Em 2013, o professor Jackson fez uma excelente síntese para o (En)Cena de algumas importantes pesquisas na área da robótica voltadas para questões de atenção à saúde (física e psicológica) [1]. Geralmente, as discussões que se seguem sobre esse tema vêm acompanhadas de sentimentos de incerteza, medo e angústia. O ser humano desde os tempos mais longínquos ama a tecnologia, mas também a teme, porque parece que quanto mais humanizada ela se torna (inclusive em seu formato), mais aqueles pesadelos gerados por alguns filmes/livros de ficção científica tendem a se tornar reais. Não vou me ater a esses medos, nem o que acho que eles significam. Nesta reflexão, baseada na matéria de Adam Satariano, Elian Peltier e Dmitry Kostyukov para o The New York Times (disponível em [2]), observo que a tecnologia está se tornando um meio inevitável para a criação de um amplo conjunto de serviços voltados para a atenção à saúde, e as pesquisas direcionadas para esse fim não podem estar de fora das discussões dos profissionais de saúde, nem das matrizes curriculares dos cursos de graduação nessa área.
Segundo [2], em quase todos os países, a população de pessoas mais velhas está aumentando. Assim, de acordo com uma pesquisa das Nações Unidas [2], o número de pessoas com mais de 60 anos vai mais que dobrar, para 2,1 bilhões, até 2050. E essas pesquisas são alguns dos fatores que fizeram com que grandes empresas de tecnologia robótica criassem propostas de valor que pudessem atender a esse tipo de necessidade do mercado a médio e longo prazo.
Foto de Dmitry Kostyukov
Em novembro de 2018, li uma matéria do NYTimes sobre o robô Zora [2], que até pode parecer um brinquedo (e, em alguns contextos, é), mas, nesta matéria, foi apresentado como tema central de um experimento científico em um hospital francês. Esse experimento está sendo realizado em um hospital que atende pacientes idosos com perda de função cerebral e que exigem atendimento 24 horas por dia. Com a pesquisa, eles tentam verificar como os pacientes reagem ao robô, ou seja, se Zora produz novos estímulos nesses pacientes e o quão esses estímulos são benéficos às suas condições. Para tanto, uma enfermeira do hospital supervisiona Zora, controlando-o por meio de um laptop. Assim, Zora pode estabelecer uma conversa com um paciente porque a enfermeira digita as palavras no laptop criando a fala do robô durante a conversação.
Para o pessoal do hospital, quando Zora chegou na enfermaria algo estranho começou a acontecer, “muitos pacientes desenvolveram uma ligação emocional, tratando-o como um bebê, segurando e exprimindo sentimentos de carinho e ternura, dando-lhe beijos na cabeça” [2]. O que mostra, mesmo sem uma análise dos dados da pesquisa, que no primeiro momento Zora pôde ser uma companhia diferente, ao invés de estar ali para cuidar deles, pelo seu tamanho e seu aspecto, parecia querer (e precisar) de seus cuidados. Alguns pacientes referem-se a Zora como “ela”, outros “ele”. Não foi citado na matéria se isso tem relação ao tipo de relação estabelecida, por exemplo, se o robô aciona lembranças do paciente relacionadas a seus filhos quando estes precisavam dos seus cuidados. De certa forma, a solidão tem várias camadas, talvez a pior delas, é aquela que te conduz à reflexão em relação à sua função no mundo.
Foto de Dmitry Kostyukov
Para alguns enfermeiros e outros profissionais do hospital, Zora é uma ferramenta supérflua, pois não pode executar as ações que um humano estaria habilitado, por exemplo, verificar a pressão arterial, trocar a roupa da cama, dar os remédios nos momentos certos. Para alguns deles, o robô apenas “mantém os pacientes ocupados”. Uma das enfermeiras enfatizou que “não deixaria um robô alimentar os pacientes, mesmo que estes pudessem, pois os humanos não devem delegar esses momentos íntimos às máquinas”, e acrescentou que “nada jamais substituirá o toque humano, o calor humano que nossos pacientes precisam” [2].
A robótica ainda tem um longo caminho para criar robôs com um grande conjunto de características humanas, inclusive com aparência humana, mas se nos voltarmos ao “manter os pacientes ocupados”, podemos ter outras reflexões: será que os pacientes deixaram Zora compartilhar suas vivências pois viram nele um tipo de companhia que não via nos profissionais do hospital ou mesmo em suas famílias? Ou será que estabelecer o contato com Zora lembrou-lhes um outro tipo de convivência, aquela que existia antes de serem apenas pacientes? Por exemplo, foi relatado na pesquisa que os pacientes contaram ao robô coisas sobre sua saúde que não compartilhavam com os médicos. Em uma dessas histórias, “uma mulher que tinha contusões nos braços e não contava à equipe do hospital o que havia acontecido, compartilhou com Zora que ela havia caído da cama enquanto dormia” [2].
Foto de Dmitry Kostyukov
Uma paciente que está no hospital há mais de um ano, uma senhora de 70 anos, disse que Zora “traz alguma alegria em nossas vidas aqui”. E acrescentou: “nós a amamos e sinto falta dela quando não a vejo. Eu realmente penso nela com bastante frequência” [2]. Sei que essas demonstrações de afeto para um robô, que está sendo guiado por alguém que observa à distância, pode parecer cenas de um futuro distópico, em que nosso afeto é repassado às máquinas por falta da proximidade entre humanos, ou pela solidão originada do abandono.
Ao mesmo tempo que essa ideia pode parecer uma potencial realidade melancólica e absurda em certos aspectos, o investimento em estudos relacionados a isso é real. Em algumas décadas, grande parte da população mundial estará envelhecida. Estamos vivendo mais e precisamos de cuidados por mais tempo. Assim, talvez seja correto presumir que não haverá tantos humanos interessados em fazer o papel de cuidador, ou mesmo que nem numericamente isso seja possível. Logo a evolução tecnológica nesse sentido parece ser inevitável (e necessária).
Foto de Dmitry Kostyukov
Mas, por enquanto, ainda penso em Zora e como este, ao final do dia, volta para sua caixa em um armário na sala de uma das secretárias do hospital. É meio assustador que um ser não vivo seja lembrado com carinho, seja aguardado com alegria, seja querido como se fosse uma criança, confidente como se fosse um amigo, amado como se fosse um filho. Li uma vez que no epitáfio do escritor americano Raymond Carver está escrito o seguinte diálogo: “ – E, afinal, você conseguiu o que queria dessa vida? – Consegui. – E o que você queria? – Considerar-me amado, me sentir amado nessa terra”. Parece-me cada vez mais que sentir-se amado está relacionado à capacidade de conseguir amar e, especialmente, de ser necessário a alguém. Neste sentido, entendo (e muito) os sentimentos que Zora produziu naquelas pessoas. E, novamente, volto a pensar na frase da enfermeira, de que o robô apenas ocupa o tempo dos pacientes. Talvez seja esse o tempo que nos falta, o tempo de convivência que permita às pessoas idosas e doentes ter novamente a possibilidade de sentir-se necessárias a alguém.
O conceito de cidadania é discutível em relação às pessoas em situação de Rua, pois, ter uma certidão de nascimento é dado como o ponto principal de cidadania. Quem não viu a propaganda que passava na TV “Eu tenho nome e quem não tem? Sem documentos eu não sou Ninguém, eu sou Maria, eu sou João, com certidão de nascimento, sou cidadão”?!. A falta de documentos pode ser um empecilho para o exercício da cidadania, acerca disso os profissionais do Consultório na Rua tem como objetivo a busca por Cidadania daqueles que estão em situação de rua. É importante diferenciar a cidadania do direito à dignidade, onde o MPDF (2018) menciona a Constituição Federal quanto ao dever de promoção do bem-estar de todos sem quaisquer tipos de preconceitos com foco na redução das desigualdades sociais.
Nesta entrevista para o (En)Cena, a Assistente Social Maisa Carvalho nos traz um conteúdo muito enriquecedor acerca do trabalho com as pessoas em situação de rua e a prática das políticas públicas na busca pela cidadania dessas pessoas. Ela é graduada pela Universidade Federal do Tocantins – UFT (2016), especialista em Gestão de Redes de Atenção à Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ (2018), especialista em Saúde Mental pelo Centro Universitário Luterano de Palmas e Fundação Escola de Saúde Pública, através do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental – ULBRA/FESP (2020), Responsável Técnica do Programa Piloto de Justiça Terapêutica do Tribunal de Justiça do Tocantins, atualmente atua na equipe de saúde Consultório na Rua e é pesquisadora nas temáticas voltadas para Saúde e Direitos Humanos: saúde mental, população em situação de rua e feminização de substâncias psicoativas.
Fonte: Arquivo Pessoal
(En)Cena: A questão da cidadania em relação aos documentos, quando não há esse documento e às vezes é muito difícil correr atrás e o paciente precisa ser atendido em alguma unidade, é negado? Como funciona?
É atendido sim, até porque não conheço nenhum protocolo ou uma lei que impeça que a pessoa seja atendida na saúde se ela não tiver documento. No entanto, se ela for encaminhada para a atenção especializada, se for cirurgia, um exame específico, acredito que dificulta mais. Isso vai depender de quem atende, do protocolo do local, vai depender de qual que é o procedimento, porque o primeiro passo é ter o cartão do SUS. A pessoa tendo um cartão do SUS, ela vai ser atendida independente de ter documento ou não.
Até hoje não tivemos negativa nenhuma, quando tem uma situação assim a gente acompanha, procura explicar “olha é um paciente em situação de rua, ele é acompanhado pelo Consultório na Rua, que é um serviço que atende esse público, que faz parte da Rede, etc.” Porque tem pessoas que não conhecem o serviço e a gente tem que chegar nos lugares explicando o que fazemos, quem somos, para dar mais visibilidade também. O nosso serviço deveria ter literalmente portas abertas em todas as unidades, porque nós somos um ponto da Rede de Atenção Básica, as unidades de saúde elas o nosso apoio. Exemplo, se a gente precisa imprimir documentos, precisa pegar a medicação na farmácia, precisa de atendimento, inclusive de consulta, esse serviço não deveria ser burocratizado, porque a gente faz parte da rede, não somos um outro serviço de fora, mas em algumas unidades ainda não é tão facilitado esse acesso, no entanto isso vem melhorando muito. As unidades que já conhecem, são super abertas, tem atendimento rápido, dão prioridade para os pacientes.
É um serviço de formiguinha que dá essa abertura muito tranquilo, agora quanto a outros serviços realmente não tem acesso. Se você precisa de uma matrícula escolar você precisa de documento, se você precisa fazer um título de eleitor, fazer uma carteira de trabalho, de identidade, se você precisa acessar habitação, você precisa de documento, infelizmente não conseguimos dar prosseguimento sem documentação. E é onde os pacientes ficam de fora se eles não tiverem. Já encaminhei vários ofícios de solicitação de isenção de certidão de nascimento aos cartórios, somando aos enviados e aos documentos que já chegaram, somam-se uns 20 documentos.
O contexto das ruas é de vários tipos de exposição e um deles é a deterioração desses documentos ou até mesmo percas, furtos, eles estão ali alguém vai rouba essa pessoa, leva a carteira, alguma bolsa com dinheiro e leva tudo junto. A certidão de nascimento é um documento que não há necessidade de você andar com ele, você não apresenta em qualquer lugar, você apresenta o RG, que também é fácil para tirar de novo. O que é mais difícil é o registro nascimento, então a gente sugere deixar com uma pessoa confiável, um familiar, um amigo ou uma pessoa próxima, ou então a gente tem também um acordo com o CREAS que é o Centro de Referência Especializado de Assistência Social. Caso a pessoa não tenha ninguém para deixar, nenhum local, deixamos o documento lá até que a pessoa em situação de rua volte para casa, ou se restabeleça, ou caso ela precise, tenta pegar quando é em último caso porque é um documento que você pode não conseguir de novo, para liberar uma vez o cartório libera, mas duas vezes pode ser que não, e aí já foge da nossa governabilidade.
Fonte: encurtador.com.br/nCDHX
(En) Cena: Como funciona a questão do custo desses documentos? O governo arca com isso?
Depois que eu entrei no serviço, construí juntamente com a equipe um fluxo com os cartórios para acessar a segunda via de registro de nascimento, porque para tirar a certidão de nascimento a gente precisa entrar em contato com os cartórios, onde essa pessoa foi registrada e fazer a solicitação. Para que o cartório seja ressarcido desse valor, é necessário que seja encaminhado um ofício e uma declaração de hipossuficiência assinada pelo usuário.Com esse documento, a gente traz todo o histórico da pessoa, que ela mora em situação de rua, quanto tempo, qual é o problema dela, que é acompanhado pelo Consultório na Rua e faço uma breve contextualização do que é esse serviço, trago também algumas partes da lei, onde garante que ela tenha acesso a esse documento, se ela não tiver como pagar, no entanto, ela não consegue chegar lá e simplesmente dizer “então eu preciso da certidão, me ajudem, eu não tenho dinheiro”. Ela não vai conseguir, a gente sabe que não é assim, mas ela tem esse direito. Faço este ofício, o mesmo é enviado para a secretaria de saúde e é assinando é o secretário de saúde, eu faço o documento, ele assina e encaminha para o cartório via Correios juntamente com a declaração. Recebendo, lá eles protocolam e mandam o documento pelo mesmo endereço que a gente encaminha, sendo paga essa ida e a volta do documento. Então, a cidade consegue gratuitamente, não tem nenhum problema, é só mandar um ofício com essa declaração de onde a pessoa declara que não tem condição de pagar que o cartório é ressarcido posteriormente.
Quanto à carteira de identidade que já é um outro processo em outro local que é o Instituto de Identificação aqui em Palmas, as vezes conseguimos, as vezes não, então a gente tenta na conversa “Olha fulano precisa para fazer tal coisa, ele foi contemplado com a unidade habitacional, com algum outro serviço que possa trazer benefício, se não conseguir documento ele não vai conseguir ter acesso a esse benefício.” Tentando sensibilizar quanto a essa necessidade, às vezes liberam, às vezes não. E aí, quando não liberam há uma taxa de 25 reais, mais as fotos que é em torno de 20 reais, vai dar 45 reais no total para ter acesso a identidade. Então, quando eu já peço o documento ou a certidão eu deixo claro “Olha procura se organiza, procura tirar a parte do auxílio que você recebe, para custear a identidade”, porque para poder tirar tem esse custo que é de 25 reais, muitas vezes eles conseguem, porque sabem o preço que é, da certidão, já teve valor próximo de 300 reais, devido ser de outro estado, de longe, que realmente é caro. Então, eu falo “olha, a gente conseguiu um documento de 120,200…e só precisa de 25 para conseguir outro”. É mais na base da conversa, quando a pessoa não tem documento aqui no Estado, e nunca tirou, é de graça, não precisa pagar. Mas, se já tirou a primeira via aqui no Estado, a segunda via precisa pagar. É difícil conseguir de graça, consegue, mas nem sempre, é um trabalho que a gente faz, o “não” a gente já tem, corremos atrás do “sim”, mas é isso, a gente trabalha priorizando o acesso.
(En)Cena: Sendo Palmas a capital, vocês têm acesso a dados do Estado, há uma ligação com os outros municípios no Estado? As políticas públicas que se aplicam aqui em Palmas, se aplicam em Araguaína ou em Gurupi? Como funciona?
O Consultório na Rua só existe em Palmas. Ele não tem em outro lugar (do Tocantins), devido a questão populacional mesmo. Para ter o Consultório na Rua depende do número mínimo de pessoas na cidade, também de investimento da prefeitura. Até onde eu sei só tem em Palmas, quanto aos números de pessoas em situação de rua é impossível saber precisamente, mas em Palmas, passa de 100 pessoas. Não me recordo precisamente. Mas esse número pode ser maior, mas, para ser incluído como um usuário, acompanhado pelo Consultório na Rua, tem que estar cerca de 3 meses em Palmas, é preciso estar acompanhando ele durante 3 meses, porque ele pode estar aqui e ir para outro lugar no mês que vem, ele pode estar em Araguaína, em São Paulo, em outro lugar. Então, não tem como incluir essa pessoa dentro do nosso cadastro de atendimento, por isso não temos um número exato. No entanto, essa pessoa não deixa de ser atendida, ela vai ser atendida normalmente.
Tem a população em situação de rua que é flutuante, ela pode ir para a rua somente quando ela está alcoolizada, somente quando tem uma briga com a família, ela fica 2 ou 3 dias, ela não é uma pessoa considerada moradora de rua, ela tem uma casa, ela tem um vínculo, só que por algum motivo ela está na rua. Já os andarilhos são pessoas que também estão em situação de rua, mas eles estão aqui, daqui a pouco podem não estar mais. Há uma oferta de atendimento também. No entanto, eles não entram no cadastro por isso, porque é um número que vai ficar flutuando muito, muitas vezes estão mesmo de passagem pois estão sempre andando, mas também fazem parte do nosso público.
Quanto ao contato, fazemos também, as vezes os serviços de outros municípios entram em contato pedindo informações de pacientes, há essa troca sim.
Fonte: encurtador.com.br/ajCM2
(En) Cena: Você entrou em 2019 no consultório na rua, sendo que o mesmo foi implementado em Palmas somente em 2016, de forma mais tardia, por assim dizer. Nesse Período, o que você percebeu de mudanças significativas? Houve aspectos positivos e negativos com essas pessoas em situação de rua?
No trabalho da saúde mental, o Consultório na Rua é um dos pontos da Rede de Atenção Psicossocial, é um trabalho de formiguinha, talvez o que eu falar como evolução, seja visto pelas pessoas como “só isso?” Mas que na realidade podem ser grandes evoluções, para nós e para quem se beneficia dessas mudanças, é um trabalho que não é somente a pessoa parar de usar álcool, ou ela ficar organizada mentalmente, a gente trabalha muito com a redução de danos, existe uma política que rege toda a nossa atuação em cima disso. Então, por exemplo, se a pessoa está em uso durante a vida toda ou passou esse ano todo fazendo uso de álcool e outras drogas sem pausa, ela já está bem emagrecida, a pessoa já tem alguns problemas de saúde em decorrência do uso dessas substâncias, ela já não trabalha mais, ela já não tem vínculo familiar mais, ela está literalmente prejudicada por causa desse uso de substâncias, se a gente consegue com que essa pessoa diminua esse uso já é um avanço muito grande, se a gente consegue que a pessoa, mesmo usando a droga, ela consiga se cuidar, ela consiga por exemplo, buscar uma unidade de saúde, ela consiga se hidratar, se alimentar, ela consiga talvez tomar um banho, já é um avanço muito grande. Agora avanços significativos de mudanças radicais de vida, temos também vários, poderia ter mais?! Poderia! Mas esse contexto de uso de álcool e outras drogas não é bem o contexto do que as pessoas esperam, uma pessoa sair daqui contente da rua, morar numa casa, passar a trabalhar, ter uma vida “bonitinha”, ser uma pessoa aceita. Então assim, esse padrão aí pode ser que não seja alcançado sempre. A gente trabalha com pequenas coisas, com pequenos passos, mas sim nós temos pacientes que moravam de baixo de árvore, por exemplo, que hoje têm acesso a moradia, passaram a ter essa vivência do que é pagar uma água, pagar uma luz, desses compromissos de morar numa casa, e por mais que ela passa a morar numa casa a gente atende até hoje, porque o nosso público não é quem mora em casa, nós trabalhamos com moradores de rua, pessoas em situação de rua, no entanto essa transição é uma fase também de difícil adaptação, e a equipe participa disso.
Tem um casal no qual eles ganharam uma casa, não foi uma conquista de quando eu estava no Consultório na Rua, mas eu já estava como residente, eu pude acompanhar o processo de adaptação e quando eles moravam na rua também eu já era residente. Então eu tive esse acompanhamento, não como profissional da equipe, mas como residente. Eles moravam em uma casa de papelão, quando chovia caia tudo, estavam no relento, e quando eles passaram a ter a casa tiveram dificuldades, por exemplo, de fazer comida, dificuldade de tomar banho, dificuldade de dormir numa cama, porque não é o contexto deles, parece algo tão natural, dormir na cama, usufruir de tudo. Mas a gente as vezes chegava lá eles estavam cozinhando sebo de fazer, por exemplo, porquê era a realidade que eles tinham lá fora, de comer qualquer coisa, de comer qualquer hora, de não ter essa responsabilidade de pagar água, luz, parcela da casa, por que não é 100% dada para as pessoas, ela tem um valor pequeno, geralmente uns 80 reais. Tem os apartamentos que são 100% de graça, mas que para eles não era o ideal, tudo isso foi avaliado em discussões de caso, inclusive com outros serviços, então o melhor seria uma casa, um espaço mais tranquilo e reservado.
Então eles passaram a ter alguns compromissos e isso foi muito engraçado porque a equipe viabilizou o acesso da casa, entrar com processo para receber Benefício de Prestação Continuada (não recebem ainda), mas tiveram acesso ao auxílio emergencial, e assim que eles receberam o dinheiro ficaram sem saber o que fazer, e aí a gente orientou “olha você precisa pagar esse valor aqui que é da água, você precisa pagar essa energia, você precisa pagar esse valor que é da prestação da casa” e tudo isso para eles era muito estranho, e se a gente não participasse desse processo, correria o risco deles voltarem para a rua novamente, mesmo tendo a casa.
Fonte: encurtador.com.br/fFVW5
O trabalho não é muito fechado, não é somente trabalho in loco, ali com a pessoa na rua. A gente vai além disso. Além desses, tiveram outros casos que foram beneficiados com unidade habitacional com o apoio da equipe, porquê tem que montar todo um dossiê, tem que ter relatório, tem que ter tudo isso. A gente apoia, acompanha os pacientes nesse processo, quando sai por exemplo nome deles na lista eles não tem acesso à internet, telefone, como é que vão saber?! A gente que acompanha também, se sair o nome pra gente ajudar com a documentação e ir atrás.
Temos pacientes que voltaram para casa, às vezes estavam em situação de rua por uma desorganização mental, em surto, e a gente entra em contato, muitas vezes com familiar de outro Estado, caso seja preciso a pessoa ser internada no HGP, também com a gente articulando, é um avanço muito grande, talvez estava na rua somente por um surto psicótico. Às vezes deu uma desorganizada, está sem usar medicação e acabou indo para a rua.
Acesso ao trabalho, com paciente que voltou a ter essa vida ativa no trabalho, às vezes não é um trabalho formal, mas uma venda de picolé, trabalho artesanal, um trabalho de garçom. Infelizmente não são muitas opções ofertadas para essas pessoas. Para as pessoas com formação, já é difícil, imagina quem não tem estudo, informação ou vive nessas condições? os trabalhos deles são quase sempre subempregos, é uma verdade, trabalhos informais, mas que são trabalhos, que antes as pessoas não tinham, então a gente tem que incentivar isso também. E, tem pessoas que já estão nesse processo do mercado de trabalho, seja autônoma ou seja inserido mesmo com carteira assinada.
A gente tem um paciente que morou muitos anos na rua, que foi acolhido pelo “Palmas que te acolhe” que era um projeto que tinha aqui na cidade, mas que já finalizou, o qual que acolhia a população de rua em um espaço, com dormida, com incentivo a emprego e renda etc. Era uma equipe multidisciplinar que dava esse suporte aos pacientes em situação de rua. Na época, ele foi acolhido por esse serviço e também acompanhado pelo Consultório na Rua. Logo depois, ele foi contratado pela prefeitura, e até hoje ele continua. Ou seja, um paciente que saiu da rua, do consumo abusivo de álcool e mora numa casa, consegue pagar aluguel, se alimentar melhor, ele saiu desse contexto de uso abusivo de álcool, porque a gente sabe que o uso em si as vezes é decorrente de outros problemas.
Por quê que a gente trabalha tentando resolver algumas questões e não em cima do parar de usar drogas, da abstinência? Porque talvez possibilitando o acesso aos direitos sociais básicos, ao reestabelecimento dos laços, ofertando cuidados em saúde em geral, a pessoa pode parar de usar por si só. Não é uma regra, trabalhamos com possibilidades. Se a gente consegue restaurar o vínculo familiar, se a gente consegue ter acesso a moradia, acesso ao trabalho, já são conquistas que contribuem para a reinserção social. Essa pessoa pode diminuir o uso e o prejuízo sem a gente fazer “nada” especificamente sobre o uso. O mais difícil é essa questão trabalho e renda, porque são casos bem específicos, ainda mais agora que estamos em um contexto de desemprego com níveis talvez nunca antes vistos, tem o contexto de pandemia, contexto social e econômico que o país vive. Para eles não é diferente, para eles é até pior essa questão do acesso ao trabalho, realmente é um desafio que a gente tem muito grande. Mas tem pessoas que estão no mercado de trabalho ou que estão com trabalho autônomo, por isso é importante o acesso a moradia, educação, até mesmo a redução em si do uso de álcool e outras drogas, redução de danos.
REFERÊNCIA
MPDFT – Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Direitos Das Pessoas Em Situação De Rua. Brasília-DF, julho de 2018. 1ª Edição. 2018.
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Risoterapia leva sorrisos aos pacientes internados no HGP
17 de fevereiro de 2020 Governo do Tocantins
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O grupo atua no HGP há cinco anos levando alegria e sorrisos aos pacientes, acompanhantes e servidores.
Se dedicar ao próximo é um dom incrível de diversos voluntários que realizam ações durante o ano inteiro em prol de pacientes. Com jaleco branco, adereços coloridos, nariz de palhaço e muita música, o grupo Risoterapia encantou pacientes, acompanhantes e servidores do Hospital Geral de Palmas (HGP), neste sábado, 15.
O grupo atua no HGP há cinco anos levando alegria e sorrisos a diversos semblantes, por alguns momentos minimizando a seriedade da rotina hospitalar. “Esta ação nos traz a certeza que recebemos muito mais do que doamos. Mesmo sendo por um curto período de tempo (uma vez por semana), nossas vidas têm mudado de forma incrível, nos humanizando, tocando os nossos corações e nos motivando a ajudar mais vidas a cada dia”, declarou a voluntária Ana Caroline Viana Garcia.
Foto: Nielcem Fernandes/Governo do Tocantins – Com jaleco branco, adereços coloridos, nariz de palhaço, o grupo Risoterapia encantou pacientes.
Ana Caroline ainda acrescenta que “nosso sentimento é de imensa gratidão por ter a oportunidade de realizar este trabalho e poder, ainda que de forma tão pequena, levar alegria em um momento difícil, tantas vezes de solidão, de dor e falta de esperança”. A responsável pelo Serviço de Apoio ao Usuário e Voluntário do HGP, Goiamara Borges, só tem gratidão aos voluntários. “Cada um contribui com seu tempo, talento, dom e amor e faz a diferença para os pacientes, acompanhantes e servidores na nossa unidade”, enfatizou.
A paciente Agripina Maria de Jesus, de 70 anos, realiza tratamento no HGP e adorou a visita do grupo. “Achei o trabalho bonito, engraçado e dei muitas risadas. Alegrou todos que estavam perto de mim. É muito bom, distrai nossa realidade como pacientes”, comentou.
Foto: Nielcem Fernandes/Governo do Tocantins – O grupo Risoterapia atua no HGP há cinco anos, levando alegria e sorrisos a diversos semblantes, por alguns momentos minimizando a seriedade da rotina hospitalar
Dom de fazer a diferença
A unidade conta com mais de 200 voluntários ativos cadastrados, incluindo visitadores hospitalares, grupos lúdicos, massoterapeutas, cabeleireiros, músicos e membros da capelania (religiosos). Somente em 2019, o HGP capacitou mais de 129 novos voluntários.
Foto: Nielcem Fernandes/Governo do Tocantins
Para se tornar um voluntário, é necessário participar de um curso ofertado pelo HGP, realizado duas vezes por ano, o interessado tem a oportunidade de ter o contato com os procedimentos e normas de acesso ao hospital. Para mais informações, o aspirante deve entrar em contato pelo telefone (63) 3218 7898.
A arte de fotografar me cativou. E iniciar nessa arte fotografando os Personagens da Casa de Apoio Vera Lúcia foi muito enriquecedor e significativo. Não somente pelo fato de poder capturar imagens (o que é extraordinário!), mas também pela vivência de cada momento. O nome desta galeria está ligado ao palco de muitas histórias que é a Casa de Apoio Vera Lúcia, por onde muitos personagens passam.
Foto: Dinâmica da sucata
Isso ocorre porque esse espaço é destinado para pacientes e acompanhantes de pacientes que estão em tratamento nos hospitais públicos de Palmas/TO. Ela oferece acolhimento, hospedagem e alimentação para pessoas vindas das cidades do estado do Tocantins e dos estados ao seu redor.
Foto: Criança acolhida na Casa de Apoio Vera Lúcia
Realizei esta intervenção fotográfica aliada à minha atuação na casa, proposta pelas disciplinas Intervenção em Grupos e Fotografia Aplicada à Psicologia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra. Desse modo, não somente fotografei esses personagens, mas pude conhece-los e acompanha-los por alguns dias. As fotos retratam essas pessoas nesse momento de espera e como o apoio, tal como uma intervenção terapêutica, auxiliam significativamente nesse processo.
Foto: Dinâmica das mãos dadas
Para dar início à essa intervenção, fui à Casa de Apoio Vera Lúcia, juntamente com a minha parceira de trabalho, para propor essa ideia para a coordenadora da casa, tal como procurar conhecer a demanda e o público do local. Sendo muito bem recebidas e percebendo a satisfação da coordenadora e das outras funcionárias da casa em receber essa proposta, acordamos o dia e o horário para começarmos o trabalho.
Foto: Dinâmica do balão
Depois de sintetizarmos um cronograma com as atividades a serem realizadas na casa, demos início à intervenção. No primeiro dia, ocorreu um certo reconhecimento do campo, em que a dinâmica proposta tinha o objetivo principal de apresentação de todos. Nesse dia, não foram tiradas fotos. Isso iniciou a partir do segundo dia, seguindo-se até o penúltimo dia.
Foto: Dinâmica papel nas costas
Nessas fotos, procurei mostrar a criança existente dentro de cada pessoa. Acredito que isso ocorreu, pois, percebe-se nas fotos os sorrisos e a alegria espontânea de cada um, quando, por um momento, se permitiram descarregarem-se um pouco das angústias, ansiedades e preocupações provocadas por esse processo de espera e entregarem-se às dinâmicas e tarefas propostas, percebendo-as como brincadeiras ou momentos de entretenimento e distração.
Foto: Dinâmica da sucata
Entretanto, apesar de proporcionar esse momento de distração, tais dinâmicas e tarefas sempre tinham um propósito, qual seja fomentar discussões e reflexões feitas pelos participantes, principalmente no que tange ao convívio entre eles na casa, o acolhimento e importância desta e o momento pelo qual estão passando, que se dá na espera.
Foto: Roda de leitura
A cada encontro, novas pessoas apareciam, pois foi um grupo rotativo. Mesmo assim, foram todos muito produtivos, gerando as discussões e reflexões esperadas. De modo geral, o assunto pendia para a gratidão, uma vez que veem a casa de apoio como uma segunda família, um lugar acolhedor, onde, apesar do sofrimento que cada qual traz consigo, possibilita momentos de alegria, partilha e conhecer novas pessoas.
Foto: Mulheres acolhidas na Casa de Apoio Vera Lúcia
Ao encerrar os encontros, tive a sensação de missão cumprida, principalmente ao receber muitos feedbacks positivos dos envolvidos. E ter a galeria de fotos desses personagens me possibilita, a cada vez que olho para ela, ter o mesmo sentimento empático de quando estava lá, ajudando essas pessoas de alguma forma. Digo com toda a certeza que esse processo, de intervir e fotografar, contribuiu muito para o meu crescimento acadêmico e pessoal.