Meu amigo Totoro e a importância da fantasia na infância

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A fantasia tem um papel fundamental para a criança.

O longa conta a história de Mei e sua irmã Satsuki, que se mudam do campo para a cidade a fim de ficarem mais próximas de sua mãe que está internada em um hospital. Elas acabam conhecendo vários espíritos da floresta, dentre eles Totoro, que só podem ser vistas por algumas crianças. O estúdio Ghibli é responsável por essa e várias outras obras maravilhosas, que tratam de temas da realidade utilizando-se da fantasia.

Texto contém spoilers!!!

O filme mostra o processo de adaptação e de exploração do novo ambiente de moradia, em apresenta diversas criaturas sobrenaturais do folclore japonês e, dentre eles, a criatura Totoro. Mei, a irmã mais nova, é a primeira a interagir com Totoro enquanto explorava o quintal de sua nova casa.

Winnicott (1975) fala sobre a importância do brincar na infância como o início da construção da subjetividade da criança, assim o ambiente tem importância para que a criança passe pela experiência de que existe uma realidade externa similar a que ela fantasia. Mei, enquanto brinca no quintal, explorava por todos os cantos enquanto brincava, e outro fato importante é o da presença do seu pai que a observava deixando que ela exercesse suas fantasias.

Existe uma senhora que aparece no início do filme e fala que as criaturas que vivem por ali, ela viu quando era criança e um menino que durante a história, parece não ter contato com essas criaturas. Mostrando assim que elas não aparecem ou fazem parte do cenário de todas as pessoas. Quero chegar à ideia de que as criaturas fazem parte da fantasia e tem um papel em auxiliar no momento em que estão passando, desde a mudança de casa até o encontro com a mãe internada no hospital.

Em determinado momento do filme a irmã mais velha (Satsuki) tem seu primeiro contato com Totoro, que até então era apenas visto pela Mei, enquanto esperava seu pai que viria de ônibus do trabalho e não havia levado o guarda chuva. Era um momento que ela estava sozinha, cuidando da irmã que estava dormindo e preocupada com seu pai, necessitando assim de algo ou alguém que pudesse funcionar como suporte.

Fonte: encurtador.com.br/zBKP7

Dessa forma, a fantasia tem um papel fundamental para a criança. Winnicott (1975) aponta que a configuração do mundo interno subjetivo é produto direto da criatividade. Então em diversos momentos de angústia, incerteza e a falta de uma pessoa que a criança possa recorrer, ela acaba por fantasiar para amenizar ou sanar tais sentimentos. Piaget (1968) discorre que quando a criança brinca, ela reproduz sua vida, tentando corrigir os conflitos e reviver os prazeres, completando através da ficção.

As duas irmãs acabam se desentendendo quando precisam avisar ao pai que o hospital entrou em contato, pois a mãe que deveria voltar para casa acabou piorando o quadro da doença. O pai é avisado e nisso Satsuki é auxiliada pelo Totoro a encontrar a Mei que estava perdida, e ganham uma carona para o hospital em um gato-ônibus.

Fonte: encurtador.com.br/mrHOX

Prado (1991) afirma que as atividades lúdicas são formas em que as crianças se apropriam da realidade enquanto recriam usando a fantasia e acabam alcançando um melhor desenvolvimento físico e metal.

Dessa forma, a fantasia é uma maneira saudável e importante do desenvolvimento infantil e acaba refletindo em todas as fases da vida.

Ficha técnica

 

Título original: Tonari no Totoro

Direção: Hayao Miyazaki

Ano: 1988

País de origem: Japão

Referências

PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1968.

PRADO, M. M. R. Des-cobrindo o lúdico. In: Revista de Terapia Ocupacional USP. São Paulo, v. 2, n. 4, 1991.

WINNICOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1975.

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O Quarto de Jack: universo na caixinha e a aprendizagem

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O Quarto de Jack, lançado em 2015, é um drama sobre mãe e filho que vivem suas vidas enclausurados em um quarto. O filme recebeu o oscar de melhor atriz com a atuação de Joy e é muito notável por se tratar de uma história real.

Joy, mãe de Jack, foi sequestrada aos 17 anos por Nick, que a manteve em cativeiro durante anos. Jack é fruto do abuso sexual a que Joy foi submetida e Nick visita periodicamente os dois no quarto em que eles vivem no quintal de sua casa. Nessas visitas, Jack é orientado a ficar escondido dentro de um armário, pelo qual visualiza por brechas algumas cenas do que acontece à sua mãe. Nick traz o que é necessário à sobrevivência dos dois, como alimentos e medicamentos, permanecendo indiferente ao garoto. 

Fonte: Alex S. Rocha

A perspectiva da Psicologia da Aprendizagem de Jean Piaget, psicólogo do desenvolvimento, apresenta a forma pela qual as crianças sistematizam e adquirem o conhecimento, levando a uma nova percepção do desenvolvimento à época. Nesse aspecto, cabe analisar o desenvolvimento de Jack a partir dos princípios introduzidos por Piaget, uma vez que os aprendizados observados no filme possuem correspondência com a teoria.

Piaget conceitua a aquisição da aprendizagem pelo o processo de adaptação, assimilação e acomodação. Os reflexos e as coordenações sensoriais e motoras presentes no recém-nascido tornam-se mais complexos, coordenados e propositais enquanto se desenvolvem no processo de adaptação, no qual o ser humano adapta-se ao meio e organiza suas experiências (WADSWORTH, 1997). Ele utilizou o termo esquema para facilitar a explicação do porquê o ser humano apresenta respostas mais ou menos invariáveis aos estímulos e para explicar muitos acontecimentos associados à memória. Isto é, a medida que o indivíduo se desenvolve, ele torna-se mais apto a generalizar esses estímulos e criar esquemas mais refinados. (WADSWORTH, 1997).

Fonte: Universal Pictures

O filme O Quarto de Jack é a criação de um universo específico, organizado por uma jovem que se dispõe a oferecer ao filho o máximo possível em termos de possibilidades de compreensão e vivência. Na construção desse universo, a jovem mãe recorre a esquemas a fim de construir o universo cognitivo do menino, é assim que os móveis se revestem de personalidade, quando Jack, ao acordar, cumprimenta todos os móveis do quarto, que são parte ativa no mundo emocional da criança.

Fonte: Universal Picture

O processo de assimilação abrange o conhecimento prévio ou inato e o processo de acomodação ocorre quando a criança é capaz de criar novos esquemas ou a remodelação de velhos esquemas, o que resulta em uma mudança na estrutura cognitiva (WADSWORTH, 1997).

Nessa estruturação mental de uma realidade possível, ocorre a inversão do real, onde o mundo exterior é apresentado como ficção. Para Jack nada há de real além do quarto e seus pertences, a mãe, ele próprio e o velho provedor, seu “tio” Nick, o que promove uma inversão de sentido.

Apesar da exiguidade de fatores que favoreçam a construção de um cabedal cognitivo que ampare o pensamento pré-operacional (embasamento sensório-motor, segundo Piaget), a mãe consegue organizar um cotidiano de desenvolvimento sensório-motor. Conforme Piaget, a adaptação dos bebês ao meio e as organizações mentais do ambiente que os rodeiam se apresentam, inicialmente, através das ações sensórias e motoras. No desenvolvimento sensório-motor o desenvolvimento afetivo e cognitivo se instaura e as estruturas intelectuais e sentimentais começam a se desenvolver (WADSWORTH, 1997).

O velho provedor Nick é, para o menino, a única realidade viva do mundo exterior. É ele quem traz produtos e coisas que satisfazem as necessidades básicas, menos a da afetividade, o que faz da mãe todo o seu contexto afetivo e humano. Essa realidade de isolamento, na qual a mãe o mantém no armário, se deve ao medo que ela tem de o velho provedor ter uma relação abusiva com o menino.

Fonte: Universal Pictures

A quebra de paradigma de Jack com referência ao seu exíguo mundo é recebida com estranheza, posto que quando a mãe revela que toda a virtualidade é realidade palpável, a base cognitiva sofre uma radical inversão. Este momento é crucial para a ressignificação dos esquemas mentais e acomodação, que são construídos sobre as experiências repetidas (WADSWORTH, 1997).

Dado o nível de espanto e incredulidade pela inversão de significação do real, foi necessário que a mãe lançasse mão de novos esquemas. A representação cênica, onde o menino se finge de morto, revela a dimensão de construção de uma realidade diferenciada que vai compor seu arcabouço psicológico, integrando a realidade primeira do quarto juntamente com a realidade segunda do mundo real revelado pela mãe.

Fonte: Universal Pictures

A tradução palpável do repertório informacional fornecido pela mãe a respeito do mundo real é sempre assustadora para o menino. Isso se revela na reação à luz, aos ruídos, ao movimento de pessoas e veículos e ao contato com objetos e pessoas.

O processo de adaptação ao novo contexto social leva Jack a construir outros esquemas de cognição e no desenvolvimento de relações sociais, assumindo uma nova relação do ser, identificada pela sua fala de que “quando eu tinha quatro anos eu nem conhecia o mundo, agora vou viver nele”. Este é o momento em que se revela a assimilação da realidade comportamental, adaptando os novos estímulos nos esquemas existentes. O quarto de Jack ganhou o mundo.

FICHA TÉCNICA DO FILME
O QUARTO DE JACK

Fonte: https://bit.ly/2vX5XEP

Título Original: Room
Direção: Lenny Abrahamson
Roteiro: Emma Donoghue
Elenco: Brie Larson, Jacob Tremblay, William H. Macy, Tom McCamus
Ano: 2015

Alguns Prêmios:
Prêmio Globo de Ouro – Oscar de Melhor Atriz
Prêmio do Sindicato dos Atores – Melhor Atriz Principal
Prêmio Globo de Ouro – Melhor Atriz em Filme Dramático
Critics’ Choice Award – Melhor Jovem Ator ou Atriz
Prêmio BAFTA de Cinema – Melhor Atriz
Prêmio do Sindicato dos Atores – Melhor Atriz Principal

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