Beverlei dos Reis Rocha: Nuances entre a escrita e as terapias integrativas

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Beverlei no Lançamento da Antologia Singularidade das Palavras, na Editora Scortecci, dezembro de 2019

Sônia Cecília Rocha – soniacecirocha@gmail.com

O Encena entrevista Beverlei dos Reis Rocha, 73 anos, Analista Administrativo do Conselho Regional de Psicologia de Goiás-CRP-09, há 16 anos, onde exerce a função de Coordenadora Administrativa.

Dentre suas atribuições está a realização de palestras aos discentes de Psicologia, sobre os procedimentos administrativos para início da carreira profissional.

Poetisa com poesias publicadas nas antologias poéticas: Poesia Livre (2019 e 2021), Sarau Brasil (2019, 2020 e 2021) e Poetize (2020, 2021 e 2022), pela Editora Vivara; Singularidade das Palavras (2019), Minuto de Tudo (2020), Esboços da Alma e Palavras do Cotidiano (2021), Scortecci 40 anos e Frações de Tudo (2022), pela Scortecci Editora; Poesia Agora – Primavera, pela Editora Trevo, e Coletânea poética nova poesia, pela Clipe Editora.

Estudiosa, está sempre buscando novos conhecimentos. Possui formação nas terapias Reiki, Floral de Bach, Radiestesia e Tarô.

(En)Cena: Beverlei, nos conte um pouco de sua trajetória, entre o trabalho, as terapias integrativas até o despertar pela escrita.

Sou de uma geração que começou a trabalhar muito jovem. Meu primeiro registro profissional formal se deu aos 14 anos (a famosa Carteira Profissional assinada), e continuo na ativa até o momento, sem previsão de parar.  Depois de tantos anos em intensa movimentação não consigo me ver num ritmo mais calmo.  As terapias integrativas entraram em minha vida a partir de 2014, quando minha filha caçula, já adulta e graduada, foi aprovada em concurso no Rio de Janeiro e o silêncio da casa vazia começou a incomodar. Como tinha várias amigas que sempre me convidavam para os cursos, resolvi experimentar e amei a experiência. Quanto à escrita, sempre fui uma leitora voraz desde a adolescência.  E desde lá, fazia algumas tentativas, porém, sem muito foco.  Quando veio o casamento e os filhos, a atividade foi esquecida. Com o fim do casamento e o voo dos três filhotes em busca de suas próprias jornadas, o desejo da escrita foi se intensificando.  Por incentivo da querida amiga jornalista Maria Cristina Furtado, hoje funcionária da rádio da Universidade Federal de Goiás, iniciei a publicação dos poemas em 2019.

(En)Cena: Qual foi o gatilho para que você entrasse no mundo da poesia, ou seja, qual foi o seu primeiro e decisivo ato literário?

Como disse, o desejo da escrita já existia, mas o gatilho para a concretização foi a necessidade de preencher as horas de silêncio que reinava no intervalo entre o jantar e a hora de dormir, pois nunca apreciei muito a TV e a música aguçava ainda mais a solidão; então, além de ler, comecei a escrever, e me apaixonei por este delicioso exercício. Foi assim como me apaixonar por alguém. Acabei descobrindo em mim e ao meu redor aspectos que me inspiravam, além de me ver vivenciando novas possibilidades. Estar à frente de algo desconhecido, mas ao mesmo tempo tão íntimo para mim, porque não me dar esta oportunidade de viver novas e inteiras paixões?

(En)Cena: Quando começou a escrever tinha algum escritor(a) que te inspirava, ou estes sentimentos narrados em escrita eram só seu eu ou algo implícito se expondo?

Sempre li bastante: romances, poemas e outros estilos. Penso que na experiência da leitura sempre ficamos com algumas notas de determinados autores. No meu caso, me identifico muito com autoras(es) que tocam a alma e os sentidos, sem receio de julgamentos. Impossível enumerar, aqui, todas as autoras e autores que aprecio, no entanto destaco Florbela Espanca, Gilka Machado, Lou Salomé, Clarice Lispector, Ligia Fagundes Teles, Adriana Calcanhoto, Charles Bukowskie, Caio Fernando Abreu, Zack Magiezi.

(En)Cena: Quando você começa a escrever precisa de um clima especial, um ambiente, ou em qualquer lugar ou estado de espírito lhe vem as inspirações?

As ideias podem até vir ao longo do dia, em qualquer lugar, mas só desenvolvo, em casa, à noite, em meu cantinho mais que especial, é neste cantinho que minha mente coloca em prática as ideias que me surgiram ao longo do dia, da semana. Vou juntando fragmentos dos pensamentos que povoam meu imaginário, ou minha realidade vivida.

(En)Cena: Qual o tema que fala mais alto em seus poemas e por quê?

A solidão e a saudade são temas sempre presentes, pois representam a realidade vivida.

Nem sempre é aquela solidão de sentimento de vazio, este sentimento não me pertence, estou sempre cheia de mim, das minhas ideias e sentimentos, é a solidão da saudade de um ente querido que se foi.  Nem tão pouco um sentimento de isolamento, nem de perdas emocionais, é uma aragem que passa e me traz inspirações. Minha solidão é livre, não é imposta e a saudade, áaaa a saudade, ela tanto dói, quanto inspira.

(En)Cena: Quando você está quase adormecendo lhe vem uma ideia, deixa para pensar no dia seguinte ou levanta-se imediatamente para escrever?

Deixo para a noite seguinte. Sou muito dorminhoca e depois de me deitar, não me levanto por nada, mas quando me levanto as ideias estão lá borbulhantes, doidas para sair da mente e ir para o papel.

Fontes de imagens próprias
(En)Cena: Você bebe de outras fontes de escrita que não sejam as suas próprias?

Sim, várias. Sou uma ávida leitora e entre tantos escritores brilhantes tem sempre algum que nos remete temas que gostaríamos de representar. Ouvir a voz dos seus personagens e deixar com que se misturem aos meus, porém com minhas conotações, com a minha maneira de ver e sentir algo ou alguém e que juntos se tornem uma multidão de personas falando por eles e por mim mesma.

(En)Cena: Você acha que Sentimentos negativos são motores bem regulados para a criação de uma obra? Caso seja nos conte como usa-los sem que a obra fique pesada.

Existem autores que possuem obras magistrais inserindo sentimentos como o ódio, a inveja, a cobiça, a avareza, a maldade. Eu, portanto, não os uso com frequência, a bem da verdade quase nunca. Por esta razão não me vejo capacitada para indicar o caminho.

(En)Cena: Quando você lê um romance, vê um filme, tem uma tendência de mudar o final?

Não. Sou profundamente respeitosa com o ato da escrita de alguém. Escrever, embora romantizado, é um ato de sofrimento, pois até chegar ao final desejado, você acorda e adormece vários dias remoendo as ideias. Nunca permiti que meus filhos chegassem em casa com cópias de livros. Pedia até empréstimo bancário para adquirir os originais solicitados pelos professore

Fontes de imagens próprias

(En)Cena: Como é seu processo de escrita, vai amadurecendo a ideias, ou são rompantes de criação?

90% dos textos são frutos de amadurecimento de ideias; os demais, são inspiração única e instantânea. Eu já desisti de buscar uma resposta para minhas inspirações, é algo abstrato, que não se toca, não se define, apenas vem. Às vezes, ouvir alguém declamando uma poesia já é o bastante para fazer com que meu imaginário se encha de inspirações; em outros, basta que eu veja uma flor, um galho seco ou qualquer coisa sem sentido no meio da rua.

(En)Cena: Suas poesias tem sentidos implícitos, se tem são perceptíveis? Seu talento mora nas entrelinhas?

Algumas têm. Acredito que são perceptíveis para um bom observador. Gosto de entrelinhas. Gosto desta brincadeira de construir sentidos, captar os sentimentos que não estão claramente expressos.

(En)Cena: Tem momentos da mais pura falta de imaginação, o que lhe ocorre quando isto acontece?

Sim. Quando ocorre, simplesmente me dedico à leitura e outras atividades, e fico tranquila.

(En)Cena: Qual a importância que você vê nas poesias no mundo contemporâneo?

Vejo a poesia como uma grande aliada das atividades de resgate da alegria e da autoestima. Às vezes sou convidada para palestras no encontro mensal do Death Café e outras instituições, com grupos de pessoas que estão vivenciando perdas graves, seja de familiares ou do estado de saúde. Quando encerro a apresentação, as pessoas estão alegres, motivadas, desejosas de também expressar seu sentimento e esquecidas dos motivos que as levaram ali.

(En)Cena: Beverlei, em sua opinião o mundo hoje em dia carece de mais cultura,

Porque e qual a função social da literatura?

Sim. Não somente da literatura, mas de todas as expressões da arte e da cultura, já que cada pessoa tem uma preferência artística. Como já disse, a arte nos motiva a vencer as dificuldades e as dores.  Acho que a poesia em especial dá mais riqueza às emoções, aguça nossa sensibilidade nossa percepção, precisamos de poesia para viver, se não á escrita, aquela que mora dentro de nós, sem poesia somos tristes, somos pobres.

(En)Cena: Você pretende algum dia viver só de poesia, ou você crê que as pessoas não dão o devido valor na cultura que elas carregam?

Nunca pensei em viver só da poesia.  Embora tenha havido um despertar para a literatura, principalmente nos últimos três anos, devido à reclusão vivida pela Pandemia, ainda acho o mercado literário pouco valorizado.

(En)Cena: Deixe sua mensagem aos que sonham, mas não realizam.

Recomendo que bebam na fonte de Gonzaguinha: “Viver…e não ter a vergonha de ser feliz…cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz…”.

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Safo e um ideal de amor ainda contemporâneo

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O objetivo deste texto é discorrer sobre a influência dos gregos em nossas vidas cotidianas, ainda hoje, e de como o amor romântico é presente e de como este amor ânsia por Safo, além de ponderarmos sobre o que é natural. Mas o que é amor, desejo, realidade e sexualidade? Sempre existiram homossexuais e heterossexuais, independente das diferentes maneiras que os povos lidaram com o tema. É necessário que se faça uma discussão neutra sobre amor grego, se é que isso é possível, e descomprometida de posicionamento, mas carregada de possibilidades.

Esta análise transita nas tradições greco-latinas, que estão muito mais presentes em nossa vida do que imaginamos. Do lazer à política, da psicanálise à religião, o mundo clássico está por trás de todo o sistema de pensamento ocidental. Conhecer tais dados antigos, mas comumente atuais, se faz necessário para entendermos a aparentemente conturbada época em que vivemos, marcada por tantas formas de amar em tantos cantos, em tantas histórias.

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Fonte: http://migre.me/vsRNE

É preciso entender, então, as mais variadas formas de amar entre os gregos. Desta forma, há Eros, o amor desejo; Philia, o amor amigo; Ludus, amor divertido e Pragma, Amor maduro. Sobre este último, o psicanalista Erich Fromm disse que gastamos muita energia “caindo na paixão” e precisamos aprender mais como “ficar de pé no amor”. Talvez nos apropriar mais de um amor Ágape, aquele expresso de forma abnegada, despretensiosa, caridosa. Mas o que percebemos é a força crescente de um individualismo absoluto, o amor Philautia (auto-amor). Como disse Aristóteles, “todos os sentimentos amigáveis por outros são uma extensão dos sentimentos do homem por si mesmo”. Assim, cresce um amor narcisista.

Para tal discussão, conhecer sobre Safo nos ajuda a entender como nos posicionar diante de tais formas de amor. Safo foi uma poetiza grega, membro da aristocracia, nascida na Ilha de Lesbos por volta de 630 a.c, eternizada como a primeira mulher conhecida como homossexual, provavelmente devido a um famoso poema de Ovídio, o qual representa uma carta de Safo e devido a alguns de seus poemas eróticos serem dedicados a outras mulheres.

Devido à forma como escrevia e sua posição na sociedade, Safo foi exilada para a Sicília ainda jovem. Cinco anos depois do exílio, retornou a ilha de Lesbos e em Mitilene inaugurou uma escola para mulheres. Nessa escola, Safo ensinava poesia, dança, arte e música para suas alunas. No local também eram desenvolvidas atividades físicas, banquetes, cultos religiosos e concursos de beleza. As alunas, chamadas de hetarai (companheiras), vinham de todos os lugares da Grécia para serem discípulas de Safo, e há indícios de que se relacionavam amorosamente com ela e entre si.

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Fonte: http://migre.me/vsSBj

Lá, as alunas aprendiam a serem “mulheres completas”, ou seja: graciosas, femininas e elegantes, segundo a ideia de feminilidade de Safo. Há alguns que dizem que a poetisa as preparava para o casamento. A partir do século XVIII houve uma maior discussão acerca da sexualidade de Safo. A maioria dos estudiosos acredita que Safo realmente mantinha relações tribais, entretanto ainda não há um consenso sobre isso. Os pesquisadores que defendem a teoria de uma Safo lésbica, utilizam como forte argumento a existência de diversos paralelos entre imagens e palavras de poemas de pederastas e de poemas da poetisa. Além disso, também se utilizam da tradução da palavra lesbiazén (felação), “fazer como as mulheres de Lesbos”, para justificar a existência de lésbicas na Ilha e transformar Safo em uma famosa amante de mulheres.

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“Nem as garotas de Pirra ou Metimna [aldeias de Lesbos] me deleitam, nem o resto da multidão de mulheres lésbias. Nada é para mim Anactória, nada a bela Cidro; Átide não mais me apraz aos olhos, como antes, nem uma centena de outras a quem amei, não sem reprovação. Homem desavergonhado, o que outrora pertenceu a muitas garotas, agora é só teu”. Safo

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Safo mostra brilhantemente como a Grécia se parece com a imaginação sexual moderna; é a figura pela qual falamos do desejo, pintamos o desejo, fantasiamos o desejo. O que herdamos da Grécia está por toda parte. De certa forma os gregos nos levam a reflexão, em suas histórias, que os mesmos encontraram diversos tipos de amor em seus relacionamentos com uma ampla gama de pessoas – amigos, família, esposas, estranhos e até mesmo consigo. Este pensamento pode nos trazer um contraste com nossa obcecada procura por uma única relação romântica, onde esperamos encontrar todos os diferentes amores empacotados em uma única pessoa ou alma gêmea.

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Fonte: http://migre.me/vsSwq

A mensagem do amor grego, personificada em Safo, traz para nós a reflexão de alimentar as variedades de amor e conectar-se às suas muitas fontes, de acordo com que vive cada um no seu sentido de vida e nas mais variadas relações. Não procurar apenas eros, mas cultivar philia passando mais tempo com velhos amigos, ou desenvolver o seu ludus, dançando noite afora. Talvez esta seja a mais natural forma de amor advinda para o ser humano, suas mais variadas formas de amar e satisfazer-se com cada uma delas, em cada momento, com cada pessoa, de diferentes formas. Abandonando assim nossa busca pela perfeição junto ao outro, apenas pelo viés erótico.

REFERÊNCIAS: 

GOLDHILL, Simon. Amor, sexo e tragédia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

MUNIZ, Fernando. Prazeres ilimitados – Fernando – Como transformamos os ideais gregos numa busca excessiva pela satisfação dos desejos. São Paulo: Nova Fronteira, 2015.

NEWMAN, Sandra. História da Literatura Ocidental sem as partes chatas – Um guia irreverente para ler os clássicos sem medo. São Paulo: Editora Cultrix, 2014.

PHARTÉNIO. Sofrimentos de Amor. Tradução do Grego, Introdução e Comentários. 2015.

ZIMERMAN, David. E. Os quatro vínculos – Amor, Ódio, Conhecimento, Reconhecimento na Psicanálise e em nossas vidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

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