“Elize Matsunaga – Era uma vez um crime”: conteúdos psicológicos da controversa série brasileira

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A série brasileira “Elize Matsunaga – Era uma vez um crime” é um documentário televisivo original da Netflix em parceria com a produtora Boutique Filmes, dirigida por Eliza Capai. A produção lançada em julho de 2021, tem conteúdo com censura 14 anos, melancólico focado, especialmente, nos sintomas psicológicos e jurídicos da autora confessa de um dos crimes mais impactantes da história recente do país ocorrido em 19 de maio de 2012.

Figura 1 – (Crédito: Reprodução/Netflix)

A série explora fotos e vídeos de conteúdo intimista do antigo casal, apresenta vasto material jornalístico veiculado à época do julgamento, as falas de amigos, familiares e de especialistas sobre o caso oferecendo, e, por fim, destaca-se por conter muitas horas de declarações diretas de Elize tomadas durante uma saída oficial do ressesso de páscoa da prisão de Tremembé em 2019, falando em primeira pessoa, com iluminação e enquadramentos ajustados para fazer audiência sentir-se em frente a ela, olhando nos olhos, com expressiva proximidade.

Os episódios da série são: 1 – Estado civil: viúva; 2 – Uma vida de princesa; 3 – A infeliz ideia de Eliza e 4 – Ecos de um crime.

Figura 2- (Crédito: Reprodução/Netflix)

São apresentados temas de muito relevo para a psicologia e psicanálise, sadismo, masoquismo, depressão, e psicopatia foram conceitos diversas vezes mencionados pelos que tentavam enquadrar e compreender a subjetividade complexa da autora do crime bárbaro.

No julgamento, tanto a defesa como a acusação fundavam seus argumentos e aspectos psicológicos relativos a Elize. Os primeiros arguiam que a pena do crime deveria ser afastada, atenuada ou reduzida, pois no momento que atitou no marido, e esquartejou o corpo dele e o transportou em malas, ela não respondia por suas ações, pois estava tomada por violenta emoção.

Segundo a defesa, a autora do crime teve uma crise de ansiedade decorrente de longo período do medo que sentia de ser machucada e morta pelo marido, e tal medo estaria justificado no longo período de violência psicológica sofrida por ela contexto do casamento.

Já a acusação também faz uso da psicologia para pedir aumento da pena de Elize, que teria cometido o crime por motivo torpe, por mero ciúme e a associa a figura estigmatizada da mulher que deseja ser Cinderela, e ter “uma vida de princesa”, deixar as raízes humildes e ascender socialmente por meio do casamento do qual ela não estaria disposta a abrir mão.

Figura 3 – (Crédito: Reprodução/Netflix)

Neste contexto, entre argumentos de defesa e de acusação as personalidades de Elize e do marido assassinado tornam-se objeto de diversas discussões e especulações ao longo da série num esforço de compreensão e categorização da barbárie.

Como exemplo, tem-se a apresentação ao público de “fatos novos” que poderiam justificar para o público os comportamentos de Elize. Isso porque, foi descrito o impacto da morte prematura do pai na história dela. Foram retratados a vida difícil em termos de condições materiais que a família enfrentava e o contexto rural e muito rústico que ela viveu a infância e adolescência.

Além disso, tem-se um possível abuso sexual que ela teria sofrido aos 15 anos, perpetrado pelo padrasto e que teria marcado profundamente sua subjetividade e, por fim, a experiência vivida como profissional do sexo que a levou a sair do contexto familiar e a conhecer o futuro marido.

Por fim, vale destacar a releitura feminista que a série se propõe a fazer tanto do crime em si questionando diversos pontos de pré-conceitos ligados ao fato de a autora ser uma mulher, ter sido profissional do sexo e ter agido motivada por ciúmes, destacando, ainda, diversos casos famosos como o de Ângela Dinis morta pelo marido nos anos 60. O crime de Elize teria o mesmo fim caso fosse cometido por um homem? Fica a dúvida necessária e o convite à reflexão.

FICHE TÉCNICA

Elize Matsunaga – “Era uma vez um crime”

Ano produção: 2021

Dirigido por Eliza Capai

Classificação – Não recomendado para menores de 14 anos

Gênero: Documentário

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Os sonhos norteiam a vida

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Final dos anos 80. Rô tinha acabado de chegar de Londres. Morávamos no mesmo pensionato em São Paulo. Ela, uma gauchinha introvertida e discreta. Eu, uma maritaca tagarela. Ela amava David Bowie. Eu breguices. Éramos diferentes em gosto e estilo. Mas nossas almas se reconheceram.

Um dia ao desabafar com Rô sobre um projeto que tinha dado errado culpei meu jeito falante de ser pelo fracasso. Lamentei por não seguir o velho ditado de que o segredo do negócio é o segredo. Ela discordou. Surpreendi-me. Rô disse que ao botar a boca no trombone, eu sempre encontrava alguém que me indicava alguém para me ajudar. Lembrei-a das decepções no meio da jornada. Ela lembrou-me das conquistas que atropelavam as decepções. Concordei. Rô, então, me revelou que seu grande sonho era ser atriz de teatro, por isso veio a São Paulo. Fiquei boquiaberta.

Fonte: encurtador.com.br/puJV1

Jamais imaginaria que aquela menina tímida e caseira sonhasse com o holofote. Confessou sua frustração de ser recepcionista de um escritório quando sua mente viajava pelos palcos. Eu a incentivei a fazer testes e a bater nas portas. Aproveitar as oportunidades da capital. Ela respondeu que, diferente de mim, que fazia das rejeições fontes de motivação, para ela, as rejeições a atrofiavam.

Um ano depois, escondida atrás de sua timidez e cansada do ritmo de vida da capital paulista, Rô decidiu voltar para sua terra-natal. Eu não me conformava. Ela estava desistindo dos sonhos. Rô disse que faria das minhas vitórias as dela e que minha luta era das duas. Pediu-me para continuar esgoelando no alto-falante e partiu. Trocávamos cartas. Ela seguia sonhando quietinha no seu canto e torcendo por mim.

Fonte: encurtador.com.br/kBGK9

Uma noite, ao voltar para casa encontrei um envelope amarelo debaixo da porta. O carimbo era da cidade de Rô, mas a letra não era dela. Abri a carta. Retirei um recorte de jornal noticiando o acidente de carro com um casal de namorados no Lago Guaíba. O rapaz sobrevivera; a moça morrera afogada. Quem assinava o recorte era a mãe de Rô. Desmoronei.

Chorei. Desabei. Abati-me. Uma garota tão cheia de sonhos; todos afogados nas águas do Guaíba. O vazio de ligar e não ouvir a voz da amiga. As cartas que não chegariam mais. Uma juventude enterrada na eternidade. Ficaram as lembranças e o pedido para continuar sendo a maritaca tagarela. Para mim, esgoelar meus sonhos sempre atraíram decepções e indicações. Na somatória, as vitórias. Decepções fazem parte da vida. Rejeições idem. Elas me chateiam, mas não interferem na minha luta. Sempre que penso que falo demais, lembro da voz baixinha e suave da amiga me dizendo: guria, você sempre conhece alguém que te indica alguém.

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Como pássaros na gaiola: a realidade das famílias enclausuradas pelo sistema penitenciário brasileiro

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“Todo homem é maior do que o seu erro”
MARIO OTTOBONI

Para que haja uma completa reinserção dos presidiários na sociedade, faz-se necessário disponibilizar os meios para que eles alcancem este fim.

Assim, por interesse pelo assunto e por uma proposição da disciplina de Estágio Básico V do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, nós, acadêmicos, passamos a fazer parte do Conselho da Comunidade na Execução Penal (CCEP) de Palmas/TO.

Nosso ingresso no conselho se deu com o intuito de conhecer de perto a realidade na qual vivem as famílias das mulheres apenadas. Assim, estávamos imersos em dois campos desconhecidos: a visita domiciliar e o sistema prisional.

De imediato surgiram inúmeros desafios: o medo das demandas com as quais iriamos nos deparar ao longo do processo; a incerteza de como seriamos recebidos por essas famílias e seus respectivos reeducandos; com nossos próprios (pre)conceitos; nossas inseguranças e angústias.

O processo foi árduo. Batemos em várias portas em busca de conhecer melhor a realidade das famílias de algumas das mulheres em privação de liberdade na unidade prisional de Palmas/TO, mas, na maioria delas, o endereço que nos foi fornecido estava desatualizado. O que de pronto, já evidenciava o mais comum dos descasos que o nosso sistema penitenciário: ignorar a participação a família no processo de reeducação dos apenados.

Fomos a campo, com a finalidade de compreender como vivem os familiares das presidiárias, saber de suas possíveis necessidades e dificuldades, para assim conhecer mais a fundo em quais aspectos o CCEP poderia contribuir para amenizar o sofrimento dessas famílias, visando sempre fortalecer o vínculo dos apenados com suas famílias.

Gostaríamos de esclarecer que este deveria ser um relato de nossas experiências práticas enquanto membros do CCEP, porém – como uma espécie de reflexo do caos que circunda não só meio prisional mas todas as instituições – o que transcrevemos a seguir é, em grande parte, um pouco de nossas tentativas frustradas de intervir junto às famílias das reeducandas de um presídio feminino no Tocantins.

Além disso, trazemos um pouco de nossos aprendizados extraídos de nossa intervenção e de todo o arcabouço teórico adquirido por meio das intensas discussões ao longo do semestre acerca do sistema penitenciário brasileiro.

Todavia, antes de qualquer relato, julgamos imprescindível explicar aos leitores sobre o que é e como funciona o CCEP.

Apesar de sua importância e previsão em lei, o CCEP é um órgão pouco conhecido pela população brasileira. Trata-se de um mecanismo instituído pelos Artigos nº 80 e 81 da Lei de Execução Penal (LEP), a qual estabelece a existência de um conselho da comunidade em cada comarca, composto por, no mínimo, um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela seção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e um assistente social escolhido pela Delegacia Seccional do Conselho Nacional de Assistentes Sociais.

O Conselho tem a função de representar a sociedade em um processo que se inicia no ingresso do indivíduo no âmbito prisional e só se encerra com a retomada de sua liberdade. Todavia, é a própria comunidade quem detém as alternativas a serem ofertadas ao réu condenado.

O seu objetivo é aproximar a comunidade do sistema penitenciário e seus reeducandos, visando minorar os danos ocasionados pelo encarceramento, pelas privações e pelas condições degradantes, as quais comumente eles são submetidos.

Percebemos – do pior modo possível – que o termo “reeducanda”, costumeiramente utilizado para se referir as presidiárias, na maioria das vezes, se trata apenas de um mero jogo de palavras. É um modo “politicamente correto” para se referir àquelas pessoas que se encontram segregadas em nosso falido sistema carcerário. Que, acreditamos, não seja restrito de Palmas/TO.

Ao nós apossarmos do termo: dizermos reeducandas, estamos sugerindo que elas estejam sendo submetidas a um sistema de reintegração social. No mundo real, sabe-se que não é bem isso que acontece.

Empossados de todas essas informações já compartilhadas, fomos em busca dessas famílias. De pronto, a primeira barreira era nosso semblante de constrangimento, ao nos depararmos ao difícil tema que seria abordado, que vez por outra parecia se mesclar a um sentimento de pseudoautoridade, diante dos entrevistados.

Nossas primeiras visitas foram frustradas, pois não encontrávamos familiares das presidiárias, mas tivemos uma rica observação de como a comunidade se referia a elas e suas famílias.

Quando perguntávamos se ali era a casa de fulana, víamos rostos espantados e com uma resposta tão rápida quanto um disparo: “– Não!”. Então, tentávamos iniciar uma conversa, questionando se eles conheciam alguém que teve seu familiar preso. E as respostas eram bem uniformes: “– Sim, mas eles mudaram de Palmas!”.

Em algumas dessas visitas, saímos com a nítida sensação de que, mesmo com todas as explicações acerca do que é o Conselho, os residentes preferiam negar seu parentesco com as reeducandas. Talvez por medo, vergonha ou insegurança.

Nas visitas, os nomes daquelas mulheres e suas histórias quase não eram lembrados, mas os crimes, estes ainda estão vivos na memória dos que nos recebiam. Era como se todo histórico de uma vida tivesse sido apagado, restando apenas um único e cruel capítulo: o crime.

Podemos supor que além do sofrimento presente em cada uma dessas histórias, o preconceito que essas famílias passam a sofrer seja a principal causa de mudarem seu endereço. Uma tentativa de se apagar o passado vergonhoso.

Em vários casos, pudemos comprovar que o afastamento se dá também em relação as apenadas, que – não raramente –  são abandonadas por seus familiares no cárcere.

A distância das unidades prisionais em relação ao distrito urbano, as dificuldades financeiras e as constrangedoras revistas realizadas antes das visitas nos presídios são alguns dos fatores apontados pelos familiares como justificativa por sua ausência e descaso em relação às reeducandas.

Quando conseguimos cumprir nossa missão, fomos muito bem acolhidos. Por meio dos relatos e da postura adotada pelas pessoas que se encontravam nessas residências.

Deparamo-nos também com uma realidade de sofrimento causada pelas drogas, que de tanto se perdurar, já passou a fazer parte de seus traços e hábitos. Um exemplo é o da filha de dona Ana, hoje com 29 anos, é usuária de drogas ilícitas desde os 13. Fato que fez com que ela já fosse detida por 6 ou 7 vezes.

Hoje, sua família vive em um misto de incredulidade e esperança de que Mariana possa reestabelecer sua vida quando retomar a liberdade.

Uma vez que a visita domiciliar foge dos padrões dos atendimentos psicológicos tradicionais, ainda há uma enorme carência de materiais que abordem como se deve proceder nesse tipo de intervenção.

São raras as discussões e produções acadêmicas que tenham como foco as famílias de pessoas em privação de liberdade, o que evidência um vasto campo a ser explorado.

A falta da literatura para nortear nossas práticas gerou desconforto e o receio de estarmos (ou não) invadirmos a privacidade daquela família. Nosso receio era o de ferir o direito à privacidade em meio à toda dor que assolavam aqueles lares.

Em nossa busca por uma intervenção íntegra, fomos convidados a experimentar um modelo de intervenção, em que, claramente teríamos de nos deixar ser conduzidos pelos limites impostos pelo outro (cliente), uma vez que aquele era o seu ambiente, seu território.

 

Nota: Todos os nomes pessoais aqui utilizados são fictícios, com vista a preservar a identidade dessas pessoas.

 

Referências:

BRASIL. Lei de Execução Penal. Brasília: Senado, 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm.>. Acesso em: 26 de março de 2014.

MARTINS, J.S. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

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Projeto de Remição da Pena, a leitura como inclusão social

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O sistema carcerário é um dos principais problemas que vive o Brasil. O reeducando, que em certos casos, já vive com as deficiências da saúde pública e um crítico sistema educacional, ao entrar no cumprimento da pena, enfrenta problemas de questões humanitárias que prejudicam sua evolução durante o tempo da detenção, um tempo que deveria ser separado para reflexão, estudos e controle comportamental.

A Lei nº 7.210/84 de 1984, de execução penal determina uma humanização durante o cumprimento. Trinta anos depois, atualmente, ainda não houve uma efetivação de se trabalhar essa pena na questão humanitária. Problemas como o do sistema carcerário, é uma função dos governos, diante de tanta lentidão e falta de sensibilidade na execução dos projetos, em certos casos, o sistema privado, as instituições de ensino e também a sociedade em geral podem assumir a iniciativa contribuindo para um melhor desenvolvimento de um país.

A leitura como exercício da mente, essa é a estratégia utilizada pelo Conselho Comunitário e a Universidade Luterana do Brasil, Ceulp/Ulbra, na cidade de Palmas-TO. As duas instituições, assinaram convênio através de uma portaria expedida pelo juiz da vara criminal, para execução do Projeto de Remição da Pena pela Leitura – RPL. A intenção é envolver inicialmente os acadêmicos dos cursos de direito, psicologia e Serviço Social, no desenvolvimento intelectual dos reeducando através da leitura de obras literárias.

De acordo com o Presidente do Conselho Comunitário de Palmas, Geraldo Cabral, na pratica o direito possui acima de tudo uma função social, não é simplesmente uma lei seca. Segundo o Presidente, os acadêmicos poderão ver de perto a realidade carcerária, a superlotação e estrutura física, das unidades prisionais de Palmas. “É um trabalho pequeno, de formiguinha, construindo no dia a dia aos poucos, mas com isso vai certamente colaborar com a diminuição na questão da superlotação dos presídios”, acredita Geraldo Cabral, exaltando ainda a parceira com o Ceulp/Ulbra. “Esse projeto demonstra o interesse de função social de uma universidade comprometida com os problemas sociais, e com isso os alunos podem relacionar essa questão social com o curso de direito”, diz.

Cerca de 60 alunos já estão envolvidos com o projeto. Os acadêmicos adotam no máximo três reeducando, e o acompanham durante um mês através da leitura de um livro. Depois da leitura do livro, o reeducando, faz um trabalho de resumo escrito, o acadêmico responsável corrige o trabalho e repassa para o conselho comunitário que, atribui uma nota. No final desse processo, o reeducando recebe como beneficio uma remição da pena de quatro dias, por leitura concluída.

A estudante do 9° período de direito, Thais Clara Gomes Silva, 21 anos, adotou três reeducando, e trabalha com os as dinâmicas do projeto através dos livros: Inquietação, Superando a Ansiedade e Vida Conjugal. “Eu nunca tinha ido a um presidio, lá a gente ver de certa forma como excluídos são os detentos, é gratificante ver que estamos podendo ajudar de alguma forma e ver a ressocialização para eles também”, relata.

Segundo a coordenadora do projeto RPL e professora do curso de direito do Ceulp/Ulbra, Denise Cousin Souza Knewitz, a previsão é que Cerca de 400 detentos podem ser envolvidos inicialmente no projeto. “O sistema prisional não contribui o suficiente para a recuperação do detento, acredito que a leitura pode contribuir, eles podem melhorar através da leitura”, a coordenadora lembra ainda a importância da doação de livros pela sociedade. “Nesse projeto a instituição educacional representa a sociedade na contribuição para amenizar esse que é um dos grandes problemas do Brasil”, finaliza.

Uma das beneficiadas com o Projeto RPL, Janaina Lustosa Vieira, 38 anos, 2ºgrau completo, divorciada e mãe de dois filhos, entrou como reeducando há um ano e meio no Presídio Feminino de Palmas-TO. Ela conta que, não acredita no projeto que o governo prega de reeducação. “A situação aqui é tão ruim que as pessoas saem pior ainda, aqui é a escola do crime”, Janaina acredita que a leitura é o verdadeiro caminho para os reeducando. “As detentas , elas conversavam sobre drogas e crime, depois desse projeto da leitura, estão conversando sobre as historias dos livros”, diz.

Fabricações de tapetes e crochês são alguns dos projetos desenvolvidos nos presídios no Brasil. “A sociedade acha que o preso é ignorante e só sabe fazer tapete, eu vejo que os presídios precisam ter mais informação e cultura, devido a maioria semianalfabeta”, desabafa a reeducando Janaina Lustosa, revelando ainda a ultima obra literária que acaba de ler – livro 11 minutos, do autor Paulo Coelho. “Uma pena que é apenas um livro por mês, deveria ser mais. Aqui no presidio não tem atividade física, isso gera muito ociosidade, finaliza.

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Comunidade e Execução Penal – O Projeto Remição pela Leitura

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Você já parou para pensar qual o papel da sociedade frente ao sistema de execução penal em nosso país? Somos isentos a esse regime, ou somos, de outro modo, (co)responsáveis por ele?

Partindo dessas reflexões, foi implantado, no município de Palmas/TO, o Conselho da Comunidade para Execução Penal (CCEP), um espaço de atuação e de movimentação da sociedade, instituído para trabalhar nessas articulações com a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento das penas, por parte dos sentenciados/apenados, nos diversos regimes.

Para entender melhor o processo de implantação e função do CCEP em Palmas/TO, e do Projeto de Remição de Pena pela Leitura, o (En)Cena entrevistou a Analista Técnica do Tribunal de Justiça e Assistente Social, Márcia Mesquita Vieira, com atuação sócio jurídica,  desde as questões da criança e do adolescente, medidas protetivas, sócio educativas, ao sistema prisional como um todo. Ela é professora e Coordenadora do Curso de Serviço Social no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e membro do CCEP.

Márcia Mesquita Vieira – Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena – Quando o CCEP foi criado?

Márcia Vieira – O CCEP já é previsto na LEP – Lei de Execuções Penais. Só que, falando em termos de Brasil, não conseguiu ainda a implantação em todos os estados. Aqui em Palmas/TO, o nosso conselho foi criado em setembro de 2008.

(En)Cena – Quais os desafios da implantação do conselho?

Márcia Vieira – Por mais que seja uma Sociedade Civil Organizada, as vezes a gente não consegue se organizar tanto assim, por problemas internos como falta de recursos financeiros, ou pelos desafios que o próprio sistema oferece. Brigar com o sistema não é tarefa fácil. Nosso desafio é mobilizar a luta frente à dignidade e aos direitos humanos dos presos, mesmo que esta seja uma bandeira perene. Mas, podemos dizer que hoje estamos revitalizando o conselho da comunidade.

(En)Cena – Então o CCEP funciona em rede?

Márcia Vieira – Ele é um organismo da Sociedade Civil Organizada e trabalha com essas articulações em rede. Todas as instituições que de alguma forma desenvolvem algum trabalho ou estejam articuladas com o Sistema Prisional compõe a rede do CCEP. Nós trabalhamos com Vara de Execuções Penais, com o Ministério Público (MP), a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com o próprio Sistema Prisional, além das unidades as instituições religiosas que tambémdesenvolvem trabalho lá dentro: a Pastoral Carcerária, um grupo da igreja evangélica que faz um trabalho com os presos. Toda instituição/órgão que, a seu modo e com seus objetivos, desenvolve alguma atividade ligada a temática do Sistema Prisional, nós consideramos como parte da nossa rede.

(En)Cena – Quem são os membros do Conselho? Como ele está organizado?

Márcia Vieira – Hoje, temos vários filiados entre acadêmicos voluntários dos cursos de Serviço Social, Direito, Psicologia, Pedagogia; militantes da sociedade civil e do Centro de Direitos Humanos de Palmas/TO (CDH);  profissionais da educação, da pedagogia e área psicossocial, que trabalham com questão das Escolas no Presídio; e equipes da Saúde. O CCEP é um organismo aberto, qualquer pessoa pode fazer parte, então se uma pessoa nos procurar dizendo: “Eu quero desenvolver uma atividade com vocês…”, ela será aconselhada a ir ao Conselho, filiar-se e então pode começar a desenvolver sua atividade proposta, ou, até mesmo, se engajar em uma das que já acontecem. Em contrapartida, o CCEP trabalha com a finalidade de viabilizar o espaço, materiais etc. O Conselho não é um órgão fechado e restrito. Exemplo disso, é que temos algumas representações como a OAB, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Palmas/TO (CDL), o CDH, o Conselho Regional de Serviço Social (CRSS) etc.

(En)Cena – Quem é o Presidente de CCEP atualmente?

Márcia Vieira – É um advogado, professor no curso de Direito do CELP/ULBRA, Prof. Geraldo Cabral. Atualmente é ele quem está à frente do conselho da comunidade.

(En)Cena – Como o conselho se articula com a justiça?

Márcia Vieira – Temos um diálogo aberto com a justiça. Hoje, a sala do Conselho funciona num espaço cedido pelo Fórum de Palmas/TO. É uma sala bem equipada, com recursos que necessitamos: móveis, computadores etc. O Conselho não tem fins lucrativos, logo, não temos fonte financiadora de recursos. Trabalhamos com projetos de captação de recursos para a execução de nossas atividades. Temos uma boa comunicação com a Vara de Execuções Penais – uma grande parceira – que é quem nos dá acessos de todo o panorama da realidade e funcionamento do Sistema Prisional de Palmas/TO.

(En)Cena – Como é que o CESEP ele se articula com a LEP?

Márcia Vieira – Nos inserimos no Sistema Prisional articulando atividades que nos possibilitam compreender os sujeitos que estão dentro desse contexto, bem como os fenômenos que acontecem nesse contexto. Trabalhamos com os apenados (reeducados) no sentido de tencionar essa rede, contra o controle social, com a finalidade de melhorar o nosso Sistema Prisional.

(En)Cena – Quais as ações que o Conselho desenvolve?

Márcia Vieira – Estamos na fase de planejamento de um dos maiores projetos que o Conselho da Comunidade pretende executar a partir desse ano, o Projeto de Remição pela Leitura. É um projeto grande, que vai abranger praticamente todo o Sistema Prisional do estado do Tocantins atualmente. Além disso, desenvolvemos atividades de potencialização e de geração de renda, por meio de artesanato, além de atividades interativas dentro das unidades, como o yoga por exemplo.

(En)Cena – Do que se trata o Projeto de Remição pela Leitura?

Márcia – Atualmente, no Brasil, um preso, quando ele está dentro do Sistema de Privação de Liberdade, para cumprir a sentença que lhe foi atribuída, pode minimizar ou diminuir esse tempo ao qual ele foi sentenciado, seja pelo trabalho, ou pela escolarização. Agora temos uma novidade: que é a remição pela leitura. A questão do trabalho e da escola tem um impacto pequeno no universo do Sistema Prisional brasileiro. Por exemplo, se nós temos 500 presos, somente 10 estão frequentando a escola, porque a escola das penitenciárias não tem estrutura, ou os profissionais não tem capacidade de fazer um acompanhamento de mais pessoas que este número. No geral, a infraestrutura das unidades prisionais é precária, e não acomoda uma escola com condições onde todos possam ter um ensino-aprendizagem de qualidade. Logo, os apenados nem sempre podem fazer remição pela escola.

A questão do trabalho é igual, pois esbarra nas questões de segurança e afins. Vou dar um exemplo de um projeto que o CCEP executa: o artesanato com boneca. Para fazer biscuit as reeducadas precisam de estilete e tesoura para confeccionar as bonecas. Como você pode fazer um trabalho artesanato sem esses equipamentos? Isso esbarra em todo um problema de segurança que as unidades – que também são precárias – não conseguem sustentar. A chegada dessa possibilidade da remição pela leitura está sendo vista por nós como uma alternativa a todo esse processo, porque a infraestrutura necessária para que o reeducando leia um livro é mínima, se comparado a estruturação de uma escola, ou de um local de trabalho.

(En)Cena – Quais os benefícios do Projeto de Remição pela Leitura para o Sistema Prisional?

Márcia Vieira – Acreditamos que o projeto vai potencializar o nível de acesso à informação, da alfabetização e da própria escolarização dos detentos. A leitura tem a possibilidade de “abrir os horizontes” das pessoas. A pessoa que lê mais, escreve melhor, fala melhor,amplia seu vocabulário. O projeto vai contribuir para os reeducandos na garantia e asseguração da cidadania, mostrando um novo panorama, ampliando suas perspectivas e dando novas possibilidades. Não como um apenado em dívida com o sistema, mas de um reeducando, que ainda tem muito com o que contribuir para com a sociedade.

(En)Cena – Como o projeto conseguirá mensurar os benefícios da leitura para os reeducandos?

Márcia Vieira – A infraestrutura para a implantação desse projeto ela é mínima, em relação as outras formas de remição de pena. Precisa-se garantir apenas que os reeducandos recebam um livro por mês, que eles leiam esse livro, e que construam o relatório de leitura, que exigirá destes conhecimentos de leitura e escrita. Ao final do mês, eles demonstrarão qual foi a interpretação deles daquela leitura. A cada livro/mês ele tem o direito a remição de quatro dias na sua pena, sendo que a) não pode ser o mesmo livro, e b) só será validado um livro a cada mês, resultando em 4 dias a menos de pena por mês.

(En)Cena – Quais os principais desafios do CCEP hoje?

Márcia Vieira – O CCEP tem alguns desafios, como a questão financeira. É difícil financiar tantas atividades, porém, estamos focando na questão da captação dos recursos. Como a entidade sem fins lucrativos isso é um problema, o Conselho precisa ser uma instituição que funcionasse de porta abertas 24h, afins de melhor receber as demandas… Temos um problema de falta pessoal, porque todos os que estão no conselho da comunidade são voluntários, logo, não temos pessoas para cumprir expediente no conselho. É um desafio, encontrar pessoas que possam trabalhar no conselho, porque não temos condições de remunerá-los.

(En)Cena – Como é a inserção do Conselho dentro das unidade prisionais?

Márcia Vieira – Não é muito fácil. Considerando as questões da segurança do preso, do presídio e de nós mesmos. Há uma cultura dentro dos presídios que diz: “o preso tem que estar preso”, ou que “bandido bom é bandido morto” etc. Nosso desafio é defender e assegurar os direitos civis dos reeducandos. Mas essas pessoas não têm aprovação da sociedade, tampouco podem exercer sua cidadania. Esse também é um grande desafio. Nem sempre é fácil a gente propor uma atividade. Temos um grande número de reeducandos prontos para partirem para o regime semiaberto, mas não há emprego para essas pessoas. Quem quer oferecer emprego pra uma pessoa que tem uma ficha criminal? A sociedade se isenta de sua (co)responsabilidade.

(En)Cena – Você acredita que uma Lei como a que obriga as empresas a contratarem deficientes, forçando os empresários a contratarem reeducandos do Sistema Prisional pode ser uma solução?

Márcia Vieira – Acredito que não. Atualmente, há um excedente número de empresas que descumprem essa regra trabalhista, por um motivo ou outro. Alegando desqualificação etc. Há outra dificuldade, que não é mais da inserção, mas da permanência dessas pessoas dentro das instituições. Penso que essas medidas impostas, são questionáveis. Por exemplo, assim conseguiríamos inserir os reeducandos, mas como a sociedade vai receber essa pessoa? Chegar num local de trabalho e ser visto como diferente, como perigoso, é complicado. Isso está para além das obrigações formais, e o formalismo não funciona quanto a gente fala de relações pessoais.

(En)Cena – Quais os resultados positivos do Conselho?

Márcia Vieira – Muitos. O maior saldo positivo que eu considero de todas as ações do Conselho, é o resultado de nossa inserção dentro das unidades prisionais, mudando o modo como os reeducandos eram tratados e vistos pelos próprios funcionários das unidades. O conselho deu visibilidade a esse grupo até então sem representatividade, mostrando outro panorama, o de que a sociedade também precisa se envolver nesse processo. Ela precisa se sentir pertencente, se abrir para novos debates. Entrar nas discussões. Em contrapartida, eu também não acredito que meia dúzia de gente vai transformar o mundo. Isso é ditadura. Revolução é outra coisa! É um grande número de pessoas modificando suas ideias, seus costumes, seu modo de enfrentar o problema. Isso sim é mudança social.

(En)Cena – Márcia, para encerrar. Caso tenha alguma instituição, empresa, pessoa ou organização interessada em colaborara com o  CCEP, como pode obter mais informações sobre o Conselho?

Márcia Vieira – O conselho funciona no prédio do Fórum de Palmas/TO. Atualmente, funcionamos apenas no período da tarde, das 14h às 18h.

 


Transcrição: Ruam Pedro Francisco de Assim Pimentel

Edição: Hudson Eygo

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CEULP/ULBRA apoia campanha de doação de livros para presidiários

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A doação é a etapa inicial para a implantação do projeto “Remissão por Leitura”, realizada pelo Conselho da Comunidade na Execução Penal.


Com o objetivo de implementar o projeto Remição por Leitura (RPL), o Conselho da Comunidade na Execução Penal está realizando uma  campanha com foco na arrecadação de livros para as unidades prisionais de Palmas. O projeto prevê a leitura de obras literárias, clássicas, científicas ou filosóficas, pelos reeducandos, com a remição de até quatro dias de pena, após a entrega de relatório ou resenha de um livro. O preso só poderá ler uma obra por mês para efeito da RPL.

Segundo oprofessor Geraldo Cabral, presidente do Conselho, o cultivo da leitura e escrita pelos presidiários “proporcionará o acesso à leitura/conhecimento/cultura. Ocupa o tempo do preso – faz com ele adquira o gosto / o hábito da leitura e ainda o ajuda na remição da pena”, afirma.

Com o intuito de alcançar parceiros para o projeto, foi encaminhado um ofício à diretoria do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), com a minuta de um convênio, solicitando o apoio da instituição nesse sentido. Dessa forma, o aluno da instituição de qualquer curso poderá adotar um preso na ação da RPL, ou seja, acompanhar um preso: entregar o livro, estabelecer as condições da produção da atividade da obra lida – corrigir o trabalho, atribuir uma nota e passar para o Conselho da Comunidade validar ou não a nota dada.

Para o sucesso da RPL é necessária a colaboração de todos. As pessoas podem doarobras de diferentes títulospara a campanha, que terá início já na próxima semana e dura o ano todo. Os livros podem ser entregues na coordenação do curso de Serviço Social e de Direito ou em caixas que ficam nos corredores do CEULP/ULBRA e ainda na sala do Conselho da Comunidade – Fórum – 1° piso – ao lado da Central de Conciliação.

Projetos Remição por Leitura

O Projeto Remição por Leitura vem sendo implantado por várias comarcas do Tocantins. A Vara de Execução Penais da Comarca de Palmas instituiu o projeto, por meio da portaria n° 04, de 02 de abril de 2014, publicada no Diário da Justiça n° 3318 páginas 88 a 90 de 08/04/2014. As comarcas de Porto Nacional e Araguaína iniciaram a ação em 2013 e vem alcançando bons resultados.

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