo aos discursos raivosos da extrema-direita.
Dirigido pelo lendário Spike Lee, ‘Infiltrados na Klan’ aborda o clima hostil do final dos anos 1970 nos Estados Unidos, cujo cenário reflete uma frenética luta da população negra para deixar de ser vítima dos constantes ataques institucionais sofridos por esta minoria, notadamente no que se refere à associação direta da criminalidade com a negritude. E uma das mais sintomáticas organizações resultantes do ódio coletivo americano em relação à diversidade, aquela altura, é a KKKlan – Ku Klux Klan, que pregava a superioridade da ‘raça branca’ em relação a outras etnias, sobretudo em relação aos negros.
O filme relata a trajetória de Ron Stallworth (John David Washington), um policial negro do Colorado, que de modo muito inteligente conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Stallworth se comunicava com os membros da KKKlan através de ligações telefônicas, e quando precisava comparecer aos encontros do grupo enviava outro policial branco no seu lugar – que, curiosamente, no filme, é protagonizado por um homem de descendência judaica e que nunca havia parado para pensar no fato de também pertencer a uma minoria marginalizada. Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, o que acaba por lhe garantir condições de evitar uma série de crimes de ódio perpetrados pelos racistas norte-americanos.
Imagem – Universal/Divulgação
Trata-se de uma obra de importância crucial dadas as consequências atuais em torno da adesão de parte do mundo aos discursos raivosos da extrema-direita, notadamente a partir da ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e de Jair Bolsonaro no Brasil. Não por menos, o longa retrata, em suas últimas cenas, conflitos e irrupções atuais motivados pelo racismo, com imagens de discursos de Trump e de brigas reais entre neofascistas e grupos de resistência em algumas cidades norte americanas.
Imagem – Universal/Divulgação
Racismo institucionalizado
As consequências do racismo institucionalizado, que é quando as estruturas sociais, políticas e culturais já estão impregnadas por preconceitos descabidos e, desta forma, reproduzem discursos e práticas odiosas – como associar compulsoriamente as populações negras a comportamentos intrinsecamente violentos – são vistas de modo claro na tensão étnica que há nos Estados Unidos, tensão esta muito bem explicitada no filme de Spike Lee. No Brasil, entretanto, esta mesma institucionalização do racismo é passada despercebida por causa do falacioso argumento da democracia racial criado logo após a Abolição da Escravatura, no século 19.
Em que pese as peculiaridades do processo de colonização do Brasil, massivamente conduzido por homens brancos, solteiros e europeus – poucas famílias europeias vieram para o país, nos anos ‘selvagens’ da chegada dos imperialistas –, o que acabou fazendo eclodir o fenômeno da miscigenação entre homens brancos e mulheres negras e indígenas, é notória a existência de um sistema hierárquico, neste processo, em que apenas alguns seres humanos de cor negra puderam de fato usufruir do princípio da liberdade ou, no mínimo, pertencer a um tecido social em que havia a cordialidade.
O que se viu, de modo geral, foi um sistema de exclusão que, progressivamente, passou de uma abordagem violenta para um modus operandi cada vez mais velado, até que se cristalizasse, no stabelichment, o mito da democracia racial.
Nada poderia ser mais falso. De longe, o Brasil – como pontuado recentemente por Wagner Moura – é um dos países mais racistas do mundo. E, em terras tupiniquins, este racismo se dá de forma ainda mais esdrúxula – se é que é possível comparar cenários de barbárie. No gigante sul americano, como pontua o antropólogo congolês naturalizado brasileiro Kabengele Munanga, há o chamado ‘racismo como crime perfeito’, já que os negros representam 71% das vítimas de homicídios no país, mas ninguém comenta sobre isso, num processo coletivo que naturaliza o lugar do negro como algo inscrito no campo da contravenção. E, pior, que não se busca conhecer a face dos racistas, para responsabilizá-los e puni-los.
Este mecanismo perverso pode ser traduzido em números. De acordo com um estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a população negra é bem mais exposta à violência no Brasil. Os negros são 54% da população, mas representam em torno de 71% das vítimas de homicídio. O levantamento, divulgado amplamente pela TV Globo, mostrou que o abismo entre brancos e negros aumentou nos últimos dez anos. Neste sentido, entre os mortos nos homicídios registrados de 2005 a 2015, o número de brancos caiu 12% e o de negros, aumentou 18%. Estes dados são semelhantes aos do Mapa da Violência do Brasil para o mesmo período.
Psicologicamente falando, este cenário trás danos nefastos para as populações negras, sobretudo entre os jovens. De acordo com recente matéria veiculada pelo jornal Nexo, há cada dez jovens que se suicidam no Brasil, seis são negros. O dado, de 2016, está em um levantamento do Ministério da Saúde e da UnB (Universidade de Brasília), divulgado no início deste ano de 2019. O estudo também aponta que entre 2012 e 2016, a taxa de pessoas brancas entre 10 e 29 anos que tirou a própria vida permaneceu a mesma. Já entre jovens e adolescentes negros ela subiu, de 4,88 mortes para cada 100 mil, em 2012, para 5,88, quatro anos depois.
A notícia do Nexo ainda destaca um dado do Sistema de Informação sobre Mortalidade, ao apontar que “um dos grupos vulneráveis mais afetados pelo suicídio são os jovens e sobretudo os jovens negros, devido principalmente ao preconceito e à discriminação racial e ao racismo institucional”. É importante ressaltar que, ao abordar este tema a partir das universidades, do cinema e da mídia, fortalece-se um movimento global – e que vem ganhando força no Brasil –, que reivindica o reconhecimento do preconceito e da discriminação racial como importantes causadores de problemas psíquicos.
Neste sentido, ‘Infiltrados na Klan’ é um filme fundamental para se aprofundar nos meandros dos discursos de ódio e, claro, perceber como a mobilização coletiva dos grupos oprimidos, a partir de princípios racionais, cooperativos e políticos, pode fazer uma enorme diferença. Afinal, como bem pontuava Nelson Mandela, ninguém nasce odiando o outro por sua cor de pele. Esta é uma estrutura de pensamento que foi aprendida e, como tal, pode ser superada pela educação e ampliação do reconhecimento profundo acerca do princípio da alteridade. O desafio é colossal, mas possível.
FICHA TÉCNICA:
INFILTRADO NA KLAN
Título original:BlacKkKlansman Direção: Spike Lee Elenco: John David Washington, Adam Driver, Topher Grace; Ano: 2018 País: EUA Gêneros: Biografia, Policial
Século XXI, mulheres com direitos quase se igualando aos deveres. Negros caminham, ainda sorrateiros, entre a população buscando provar o seu lugar, um lugar nunca antes marcado por outros como nós, o que gera total estranheza e incompreensão por todos os lados. Por um lado, vivemos em época em que um filme protagonizado e produzido por negros concorre a um Oscar, por outro tentam nos marcar a pele com marcas invisíveis que tem por único objetivo nos subjugar através do argumento claro de que pertencemos exclusivamente à periferia.
Viemos de lá, ou melhor, viemos de lugares piores do que aquilo que hoje conhecemos como comunidade, a popular favela. Pertencemos por longos tempos a mãos daqueles que se julgavam superiores pela tez da sua pele, viemos de navios agrupados como lixo, fomos vendidos como mercadorias, levamos chibatadas como se nossa dor não significasse nada. Hoje nossa dor é contada em histórias, em músicas, em telas de cinema, mas estamos longe de reclamar nosso lugar de direito, aquele lugar que insistem em nos dizer que não nos é devido.
Vamos entender que atualmente podemos nos ver representados em filmes sem que sejamos escravos, podemos escrever matérias que serão lidas por toda população. Hoje precisamos reconhecer que alguns de nós já se manifestaram e levantaram a bandeira da liberdade, não apenas a liberdade de ir e vir, mas a de se descobrir capaz de realizar grandes feitos. Precisamos agora aprender a levantar mais alto a bandeira da representatividade, entender que os lugares que conquistamos, por menores que sejam, precisam ser valorizados de forma que outros como nós possam erguer suas bandeiras também.
Como segregados, como fomos, conseguimos alçar voos incríveis, imagina se nos juntarmos e tentarmos levantar uns aos outros. Sim, isso seria incrível. Se hoje alcançamos nomeações, vamos reclamar os prêmios, as recompensas, as posições nas alturas. Vamos ocupar a periferia, mas também os bairros de luxo, vamos trabalhar para pagar contas, mas vamos estudar para que nossas possibilidades não fiquem limitadas.
Vamos vender bala no sinal, mas também estudar medicina e aprender a salvar vidas. Vamos faxinar pelo nosso ganha pão, mas também incentivar aos da próxima geração para que sejam mais do que conseguimos ser, educando-os para que “Wakanda” seja em todo lugar e para que eles, assim como nós, encorajem-se para libertar o Pantera Negra que existe no interior de cada um.
Busco fazer a minha parte numa luta diária que mais parece uma eterna queda de braço, mas sigo lutando para que outros enxerguem o potencial em si e lutem por si tal como eu lutei e continuo lutando.
Fica a esperança de um mundo onde não seja necessário exaltar a possibilidade de um prêmio por uma academia acostumada a concedê-los cada vez mais a nós, negros de pele, de corpo e de alma.
Melhor Filme, Melhor Atriz, Melhor Atriz Coadjuvante, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Figurino, Melhor Montagem, Melhor Direção de Arte
Algo digno de ser notado em A favorita é o tom de frivolidade nas ações e regalias da nobreza.
A favorita, filme dirigido por Yórgos Lánthimos, estrelado por Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone, lançado em 2019, retrata a vida da corte inglesa e os percalços “singulares” da realeza.
Na Inglaterra do séc. XVIII, a corte se encontra sendo liderada pela rainha Anne, que dentre todas as características possui a cólera e uma total falta de controle como seus pontos mais fortes. Dessa forma, ao seu lado ela possui Lady Sarah Churchill, sendo esta a responsável por fazer todas as obrigações que seriam delegadas à rainha.
A relação entre Anne e Sarah é de extrema dependência, a ponto de a primeira se considerar inteiramente incapaz de viver sem a presença da outra. É nítida a dependência emocional da rainha, que se mostra em somatizações o tempo inteiro ao decorrer o filme. Cenas como ela gritando por Sarah no meio da madrugada, aos prantos e extremamente suada, são bem comuns.
Já a personagem de Sarah é o oposto de Anne. Uma mulher decidida e de pulso firme, que apesar de manter uma relação próxima com a rainha não abaixa a cabeça para ela em diversos momentos. Tal comportamento se faz necessário, uma vez que Sarah consegue enxergar que Anne precisa muito de imposições de limites, por não conseguir tomar decisões coerentes com seu posto de líder.
A relação das duas ia muito bem, até que um dia uma nova moça chega ao castelo à procura de emprego. Abigail Masham inicia suas atividades como empregada do castelo, e numa astuta jogada, ao ajudar a curar as dores de uma gota da rainha, consegue que Lady Churchill a coloque para ser sua criada. Mal sabia ela que estaria colocando uma “cobra na toca de um coelho”…
A sensação que se tem a partir desse momento é de um completo jogo de “destruição a rival”, onde Abigail e Sarah lutam pela atenção e aprovação da rainha, e a relação que se estabelece entre as duas é de uma competição acirrada. De acordo com Edwards (1991) apud Palmieri et al (2004) ambientes competitivos podem levar os indivíduos a comportamentos hostis e agressivos, e é justamente o que acontece com as duas rivais.
Ao se estabelecer esse ambiente de competição ao invés de cooperação, ambas excluem toda e qualquer possibilidade de trabalharem juntas pela rainha, pelo contrário, cada uma assume sua posição na busca por ser a mais querida por Anne. Esse cenário pode ser explicado, já que num contexto de competição “quanto mais um indivíduo se aproxima de seu objetivo, mais o outro se afasta da possibilidade de alcançar o seu (EDWARDS apud PALMIERI et al, 2004, pág.191)”.
Mas quem poderia levar maior vantagem nessa disputa? Aquele que estiver disposto a jogar das formas mais obscuras possíveis. E esse alguém você descobrirá quem é ao assistir o filme!!!
Algo digno de ser notado em A favorita é o tom de frivolidade nas ações e regalias da nobreza, o que diretor com certeza conseguiu representar muito bem. Ao mostrar cenas das grandes festas e banquetes, e as formas de diversão que a nobreza possuía, o som de piano ao fundo, traz a sensação de comicidade e repulsa pela diferença descabida dos criados servindo vinho, enquanto os homens nobres atiram laranjas num bobo da corte que sorri “alegremente”.
A rainha que possui 17 coelhos dentro de seu quarto e que aposta corridas usando lagostas vivas, enquanto todos os criados dormem num quarto espalhados pelo chão sem espaço ao menos para respirar, diz muito sobre a desigualdade social da Inglaterra do séc. XVIII.
Título original: The Favourite Direção: Yorgos Lanthimos Elenco: Olivia Colman, Emma Stone, Rachel Weisz, Nicholas Hoult; Ano: 2018 Países: Estados Unidos da América e Irlanda Gênero: Biografia, Histórico
REFERÊNCIAS:
PALMIERI, Marilícia Witzler Antunes; BRANCO, Angela Uchoa. Cooperação, Competição e Individualismo em uma Perspectiva Sócio-cultural Construtivista. Psicologia: Reflexão e Crítica, Brasília, v. 2, n. 17, p.189-198, 12 set. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/prc/v17n2/22471>. Acesso em: 16 fev. 2019.
O filme poderia ter resvalado para um mundo-cão, mas as sequências irrompem com excelente montagem
Nesta fase de escolhas de finalistas para Oscar de Melhor Filme Estrangeiro ‘’Cafarnaum’’ (2018) de Nadine Labaki pode não ganhar este prêmio, mas dificilmente há um filme tão corajoso, crudelíssimo, contundente, muito bem realizado, com autenticidade impressionante, como este.
E com um jovem ator de 12 anos, Zain Al Rafeea, completamente integrado ao projeto, onde compõe o protagonista Zain, com sua máscara bastante triste, forte determinação, que diante de um juiz (não é spolier, pois surge logo no início), diz que está processando os pais pôr o terem colocado no mundo sem ter a menor condição de criá-lo.
De cara já é atordoante e o como se chegou a esta situação e seu desfecho será bem mais, obviamente. O filme poderia ter resvalado para um mundo-cão, mas as sequências irrompem com excelente montagem, onde poesia crua espanta qualquer noção de morbidez.
Se o Zain se destaca, seus pais, vítimas de educações completamente equivocadas que receberam, são defendidos por excelentes atores, que nos passam justamente esta corrente da ignorância, de geração para geração, mesmo que na prática seja de degradação para degradação.
Mas claro que o filme não exime de grandes responsabilidades, uma sociedade que leva a este estado de coisas e que é mostrada em suas outras mazelas como superlotação carcerária, fora a perseguição a imigrantes que tem papel bastante relevante na trama. Merece destaque também a atriz que faz a refugiada negra, com seu pequeno filho, com a sobrevivência tão ameaçada que não temos espirito para dizer que é uma gracinha, o que é mesmo.
‘’Carfanaum’’, pesa a mão, sugerindo, pela dramaturgia (independente de que a realidade seja igualmente terrível ou pior), mais exploitation da miséria do que a dignidade de clássicos que abordaram a infância abandonada – ou mais do que isso, maltratada. Referindo ao ‘’Pixote’’ e ao clássico de Luís Bunuel ‘’Los Olvidados’’ que já eram barra pesada de se ver. Este filme fica sendo quase insuportável tamanha a soma de desgraças pela qual o personagem do menino Zain passa. O pequeno ator é extraordinário. Ele não é libanês, como o filme e restante do elenco, mas sírio (supondo que seja refugiado e, portanto, deve saber bem do que o filme está falando). No mais, super premiado e reverenciado pela crítica em geral.