Safo e um ideal de amor ainda contemporâneo

O objetivo deste texto é discorrer sobre a influência dos gregos em nossas vidas cotidianas, ainda hoje, e de como o amor romântico é presente e de como este amor ânsia por Safo, além de ponderarmos sobre o que é natural. Mas o que é amor, desejo, realidade e sexualidade? Sempre existiram homossexuais e heterossexuais, independente das diferentes maneiras que os povos lidaram com o tema. É necessário que se faça uma discussão neutra sobre amor grego, se é que isso é possível, e descomprometida de posicionamento, mas carregada de possibilidades.

Esta análise transita nas tradições greco-latinas, que estão muito mais presentes em nossa vida do que imaginamos. Do lazer à política, da psicanálise à religião, o mundo clássico está por trás de todo o sistema de pensamento ocidental. Conhecer tais dados antigos, mas comumente atuais, se faz necessário para entendermos a aparentemente conturbada época em que vivemos, marcada por tantas formas de amar em tantos cantos, em tantas histórias.

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É preciso entender, então, as mais variadas formas de amar entre os gregos. Desta forma, há Eros, o amor desejo; Philia, o amor amigo; Ludus, amor divertido e Pragma, Amor maduro. Sobre este último, o psicanalista Erich Fromm disse que gastamos muita energia “caindo na paixão” e precisamos aprender mais como “ficar de pé no amor”. Talvez nos apropriar mais de um amor Ágape, aquele expresso de forma abnegada, despretensiosa, caridosa. Mas o que percebemos é a força crescente de um individualismo absoluto, o amor Philautia (auto-amor). Como disse Aristóteles, “todos os sentimentos amigáveis por outros são uma extensão dos sentimentos do homem por si mesmo”. Assim, cresce um amor narcisista.

Para tal discussão, conhecer sobre Safo nos ajuda a entender como nos posicionar diante de tais formas de amor. Safo foi uma poetiza grega, membro da aristocracia, nascida na Ilha de Lesbos por volta de 630 a.c, eternizada como a primeira mulher conhecida como homossexual, provavelmente devido a um famoso poema de Ovídio, o qual representa uma carta de Safo e devido a alguns de seus poemas eróticos serem dedicados a outras mulheres.

Devido à forma como escrevia e sua posição na sociedade, Safo foi exilada para a Sicília ainda jovem. Cinco anos depois do exílio, retornou a ilha de Lesbos e em Mitilene inaugurou uma escola para mulheres. Nessa escola, Safo ensinava poesia, dança, arte e música para suas alunas. No local também eram desenvolvidas atividades físicas, banquetes, cultos religiosos e concursos de beleza. As alunas, chamadas de hetarai (companheiras), vinham de todos os lugares da Grécia para serem discípulas de Safo, e há indícios de que se relacionavam amorosamente com ela e entre si.

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Lá, as alunas aprendiam a serem “mulheres completas”, ou seja: graciosas, femininas e elegantes, segundo a ideia de feminilidade de Safo. Há alguns que dizem que a poetisa as preparava para o casamento. A partir do século XVIII houve uma maior discussão acerca da sexualidade de Safo. A maioria dos estudiosos acredita que Safo realmente mantinha relações tribais, entretanto ainda não há um consenso sobre isso. Os pesquisadores que defendem a teoria de uma Safo lésbica, utilizam como forte argumento a existência de diversos paralelos entre imagens e palavras de poemas de pederastas e de poemas da poetisa. Além disso, também se utilizam da tradução da palavra lesbiazén (felação), “fazer como as mulheres de Lesbos”, para justificar a existência de lésbicas na Ilha e transformar Safo em uma famosa amante de mulheres.

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“Nem as garotas de Pirra ou Metimna [aldeias de Lesbos] me deleitam, nem o resto da multidão de mulheres lésbias. Nada é para mim Anactória, nada a bela Cidro; Átide não mais me apraz aos olhos, como antes, nem uma centena de outras a quem amei, não sem reprovação. Homem desavergonhado, o que outrora pertenceu a muitas garotas, agora é só teu”. Safo

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Safo mostra brilhantemente como a Grécia se parece com a imaginação sexual moderna; é a figura pela qual falamos do desejo, pintamos o desejo, fantasiamos o desejo. O que herdamos da Grécia está por toda parte. De certa forma os gregos nos levam a reflexão, em suas histórias, que os mesmos encontraram diversos tipos de amor em seus relacionamentos com uma ampla gama de pessoas – amigos, família, esposas, estranhos e até mesmo consigo. Este pensamento pode nos trazer um contraste com nossa obcecada procura por uma única relação romântica, onde esperamos encontrar todos os diferentes amores empacotados em uma única pessoa ou alma gêmea.

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A mensagem do amor grego, personificada em Safo, traz para nós a reflexão de alimentar as variedades de amor e conectar-se às suas muitas fontes, de acordo com que vive cada um no seu sentido de vida e nas mais variadas relações. Não procurar apenas eros, mas cultivar philia passando mais tempo com velhos amigos, ou desenvolver o seu ludus, dançando noite afora. Talvez esta seja a mais natural forma de amor advinda para o ser humano, suas mais variadas formas de amar e satisfazer-se com cada uma delas, em cada momento, com cada pessoa, de diferentes formas. Abandonando assim nossa busca pela perfeição junto ao outro, apenas pelo viés erótico.

REFERÊNCIAS: 

GOLDHILL, Simon. Amor, sexo e tragédia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

MUNIZ, Fernando. Prazeres ilimitados – Fernando – Como transformamos os ideais gregos numa busca excessiva pela satisfação dos desejos. São Paulo: Nova Fronteira, 2015.

NEWMAN, Sandra. História da Literatura Ocidental sem as partes chatas – Um guia irreverente para ler os clássicos sem medo. São Paulo: Editora Cultrix, 2014.

PHARTÉNIO. Sofrimentos de Amor. Tradução do Grego, Introdução e Comentários. 2015.

ZIMERMAN, David. E. Os quatro vínculos – Amor, Ódio, Conhecimento, Reconhecimento na Psicanálise e em nossas vidas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

Administradora. Master Coach e Mentora de Mulheres, Executivos e Casais. Analista Comportamental e Competências. Especialista em Gestão e Saúde. Formação em Terapia do Esquema. Formanda em Psicologia pelo Ceulpl/Ulbra. Colunista na Revista Cenarium TO, no Universo Feminino.