A Caça: alienação e estigmas sociais

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Com uma indicação ao Oscar:

Melhor Filme Estrangeiro

 

(ATENÇÃO: SPOILERS À VISTA!!!) Imagine a seguinte situação: Você tem uma filha de 5 anos e ela estuda em uma ótima escola, que você escolheu e confia. Tudo vai bem até que um dia ela chega em casa e diz que um funcionário da escola lhe mostrou o pênis. O que você faria?

 

 

Provavelmente chamaria imediatamente a polícia, entraria em contato com a direção da escola e faria o que mais fosse necessário para punir o pedófilo abusador. Mas e se sua filha, que você julga inocente e pura, tivesse mentido ou fantasiado toda essa situação? Que impacto uma acusação como essa teria na vida do inocente funcionário?

Pois este é exatamente o mote do filme A caça, vencedor da Palma de Ouro em Cannes e um dos candidatos a melhor filme estrangeiro no Oscar 2014 (perdeu para o magnífico A Grande Beleza). Dirigido pelo dinamarquês Thomas Vinterberg (o mesmo do clássico Festa em família, que marcou o início do movimento Dogma 95), o filme conta a dramática história de Lucas. Interpretado pelo ator Mads Mikkelsen (que atualmente vive o protagonista da série Hannibal).

 

 

Lucas tenta reconstruir sua vida após um complicado divórcio, no qual perdeu a guarda de seu único filho. Para se sustentar, ele trabalha em uma creche, na qual é adorado pelas crianças e respeitado pelos colegas. Nas horas de folga, e em determinados momentos do ano, se reúne com os amigos para caçar cerdos, beber e se divertir.

Tudo isto começa a mudar quando a angelical Klara, de 5 anos – e filha do melhor amigo de Lucas – diz para a diretora da escola que Lucas lhe mostrou seu pênis ereto. Mas voltemos um pouco no tempo. Alguns dias antes, o irmão mais velho de Klara mostrou rapidamente para ela, em seu tablet, um vídeo pornográfico e disse algo como “olha só como o pau dele está ereto”.

 

 

Alguns dias depois, Klara, que nutre uma paixão infantil por Lucas, lhe dá um beijo durante uma brincadeira na creche. Lucas conversa com ela, diz que isto não é correto, mas a garota fica ressentida. E então, numa conversa com a diretora, Klara dá a entender que Lucas lhe mostrou seu “pau ereto”. Mas não há, na fala de Klara, qualquer conotação sexual. Na verdade ela nem parece saber direito o que disse – muito menos o impacto de sua declaração na vida do inocente Lucas.

 

 

Num primeiro momento, a diretora da creche, antes de tomar providências mais sérias e avisar os pais, tenta averiguar a veracidade da declaração de Klara. Para isso, chama um psicólogo para conversar com a garota. Esta conversa é um perfeito exemplo de como não se entrevistar uma criança com suspeita de ter sido abusada.

O primeiro grande equívoco é partir do pressuposto que houve o abuso e de que o sujeito é culpado. O segundo é a noção implícita de que “crianças não mentem”. Finalmente, são feitas perguntas fechadas que acabam gerando o “reflexo” por respostas positivas que agradem o entrevistador. Por exemplo, a reação básica de muitas crianças diante da pergunta “Ele encostou em você de um jeito errado, não foi?” é dizer “sim”.

 

 

Da mesma forma, a pergunta utilizada pelo psicólogo no filme é altamente tendenciosa: “É verdade que você viu o pipi de Lucas?”. Curiosamente, ao ouvir essa pergunta Klara balança a cabeça dizendo que não, mas, diante da insistência do profissional, a menina acaba confirmando, ou seja, dizendo o que o entrevistador gostaria de ouvir. É por equívocos como esse que é recomendada a realização de perguntas abertas (do tipo “como tal coisa aconteceu?” ou “descreva como foi aquele dia”), que não conduzam a criança à resposta “desejada”. Outras técnicas, como desenhos e atividades lúdicas em geral, também podem ajudar no processo de investigação. De toda a forma, a possibilidade de erro – ou seja, de que a pessoa acusada seja inocente – não pode ser descartada. Nunca. Isto não significa desacreditar a vítima, mas entender que as pessoas em geral, e especialmente crianças, podem fantasiar situações.

 

 

Segundo a psicóloga Glícia Barbosa de Mattos Brazil, que trabalha no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cerca de 80% das denúncias de abuso sexual com crianças são falsas. Como afirmou para esta reportagem, “na maioria dos casos, a mãe está recém-separada e denuncia o pai para restringir as visitas — conta Glícia, responsável por entrevistar as famílias e as crianças para tentar descobrir a verdade. A especialista explica que a invenção muitas vezes é discreta.

 

 

O adulto denunciante vai convencendo a criança aos poucos de que a agressão realmente aconteceu”. Na mesma direção, o psicólogo Lindomar Darós, da Vara da Infância e Adolescência de São Gonçalo, afirma que cerca de 50% dos registros de abuso sexual são forjados. Segundo ele, “quando a criança é muito pequena, tem dificuldade para diferenciar a fantasia da realidade. Se repetem que sofreu o abuso, aquilo acaba virando uma verdade para ela”. Desta forma, o que à uma primeira vista pode parecer um caso de abuso sexual, na verdade se trata de um caso de alienação parental.

 

 

Diferenciar as duas coisas é fundamental, embora não seja nada simples. Isto porque determinar a “verdade” implica em tentar separar o que é verdade para a criança – e muitas vezes a criança realmente constrói uma lembrança vívida do que teria acontecido (o que Freud chamou de “realidade psíquica“) – e qual a verdade factual, ou seja, o que de fato aconteceu ou não aconteceu. Se em situações cotidianas já é difícil, quiçá impossível, separar “memórias verdadeiras” de “falsas memórias” (como diz o protagonista do filme Ela, “o passado é só uma história que contamos a nós mesmos”), imagine em casos nos quais esta separação possui implicações legais?

 

Não digo que tal equívoco ocorre na maioria dos casos mas, definitivamente, é algo que não pode ser desconsiderado, especialmente em função do profundo impacto que tal acusação pode gerar na vida do acusado. Na verdade usualmente pouco importa se o sujeito realmente cometeu o abuso. A mera acusação já é suficiente para estigmatizá-lo – e penso aqui estigma seguindo a conceituação do sociólogo Erving Goffman em seu clássico livro Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada: como um atributo que marca negativamente o sujeito que o possui perante a sociedade (isto vale tanto para atributos físicos quanto comportamentais e culturais).

No filme, após “confessar” ter sido abusada por Lucas, Klara, em vários momentos, nega o abuso, mas aí ninguém mais acredita nela. Sua negação é interpretada como negação do problema. Ou seja, a partir do momento que o sujeito passa a ser visto como um pedófilo abusador (e a criança como vítima), torna-se praticamente impossível reverter tal visão perante sua comunidade.

 

 

As consequências, no filme e na vida real, são aterradoras: no filme Lucas é demitido da Escola, isolado das pessoas com que se relacionava e ainda sofre violências de todo tipo – e é curioso também como o estigma de Lucas é, de certa forma, transferido ao seu filho, que passa a sofrer as consequências da falsa acusação sofrida pelo pai. E não é por outro motivo que existem inúmeras associações e grupos em todo o mundo voltados para o apoio a pessoas falsamente acusadas.

No Brasil, a Associação de Vítimas de Falsas denúncias de abuso sexual (AVFDAS) foi criada justamente para auxiliar e dar apoio a sujeitos equivocadamente tachados de abusadores. Afinal, o impacto de tal estigma é devastador – basta lembrarmos do caso da Escola Base, em que os proprietários foram falsamente acusados de abusar sexualmente de alguns alunos.

Por tudo isso considero fundamental uma avaliação profunda de cada caso. Isto não significa, volto a repetir, duvidar ou negar auxilio à suposta vítima, mas a levar em consideração um princípio básico de direitos humanos: a presunção de inocência. Do contrário corremos o risco de transformar um suposto caçador em caça, como ocorre no magnífico e perturbador filme de Thomas Vinterberg.


FICHA TÉCNICA DO FILME

A CAÇA

Gênero: Drama
Direção: Thomas Vinterberg
Roteiro: Thomas Vinterberg, Tobias Lindholm
Estúdio: Zentropa
Duração: 106 minutos.
Ano: 2012.

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“As sessões” e o sexo terapêutico

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Com uma indicação ao Oscar:

Melhor Atriz Coadjuvante (Helen Hunt)

 

Baseado em fatos reais, o filme “As sessões” (The sessions, EUA, 2012) retrata a surpreendente história do poeta e escritor Mark O’Brien (1949-1999), interpretado magnificamente pelo ator John Hawkes. Aos seis anos de idade, Mark contraiu poliomielite e ficou paralisado do pescoço para baixo – muito embora mantivesse a sensibilidade na maior parte do corpo. Desde então e até o fim de sua vida, passou seus dias preso a uma cama, quando não em um “pulmão de aço”, que o permitia respirar. Apesar de todas essas limitações, conseguiu se formar em letras, atuou como jornalista, escreveu poesias e ainda foi um ardoroso militante do direito das pessoas com deficiência. Em termos profissionais, Mark conseguiu superar muitos obstáculos, o mesmo não ocorrendo em sua vida pessoal. Aos 38 anos de idade, virgem e tendo constantes ejaculações espontâneas (e mesmo “induzidas” pelo contato de suas cuidadoras), Mark chega à conclusão que não deseja passar pela vida sem ter tido ao menos uma experiência sexual.

 

 

Mas para colocar em prática este desejo, ele precisa superar três barreiras: a primeira é sua culpa católica, inculcada por seus pais, em sentir prazer; a segunda é a dúvida se realmente conseguirá fazer sexo em função de todas suas limitações físicas e a terceira é a questão de com quem faria sexo, haja vista que as mulheres que conheceu durante a vida sentiram mais pena do que atração por ele – e mesmo aquelas que se atraíram, não seguiram adiante. Com relação à primeira barreira, Mark, procura o conselho – e mesmo a “autorização” – de um padre (interpretado pelo excelente ator Willian H. Macy). Este, mesmo em dúvida sobre o que dizer, o aconselha a seguir seu desejo, indo contra, desta forma, aos próprios preceitos de sua igreja de que o sexo só deve ser realizado após o casamento. O padre, neste caso, foi bem razoável e compreendeu a peculiar situação de Mark. Já para tentar resolver as outras duas barreiras, Mark decide procurar, a partir da indicação de sua psicoterapeuta, uma “substituta sexual” (sexual surrogate), interpretada no filme pela atriz Helen Hunt – que concorreu este ano ao Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel. Merecidamente, diga-se de passagem.

Esta profissão realmente existe, tendo surgido na década de 70 nos Estados Unidos – em plena revolução sexual, portanto – a partir do trabalho dos sexólogos Willliam Master e Virginia Johnson. Posteriormente foi criada uma associação internacional (a IPSA) e até mesmo um código de ética para regular a prática profissional. Atualmente existem somente cerca de 50 “substitutos” treinados e atuantes nos Estados Unidos – no Brasil, pelo que pesquisei, nenhum. Na década de 70 haviam cerca de 2 mil mas, mesmo neste momento, a profissão nunca gozou (ops!) de grande visibilidade e sempre foi alvo de um inúmeros preconceitos. Na década de 90, a profissão tornou-se conhecida do grande público em função de um artigo escrito por Mark para a The sun Magazine intitulado “On seeing a sex surrogate”1. O filme é baseado neste artigo assim como no livro autobiográfico An intimate life (publicado em 2012 no Brasil como “As sessões: minha vida como terapeuta do sexo” – que li e recomendo), escrito pela “parceira substituta” de Mark, Cheryl Cohen Greene, hoje com 68 anos. Em 40 anos de carreira, Cheryl atendeu até hoje mais de 900 pacientes, em sua maioria homens virgens ou que não conseguem ter uma ereção ou chegar ao orgasmo, além de indivíduos portadores de deficiência – como foi o caso de Mark. Ela atende também mulheres e casais e trabalha sempre (até hoje!) em parceria com uma terapeuta sexual convencional ou com um psicólogo (“enquanto ele trabalha a parte emocional, fico com os exercícios práticos”, diz ela). Cheryl descreve da seguinte forma sua metodologia de trabalho:

“A cada sessão há um ganho gradativo de intimidade. Começo com técnicas de relaxamento e testes de toques para saber quais as partes mais sensíveis do corpo do paciente. Em seguida, vêm as carícias, beijos e masturbação. A penetração costuma acontecer só nas últimas sessões. Durante o sexo, presto atenção a todos os detalhes e anoto cada reação do paciente. Sempre usamos preservativos. As sessões acontecem duas vezes por mês e têm duração de duas horas. Cobro US$ 300 por consulta. Há um limite de sessões, que varia de seis a dez”2.

 

Muitos consideram a profissão de Cheryl uma forma de prostituição, o que ela nega. No filme, a diferença apresentada pela personagem é que enquanto a prostituta pretende criar uma freguesia, ou seja, que o cliente a procure mais e mais vezes, seu esquema de trabalho se dá com um número máximo de sessões, sem possibilidade de retorno, de forma a não criar um vínculo de dependência. Outra diferença, explicitada por ela em uma entrevista, é que “ir a uma prostituta é como ir a um restaurante, escolher no cardápio e ser servido pelos funcionários, que esperam que você volte. Ter sessões com a terapeuta sexual substituta é como ir a uma escola de culinária: você descobre onde achar ingredientes, aprende receitas e sai fazendo pratos por conta própria”3. Ou seja, o objetivo é mais educar para o prazer do que gerar prazer por si mesmo, como seria no caso de uma prostituta. Como afirma a terapeuta de casais Louanne Cole Weston no prefácio do livro de Cheryl, “os terapeutas do sexo são como professores para seus clientes”. Além disso, como disse em uma entrevista o diretor do filme Ben Lewin (que também contraiu pólio aos 6 anos de idade e se locomove com ajuda de muletas): “Certa vez, perguntei para Cheryl como foi o ato sexual entre eles [ela e Mark]. E ela me respondeu que tinha que pegar suas anotações para recordar. Duvido que prostitutas façam anotações”4. Ou seja, o trabalho de parceira substituta é mais minucioso e sistemático do que é ou seria o de uma prostituta.

A ideia de uma “substituta sexual” parece ser, em suma, uma forma prática de auxiliar pessoas com alguma dificuldade ou imaturidade na área sexual a conhecer o próprio corpo para que possam fazer sexo com outras pessoas. No caso do Mark O’Brien o filme me convenceu se tratar de uma alternativa necessária diante de seu problema peculiar. Uma prostituta, mesmo atenciosa e bem-intencionada, talvez não tivesse os conhecimentos e a paciência necessários para ajudá-lo. Da mesma forma, uma terapeuta sexual que se utilizasse somente da terapia pela palavra não teria, acredito, qualquer efeito. Ele precisava descobrir na prática que conseguia sentir prazer. Precisava descobrir e despertar o próprio corpo. Como afirma Cheryl em uma entrevista: “Numa terapia convencional, o paciente pode não conseguir pôr as orientações em prática, seja por vergonha do parceiro, seja pela falta de um. Conseguimos transpor essas barreiras. O paciente também aprende a conhecer melhor o corpo do outro – no caso, o meu, que serve de modelo para relações futuras. Comigo, ele pode falar abertamente sobre suas fantasias e experimentar as posições que deseja” 5.

Questionada como encara o sexo sem envolvimento afetivo (que é diferente do envolvimento sexual necessário para o trabalho) ela respondeu: “Tudo o que é consensual entre adultos é válido. O lindo do meu trabalho é que você não precisa se apaixonar, mas tem que se tornar íntimo da pessoa e respeitá-la”6. E para evitar que o paciente se apaixone por ela, a técnica usada é contar detalhes de sua vida privada a eles: “digo que sou casada e feliz. Isso já diminui as expectativas”. O problema é que nem sempre isso funciona, haja vista que ela própria é casada, há mais de 30 anos, com um ex-paciente. Segundo ela, “Bob me procurou depois que terminaram as sessões. Na segunda vez que saímos já fizemos sexo fora do ‘consultório'”. Podemos e devemos questionar essa atitude dela, mas devemos nos lembrar que o envolvimento entre terapeuta e paciente pode ocorrer (e de fato ocorre) mesmo que não haja sexo envolvido na terapia.

 

Com relação à esta polêmica profissão, gostaria de fazer alguns questionamentos. No Brasil, os tradutores do livro de Cheryl optaram por traduzir “sex surrogate” por Terapeuta do Sexo. Mas será que o que ela faz pode ser, realmente, chamado de terapia? Se entendermos terapia como sinônimo de tratamento para algum problema, certamente o que Cheryl faz é uma forma de terapia (da mesma forma que a fisioterapia, a massoterapia ou a hipnoterapia). Mas será a “substituição sexual” uma forma psicoterapia? Se definirmos psicoterapia como uma terapia utilizada para tratar problemas psicológicos, a atividade de Cheryl pode sim ser considerada uma forma de psicoterapia, haja vista que grande parte de seus pacientes são sujeitos com dificuldades “psicológicas” em se relacionar sexualmente. Se tais dificuldades fossem devido a questões “físicas” o mais lógico seria que procurassem um médico. Agora, outra questão a se pensar é: quais são ou devem ser os limites de uma psicoterapia? Dialogar obviamente é permitido e mesmo necessário. Aliás, a maioria das psicoterapias são baseadas no diálogo entre terapeuta e paciente. Mas e tocar, pode? Até que ponto? Tem psicoterapeutas que se recusam até mesmo a encostar no paciente para cumprimentá-lo. Outros, por exemplo os terapeutas corporais, fazem massagens e outros procedimentos que envolvem o toque nos pacientes. Isso pode. Mas sexo não pode. Por que não?

Uma resposta possível seria: o sexo é terapêutico, sem dúvida, mas não pode fazer parte de uma terapia porque extrapola os limites do que, convencionalmente, é entendido como psicoterapia. Neste sentido, uma terapia com sexo não poderia ser considerada propriamente uma psicoterapia, mas sim sexo com fins terapêuticos – a ser realizado não por um(a) psicólogo(a) mas por uma parceira substituta ou mesmo por uma prostituta. De acordo com uma reportagem sobre o filme , o Conselho Federal de Psicologia (CFP) proíbe a relação sexual entre terapeuta e paciente. No entanto, pesquisei sobre esta questão no site do Conselho e não encontrei nenhuma resolução específica que regulamente a relação terapêutica ou que proíba o sexo entre terapeuta e paciente. De fato, no Código de Ética Profissional está escrito que é vedado ao psicólogo “prestar serviços ou vincular o título de psicólogo a serviços de atendimento psicológico cujos procedimentos, técnicas e meios não estejam regulamentados ou reconhecidos pela profissão”. O problema é que não existe nenhum documento que especifique quais “procedimentos, técnicas e meios” são permitidos e quais são proibidos. Isso acaba ficando a cargo do psicólogo decidir ou do Conselho julgar, o que é um tanto complicado. O Código de Ética também impede o psicólogo de “estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado”. No entanto o texto não deixa claro quais são exatamente as relações proibidas ou não-aconselhadas. Podemos imaginar que o sexo estaria dentre estas relações, mas quem foi que disse que a relação sexual interferiria  de forma necessariamente negativa no tratamento? Segundo a psicanalista Araceli Albino, entrevistada para uma reportagem sobre o filme, “sexo entre terapeuta e paciente ocorre mais do que imaginamos. É danoso: a pessoa depositou confiança no profissional e fica à mercê dele. É quebra de contrato” . Mas e se o sexo fizer parte do contrato estabelecido entre o terapeuta e o paciente?

Não estou aqui defendendo a inclusão ou mesmo a aceitação da relação sexual na terapia realizada por psicólogos ou psicanalistas. Até porque a profissão de “parceira substituta” é autônoma à Psicologia e à Psicanálise. Trata-se de uma profissão com características, técnicas e ética próprias. Mas a existência e atuação destes profissionais faz pensar sobre o manto de hipocrisia que ainda cobre nossa relação com o sexo e a sexualidade. Fazer sexo profissionalmente ainda é visto por muitas pessoas como algo degradante e eminentemente negativo, tanto para o profissional quanto para o cliente. Em muitos comentários e resenhas que li sobre o filme, a profissão de “parceira sexual” é fortemente criticada e Cheryl frequentemente desqualificada e rotulada de prostituta, como se isso fosse algo negativo em si. Condenamos, desta forma, aqueles que “vendem” o próprio corpo, mas nos esquecemos (ou não nos damos conta) de que todos os que trabalham, em alguma medida, vendem o próprio corpo em troca de dinheiro. Mas talvez não seja o “corpo” o verdadeiro problema e sim o sexo. Sempre ele. É triste e curioso que em pleno século XXI ainda tenhamos dificuldade em tratar o sexo de forma aberta e honesta, sem tantos pudores e preconceitos.

Notas:

1http://noteasybeingred.tumblr.com/post/16646893808/on-seeing-a-sex-surrogate-mark-obrian

2http://revistaepoca.globo.com/Vida-util/noticia/2013/03/cheryl-cohen-greene-troquei-o-diva-pela-cama.html

3http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1232703-fiz-sexo-com-mais-de-900-pessoas-diz-terapeuta-americana.shtml

4 http://oglobo.globo.com/cultura/a-terapia-do-sexo-do-diretor-ben-lewin-6269855

5http://revistaepoca.globo.com/Vida-util/noticia/2013/03/cheryl-cohen-greene-troquei-o-diva-pela-cama.html

6http://noticias.bol.uol.com.br/ciencia/2013/02/19/fiz-sexo-com-mais-de-900-pessoas-diz-terapeuta-americana.jhtm


FICHA TÉCNICA DO FILME

THE SESSIONS

Diretor: Ben Lewin
Elenco: John Hawkes, Helen Hunt, William H. Macy, Moon Bloodgood, Annika Marks, W. Earl Brown, Blake Lindsley, Adam Arkin, Ming Lo, Jennifer Kumiyama, Robin Weigert, Jarrod Bailey, Rusty Schwimmer, James Martinez, Tobias Forrest, J. Teddy Garces, B.J. Clinkscales, Jason Jack Edwards, Rhea Perlman, Daniel Quinn, Jonathan Hanrahan, Gina-Raye Carter, Amanda Jane Fleming, Stephane Nicoli
Produção: Judi Levine, Ben Lewin, Stephen Nemeth
Roteiro: Ben Lewin
Fotografia: Geoffrey Simpson
Trilha Sonora: Marco Beltrami
Duração: 97 min.
Ano: 2012
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Fox Film
Estúdio: Rhino Films / Such Much Films
Classificação: 16 anos

PRÊMIOS
Em 2012, vencedor do Prêmio do Público de Melhor Filme – Drama e Prêmio Especial do Júri

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Lincoln: política, escravidão e liberdade

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Com doze indicações ao Oscar:

melhor  filme, direção (Steven Spielberg), ator (Daniel Day Lewis), atriz coadjuvante (Sally Field), ator coadjuvante (Tommy Lee Jones), roteiro adaptado, figurino, edição, fotografia, trilha sonora original, direção de arte, mixagem de som.

 

Steven Spielberg não perdeu tempo ao saber que a historiadora Doris Kearns Goodwin estava trabalhando na biografia de Abraham Lincoln e logo comprou os direitos autorais da obra. A escritora já havia escrito a biografia de outros presidentes americanos: Lyndon Johnson, Kennedy e Roosevelt (a biografia deste último e de sua esposa lhe rendeu o Prêmio Pulitzer).

Entretanto, da obra original em inglês, um calhamaço de 948 páginas, Spielberg baseou-se em um trecho relativamente pequeno, mas que serviu para mostrar a totalidade da personalidade deste que se apresenta como um dos mais emblemáticos presidentes dos Estados Unidos da América. Vale ressaltar que quem se aventurar pela edição do livro em português vai se deparar com um livro de enxutas 322 páginas, uma versão condensada elaborada para o “público externo” e que, justamente, não conta com a parte da história que é retratada no filme.

 

 

Lincoln, o 16º presidente dos EUA, do Partido Republicano, foi praticamente incorporado pelo ator Daniel Day Lewis, conhecido pela forma visceral com que assume os papéis que lhe caem nas mãos. Impossível ver diferenças entre o Lincoln das fotos históricas e aquele que vemos na tela do cinema, em um brilhante trabalho de caracterização e de interpretação.

O ponto central do filme reside em torno da difícil tarefa de aprovar, no Congresso Americano, a 13ª Emenda, aquela que aboliu oficialmente a escravatura e a servidão involuntária em território americano. Tarefa hercúlea quando se trava uma batalha que envolve um grande número de congressistas que dividem a opinião de que “o Congresso não pode considerar iguais (…) aqueles que Deus criou desiguais!”. Momento interessante para se observar que os congressistas contrários à abolição da escravatura eram do Partido Democrata, o mesmo que elegeu, quase 150 anos depois, o primeiro presidente negro dos EUA.

Na luta pela aprovação da 13ª Emenda Lincoln faz uso de sua habilidade política, ao perceber o momento certo para colocar a emenda em votação, em meio às tratativas para dar fim a Guerra Civil Americana. Ele sabia que após o fim da guerra o povo americano e os deputados que a representavam não estariam mais dispostos a encarar os debates que tal emenda exigia: “Não posso terminar essa guerra até nos curarmos da escravidão”.

Neste processo Lincoln articula muito bem seus argumentos, usados em conjunto com uma perfeita análise da condição humana, para obter o apoio necessário, inclusive dentro do próprio Partido Republicano. Entretanto, é irônico perceber que o presidente que é apresentado como o mais ético e moral dos EUA teve que utilizar artimanhas escusas, como a compra de votos e a cooptação de deputados, para chegar ao seu objetivo final, a abolição da escravatura. Talvez ele tivesse certo desde sempre que, neste caso, os fins justificariam os meios. O tempo e a história lhe dariam razão.

 

Obviamente que, sendo um filme histórico, sabemos que a 13ª Emenda será aprovada, que a Guerra Civil será finalizada com a vitória do norte, que Lincoln não conclui seu segundo mandato, entre outros elementos já conhecidos. Felizmente, a forma como cada parte da história é apresentada nos prende ao filme e nos mostra, com grande sensibilidade, aspectos que, se não foram reais, deveriam ter sido. E aqui faço uma referência particular, e com enorme esforço para não estragar a história, à cena “de cama” mais bonita que já vi em um filme.

É claro que um filme sobre um presidente dos EUA diz mais aos americanos que ao restante do mundo e que isso poderia deixar o ritmo enfadonho para alguns, especialmente naqueles momentos em que os EUA são, mais uma vez, apresentados como responsáveis pela salvação da ordem mundial: “Estamos diante de uma plateia mundial. Com o destino da dignidade humana em nossas mãos. Sangue foi derramado para chegarmos a esse momento”. Mas a questão da abolição diz respeito a todos, em qualquer tempo e em qualquer lugar, e acompanhar o esforço de um ser humano para alcançar este objetivo acaba sendo inspirador.

Bem que o esforço para o fim da escravidão, assim como para o fim da guerra civil, como ali retratados, poderiam servir para trazer à tona palavras que tem sua utilidade ontem, hoje e sempre: “Que nós possamos admitir que esses homens não morreram em vão. Que essa Nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade. E que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”.

 

“Isto selará o destino dos anos que estão por vir. Não apenas dos milhões agora envolvidos,
mas também dos milhões que ainda vão nascer. Paremos de derramar sangue.”
(Abraham Lincoln)


FICHA TÉCNICA DO FILME

LINCOLN

Título Original: Lincoln
Gênero: Biografia, Drama, História
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner – Adaptado do livro “Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln” de Doris Kearns Goodwin
Elenco: Daniel Day-Lewis (Abraham Lincoln), Sally Field  (Mary Todd Lincoln), David Strathairn (William Seward), Joseph Gordon-Levitt (Robert Lincoln), James Spader (W.N. Bilbo), Hal Holbrook  (Preston Blair), Tommy Lee Jones (Thaddeus Stevens), Lee Pace (Fernando Wood), Gulliver McGrath (Tad Lincoln), Chase Edmunds (Willie Lincoln)
País de Origem: Estados Unidos
Classificação: 12 anos
Duração: 150 min

Alguns prêmios:

Golden Globe: Melhor Ator em Filme Dramático (Daniel Day-Lewis)
Screen Actors Guild Award: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Ator Coadjuvante (Tommy Lee Jones)
BAFTA Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis)
Boston Society of Film Critics Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Atriz coadjuvante (Sally Field), Roteiro
Broadcast Film Critics Association Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Roteiro Adaptado

Fonte: Internet Movie Database (IMDb)

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Argo: um filme falso para uma missão real

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Com sete indicações ao Oscar:

Filme, Ator Coadjuvante (Alan Arkin), Roteiro Adaptado (Chris Terrio), Edição, Trilha sonora original, Edição de Som, Mixagem de Som

 

O Império Persa, atualmente conhecido como Irã, foi governado por 2500 anos por reis (denominados Xás), com seus costumes e regras tão diferentes do mundo Ocidental. Em 1950, o primeiro ministro (Mohammed Mossadegh) agiu diretamente na imposição de novas leis em torno das políticas que regiam o Petróleo. Mossadegh era um nacionalista e defendia o controle das riquezas petrolíferas por parte do Irã. Assim, a Inglaterra e os Estados Unidos arquitetaram os meios para a instauração de um Golpe de Estado que tirou Mossadegh do poder e instalou o Xá Reza Pahlavi como o novo líder do país.

Enquanto o povo iraniano, em sua maioria, passava fome e sofria retaliações, a família do novo Xá vivia em condições de luxúria e poder. Agregando-se a isso, a crescente insatisfação do povo do Irã com as campanhas que tentavam tornar seu país mais ocidental, estava armado o cenário para a queda de Reza Pahlavi e o retorno do clérigo Aiatolá Khomeini ao poder.

Nesse contexto, está definida a base histórica que resultou, dentre outras coisas, na tomada da embaixada americana por um grupo de iranianos em 1979. Essa é a base na qual foi desenvolvido o tema principal de Argo, o tão premiado filme do diretor/ator Ben Affleck.

De uma forma geral, conforme apresentado em Bostock (2010), a vida em uma comunidade ocorre em vários níveis: o físico, o social, o econômico, o político e o psicológico. Acrescento, ainda, o fator cultural, e relacionando esses diversos níveis talvez seja possível olhar para um determinado povo de forma mais coerente. A obscura sensação que se tem é a de que vivemos em um mundo pequeno demais para manter certa diversidade cultural. Julgar o que é bom ou o que é mau a partir de uma dada cultura pode ser o começo de grandes embates.

“A condição do estado de espírito predominante em qualquer comunidade, em qualquer momento, pode ser denominado de um estado mental coletivo” (BOSTOCK, 2010). É nesse estado mental coletivo, de um povo que vivia acuado em um regime opressivo nas mãos do Xá Reza Pahlavi e depois acreditou se libertar a partir da condução ao poder do  Aiatolá Khomeini, que se dá o estopim da crise e a tomada da embaixada americana em 1979.

Com um grupo de cidadãos americanos (52 pessoas) sendo torturado psicologicamente no Irã, o Governo dos EUA precisava encontrar um meio de ação, ainda que não soubesse qual o caminho menos desfavorável (já que todos pareciam ser ruins). Em meio a essa crise, tem-se a informação de que seis americanos conseguiram fugir e se refugiaram na embaixada canadense.

Em Argo, há uma tentativa de reconstrução fiel dos fatos que foram relevantes para a retirada dessas seis pessoas do Irã, em um momento em que todos os aeroportos do país estavam sendo fortemente vigiados e que havia uma verdadeira caça aos americanos. Em meio a isso, tem-se uma das ideias mais inusitadas usadas pela CIA na consecução de um plano de fuga, proposta por Tony Mendez (interpretado por Ben Affleck), um especialista em “exfiltração”.

 

 

O plano era “simples”: acionar um diretor e um especialista em maquiagem, que tenha trabalhado em um importante filme de SciFi (exemplo, O planeta dos macacos) e espalhar a notícia que estavam produzindo um filme de Ficção Científica em Hollywood  e que precisariam de um cenário árido (como o encontrado no Irã) para ser o planeta de um grupo de extraterrestres. Claro, tal ideia é absurda e se não tivesse acontecido (e funcionado) de fato, possivelmente Argo seria tratado como mais um desses filmes hollywoodianos fantasiosos.

 

Você têm 6 pessoas escondidas em Teerã, uma cidade de 4 milhões de habitantes gritando morte aos americanos o dia inteiro. Quer fazer um filme em uma semana. Quer mentir para Hollywood, uma cidade onde todos vivem da mentira. Então você vai enviar um 007 para um país onde querem a CIA sangrando no cereal do café da manhã e depois vai tirar seis pessoas da cidade mais vigiada do mundo?

 

Ironicamente, em meio a todo o cenário construído para a rota de fuga ter êxito, o herói é HOLLYWOOD. Se não fosse tal premissa, possivelmente Tony Mendez não teria conseguido entrar no Irã com os seis passaportes falsificados para o grupo que estava escondido na embaixada canadense. O grupo que seria identificado, então, como a equipe produtora do filme.

Argo não tenta aprofundar-se nas nuances psicológicas das pessoas que estavam sob o domínio dos iranianos, nem que tipo de contexto histórico desencadeou tal situação. É um filme que mostra como um agente da CIA, com a ajuda de um embaixador do Canadá (país que ganhou os créditos da operação até 1997, quando esta deixou de ser confidencial), conseguiu entrar em Teerã e resgatar as seis pessoas.

Em uma conversa com Tony Mendez, pouco depois desse acontecimento, o diretor da CIA resume numa frase o tipo de trabalho desenvolvido por eles: “Se quiséssemos aplausos, teríamos entrado para o circo”.

Referência:

BOSTOCK, William Walter. The Psychological Preconditions for Collective Violence: Several Case Studies. Journal of Alternative Perspectives in the Social Sciences ( 2010) Vol 2, No 1, 273-297.

 


FICHA TÉCNICA DO FLME

ARGO

Título Original: Argo
Direção: Ben Affleck
Roteiro: Chris Terrio
Elenco Principal: Ben Affleck, Bryan Cranston, John Goodman, Alan Arkin.
Ano: 2012

Alguns prêmios:
BAFTA – Melhor Filme, Diretor, Edição
Golden Globes – Melhor Diretor (Ben Affleck), Melhor Filme – Categoria Drama
Screen Actors Guild Awards – Melhor Elenco

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O sofrimento pela finitude em ‘Amour’

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Com cinco indicações ao Oscar:

Melhor Filme, Diretor (Michael Haneke),
Atriz (Emmanuelle Riva), Roteiro Original (Michael Haneke), Filme Estrangeiro

“Vai durar até o dia em que acabar.”

Há filmes que apresentam a morte de forma poética, mas este não é o caso de Amour. Nele, a morte, observada em um velho apartamento elegantemente decorado, é apresentada da primeira até a última cena do filme de forma cruel, inevitável, lenta e libertadora. Além desse personagem, há o casal que passa a viver sob sua sombra: Georges e Anne. Dois músicos aposentados que compartilharam uma imensa vida juntos e que agora, sozinhos, tentam percorrer o último caminho de um deles, o que equivale a dizer: o último caminho de ambos.

Os objetos dispostos nos vastos cômodos do apartamento mostram a forma elegante e simples do cotidiano do casal. Assim, quando Anne sofre um derrame e uma cama de hospital fria e destoante do resto do cenário é incorporada ao seu lar, tem-se o início da vitória da dor sobre a calmaria e a rotina. E isso fica evidenciado na forma com que o diretor conduz as cenas, mostrando em tomadas longas e abertas a amplidão solene dos cômodos e as cores sóbrias dos móveis. A constatação de que os objetos que vivem no ambiente parecem inalterados diante do vendaval de emoções do casal fornece-nos uma sensação ainda mais complexa de derrota e finitude. É quase possível ouvir o som de uma valsa triste conduzindo os gestos minimalistas que caracterizam o sofrimento profundo gerado pelo entendimento do fim, sem artifícios ou fantasias.

Em Amour há dois tipos de morte: aquela que ocorre quando não há mais pulso e uma outra, ainda mais complexa e obscura, que tira do indivíduo o sentido da sua existência, mesmo que seu corpo frágil e sua mente confusa ainda permaneçam no mundo de alguém. A grande angustia de Anne era ser esse tipo de realidade para Georges, para sua filha e netos, ser apenas uma sombra da mulher que existiu, uma sombra disforme que não é capaz de acompanhar os movimentos imaginários de um corpo parado, uma sombra sem linguagem, mas com emoção demais para existir no silêncio e na escuridão.

A resiliência de Georges e a insistência em manter sua esposa no lar que compartilharam grande parte da vida refletem a profundidade do amor que os une. É a força desse sentimento que torna o filme suportável, pois há momentos em que a impossibilidade de ação de Georges diante da angustia de Anne é tão intensa, claustrofóbica e dilacerante, que seria mais fácil desistir do filme, afinal, como disse Anne em uma conversa com seu marido: “imaginação e realidade têm pouca coisa em comum”. Assim, parece mais reconfortante imaginar um universo e, a partir disso, criar um contexto menos real, porém mais familiar, do que suportar um mundo que, apesar de ser a imagem e semelhança dos que vivem nele, nem sempre lhes dá um campo verde e calmo para descansar.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

AMOUR

Título Original: Amour
Direção: Michael Haneke
Roteiro: Michael Haneke
Elenco principal: Emmanuelle Riva, Jean-Louis Trintignant, Isabelle Huppert

Alguns Prêmios:
Palma de Ouro de Melhor Filme no Festival de Cannes
Prêmio de Melhor Filme Europeu de 2012, Melhor Diretor, Melhor Ator (Jean-Louis Trintignant) e Melhor Atriz (Emmanuelle Riva) – Academia Europeia de Cinema
Melhor filme e Melhor Atriz (Emmanuelle Riva) – Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles
Melhor Filme Estrangeiro do Círculo de Críticos de Cinema de Nova York

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Django Livre: escravidão, violência e debate social

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Com cinco indicações ao Oscar:

melhor  filme, ator coadjuvante (Cristoph Waltz), melhor roteiro, fotografia e edição de som.

 

Quentin Tarantino havia em seu último trabalho – Bastardos Inglórios – transformado a história da Segunda Guerra Mundial em uma sangrenta vingança, com direito a um cinema explodindo e levando embora todo o alto comando nazista. O sensacional Christoph Waltz encarnava o Coronel Hans Landa, sádico soldado alemão que alimentava um prazer mórbido ao realizar seu trabalho de caça aos judeus.

Bem, Tarantino trouxe de volta Waltz, que novamente interpreta um alemão em Django Livre – a despeito da nacionalidade austríaca do ator – só que nesse filme, em uma ironia típica do diretor Tarantino, o Dr. King Schultz, papel de Waltz, é o único que parece ter alguma lucidez sobre um tema que manchou a história de todo o continente americano: a escravidão negra.

 

 

Com mais de duas horas e meia de filme, a história conta a trajetória de Django (Jamie Foxx), um escravo liberto por Schultz, um caçador de recompensa. Após realizar trabalhos em parceria com o alemão, Django conta que sua meta é libertar sua amada, Broomhilda (Kerry Washington), também escrava em uma propriedade chamada Candyland.

Comovido pela história do amigo, Schultz decide ajuda-lo, mais curioso que animado, já que a amada de Django, além de ter um nome inspirado em uma lenda germânica, foi criada por uma família alemã.

 

 

Com a plasticidade violenta que Tarantino traz em todos os seus filmes, Django Livre tem ainda uma pitada de debate social. Expondo os perfis sociais encontrados no auge da escravidão nos estados sulistas dos EUA, a película consegue demonstrar, em cenas realmente agoniantes, como era a vida dos homens e mulheres escravizados e torturados por uma minoria branca.

 

 

Destaque para o personagem de Samuel L. Jackson, que interpreta o escravo Stephen. Um velho que cresceu em Candyland e que não só apoia seus escravizadores como faz de tudo para que nenhum negro jamais pense que a situação da escravidão poderá ser revertida. “Meu personagem é um desgraçado de um colaborador”, disse Jackson em uma entrevista.

O filme convida a uma breve reflexão: “Como uma maioria negra, que superava numericamente seus senhores brancos em cada uma das plantations, era mantida quieta sem se revoltar?”

 

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

DJANGO LIVRE

Título Original:  Django Unchained
Gênero: Faroeste
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Leonardo DiCaprio (Calvin Candie), Samuel L. Jackson (Stephen), Christoph Waltz (Dr. King Schultz), Jamie Foxx (Django), Kerry Washington (Broomhilda), Walton Goggins (Billy Crash).
Países de Origem: Estados Unidos da América
Classificação: 16 anos
Duração: 165 min

Alguns prêmios:
Golden Globes: Melhor roteiro e Ator Coadjuvante (Christopher Waltz).

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Os Miseráveis: sofrimento, crime e castigo

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Com oito indicações ao Oscar:

melhor  filme, ator (Hugh Jackman), atriz coadjuvante (Anne Hathaway), design de produção, figurino, maquiagem, mixagem de som e canção (Suddenly).

Les Misérables, do escritor Victor Hugo, é um clássico da literatura francesa que já foi traduzido em mais de 20 línguas e ganhou diversas adaptações para o teatro e para o cinema. Escrito em 1862 o romance é uma narrativa de caráter social em que a fantasia se mistura com a realidade numa trama onde se descreve a injustiça social da França do século XIX.

Dirigido por Tom Hooper o filme tem no elenco Hugh Jackman, Russel Crowe, Anne Hathaway e Amanda Seyfried. A produção narra a história de Jean Valjean (Hugh Jackman), ex-prisioneiro que chega á França nos tempos da Revolução Francesa. Valjean foi preso por roubar um pão para matar a fome de sua irmã. Ao sair do cárcere, depois de 19 anos – anos somados à tentativas de fuga -, ele é um homem amargurado, embrutecido e sem perspectiva de emprego. Valjean é reabilitado quando um sacerdote de bom coração resolve dar uma chance a ele. Essa ação o faz mudar de vida e de nome. Mas o policial Javert (Russell Crowe), o persegue onde quer que vá. Javert mantém sua obsessão e se torna um perseguidor implacável, obediente à lei, sem qualquer tipo de consideração humana.

Anos se passam… Valjean, agora rico e com uma nova identidade, conhece Fantine (Anne Hathaway), uma das operárias da fábrica em que ele dirige. O encontro entre os dois muda significamente as suas vidas. Fantine (Anne Hathaway), após ser demitida de sua fábrica por um supervisor, caiu na miséria e na prostituição para sustentar sua filha, Cosette (quando menina, interpretada por Isabelle Allen). A garota acaba tornando-se responsabilidade de Valjean, que continua sua fuga, sempre perseguido por Javert.

Na juventude, Cosette (Amanda Seyfried), que não conhece o passado de seu protetor, apaixona-se por Marius (Eddie Redmayne), um dos estudantes envolvidos numa rebelião antimonarquista que desemboca num confronto trágico com os soldados do rei, em 1832.

As cenas desse épico povoam nosso imaginário e nos incita a refletir sobre a compreensão que temos de pobreza. A percepção desse conceito, historicamente, tem sido modificada. Desde sua aceitação, na Idade Média, e seu incentivo (por parte do Clero) de que tal condição social imutável possibilitaria ao pobre uma entrada no Reino dos Céus, até nas insatisfações e revoluções proclamadas no século XIX.

Somos convidados, a partir desse romance, a perceber o mendigo, a pobreza, a injustiça e a nos tornar sensíveis aos movimentos sociais. Victor Hugo era um poeta, assim, por meio de sua sensibilidade, nos apresenta um universo lírico em que as desigualdades sociais, a pobreza, a esperança e o amor retratam não apenas uma época, mas um conjunto de sentimentos atemporais.

É próprio da linguagem cinematográfica os “extremos” que despertam as nossas emoções. Em Os Miseráveis isso está presente nas imagens, no texto, nas músicas e nas expressões de cada ator. Assim, o crime e o castigo de Valjean, a obsessiva perseguição de Javert, o martírio de Fantine, que logo mergulha na prostituição, o destino incerto de Cosette e o sofrimento apaixonado de Marius mostram, de forma amplificada, os sentimentos e gestos que caracterizam suas personalidades e dão sentido as suas ações.

 

FICHA TÉCNICA DO FILME

OS MISERÁVEIS

Título Original:  Les Miserables
Gênero: Drama, Musical
Direção: Tom Hooper
Elenco: Hugh Jackman (Valjean), Russell Crowe (Javert), Anne Hathaway (Fantine), Aaron Tveit (Enjolras), Amanda Seyfried (Cosette), Eddie Redmayne (Marius)
Países de Origem: Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte
Classificação: 14 anos
Duração: 157 min

Alguns prêmios:

Austin Film Critics Association: Atriz coadjuvante (Anne Hathaway)
BAFTA Awards: Maquiagem, Design de produção, Som e Atriz coadjuvante (Anne Hathaway)
Golden Globes: melhor filme – categoria: musical ou comédia, Ator (Hugh Jackman), Atriz coadjuvante (Anne Hathaway)

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Indomável Sonhadora: um poema sobre a infância

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Com quatro indicações ao Oscar:

Filme, Diretor (Benh Zeitlin), Atriz (Quvenzhané Wallis), Roteiro Adaptado (Lucy Alibar e Benh Zeitlin)

“Sempre, em todo lugar, todos os corações batem e bombeiam.
E conversam de forma que não entendo.”

“Beasts of the Southern Wild” é um poema sobre a infância, com versos crus e estrofes que terminam bruscamente, sem as amarras do politicamente correto ou dos limites da nova ordem mundial a respeito do que é ser saudável e humano. O filme é narrado por Hushpuppy, uma menina de seis anos, inteligente, observadora, forte e com um grau de imaginação que somente se alcança na infância, quando a percepção ainda não foi totalmente domesticada.

“Os animais fortes sabem quando estão com o coração fraco.”

Hushpuppy vive com o pai em um lugar fictício chamado “Banheira”, nos arreadores da cidade americana New Orleans. As pessoas que vivem nesse lugar parecem formar uma espécie de comunidade primitiva, em negação ao progresso e as inventividades do homem moderno. Sabem que a Banheira brevemente será inundada e pouco ou nada restará do seu lar, mas parecem preferir viver o presente e aceitar o futuro sem luta, mas, também, sem fuga.

A menina cria um universo dentro do seu mundo e nele, às vezes, animais pré-históricos a perseguem. Isso acontece quando algo a faz sofrer ou perturba a lógica do seu cotidiano, é uma forma indireta de reação àquilo que não compreende, ou compreende quando devia não compreender. Assim, se o pai some por dias, os animais começam a persegui-la. Se o pai sente dor ou a afasta para que ela não o veja morrer, novamente eles se fazem presente. É uma forma lírica de lidar com o sofrimento, talvez seja a única maneira possível.

“Posso contar com dois dedos as vezes que me carregaram.”

Quvenzhané Wallis, a pessoa mais jovem a concorrer a um Oscar de Melhor Atriz (na época das gravações do filme ela nem tinha completado seis anos), vive cada cena de forma tão intensa que impressiona e comove. Ela consegue mostrar todo o universo da Hushpuppy, desde sua solidão, expressa em seus diálogos imaginários com a roupa da mãe, até na sua capacidade de sobreviver às tormentas (não somente as literais). A menina é uma força da natureza: persistente, otimista e com um entendimento tão profundo do seu mundo que foi capaz de fazer amizade até com os monstros criados em sua mente, pois, afinal, entendeu que eles também são parte dela.

Para os animais sem pais que os coloquem num barco, o fim do mundo chegou.

No mundo de Hushpuppy, duas coisas são relevantes: seu pai e seu lar. O pai, mesmo sem uma educação formal ou aquilo que definimos como “bons modos”, tenta lhe ensinar a única coisa que sabe: sobreviver. E a menina compreende que o pai está partindo, por isso o desespero em entender porque os corações batem, mais especificamente porque param de bater. Em uma das cenas do filme, quando a comunidade, logo depois de um grande temporal, é resgatada por um grupo da cidade, e vão todos para um hospital, Hushpuppy tem o primeiro vislumbre do que é viver em um mundo moderno. Então, quando ela percebe que parte das pessoas que vive ali está presa a tubos, diz: “aqui, quando um animal fica doente, eles o ligam na parede.”. O pai foi trazido ao hospital para ser um daqueles animais ligados à parede, ela sabe disso, assim, entende (em algum nível) que ele brevemente vai morrer.

“Quando tudo fica quieto atrás dos meus olhos, vejo cada coisa que me fez voar por lugares invisíveis. Se me esforço em distingui-los, desaparecem. Mas quando tudo se aquieta, vejo que estão aqui. Vejo que sou uma pequena peça de um grande universo. Então sinto que assim deve ser. Quando eu morrer, os cientistas do futuro vão encontrar tudo isto. Vão saber que uma vez existiu uma Hushpuppy que viveu com seu pai na Banheira.”

A saga de Hushpuppy e seu pai é uma história sobre amor, devoção, força e esperança. Muitas vezes, em meio à velocidade de uma época em que quase tudo é breve, frágil e mutável, esquecemos que algumas coisas, para existirem, precisam de tempo e espaço. Um tempo cada vez mais escasso para ser usado livremente no exercício da imaginação. Talvez estejamos em um contexto em que cobrir o que já vem pontilhado seja o máximo de diversão possível, assim quem sai do círculo que molda a forma pode ganhar, como prêmio, uma categorização no extenso manual que define o que não é saudável e bom.

 

FICHA TÉCNICA

INDOMÁVEL SONHADORA

Título Original: Beasts of the Southern Wild
Direção: Benh Zeitlin
Roteiro: Lucy Alibar e Benh Zeitlin
Elenco principal: Quvenzhané Wallis, Dwight Henry.

Alguns Prêmios:
AFI Awards – Filme do Ano
Austin Film Critics Association – Filme e Artista Revelação (Quvenzhané Wallis)
Broadcast Film Critics Association Awards – Melhor Atriz/Ator Jovem (Quvenzhané Wallis)
Cannes Film Festival – Caméra D’Or (trófeu dedicado aos estreantes em longa metragem)
Hollywood Film Festival – Atriz (Quvenzhané Wallis)
Sundance Film Festival Grand Jury Prize

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A Hora Mais Escura: o mal é uma saída necessária

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Com cinco indicações ao Oscar:

Filme, Atriz (Jessica Chastain), Roteiro Original (Mark Boal), Edição, Edição de Som

 

No escuro da tela, ouve-se uma ligação, é a gravação real de um telefonema para a emergência no 11/09/2001. A última frase que ouvimos da pessoa é “estou queimando”.  Muda-se o foco, agora aparece um galpão em algum lugar do Paquistão e o que vemos é uma cena de tortura, um americano falando metodicamente que quer ouvir a verdade, uma pessoa de capuz assistindo a cena e mais dois encapuçados puxando as cordas que prendem os braços do prisioneiro.

Quando Zero Dark Thirty estreou em Dezembro de 2012 nos EUA gerou muita polêmica, em especial, por mostrar cenas de tortura praticadas por integrantes da C.I.A. (A Central de Inteligência Americana). E a impressão que se tem é de que a premissa principal do filme gira em torno do fato de que o Interrogatório Reforçado (ou seja, aquele na qual se usa a tortura como um meio para se chegar a um fim) foi a peça principal na descoberta do esconderijo de Osama Bin Laden e na sua consequente morte.

A minuciosa pesquisa jornalística do roteirista Mark Boal e da diretora Kathryn Bigelow (ambos ganhadores do Oscar em 2010 pelo filme “Guerra ao Terror”) sobre os acontecimentos em torno da “Caçada ao Osama” produziu um filme com uma sequência de fatos tão reais que tem provocado um grande desconforto em alguns membros do Senado e da CIA.

 

 

O filme conta a história a partir do ponto de vista de Maya (uma agente da CIA – um personagem que representa uma composição de algumas figuras reais). Maya muitas vezes é a única figura feminina em cena, mas sua forma, paradoxalmente, passional e lógica de conduzir o caso acabou fazendo com que ela se tornasse a mentora por detrás do quebra cabeças de fatos que conduziram à morte do Bin Laden.  Na primeira cena de tortura que ela acompanhou, o prisioneiro tentou apelar para os seus sentimentos, talvez julgando que uma figura feminina tivesse mais complacência. Mas, de maneira impassível, Maya apenas disse a ele o que o outro agente já havia falado: se não quiser ser torturado, fale a verdade.

As cenas de tortura presenciadas ou conduzidas por Maya são uma ode ao horror: espancamentos, humilhação, privação de sono, confinamento em caixa, afogamento. Para Maya, não há tempo para pensar na natureza de tudo aquilo, ela executa as ações que julga serem relevantes para alcançar seu objetivo: encontrar Osama. Graças à brilhante interpretação de Jessica Chastain, podemos acompanhar através de suas expressões sutis, especialmente do seu olhar, a angústia do personagem, desde sua tentativa de permanecer impassível até sua nítida perda de controle em alguns momentos. Mas, Maya tem que acreditar que a sua complacência perante a dor do outro tem que ser menor que seu objetivo final e ela acredita, foi treinada para isso.

Depois de 12 anos de busca, de muitas mortes (inclusive de amigos da CIA), Maya finalmente consegue comprovar que sua principal pista, um mensageiro da Al-Qaeda, ao contrário do que diziam outros agentes, estava vivo e poderia levá-los ao Bin Laden. Desta forma, ela consegue encontrar provas suficientes para que o alto escalão autorizasse um ataque aéreo surpresa e uma invasão na casa que, em tese, estaria Osama.  Quando, na reunião repleta de homens, o chefe de departamento da CIA pergunta quem é a mulher sentada na parte mais distante da sala, ela mesma responde: “I am the motherfucker that found the place,sir”.

 

 

A reconstrução de toda a operação realizada na casa na qual estava escondido Bin Laden é primorosa.  Enquanto crianças choram, mulheres se desesperam, homens são assassinados, o corpo de uma pessoa envelhecida cai ao chão. Bin Laden muda de status: da figura mais procurada pelo Governo dos EUA passar a ser o corpo inerte no terceiro andar. Então, colocam-no em um saco e levam-no para a sede da CIA no Paquistão.

 

 

E, assim, Maya fica diante daquilo que foi seu objetivo de vida durante 12 anos. Com uma expressão de quem está assustada pelo fechamento de um ciclo, ela se aproxima do corpo do Osama e confirma sua identidade.  Finalmente, a busca chegou ao fim, então ela entra em um avião e ouve-se uma voz: “Deve ser muito importante, tem um avião só para você. Para onde quer ir?”

Ela nada responde. Talvez com a morte do Bin Laden, não haja mais um objetivo, nem um lugar para ir.

 

 

Mais do que uma história sobre as consequências do fundamentalismo, do imperialismo político ou do fanatismo religioso, esse filme mostra como podemos nos acostumar com o mal e aceitá-lo como uma saída necessária em alguns dilemas. Muitas vezes, as categorizações que se formam em torno daquilo que assumimos como justiça, verdade ou moral podem ser responsáveis por criar cruzadas que vão além da nossa possibilidade de discernimento entre o bem e o mal. Talvez porque a maior parte dos dilemas não se encontra em um polo distinto de uma abstrata linha moral, e sim em trânsito entre uma coisa e outra.

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

A HORA MAIS ESCURA

Título Original: Zero Dark Thirty
Direção: Kathryn Bigelow
Roteiro: Mark Boal
Elenco Principal: Jessica Chastain, Jason Clarke, Jennifer Ehle, Mark Strong, Kyle Chandler e Reda Kateb.

Alguns prêmios:
AFI Awards – Filme do Ano
Austin Film Critics Association – Melhor Filme
Broadcast Film Critics Association Awards – Melhor Filme, Melhor Atriz (Jessica Chastain), Melhor Edição, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original
Golden Globes – Melhor performance de uma Atriz em um filme – drama (Jessica Chastain)

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