Alta performance: atingindo sua máxima capacidade com saúde mental

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Muito se fala na atualidade sobre a alta performance, vemos nas mídias sociais diversas pessoas incentivando os seguidores a alcançar essa alta performance, falando sobre desempenho nas diversas áreas daquilo que nos cerca, como vida profissional, social, familiar, etc. Mas sabendo que falar muito sobre um assunto, nem sempre indica um conhecimento correto sobre o mesmo, apresentamos abaixo uma entrevista com o psicólogo Vitor Costa de Siqueira (CRP-09/17562) para falar um pouco sobre o assunto.

(En)Cena – Na visão de profissional da saúde mental, o que seria alta performance?

Bom, a primeira coisa que nós devemos entender, é que NÃO é alta performance. Durante muito tempo, e acho que até hoje, muitos acreditam que alta performance é dormir o mínimo possível para fazer o máximo possível, até mesmo para estudar e/ou atingir seus objetivos, e tem aquela frase que eu odeio “estude enquanto eles dormem”, isso é uma grande besteira. 

Muitas vezes a gente acha que dá pra performar sem ter um sono de qualidade, sem se conhecer, sem estar em um ambiente saudável, sem uma alimentação regulada. Nós somos seres integrais, ou seja, fisiológico, temos nossas cognições, ambiente e nossa parte de espiritualidade, então olhando por esse lado da integralidade, alta performance é atingir o máximo da sua capacidade naquilo que você se propôs.  

Olhando por exemplo para a vida de um atleta; se uma atleta e seu técnico focar só na área dos treinos físicos ele vai conseguir chegar a um preparo razoável, mas como saber se ele está se sentindo de fato seguro para o próximo jogo, se ele tá ansioso e saber até sobre suas necessidades básicas que o ser humano precisa para suprir, nós só iremos ver realmente suas falhas durante a sua performance na partida e após suas falhas técnicas, seu técnico irá puxar ainda mais do seu atleta até ele chegar a um nível de alto esgotamento, que é o burnout até ele ser descartado e outro jogar tomará seu lugar. Na clínica mesmo, com alguns pacientes meus que são atletas de alta performance, eu vejo uma ansiedade muito grande antes dos campeonatos, e a gente vai tentar sempre descobrir quais são as crenças e os traumas que estão por trás dessa ansiedade e as crenças desvalor são as primeiras barreiras ´para poder não atingir essa alta performance, também é bom entender o que está acontecendo nas outras áreas da vida, nos relacionamentos, amizades, estudos, família, esse ambiente pode ser um ambiente muito estressógeno para o atleta. Então, respondendo o que é a alta performance, seria atingir sua máxima capacidade com saúde mental olhando para o ser humano dessa forma integral. 

(En)Cena – Qual o impacto de se estabelecer uma rotina para o alcance da alta performance?

Nosso cérebro ama rotina, como todas as suas tarefas da semana que já estão pré-estabelecidas na agenda você diminui o gasto energético do seu cérebro então o primeiro impacto que a gente pode colocar é esse menor gasto energético do cérebro e com esse menor gato, consequentemente você ganha mais tempo e energia pro seu organismo, uma segunda coisa é que a rotina serve como um GPS pra você, lá tem todas as coordenadas para o seu dia, semana e/ou mês e até do ano, então você tem aquela sensação de estar sempre produzindo, e aquele sentimento de “não estou produzindo”, “não estou fazendo nada”, “tô atoa”, diminui, a sensação de estar perdendo tempo também diminui, e a melhor de todas é diminuição da procrastinação, você sabendo o que tem que fazer, no momento que tem que entregar, isso dá uma sensação de controle e autonomia. Terceiro lugar é que a rotina deixa nosso cérebro menos ansioso  e menos estressado. O que faz nosso cérebro tão ansioso é o futuro, a gente não sabe o que vai acontecer, e acaba pensando demais sobre o que pode acontecer e muitas vezes nada daquilo que a gente pensa acontece, então você tendo uma rotina o número de surpresas e novidades diminui, porque praticamente todos os dias começam a se tornar os mesmo, igual assistir o mesmo filme todos os dias, gerando menos ansiedade, menos estresse e menos variação de humor no seu dia, e por último existe aumento de foco e atenção, porque você tira as suas preocupações do futuro e tirando essas preocupações, você alivia o seu córtex pré-frontal que é o que ajuda mais ainda na performance, pois é ele que nos ajuda a tomada de decisões assertivas.

(En)Cena – E sobre as pessoas que não conseguem manter uma rotina? Exemplo: alguém que trabalha viajando bastante!

Primeiro precisamos entender que todos nós temos obrigações, responsabilidade e principalmente prioridades, uma analogia que eu gosto de fazer é que a vida é um jogo e cada parte da nossa vida é uma parte desse jogo. Quando a gente fala de jogo ele tem um objetivo e para atingir cada objetivo existe uma regra, e esses objetivos e regras é o que dá sentido ao jogo, então por exemplo, se eu pegar uma bola e chutar ela o mais forte pra ela ir o mais longe possível, não faz sentido nenhum, mas quando você faz isso dentro de uma quadra e existem delimitações, regras, e você chuta lá do meio do campo e faz um gol, você atinge um objetivo, só faz sentido se têm isso. Então se eu for pegar esse indivíduo que tem essa dificuldade de estabelecer rotina, primeiro eu perguntaria se ele quer performar, se ele deseja ser uma pessoa de alta performance na área dele e se ele responder que sim, a gente precisa que ele entenda quais são as regras para esse novo jogo que ele vai entrar e quais são o patamar dos jogadores que ele vai entrar, ele precisa entender o que ele precisa abrir mão, o que ele precisa fazer mais, ou seja conscientizar sobre esse novo jogo e a partir da compreensão dessas regras, criaríamos um plano pra ele, do ponto que ele está para o ponto que ele quer chegar. Criando um plano que dê a ele mais autonomia e uma rotina mais adaptativa, para que ele possa desenvolver novas formas de trabalhar. Uma coisa que eu sempre digo é que você só é livre quando tem esses limites, precisa-se entender aquilo que te limita e buscar então aprimorar-se dentro desses limites. 

(En)Cena – Quais são os pilares fundamentais para a alta performance?

A gente olha para as pessoas que têm muito sucesso e que até como consequência ficam famosas e são super reconhecidas, mas quando a gente olha para o resultado somos muito injusto com a pessoa que atingiu e com nós mesmos. Quando a gente começa construir uma casa firme, é necessário ter um fundamento e depois começa a construir com os pilares e tijolinho por tijolinho, e o que seriam esses pilares, fundamentos e tijolinhos para a alta performance…? O fundamento é o autoconhecimento, saber quem você é, qual a sua identidade, quais as suas paixões, é preciso entrar consigo mesmo e descobrir qual o seu propósito, usando aquela analogia do jogo, se você ama o jogo e é apaixonado pelo processo a chance de você desanimar com as falhas, erros e falta de conhecimento são bem menores comparado com aqueles que estão no jogo apenas pelo dinheiro e fama, e se autoconhecer é fundamental. Outra coisa, os pilares dessa casa, o pilar dessa casa deve ser o controle emocional, uma pessoa que não tem controle emocional está fadada se destruir e reconstruir, o controle emocional é uma sustentação, no meio das tempestades ela te dá segurança e isso faz  com que você não perca as coisas, e você ganha tempo, se torna menos reativo as dificuldades do dia a dia, te permitindo olhar para o futuro e mostrar pra você e pro seu sistema de recompensa que o prêmio final vale muito a pena e que não vai ser uma tempestade que vai fazer você desistir. Já que falamos de fundamentos e pilares vamos para os tijolos, esses tijolos são: rotina e disciplina, já falamos um pouco sobre rotina, mas a disciplina, eu costumo dizer que ela possui duas lentes, repetição e consistência, existe uma teoria que pra você ficar bom em algo, você precisa desprender dez mil horas naquela atividade, em termos práticos, isso significa que seriam necessários vinte horas semanais, em quinhentas semanas ou cerca de três horas por dia em dez anos de prática para poder alcançar o nível de expert. Se você ver o treino de um atleta de alta performance vai perceber essas duas lentes sendo usadas, fazem o mesmo treino inúmeras vezes no dia, durante todos os dias. Então agora você sabendo disso, de como funciona essa construção, os fundamentos, sabendo que é atingível, não é fácil, mas é atingível o melhor é ter consciência no que te dá tesão em fazer, no que realmente você é apaixonado, você ama o processo e gosta de estar fazendo e seguir esses passos fundamentais para alcançar a alta performance. 

(En)Cena – Como a terapia pode ajudar na busca pela alta performance? 

 Voltando a falar sobre a integralidade do ser, nós não podemos nos esquecer das nossas contingências, e a terapia consegue abordar todas elas, principalmente a psique humana, uma coisa interessante que o Dr. Psicólogo William James fala é que o nosso corpo influencia nas reações psicológicas tanto quanto nosso psicológico influencia nas reações corporais, exemplo, se eu vejo um cachorro bravo correndo atrás de mim essa imagem vai acionar o sistema de alerta e liberar minha reação de luta, fuga ou congelamento através desse estresse, então meu coração vai acelerar, pupila dilatar, sistema digestivo trava, boca mais seca, então o que aconteceu foi que o medo do cachorro, que é um produto da nossa cognição modulou as reações do nosso corpo, mas também pode acontecer o contrário, você começar a ficar ansioso e por estar ansioso você começa a mandar comandos pro seu corpo se acalmar, como controlar sua respiração, faz um aterramento, bebe água fazendo com que essa ansiedade possa diminuir e até acabe, nesse caso a ansiedade que é o produto da nossa cognição foi modulada através do nosso corpo, então a terapia contribui visando toda essa parte integral, ela contribui para a alta performance encontrando todos os bloqueios, tudo que impede o cliente a atingir sua máxima capacidade, e essas coisas que bloqueiam são os traumas, esses traumas tiram a auto regulação do indivíduo, os fazem acreditarem naquelas crenças limitantes e tiram a autonomia de suas escolhas. Muitos jogadores não conseguem performar como performaram antes, não porque não treinam como antigamente ou porque o técnico está pegando leve com eles, mas são traumas decorrentes de uma vida cheia de estresse que geram disparadores para esses traumas antigos, gerando ansiedade e se não houver a terapia isso muitas vezes pode ser tratado como uma falha física e aí o técnico vai fazer com que o atleta treine mas ainda, chegando a exaustão, com mais intensidade, mas ele não atinge sua máxima capacidade e pior ainda, o treino pode fazer com que ele tenha mais lesões e fortaleça suas crenças negativas, olhando para isso podemos perceber que a alta performance só pode acontecer se houver saúde mental, por isso a terapia e faz tão necessária. 

Fonte: Pixabay

(En)Cena – Sabendo da importância da saúde mental para a alta performance e pensando nas pessoas que não tem condição de arcar financeiramente com um processo terapêutico quais seriam as formas da busca pela saúde mental?

Essa dica vai para todo mundo, para quem tem e para os que não tem condição também. Existem três grandes plataformas que contribuem para nossa saúde mental, a primeira é o sono regulado, o segundo é o exercício físico e a terceira a alimentação saudável. Isso parece uma coisa meio besta e até óbvia, mas todo paciente que eu inicio um processo, lá no nosso primeiro encontro fazendo anamnese eu já pergunto sobre seu sono, se ele tem um sono de qualidade, se ele dorme bem, se não dorme, porque isso é um grande indicador de sucesso para a nossa terapia. O sono regulado traz inúmeros benefícios para o nosso cérebro, trás maior concentração, maior foco intencional, aumenta nossa capacidade  de raciocínio, aumenta a capacidade de insights e atividades também, e tantos outros que vão contribuir para a sua performance. O exercício físico também, que é a segunda parte, é o melhor estresse que você pode dar para o seu corpo, ele ajuda na liberação de vários neurotransmissores benéficos para o seu cérebro, mas dois que são muito importantes a endorfina e serotonina, que são hormônios da satisfação, prazer e felicidade, e quando você libera esse estresse bom, isso ajuda na despolarização do estresse ruim que é o da rotina, do dia a dia, e essa despolarização é o que permite você dormir com mais facilidade, podemos ver então que um ajuda o outro. Temos também a alimentação saudável, que não tem como ficar separado dos outros dois, se fazemos exercícios físicos precisamos nos alimentar bem, nosso corpo e nosso cérebro vive com aquilo que ingerimos, se sua alimentação é só feita de hiper palatáveis, processados, cheia de açúcar, sódio, gordura trans, você não pode cobrar que seu cérebro seja super produtivo, inteligente, sem estresse, disposto e a alimentação saudável não precisa ser complicada. Essas três plataformas são bem básicas, mas se você conseguir regular tudo isso, vão te fazer melhor do que 80% da população, e talvez uma dica extra que eu possa contribuir para essa busca pelo autoconhecimento e atingir alta performance é a meditação. A meditação é praticada há milhares de anos e super difundida no oriente, mas agora há poucos anos atrás os cientistas começaram a pesquisar e conseguiram comprovar os benefícios que ela traz para o nosso cérebro e nosso corpo, então sabendo disso, eu sugiro que você também faça uso dessa prática milenar e usufrua desse benefício para sua saúde mental, pode fazer isso antes de dormir para seu corpo relaxar e ajudar a dormir, ou ao acordar para ter um dia mais disposto. 

(En)Cena – Qual a mensagem que você gostaria de deixar para os leitores?

A mensagem que eu gostaria de deixar pra quem chegou até aqui é: coloque sua saúde mental em primeiro lugar, aprenda a curtir o processo e ver os resultados apenas como consequências desse processo, conheça muito bem as regras do jogo e saiba jogar e com elas e NUNCA deixe de ser quem você é.

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Produtividade na pandemia: performance e saúde mental em evidência

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Produto, do latim productus, aliado ao sufixo -dade, resulta em produtividade. Essa palavra foi usada pela primeira vez por um economista francês, com o sentido de rendimento de produção, e atrelar isso à pandemia me trouxe muitos questionamentos.

Em primeira instância houve toda uma euforia/frenesi criada de que seríamos capazes de dobrar nossa produtividade e tempo, pois retiramos o gasto de ir até os locais de trabalho e estudo, basta eu acordar e mudar de cômodo (ou não) para que eu chegue à reunião ou a aula marcada. Contudo, foi esquecido todas as interferências externas e internas que há dentro de uma residência, e dois fatores primordiais: o custo a longo prazo que todo o isolamento iria causar no psicológico e de como toda a euforia de fazer múltiplas tarefas em casa afetaria esse mesmo psicológico. Uma observação que faço também é como todo o conceito de produtividade se conecta apenas a determinados tipos de atividades, como o estudo ou trabalho, ignora-se os exercícios que são vistos de modo simplório ou como ‘’obrigações básicas’’, por exemplo regar as plantas, ler um livro ou passear com o seu animal de estimação.

Ocorre um alívio e desespero da não socialização: de um lado não há mais a preocupação da interação social e toda a pressão que há nela, por outro há a saudade das pessoas mais íntimas que não residem com você. E além disso, é desaprendido a se portar em público, estamos imersos a tantos meses em uma rotina onde se evita o sair e socializar que ficamos isolados em nossas bolhas, não significando que nos isolamos do mundo, o bombardeamento intenso de informações e obrigações, contrário a tudo isso, intensificou-se por meio da internet, e uma vez que o emocional não está em dia agrava a situação.

encurtador.com.br/apIJT

O cérebro humano se adapta de maneira muito singular as coisas, temos toda uma plasticidade neural que nos possibilita o aprendizado ao longo de toda a nossa vida, porém, nosso cérebro não para, enjoamos das coisas, nos acostumamos a elas, buscamos sempre algo novo para entreter um órgão tão complexo como o cérebro. E junto a todos esses fatores, somos seres sociais, desde a antiguidade andamos e convivemos com grupos de pessoas, o que nessa nova realidade não é isso que ocorre.

Depois de tantos meses de isolamento, separou-se os grupos de pessoas: por um lado temos aqueles que tiveram a oportunidade de colocar em suas rotinas atividades, que em um contexto não pandêmico eram inviáveis, aumentaram sua produtividade, otimizaram seu tempo de modo a encaixar vários afazeres; por outro ocorreu o cansaço mental, de ter chegado a um ponto de exaustão no qual se resguarda todo o resquício de saúde mental, não há ânimo e forças para continuar em um ritmo de produção como no início da pandemia. Não se resume à um simples desanimar por preguiça ou tédio, estamos em constante movimento e mudança, tanto relacionado ao desenvolvimento mental quanto ao físico, o nosso corpo passa por inúmeras autorregulações, porém instintivamente não gostamos de quando algo foge do nosso controle, não estamos preparados integralmente para isso.

encurtador.com.br/suHV6

Nas redes sociais há um novo nicho de criadores de conteúdo, os famigerados influencers de estudos, em canais do Youtube ou no Instagram, ensinam macetes de como se tornar mais produtivos e render mais nos estudos, contudo, é criado um ideário de estudante que mais parece uma vitrine: com os mais diversos materiais escolares, no qual o estudo é visto de modo muito simplório de ‘basta querer que você consegue’, uma rotina fantasiada saída de um roteiro de filme. Ademais, o luto foi normalizado, os números diários de pessoas contaminadas ou mortas já não assustam mais, ainda há aqueles que resistem e se mantém isolados, mas a grande maioria chegou a um ponto de exaustão que não importa mais, não entrarei em pauta aqui sobre aqueles que em momento algum respeitaram o isolamento, a incerteza do amanhã foi naturalizada.

Entrei em um looping até chegar em um estado de saber lidar melhor com a situação, desde ter a rotina mais próxima a ‘’normalidade’’, até aos poucos substituir todas as atividades possíveis por passatempos, principalmente os que envolviam atividades manuais, longe das telas de celular ou computador, houve também todo um sofrimento e cobrança por parte da minha consciência, pois sou uma acadêmica como todos acadêmicos, no qual há prazos de entregas de trabalhos e provas, chega a ser irônico escrever sobre essa pauta e ter demorado 1 mês para finalmente colocar meu insight em uma folha. Foi todo um novo autoconhecimento de entender a nova realidade que estamos passando, a incerteza que ela carrega atrelado a sociedade em que estamos inseridos e entender quais são as minhas novas demandas, potencialidades e limitações que adquiri.

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Retratos da masculinidade em ‘A máscara em que você vive’

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“Ele veste uma máscara, e seu rosto se molda a ela…” George Orwell

O documentário The mask you live in (A máscara em que você vive, em tradução livre), produzido em 2015 com direção de Jennifer Siebel Newsom, e apoio da The Representation Project, expõe, através de vivências em grupos de intervenção e depoimentos de especialistas estadunidenses, o padrão da hipermasculinidade e seus processos adoecedores individuais e sociais, inclusive no sustento do sexismo e da homofobia na sociedade. Logo, um compilado de fatores pregados pela cultura popular, muitas vezes desumanizados, que representam o que é ser homem.

Frases como “engole o choro”, “para de ser mulherzinha”, “você joga como uma garota”, são imputados em meninos com o propósito de doutrinar a uma conduta específica, desde a infância preza-se a autoridade e domínio em detrimento ao desenvolvimento de caráter. Dever que é adotado como forma de validar a si mesmo, ser aceito pelos grupinhos na escola e pela sociedade em geral, também como forma de buscar atenção e aprovação paterna. Essa maneira de conceituar comportamentos desviantes priva a própria criança de explorar novas maneiras de aprender, socializar, de buscar a autonomia e autorrealização, pois seu roteiro de vida já está escrito.

Fonte: encurtador.com.br/bimA6

O documentário aponta que os pilares da performance da hipermasculinidade são a exigência de habilidade atlética, sucesso econômico e conquistas sexuais. Os indivíduos que não se adequam totalmente a esse modelo são excluídos. Neste contexto, entre os adolescentes brasileiros, os meninos são os que mais sofrem e praticam bullying: ao todo, 17,5% deles relatam sofrer bullying na escola. Esse ideal é comumente exaltado pelos meios midiáticos: o badboy que é forte (fisicamente e/ou tem influência), austero, objetifica mulheres, faz uso desmedido de álcool e outras drogas. Quadro que pode ser visto fora das telas: 55% dos adolescentes do último ano do ensino fundamental experimentaram bebidas alcoólicas, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), divulgado pelo IBGE.

Além disso, também há a representação do bobalhão: apesar de ser homem adulto, ainda perpetua comportamentos da fase da adolescência, ele projeta sua hipermasculinidade de forma diferente dos outros papéis, sendo imprudente e degradando mulheres. Há o recorte de raça, onde homens de cor geralmente ficam com o papel do malfeitor, imagem limitada e violenta que reduz perspectivas de outros modos de viver entre essas crianças e adolescentes. A exposição a essas mídias, incluindo jogos que tem por objetivo dominar e destruir, pode deixar meninos (os maiores consumidores) menos sensíveis ao sofrimento alheio, mais temerosos e agressivos em relação a outros e a si.

Fonte: encurtador.com.br/cHO12

Um efeito da masculinidade tóxica é a pandemia da violência contra a mulher, advindo da rejeição de características relacionadas ao feminino, como a vulnerabilidade, gentileza, empatia, expressão emocional e verbal. Visto isso, homens criam uma máscara emocional, reprimindo sentimentos e desejos relacionais, são ensinados que pedir ajuda é um sinal de fraqueza, o que resulta na terceira causa de morte mais comum entre rapazes, o suicídio.

Com a associação do poder como inerente ao masculino, esse indivíduo mesmo sem tê-lo, encara como se tivesse o direito ao poder, normalizando a manipulação emocional e psicológica e a agressão física. Homens agressores também apresentam raiva, autoacusação destrutiva e autoagressão, apego ansioso, sintomas crônicos de trauma e de rejeição paterna, capacidade limitada de autorreflexão e incapacidade de criar relacionamentos interpessoais saudáveis (Caligor, Diamond, Yeomans e Kernberg, 2009).

“Meninos magoados se tornam homens magoados se não houver algum tipo de intervenção. ” Frase do documentário que está em concordância aos estudos de Carmen, Reiker e Mills (1984) e Walker (1984), onde relatam que a presença de comportamentos agressivos na fase adulta é originária na experiência de violência na infância, seja como vítima ou testemunha. The mask you live in propõe deixar visível esses processos invisíveis, transferir o foco do sintoma da situação para reparar mais nas relações, na transmissão transgeracional da violência, para assim, com a compreensão da sua origem e criação de apoio adequado, encerrar esse ciclo de violência.

Referencias

CRESCE o consumo de álcool entre adolescentes, segundo o IBGE. G1, Tapajós, 31 de ago, de 2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/pa/santarem-regiao/noticia/2016/08/cresce-o-consumo-de-alcool-entre-adolescente-segundo-o-ibge.html>. Acessos em  02  set.  2020.

NARDI, Suzana Catanio dos Santos; BENETTI, Silvia Pereira da Cruz. Violência conjugal: estudo das características das relações objetais em homens agressores. Bol. psicol,  São Paulo ,  v. 62, n. 136, p. 53-66, jun.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0006-59432012000100006&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em  02  set.  2020.

OSHIMA, Flávia Yuri. Meninos sofrem mais bullying físico, meninas moral. Época, 20 de abr, de 2017. Disponível em: <https://epoca.globo.com/educacao/noticia/2017/04/meninos-sofrem-mais-bullying-fisico-meninas-moral.html>. Acessos em  02  set.  2020.

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NEM gera integração entre acadêmicos de Psicologia e de Teatro

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Com o objetivo de promover habilidades comunicativas e performáticas (no campo do teatro e da comunicação não-verbal) entre os acadêmicos de Psicologia do Ceulp/Ulbra, do Teatro da UFT e de integrantes da comunidade, o NEM – Núcleo de Estudos Mímicos, realizou um profícuo trabalho no último semestre.

O projeto é uma parceria entre UFT e Ceulp, tendo a profa. Dra. Renata Ferreira (UFT) como coordenadora e os professores Dra. Irenides Teixeira (Ceulp) e Me. Sonielson Sousa (Ceulp) como assistentes. Neste semestre, os envolvidos desenvolveram estudos de repertório a partir da obra do famoso mímico francês Marcel Marceau.

Durante o percurso, que irá se estender em 2019.2, o NEM promovei a inter-relação entre Educação, Teatro e Psicologia, a partir de vivências corporais e mímicas; assegurou habilidades corporais diversas entre os acadêmicos de Psicologia, no que tange a expressões corporais e gestuais, o que possibilitou a montagem de um estudo de repertório; realizou apresentações públicas de estudo de repertório para comunidade acadêmica e externa e promoveu a abertura de agenda para apresentações pelo Tocantins.

Dentre os discentes e egressos envolvidos no projeto, destaca-se a participação de Alexander Rock C. Matcheck, Quelen da Silva Leite Guedes e Sandra da Silva Arraes, todos do Teatro da UFT.

Há programação para abertura de novas vagas a partir da segunda quinzena de julho de 2019, com retomada das atividades do NEM em agosto deste semestre.

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Os M’s de Março: Marina e a Moral da Mulher

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“A mulher tem que se conhecer primeiramente.
Gostar de si, se cuidar, para ir ao mundo.
Para lidar com este mundo, ainda muito machista”

Marina às mulheres que sofrem com traumas pós assédio.

(Performance “Pele Inumana”, de Marina Boaventura. / Foto: acervo pessoal)

O terceiro mês do ano começa com a letra M, de Mulher. Em março, comemoramos a visão feminina do mundo, a presença do ser que dá-nos a vida, a delicadeza em pessoa. Estes seriam motivos suficientes para celebrarmos, com alegria, os 31 dias dedicados à todas elas. Porém, como diz o famoso ditado, “nem tudo são flores” na vida de uma mulher.

As dificuldades encontradas são muitas. A pior delas é, talvez, o desrespeito à dignidade: o assédio moral. Em entrevista ao portal (En)Cena, a artista e professora em artes plásticas, Marina Boaventura relata, além de sua vida e contato com a arte, sobre o trauma vivido depois de sofrer preconceito e um terrível assédio moral, enquanto dava aula no Espaço Cultural, em Palmas.

(En)Cena – Quando começou a se interessar pela arte? Onde surgiu o interesse?

Marina Boaventura – Desde criança, lembro do meu primeiro desenho, da primeiro potinho de barro. Olhava um quadro de natureza morta em casa por horas e horas. Sempre gostei de costurar. Mais tarde estudei Artes Plásticas na Universidade Federal de Uberlândia e fiz Pós Graduação em Filosofia e Ensino de Artes Plásticas.

(En)Cena – Gostaria que comentasse sobre a sua obra que está exposta no SESC, “Vestido para Eva”. É bem interessante.

(“Vestido para Eva”, de Marina Boaventura, exposta no SESC, em Palmas. / Foto: Walter Riedlinger)

Marina Boaventura – A obra é ligada a primeira mulher da humanidade, a eva, sobre o surgimento do pecado. A eva tem 2  fatores importantes, é a primeira mulher, mas pode ter sido a primeira filósofa e procurou conhecer  a si mesma. Sócrates diz “conheça a ti mesmo”. Comer o fruto proibido é buscar o proprio conhecimento, o próprio sexo. Também quando ela busca o conhecimento, ela descobre algo que será deixado para a humanidade. Pode ter sido a corajosa, a pecadora e responsável pelo mal que há na humanidade. O espelho significa a reflexão do tabu na sociedade, a Eva delatada por Adão. Nós, mulheres, carregamos essa herança.  Uso o galho como cabide porque o galho representa a natureza, algo da história. E o vestido, eu já fiz vários vestidos.

(En)Cena – Sobre o assédio que sofreu…

Marina Boaventura – Há alguns anos, tive uma intoxicação muito séria. Fui vítima de assédio moral. Eu era professora de pintura. O então presidente do Espaço Cultural me obrigou a trabalhar numa sala insalubre, com produto altamente tóxico. Fiquei 2 anos de licença e o médico disse que eunão podia mais pintar. Comecei a ter distúrbios por causa disso. Fiquei muito triste. Até escrevi relatos juntamente com os meus alunos sobre a insalubridade do local. Mas não consegui enviar porque tive que ir para o hospital.

Fui diagnosticada com Transtorno de Estress Pós Traumático. Segundo o médico, fiquei neste estado porque me vi doente por dentro. Fiz 2 anos de tratamento com psicólogo, um pouco com psiquiatra, a ioga me ajudou muito também.

Comecei a fazer vestido. Aí um crítico me incentivou a continuar, quando viu minha arte. Fui tirando de mim e colocando no vestido. É uma linha muito tênue entre a lucidez e a loucura. Quando descobri  que a aquarela não me fazia mal, comecei a fazer vestidos. Me vigio sempre para ver se o problema não volta.

(Perfomance “Pele inumana” (Inhuman Skin), de Marina Boaventura, no SESC, em Palmas. / Foto: acervo pessoal)

(En)Cena – Qual a maior dificuldade encontrada em sua vida artística?

Marina Boaventura – Recursos, preciso de apoio em performances. Para ir à Belém, para fazer perfomance lá. Em Itajaí – SC, o curador exigiu uma performance minha, chamada “Alvejando a alma”, onde eu lavo o vestido. Peguei o vestido e escrevi o nome de outros colegas que sofreram assédio também. Nem minha memória é a mesma de antes por causa desse assédio. Tenho pequenos lapsos de memória. Inclusive nas aulas tenho que anotar tudo para não esquecer. Então, tento exercitar a mente, lendo bastante.

(Perfomance de “Alvejando a alma”, de Marina Boaventura, em Belém-PA. / Foto: Acervo pessoal)

(EN)Cena – Acha que o assédio que sofreu foi motivado pelo preconceito, por ser mulher?

Marina Boaventura – Este assédio foi por eu ser mulher, eu não podia falar do caso, fiquei com medo de perder o emprego então fiquei calada na hora. Muitas vezes.

(En)Cena – Você se cobra muito quando está criando? Busca detalhar bem sua(s) obra(s)?

Marina Boaventura – Sim, sou muito detalhista. Fico horas e horas a fio em cima de um trabalho. E mesmo mentalmente fico criando. Para o artista, o trabalho nunca está pronto. Mesmo se for para exposição, sempre acho que meu trabalho podia estar melhor.

(Perfomance “Pele inumana” (Inhuman Skin), de Marina Boaventura, no SESC, em Palmas. / Foto: acervo pessoal)

 (En)Cena – Acredita que trabalhar com arte ajuda a desestressar mentalmente? Acredita também que a arte pode ser utilizada no tratamentode algum transtorno psicológico?

Marina Boaventura – Por isso sou professora de artes, acho que toda escola tem que ter aula de arte. Acho que mesmo sem escola a pessoa tem que fazer. Ajuda a gente a manter (a lucidez), a se conhecer e o mundo. Entender as relações de tudo.

(En)Cena – Há quem expresse seu sentimento de perda/luto através da arte. Já expressou um sentimento árduo como este ou outro, atráves de sua arte?

Marina Boaventura – Inúmeras vezes. Já expressei a tristeza, a raiva, momento de depressão. Uma colega minha foi assassinada na praia na época do assédio. Era vítima de assédio também. Ela foi encontrada morta, era minha melhor amiga. Foi terrível, tive muitos pesadelos por causa disso.

Fiz uma série de desenhos do rosto  dela com caneta, lápis, usei faca, com muita força, dezena de desenhos. Rasgava o papel fazendo o rosto dela. Entreguei os desenhos pro irmão dela, não expus os desenho. Foi uma angústia muito grande perder ela de uma forma tão brutal. O marido é o grande suspeito e ele ainda vai ser julgado.

Nossa, essa raiva de ter sido submetida ao assédio moral. Fiquei com raiva das pessoas que me submeteram e de mim mesma por não ter saído daquilo antes. A minha dor, eu já transformei em atuação, em produção artística.

(Perfomance “Assédio moral) em Belém do Pará. / Foto: acervo pessoal)

(En)Cena – Um aspecto marcante em toda mulher é a vaidade. Quanto dela você ultilizapara criar?

Marina Boaventura – Meu trabalho é ultra feminino. É delicado, sensual, tem a transparência do vestido, as curvas e  a delicadeza da mulher. Ele é forte, mas é a força da mulher, tudo é muito delicado. É forte porque  o tema é forte: a Eva, o assédio à mulher. Tudo é pensado na mulher. Eu já tentei fazer algo diferente, mas me disseram que eu era muito feminina para fazer outra coisa.

(Performance “Pele Inumana” (Inhuman Skin), onde Marina critica o assédio moral à mulher. / Foto: acervo pessoal)

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