O Quarto de Jack: universo na caixinha e a aprendizagem

 

O Quarto de Jack, lançado em 2015, é um drama sobre mãe e filho que vivem suas vidas enclausurados em um quarto. O filme recebeu o oscar de melhor atriz com a atuação de Joy e é muito notável por se tratar de uma história real.

Joy, mãe de Jack, foi sequestrada aos 17 anos por Nick, que a manteve em cativeiro durante anos. Jack é fruto do abuso sexual a que Joy foi submetida e Nick visita periodicamente os dois no quarto em que eles vivem no quintal de sua casa. Nessas visitas, Jack é orientado a ficar escondido dentro de um armário, pelo qual visualiza por brechas algumas cenas do que acontece à sua mãe. Nick traz o que é necessário à sobrevivência dos dois, como alimentos e medicamentos, permanecendo indiferente ao garoto. 

Fonte: Alex S. Rocha

A perspectiva da Psicologia da Aprendizagem de Jean Piaget, psicólogo do desenvolvimento, apresenta a forma pela qual as crianças sistematizam e adquirem o conhecimento, levando a uma nova percepção do desenvolvimento à época. Nesse aspecto, cabe analisar o desenvolvimento de Jack a partir dos princípios introduzidos por Piaget, uma vez que os aprendizados observados no filme possuem correspondência com a teoria.

Piaget conceitua a aquisição da aprendizagem pelo o processo de adaptação, assimilação e acomodação. Os reflexos e as coordenações sensoriais e motoras presentes no recém-nascido tornam-se mais complexos, coordenados e propositais enquanto se desenvolvem no processo de adaptação, no qual o ser humano adapta-se ao meio e organiza suas experiências (WADSWORTH, 1997). Ele utilizou o termo esquema para facilitar a explicação do porquê o ser humano apresenta respostas mais ou menos invariáveis aos estímulos e para explicar muitos acontecimentos associados à memória. Isto é, a medida que o indivíduo se desenvolve, ele torna-se mais apto a generalizar esses estímulos e criar esquemas mais refinados. (WADSWORTH, 1997).

Fonte: Universal Pictures

O filme O Quarto de Jack é a criação de um universo específico, organizado por uma jovem que se dispõe a oferecer ao filho o máximo possível em termos de possibilidades de compreensão e vivência. Na construção desse universo, a jovem mãe recorre a esquemas a fim de construir o universo cognitivo do menino, é assim que os móveis se revestem de personalidade, quando Jack, ao acordar, cumprimenta todos os móveis do quarto, que são parte ativa no mundo emocional da criança.

Fonte: Universal Picture

O processo de assimilação abrange o conhecimento prévio ou inato e o processo de acomodação ocorre quando a criança é capaz de criar novos esquemas ou a remodelação de velhos esquemas, o que resulta em uma mudança na estrutura cognitiva (WADSWORTH, 1997).

Nessa estruturação mental de uma realidade possível, ocorre a inversão do real, onde o mundo exterior é apresentado como ficção. Para Jack nada há de real além do quarto e seus pertences, a mãe, ele próprio e o velho provedor, seu “tio” Nick, o que promove uma inversão de sentido.

Apesar da exiguidade de fatores que favoreçam a construção de um cabedal cognitivo que ampare o pensamento pré-operacional (embasamento sensório-motor, segundo Piaget), a mãe consegue organizar um cotidiano de desenvolvimento sensório-motor. Conforme Piaget, a adaptação dos bebês ao meio e as organizações mentais do ambiente que os rodeiam se apresentam, inicialmente, através das ações sensórias e motoras. No desenvolvimento sensório-motor o desenvolvimento afetivo e cognitivo se instaura e as estruturas intelectuais e sentimentais começam a se desenvolver (WADSWORTH, 1997).

O velho provedor Nick é, para o menino, a única realidade viva do mundo exterior. É ele quem traz produtos e coisas que satisfazem as necessidades básicas, menos a da afetividade, o que faz da mãe todo o seu contexto afetivo e humano. Essa realidade de isolamento, na qual a mãe o mantém no armário, se deve ao medo que ela tem de o velho provedor ter uma relação abusiva com o menino.

Fonte: Universal Pictures

A quebra de paradigma de Jack com referência ao seu exíguo mundo é recebida com estranheza, posto que quando a mãe revela que toda a virtualidade é realidade palpável, a base cognitiva sofre uma radical inversão. Este momento é crucial para a ressignificação dos esquemas mentais e acomodação, que são construídos sobre as experiências repetidas (WADSWORTH, 1997).

Dado o nível de espanto e incredulidade pela inversão de significação do real, foi necessário que a mãe lançasse mão de novos esquemas. A representação cênica, onde o menino se finge de morto, revela a dimensão de construção de uma realidade diferenciada que vai compor seu arcabouço psicológico, integrando a realidade primeira do quarto juntamente com a realidade segunda do mundo real revelado pela mãe.

Fonte: Universal Pictures

A tradução palpável do repertório informacional fornecido pela mãe a respeito do mundo real é sempre assustadora para o menino. Isso se revela na reação à luz, aos ruídos, ao movimento de pessoas e veículos e ao contato com objetos e pessoas.

O processo de adaptação ao novo contexto social leva Jack a construir outros esquemas de cognição e no desenvolvimento de relações sociais, assumindo uma nova relação do ser, identificada pela sua fala de que “quando eu tinha quatro anos eu nem conhecia o mundo, agora vou viver nele”. Este é o momento em que se revela a assimilação da realidade comportamental, adaptando os novos estímulos nos esquemas existentes. O quarto de Jack ganhou o mundo.

FICHA TÉCNICA DO FILME
O QUARTO DE JACK

Fonte: https://bit.ly/2vX5XEP

Título Original: Room
Direção: Lenny Abrahamson
Roteiro: Emma Donoghue
Elenco: Brie Larson, Jacob Tremblay, William H. Macy, Tom McCamus
Ano: 2015

Alguns Prêmios:
Prêmio Globo de Ouro – Oscar de Melhor Atriz
Prêmio do Sindicato dos Atores – Melhor Atriz Principal
Prêmio Globo de Ouro – Melhor Atriz em Filme Dramático
Critics’ Choice Award – Melhor Jovem Ator ou Atriz
Prêmio BAFTA de Cinema – Melhor Atriz
Prêmio do Sindicato dos Atores – Melhor Atriz Principal