Um psicopata inocente

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Alguns transtornos psicológicos são fortemente estereotipados pelos principais veículos de comunicação, bem como pela própria indústria cinematográfica que adora produzir obras tendo como material base tais condições psíquicas.

A depressão será sempre associada com aquelas pessoas autodestrutivas, com fortes ideações suicidas e automutilações. Não muito diferente, uma pessoa que possui um Transtorno Obsessivo Compulsivo muito provavelmente será caracterizada como no clássico filme Melhor É Impossível.

Algumas construções são cômicas, levam as pessoas aos risos, outras, no entanto, criam certa aversão ao transtorno diagnosticado, é o caso da bipolaridade ou múltiplas personalidades que, graças a filmes como Fragmentado, são vistos como condições pré-dispostas para terríveis acontecimentos. Contudo, dentre todos os transtornos, é fácil dizer que um dos que possui maior influência midiática sobre as características do seu portador, é a psicopatia – ou simplesmente o Transtorno de Personalidade Dissocial.

Livros, filmes e séries, quando abordam a psicopatia sempre será em um indivíduo com tendências homicidas e, provavelmente, com uma forte disposição de cometer assassinatos em séries de forma extremamente metódica e peculiar (a famosa assinatura homicida).

Estas narrativas criaram o estereótipo social de que todo psicopata será, automaticamente, um criminoso contumaz extremamente inteligente e sádico ou um forte apreciador de práticas ilícitas. Contudo, tal situação é bastante diferente no mundo real.

Fonte: Imagem de yanalya no Freepik

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, comumente conhecida pela sigla CID, inclui a psicopatia na categoria F60.2, no mesmo grupo que a sociopatia, associabilidade entre outros.

Sua definição, apesar de muito associada, não possui pré-disposição – comprovada – para a vida criminosa. Pelo contrário, a psicopatia está mais ligada a insensibilidade social; a falta de empatia; a um desprezo das normas sociais (HAUCK FILHO, 2009).

Outro fator também que é, muitas vezes, associado a uma pessoa psicopata é a inteligência sem igual, o nível de conhecimento de um indivíduo não é resultado de um transtorno psicológico, mas sim do seu esforço e estudo adquirido ao longo dos anos (O icônico Hannibal Lecter não se tornou um psiquiatra canibal sem antes estudar bastante para ser aprovado no curso de medicina).

A psicopatia, pura e simples, somente trará ao seu portador uma insensibilidade agravada nas relações sociais, sendo que, em determinadas funções profissionais pode vir a ser uma “aliada” para tomada de decisões extremamente delicadas e que afetam o emocional da grande maioria.

Cita-se o exemplo de um CEO de uma grande empresa multinacional que se vê diante de um cenário em que precisará fechar duas ou mais unidades de produção que empregam 15.000 (quinze mil) funcionários, tendo em seu âmago a psicopatia, a tomada de tal decisão será extremamente facilitada, sem tirar o belo descanso deste gestor.

Diversos estudiosos já discutiram sobre a psicopatia, no decorrer dos últimos séculos, sendo quase unânime alguns comportamentos do psicopata, como a imaturidade, impermeabilidade ao amor, ausência de culpa ou angústia manifesta, falta de consciência da própria anomalia e falta de consciência moral (BITTENCOURT, 1981). Além disso é comum que psicopatas não consigam aprender com suas próprias experiências de vida, dada a ausência dos sentimentos que fazem parte deste processo.

Por esta razão, é bem capaz que você conheça um psicopata que ainda não foi diagnosticado, mas isso não significa que precisa ter medo dele, você provavelmente só irá considerá-lo extremamente apático às emoções de terceiros, seja na vida profissional ou pessoal.

Fonte: Imagem de aseemiya por Pixabay

REFERÊNCIAS

BITTENCOURT, Maria Inês G. F., Conceito de psicopatia: elementos para uma definição. Arq. bras. Psic., PUC/RJ, Rio de Janeiro. 1981.

HAUCK FILHO, Nelson; TEIXEIRA, Marco Antônio Pereira; DIAS, Ana Cristina Garcia. Psicopatia: o construto e sua avaliação. Aval. psicol.,  Porto Alegre ,  v. 8, n. 3, p. 337-346, dez. 2009. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167704712009000300006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  18  ago.  2022.

PIMENTEL, Déborah. Psicopatia Da Vida Cotidiana. Estud. psicanal., Belo Horizonte, n. 33, p. 13-20, jul. 2010. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010034372010000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  18  ago.  2022.

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Sete Crimes Capitais: a psicopatia de um criminoso astuto

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Filmes policiais sempre são aclamados pelo público em geral da cultura cinematográfica. Abordar a trama violenta, investigativa, psicológica e até cômica deste universo é sempre possível e aproveitável.

É inegável a fonte quase inesgotável de conteúdos que podem ser aproveitados por este gênero, principalmente dada a capacidade humana de sempre inovar e acentuar os piores traços de um indivíduo de mente perturbada.

Filmes desse gênero que abordam temas específicos como canibalismo (já sabem de qual estou falando, né?) ou psicopatia, são sempre aguardados com grande euforia pelo público e não poderia ter sido diferente com o clássico dos anos 1995, Sete Crimes Capitais (Seven), dirigido por David Fincher e roteirizado pelo incrível Andrew Kevin Walker.

O filme, que na tradução do título entregou boa parte da trama, discorre sobre um assassino em série, com fortes traços de psicopatia que possui um modus operandi peculiar, por assim dizer. Seus crimes e suas vítimas são escolhidas especificamente para identificar e classificar cada um dos conhecidos sete pecados capitais.

O filme tem como personagens principais o policial novato David Mills (Brad Pitt) e o veterano William Somerset (Morgan Freeman). William, um policial próximo de sua aposentadoria se torna parceiro do jovem e impetuoso David na investigação de uma série de crimes que tem ocorrido na cidade, cometidos pelo impetuoso John Doe (Kevin Spacey).

Fonte: Divulgação Prime Vídeo

Como descrito no texto Seven, “os sete crimes capitais” de David Fincher, a mente do psicopata, de Mercês Muribeca, publicado em 2008, John é uma pessoa que não apresenta indícios de sociabilidade, sendo considerado como portador de um Transtorno de Personalidade Antissocial que, pela Classificação Internacional de Doenças (CID) é identificado com o CID 10 F60.

Uma pessoa portadora deste Transtorno não necessariamente será um assassino frio e calculista, porém, a junção com outros transtornos, traumas e distúrbios criam a “formula perfeita” de um Assassino em Série sagaz como John.

A intelectualidade de John não é ignorada, assim como seu modo de operação é definido pelos pecados capitais, a escolha das vítimas e a execução dos crimes, tudo possui um significado intrínseco.

Os crimes são cometidos na seguinte ordem: Gula; Cobiça; Preguiça; Luxúria; Vaidade; Inveja e, por fim; Ira. A cadeia de eventos que se arrasta do primeiro ao último assassinato investigado apresenta a mente doentia de John para os policiais e para o público.

A trama principal do filme é desenvolvida após a quinta morte cometida por John. Ao se entregar para a polícia e informar que já possuía os corpos das vítimas que seriam utilizadas para cometer os últimos dois crimes (Inveja e Ira).

Fonte: Divulgação Prime Vídeo

Tudo ocorre repentinamente e cria uma atmosfera sombria e intensa onde todos os poros dos personagens transpiram o furor das emoções presenciadas. Em um ato cruel, John ceifou a vida da esposa do policial Mills, decapitando-a e, cruelmente, entregando a cabeça de sua falecida esposa para o agora viúvo policial.

John explica que cometeu o Pecado da Inveja, por invejar a vida do Policial Mills, principalmente por saber que este seria pai. Apesar de insano, o psicopata já havia se premeditado para aquele momento, pois, ao final, escolhera Mills para ser o executor do Pecado da Ira ao criar neste um turbilhão de emoções relacionadas ao Luto, perda, dor, ódio, rancor, insignificância. Tudo isso para preparar o campo ideal e Mills executar o último dos crimes.

Mills se vê diante de uma dúvida mortal, impedir a “conclusão da obra” do assassino ou vingar a perda de sua esposa e filho. O parceiro de Mills tenta dissuadi-lo de sua Ira, porém, John havia sido mais astuto e criado o cenário ideal para o desfecho perfeito de suas atrocidades e acaba sendo morto pelo policial Mills que não consegue controlar a Ira que residia em seu corpo.

O filme traz diversas mensagens que podem ser aproveitadas e estudadas até os tempos atuais. O clássico nunca será esquecido e criou um marco na história dos filmes do gênero policial dada a complexidade e riqueza do roteiro que é apresentado. A atuação dos atores é impecável, mostrando uma fidedignidade e realismo na incorporação dos personagens.

Título: Se7en (Original)

Ano produção: 1995

Dirigido por: David Fincher

Duração: 130 minutos

Classificação: 14 anos

Gênero: Policial/Suspense

País de Origem: Estados Unidos da América

REFERÊNCIAS

PENALVA, Nanna. Análise | Seven – os sete crimes capitais. Disponível em https://sessaodastres.wordpress.com/2018/10/29/analise-seven-os-sete-crimes-capitais/. acessado em 01 jun 2022.

MURIBECA, Mercês. Seven, “os sete crimes capitais” de David Fincher: a mente do psicopata. Cogito, Salvador, v. 9, p. 77-81, 2008. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-94792008000100017&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  08  jun.  2022.

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Referências Nietzscheanas em “Onde está segunda?”

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O filme “Onde está segunda?” é original da Netflix e a história se passa no ano de 2073 onde a população mundial cresceu mais do que o planeta terra pode suportar, então para controlar o crescimento populacional e para que todos tenham qualidade de vida, o governo estabelece um limite para os casais onde cada casal só por ter um filho, entretanto uma mulher chamada Karen Settman teve sete filhas e faleceu no parto, e seu esposo Dr. Settman, começa a trabalhar em mecanismos para burlar a lei e esconder suas sete filhas.

A vida desmedida e fora da lei está completamente fora dos planos de toda a população, e quem burla o sistema de filhos tem os filhos congelados numa máquina para que sejam descongelados no futuro quando houver estabilidade. Essa briga de forças nos remete ao dionisíaco e apolíneo trazidos por Nietzsche.

Fonte: encurtador.com.br/frNO4

A obra a origem da tragédia ou nascimento da tragédia, helenismo e pessimismo, foi a primeira obra de Nietzsche, (CASTRO, 2008). De acordo com Vieira (2012), esta obra de Nietzsche foi publicada em 1872 quando ele ainda era professor universitário no curso de filologia, e é considerada por algum autores uma das principais obras da filosofia moderna. Neste livro, Nietzsche aborda sobre a tragédia que era segundo Vasconsellos (2001) um coro composto por doze homens e era cantada por um ator denominado Hipocritas que representava deuses ou seres legendários vivos ou mortos, sobretudo a tragédia era aberta ao público e o público participava livremente e se comovia com os coros e entravam em uma catarse.

A tragédia de Nietzsche aborda a dialética entre o deus Apolo e o deus Dionísio, onde Apolo representava as artes plásticas, o sonho, perfeição, luz, beleza, razão, sonho e Dionísio representava o vinho, a embriaguez, os prazeres carnais, a falta de limites e regras, pois para Nietzsche (2006) a vida se dava entre essa dialética apolínea e dionisíaca, entre o equilíbrio das duas forças, contrariando as ideias socráticas e discorrendo sobre o helenismo que foi o período onde o apolíneo e o dionisíaco viviam em perfeita harmonia, e o autor também traz a tragédia ática que resgata o dionisíaco e é a manifestação artística, é o equilíbrio do espírito dionisíaco e por meio desse processo o grego consegue manter-se diante da vida rodeado por essas duas forças, na tragédia ática o espirito dionisíaco prevalece. A tragédia nasceria na Grécia a partir do espírito da música e renasceria na modernidade a partir do espírito wagneriano. O nascimento da tragédia proveniente do espírito da música (NIETSZCHE, 2008).

Fonte: encurtador.com.br/egTV7

As sete filhas recebem o nome de dias da semana, sendo Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado e Domingo, e ridiculamente todas as filhas possuem personalidades que remetem a esses dias da semana. Elas são treinadas desde criança a terem uma personalidade igual, e a cada dia da semana que corresponde ao seu nome, uma delas pode sair e viver a identidade de Karen Settman. Tudo o que acontece naquele dia é registrado visto que possuem grande tecnologia de registro de dados e imagens, porém mesmo assim é necessário que ela se reúna com todas as irmãs e conte detalhadamente tudo o que houve durante o seu dia.

Karen Settman trabalha num banco e em uma segunda-feira quando Segunda foi trabalhar no seu lugar, misteriosamente Kate some e as irmãs tentam localiza-la por seu sistema moderno, porém não conseguem, então na terça-feira, a Terça sai para tentar desvendar o que houve e reencontrar a irmã, entretanto ela também é pega e descobre que o governo já está sabendo sobre a falta identidade delas. Homens que trabalham para o governo invadem a casa e há confronto e luta. Toda a tecnologia do filme e todos os apetrechos mostrados, são extremamente belos e bem feitos, tudo muito perfeito e bem estruturado.

Fonte: encurtador.com.br/INP58

O espírito apolíneo criava ao redor da forma uma cortina estética perfeita e bela, criando também uma ilusão utilizando da arte para os gregos mostrando apenas o lado belo da existência, e o espirito apolíneo foi reforçado pelo cristianismo, pois mantem a ideia de submissão do homem. O espírito apolíneo representa as artes plásticas e o espírito dionisíaco representa a música e Nietzsche (2008), em sua obra busca o equilíbrio das duas forças, visto que os gregos moldavam o mundo com formas e arte: apolínea e dionisíaca, duplo caráter, teatro e música. E Nietzsche (2008) também retrata sua enorme influência proveniente de Schopenhauer, onde aborda a vida como sendo essencialmente sofrimento e acontecimentos negativos de forma nua e crua, de maneira transparente e fiel a estes relatos de sofrimento e desprazer, rasgando o véu ilusório criado por Sócrates e por Apolo. E Nietzsche (2008) retrata Hegel como o processo de conhecimento do mundo é dialético, tese e antítese, na obra Nietzsche traz uma tese apolínea e uma antítese dionisíaca, resultado disso é a tragédia ática.

De acordo com o que é trazido e apresentado na obra de Nietzsche, o principium individuationis é o processo onde o indivíduo se constrói quanto individuo, uma armadilha da natureza para nos fazer acreditar que somos únicos e podemos vencer a morte e escapar do destino trágico.

FICHA TÉCNICA

Fonte: encurtador.com.br/fozY2

Título: Onde está segunda?

Título original: Seven Sisters

Diretor: Tommy Wirkola
Elenco: Noomi Rapace, Glenn Close, Willem Dafoe, Marwan Kenzari
Pais: EUA  
Ano: 2017
Classificação: 16

REFERÊNCIAS

CASTRO, M.C. , A inversão da verdade. Notas sobre o nascimento da tragédia 2008: Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31732005000200005&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 10 de novembro de 2020.

NIETZSCHE, Friedrich. A ORIGEM DA TRAGÉDIA. Rio de Janeiro: Cupolo Ed, 2008.

SILVA, L. A. Tragédia 2012. Disponível em: < http://www.infoescola.com/artes/tragedia/>  Acesso em: 11 de novembro de 2020.

VIEIRA, M.V. Para ler O nascimento da tragédia de Nietzsche. São Paulo: Loyola, 2012..

TRINDADE, Rafael. Nietzsche e o Dionisio. Disponivel em: https://razaoinadequada.com/2017/08/23/nietzsche-e-dionisio/ Acesso em: 12 novembro de 2020.

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Loucas Pra Casar: quem olha para dentro desperta

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“Quem olha para fora sonha,
quem olha para dentro desperta.”
Carl Gustav Jung

O cinema nacional apresenta mais uma produção no gênero comédia. A fórmula: humor, somada a um roteiro leve e a um elenco de grandes atrizes/comediantes fizeram do “Loucas pra casar” uma das maiores bilheterias do ano de 2015 no cenário nacional. No longa, três mulheres: Malu (Ingrid Guimarães), Lúcia (Suzana Pires)  e Maria (Tatá Verneck) dividem a atenção de Samuel (Márcio Garcia), o homem com quem elas querem se casar.

 

A primeira nuance apresentada é a de Malu, uma mulher inteligente, organizada, competente, comprometida e bem sucedida. Ela é secretária e braço direito do seu chefe, Samuel, com quem tem um relacionamento amoroso há três anos. Malu, apesar de uma independência pessoal e profissional, cultiva um sonho antigo, o de ter uma família com marido e filhos. Aos 40 anos ela sente que precisa realizar esse sonho o quanto antes, por causa de sua idade. Nesse momento, Malu começa a investir todas as suas fichas para que Samuel peça sua mão em casamento. Já Lúcia é uma mulher forte, determinada, que explora sua sensualidade para alcançar seus objetivos. Maria, por sua vez, apresenta através do seu semblante de pureza virginal, o estereotípico da mulher que nasceu para casar e constituir família.

A grande surpresa do longa-metragem se dá quando percebemos que as três mulheres, que carregam em si personalidades tão antagônicas, são na verdade a mesma pessoa: Maria = Lúcia = Malu. Em busca de uma compreensão para as múltiplas personalidades de Malu e de como elas vieram à tona nesse momento da vida da personagem, podemos levantar algumas hipóteses baseado nas informações que o filme nos apresenta.

 

Segundo o DSM V, O Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) é caracterizado, em outras coisas, por: amnésia assimétrica distorção de comportamento (geralmente ligadas a um histórico de abuso sexual na infância), manifestação de sintomas pós-traumáticos (por ex., pesadelos, flashbacks e respostas de sobressalto), automutilação, agressividade e/ou comportamento suicida também podem ocorrer. O tratamento envolve uma aproximação entre as personalidades distintas até o ponto em que elas possam convergir para uma única.

Se entendermos as múltiplas personalidades de Malu como facetas dela própria e nas quais seu ego entende que não há uma realização plena do Eu, as outras personalidades que apareceram ao mesmo tempo, quando ela iniciou o relacionamento com Samuel, são na verdade expressões de características que seu ego real considera necessárias em um relacionamento amoroso, mas com as quais seu superego não conseguia conviver.

Consta no DSM IV que a transição entre as personalidades das pessoas que apresentam TDI tem uma relação com situações de intenso estresse emocional. No caso da personagem o fato ocorreu em sua infância quando sua mãe, ao ser abandonada por seu pai, fala que a filha precisa ser independente.

Em uma análise mais profunda, podemos perceber que as três facetas de Malu: a mulher executiva, a mulher dona do lar e a mulher sexy se completam de tal forma que conquistaram o amor do mesmo homem. Mas, um fato marcante na infância de Malu a fez suprimir essas qualidades que não podiam coexistir em sua psique. Assim, para que essas características pudessem de fato coexistir, foi necessária a criação de novas personalidades. É preciso salientar que este processo é de todo inconsciente, e feito para manutenção da própria psique, evitando que ela se rompa.

 

Outro elemento que chama atenção é o fato de que Samuel, o pretendente, aos olhos da personagem também se mostrava como outra pessoa, com atributos físicos que ela valoriza nos homem, mas que na realidade, ele não os tinha. Podemos acreditar que Samuel era de fato o Animus de Malu, seu parceiro ideal, com atributos e características que ela busca no seu par (Emma Jung, 1991). Ela se identificava tanto com seu parceiro que preferiu projetar nele essas características que valoriza no par do que trocar de parceiro. E antes que alguém pense que isso é um comportamento exclusivamente patológico, preciso esclarecer que fazemos isso o tempo todo em nossos relacionamentos amorosos. Sempre que ignoramos em nossos pares uma gafe ou um comportamento que em outros contextos recriminamos, apresentamos um comportamento semelhante ao de Malu para com Samuel.

 

Com o desejo do casamento cada vez mais forte, a psique de Malu percebe que não tem mais como sustentar as múltiplas personalidades que disputam a atenção do mesmo homem. Enfim elas são obrigadas a conviver até o determinado momento em que elas convergem e Malu percebe que as três mulheres são, na verdade, Ela. Quando percebe sua situação, a personagem entra em choque, e pensa que só pode casar se for acompanhada das outras duas. Malu chega a tentar cometer suicídio. Esse ápice serve para que ela comece a rever seus valores e prioridades, assim, supervalorizar e investir todas as suas energias em um casamento sem antes considerar outras questões como sua própria felicidade, agora parece fora de questão.

FICHA TÉCNICA:

LOUCAS PRA CASAR

Direção: Roberto Santucci
Roteiro: Julia Spadaccin, Marcelo Saback
Elenco principal: Ingrid Guimarães, Tatá Werneck, Suzana Pires
Ano: 2015
REFERÊNCIAS:

JUNG, Emma. Animus e anima. (Tradutor. Dante Pignatari). Um volume (13×20 cm) com 112 páginas. São Paulo: Editora Cultrix, 1991.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5 ed. Porto Alegre: ARTMED, 2014.

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