A metamorfose de uma palavra

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Mario Vargas Llosa é um escritor, jornalista e político peruano, nasceu em 1936 na cidade de Arequipara, foi premiado em 2010 com o Nobel de literatura. Em sua obra “A civilização do espetáculo”, Llosa aborda um tema que vem sendo bastante discutido nas últimas décadas que é a cultura.

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O escritor fala que é provável que nunca na história tenham sido escritos tantos ensaios, teorias e análises sobre a cultura como em nosso tempo. Ensaios que muitas vezes provocam vários debates de grande importância intelectual e política. Debates estes que acontecem pelo fato de alguns dizerem que a cultura contemporânea não tem nada em comum com a cultura de uns 30 ou 40 anos atrás, alguns acabam dizendo até que não existe mais cultura. Vargas fala do ensaio de um escritor chamado T.S.Eliot que criticava o sistema cultural de sua época, segundo ele, esse sistema vem se afastando cada vez mais do modelo ideal que ele apresentou no passado.

Esse modelo ideal é aquele onde a cultura era dividida em três instâncias, o indivíduo, ou seja um ser humano inserido num ambiente social, a elite que é um grupo privilegiado minoritário composto por aqueles que são vistos por alguns como superiores por possuírem algum poder econômico e/ou domínio social e o último ponto que é o contexto social no geral. Embora haja intercâmbios entre as três, cada uma preserva certa autonomia e sempre está se confrontando com as outras, dentro de uma ordem graças a qual o conjunto social prospera e se mantém coeso.

Fonte: encurtador.com.br/DHJTY

T.S. defende que a alta cultura ou a cultura de elite deve ser preservada porque a qualidade da cultura no geral depende também da qualidade dessa cultura minoritária. Tal como essa realidade a classe social também é algo que deve ser mantido. Segundo ele cada classe social tem a cultura que produz e naturalmente aparecem várias diferenças entre elas, principalmente diferenças relacionadas com a condição econômica de cada uma. A civilização do espetáculo é caracterizada pelo entretenimento, onde o ato de se divertir-se é mais importante que qualquer outro valor cultural. É visto como puritanas fanáticas pessoas que reprovam essa prática da nossa sociedade que vê como um valor supremo o ato de se divertir.

A sociedade não percebe que essa prática acaba resultando em uma banalização da cultura.  Após a Segunda Guerra Mundial houve uma escassez na economia após essa etapa a economia teve um enorme crescimento. Os valores morais começando pela vida sexual da sociedade que até então eram pregados pela igreja e pela política foram tendo aberturas. Nessa época ocorreu um grande desenvolvimento nas indústrias de diversão sendo promovido pela publicidade.

Fonte: encurtador.com.br/doCJQ

Outro fato que aconteceu para que a nossa civilização tenha se tornado desse tipo foi à democratização da cultura. Por nós sermos uma sociedade democrática e liberal não podemos aceitar uma cultura que seja um patrimônio apenas da elite, a cultura deve alcançar a todos por meio da educação, manifestações culturais, mas o que poderia ter sido uma ideia altruísta acabou se tornando uma forma de trivializar e mediocrizar a vida cultural. Pois para facilitar com que chegue à grande maioria se torna algo superficial, vai se perdendo a alta cultura e passa a ser vista apenas como uma forma de passar o tempo.

Segundo o autor a publicidade tem um papel decisivo na escolha dos nossos gostos desde a sensibilidade aos costumes. Este papel antes era desempenhado pelas religiões, sistemas filosóficos, doutrinas e ideologias Moebus (2008) afirma em seu artigo que: A publicidade desempenha aí um papel fundamental à medida que, através de seu discurso, reafirma a noção de indivíduo enquanto efetivo agente do processo social, transfigurado na imagem do indivíduo-consumidor”. Os indivíduos vão à busca de livros que sejam de fácil compreensão que os distraiam, as obras literárias e artísticas viraram um produto comercial onde o preço vale mais que o valor de uma obra de arte.

Fonte: encurtador.com.br/bvJ17

Ainda sobre a superficialidade estabelecida nesta sociedade o autor também pontua o fato de buscarmos coisas práticas, o que ele também chama de “literatura light, cinema light e arte light”, dando ao presenciador a impressão de ser civilizado, desenvolvido, na comodidade com um mínimo de “esforço intelectual” como o mesmo diz. Cada dia mais o uso de drogas é disseminado, pairando sobre a sociedade com a destinação artística ou científica. Se tornou algo cultural que impulsiona pessoas a buscarem prazeres fáceis e rápidos que os livrem de responsabilidades, preocupações, uma rotina anteriormente considerada comum e aceita por todos.

A religião tida anteriormente como essencial, na sociedade do espetáculo foi abruptamente substituída pelo laicismo por aparência. Pessoas se denominam católicos, evangélicos, algo dito de maneira superficial, pois as mesmas provêm de comportamentos contrários que abstraem a religião de algum modo. Na nova sociedade são hipnotizados por coisas hilárias. Músicos, atores, artistas em geral são colocados como seres de importância máxima não só em seus âmbitos de trabalho, mas na política que é algo que vem da opinião pública. Com tal observação o autor não exclui o mérito, capacidade que cada um pode ter, mas destaca que o motivo principal de tal admiração e conquistas no meio social vem pelo fato de sua presença midiática.

Fonte: encurtador.com.br/aenq2

Nada mais natural num mundo e numa cultura onde se prima pela busca da facilidade, do descompromisso, da liberação de obrigações, de reflexão e de aprofundamento. Não é possível ainda esperar muito de uma sociedade em que a Religião é superficializada quando não simplesmente substituída pela superstição, Naturalmente que, nesse quadro, a decadência e superficialidade religiosa somente podem conduzir à decadência moral. E isso não é um prognóstico, mas um evidente diagnóstico comprovado empiricamente no dia a dia.

Se tratando de sexo, após a quebra de tabus religiosos que pregavam o sexo como algo sujo e impuro quando realizado antes do casamento ou com dois ou mais parceiros, e com pessoas do mesmo sexo. Vimos então que tal ideia passou por transformações, houve a liberação dos antigos preconceitos, um avanço com a diminuição da discriminação, com o progresso da aceitação integrando as pessoas na sociedade.

Lembrando que nessa época presente, onde a liberdade sexual merece uma grande importância devido a existência dos preconceitos que ainda existem na sociedade, causando então a violência física, verbal, violência em relação à conjunção carnal por forçar sem que a outra parte permita. Mas temos as prevenções para evitar esses delitos no Direito, que permitem a punição contra aqueles que infringirem a dignidade da pessoa humana.

Fonte: encurtador.com.br/aqzH7

O autor reúne pautas críticas sobre o tema da cultura, sem quaisquer pretensões conceituais como a que vemos em Bauman, ao demonstrar que a solidez de uma era dá lugar a novas condições de existência e relações recíprocas em consequência de um movimento dialeticamente revolucionário. A burguesia, como classe revolucionária, não apenas revoluciona o modo de produção, mas também as relações sociais. Os compromissos perdem força. A mobilidade no mundo do trabalho leva à perda de laços de amizade. As histórias se constroem a cada novo posto de trabalho. Os colegas de trabalho são igualmente colaboradores com pequenos laços de comprometimento com a empresa.

Considerações Finais

Em A civilização do Espetáculo, livro escrito por Mário Vargas Luiza, faz-se refletir sobre o atual estado em que a sociedade se encontra, a cultura está em profunda crise. Há na atualidade uma banalização da cultura, onde os valores, e a essência das coisas não tem mais seu reconhecimento, cedendo lugar para a admiração de algo superficial. A postura que a sociedade adotou na pós-modernidade sobre como a “palavra” perdeu consideravelmente a importância em detrimento da “imagem”. O espetáculo ou alienação como é descrito no texto, assume um papel tão grande na vida das pessoas na atualidade que se torna mais importante os avanços industriais, bens materiais, e tecnologias, do que se ocupar de assuntos culturais, intelectuais, e políticos. Não é mais importante se ocupar desses assuntos.

Fonte: encurtador.com.br/juJY3

A ênfase dada na civilização do espetáculo, é que a moda atual compete na diversão, no entretenimento, na vulgarização da imagem, essas ações funcionam como um escape de uma vida tediosa. Houve um empobrecimento do pensamento, da ideia, dos valores culturais. Assim dando espaço para a evolução do cinema, televisão, internet, substituindo dessa forma livros, artigos, jornais, entre outras fontes de informação.

Esse tema tem sido bastante discutido por diversas áreas dos saberes na atualidade, como na antropologia, filosofia, psicologia etc. A forma como as pessoas encaram essa nova cultura, seja de uma forma saudável, ou patológica, é parte do objeto de estudos dessas áreas. De fato esse estilo de vida que tem dominado a pós-modernidade tem causado sofrimento seja físico ou psíquico. É necessário buscar compreender a visão das pessoas sobre a nova forma de enxergar o mundo, e que tal mudança interfere na vida das pessoas de forma geral, sejam elas pessoas que nasceram a três, quatro ou cinco décadas, ou crianças.

REFERÊNCIAS:

MOEBUS A. R.; 2008; A (re) construção do indivíduo: a sociedade de consumo como “contexto social” de produção de subjetividades. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922008000100006> Acesso em 06 de setembro de 2017.

*Texto resultante da disciplina de Antropologia, ministrada pelo prof. Sonielson Sousa.

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Taças de vinho

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Entrei em casa tão apressada que, ao tentar fechar a porta, a chave querendo brincar com minha agitação, atirou-se em queda livre da fechadura ao chão.

Machucou-se toda. Isso porque o paraquedas que ela usava não abriu.

Fiquei alguns segundos parada, estática, olhando para aquela pequena chave caída no chão. Seu marido, um chaveiro francês que a acompanhara na queda, como todo europeu polido, tentava repreendê-la pelo acontecido. E ela, como toda charmosa chave brasileira, sorria, com ar de sapeca, ao contemplar a dedicação de seu esposo que trazia no peito a imagem da Torre Eiffel. (Até os chaveiros franceses são patriotas ….)

“Bem feito”, sentenciei. E, caímos as duas na maior gargalhada, eu e a chave paraquedista. O francês só esboçou um leve sorriso pelo canto da boca. Acho que ele é europeu demais, ainda, para sorrir uma alegre risada com gosto de feijoada e samba bem brasileiros.

Então, a chave, com ar de menina que pede o primeiro beijo, disse “Me coloca na fechadura que eu fecho a porta para você, tá?” .

Como é dissimulada a chave da minha casa! Mas, como amo as loucuras que ela faz (como saltar de paraquedas e fazer ballet clássico), além de adorar a forma como ela manda e desmanda no chaveiro francês, sempre perdoo o que ela faz.

E foi exatamente no momento que baixei para pegá-la que vi, escondidinho bem no canto da sala, um bilhete vestido de papel vermelho que dizia “Comprei um vinho. Vamos tomá-lo hoje à noite? Levo AS TAÇAS.”

Meu coração enlouqueceu e começou a pular e dar tantas cambalhotas que tive que cerrar os dentes para que ele não saísse pela boca.

AH! ERA A LETRA DELE!

A chave que dá palpites, até no que ela não é chamada, sugeriu afoita “Responde logo!”. E, eu respondi no mesmo papel vermelho, usando a tinta rosa da surpresa misturada com a alegria: “À NOITE”.

O Ventinho, Ventinhoso, mensageiro e amigo, encarregou-se de levar a resposta, carregado por um desses redemoinhos da paixão.

Não preciso dizer que o dia passou tão lento que me deu a impressão de que as horas,  minutos e segundos haviam se sindicalizado e estavam em alguma greve geral, lutando por um tempo mais vagaroso.

Finalmente, a noite vestida de rendas negras com enfeites de purpurinas estrelares começou a bailar pelo céu embalada pela canção romântica que cantava meu coração.

Resolvi abrir a janela. Afinal, quem eu estava esperando era a estrela mais brilhante do meu céu de sentimentos, por isso imaginei que ele fosse chegar trazido pela mão negra da noite. Acreditava que, quando ele chegasse, na sua mão direita traria a garrafa de vinho e, na esquerda, uma rosa de Santiago.

Nem tinha pensado todo esse pensamento tão menino, quando a campainha tocou. Tentei conter a ansiedade. E, lembrando Clarice Lispector, caminhei lentamente para vivenciar cada segundo dessa minha felicidade, literalmente, “tão clandestina”.

A chave, antes de abrir a porta, piscou com aquela piscadela de melhor amiga e aconselhou “Tente ficar calma”. Já o Chaveiro francês, educadíssimo, mostrou-me um pote verde com pontinhos laranja. Disse que era para eu guardar toda a minha ansiedade.

Então………………respirei fuuuuuuuuuuundo e ………….minhas mãos começaram a tremer. Tremiam tanto que foi preciso a Chave paraquedista dar um rodopio, que ela havia aprendido na aula de ballet clássico, para que a porta se abrisse.

ERA ELE!

E consigo parecia trazer, além do vinho, a primavera com as flores e borboletas para enfeitar a minha alma.

Sentamos no sofá cinza e eu me sentia nas nuvens. Aliás, eu me imaginava como um astro na Galáxia onde ELE era o SOL. Ah! Se ele soubesse que bastava um pedido seu para que eu orbitasse pelo tempo que ele quisesse ao seu redor. Ele seria MEU SOL e eu, seu planeta cativo.

Tomamos o vinho lentamente. Conversamos sobre tudo e sobre nada, como sempre.

Cada palavra doce que ele proferia, fazia-me compreender o porquê de ele me despertar tanto fascínio e encantamento.

Quis brincar, dizendo que ele possuía “olhos do Pacífico Sul”, que de tão azuis era impossível não querer desvendar seus encantos e mistérios.

Impressionante como é enigmático gostar de alguém que conhecemos tão pouco, contudo que invade nosso coração, sem autorização prévia , e faz com que tudo passe a ter sentido, de repente.

Quando a coragem quase me convencia para perguntar se nos veríamos novamente, ele disse “Preciso ir”.

Ah! Fez-se dentro de mim um silêncio tão profundo porque tive medo de não vê-lo nunca mais. Ficamos mudos, tão mudos que tive receio de que ele ouvisse a saudade que chamava por ele pela voz do meu coração.

Despedimo-nos à porta. E, como em uma tentativa de prolongar cada segundo ao lado dele, disse , intempestivamente, “Volte sempre”.

Então, ele olhou profundamente nos meus olhos, passou a mão nos meus cabelos, segurou minhas mãos, acariciou levemente meu rosto, aproximou lentamente sua face à minha, e sussurrou no meu ouvido “Sempre tenho a impressão de que você nunca me deixará ir por inteiro”…..

Realmente, são os enigmas da vida.

Ele se foi, mas teve o cuidado de deixar comigo as duas taças de vinho que logo se converteram em cálices de solidão.

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