A eficácia da gratidão

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A palavra gratidão tem origem no termo do latim gratus, que pode ser retratada como agradecido ou grato. Também deriva de gratia, que significa graça. A neurociência nos ajuda a compreender, que quando temos sentimentos de gratidão, estimulamos o “sistema de recompensa” do nosso cérebro.

Por meio desse sistema, passamos a ter sensação de bem-estar em relação às emoções. Quando praticamos a gratidão, estamos estimulando a ação desse sistema, que é a base neurológica da nossa autoestima e satisfação.

Ou seja, quando o cérebro compreende que algo de bom aconteceu, ou que estamos gratos por alguma coisa, é liberado uma substância denominada dopamina. Esse neurotransmissor é encarregado pela sensação de recompensa e de prazer. De forma em que promove um resultado de conquista, a dopamina nos estimula a agir sempre em direção de outras metas, objetivos e necessidades. 

Fonte: encurtador.com.br/dhNTV

Quanto mais essa busca e conquista se repete, mais o nosso corpo procura por novas sensações de recompensa e prazer. Quando sentimos falta de entusiasmo, procrastinação significa que estamos com níveis baixos de dopamina. 

Temos também além da dopamina, um hormônio denominado ocitocina, que o cérebro libera, o famoso hormônio do amor. É ele que estimula o afeto, o bem-estar, diminui a ansiedade, o temor e fobias. Exercitar a gratidão nos traz boas sensações, além de nos ajudar na diminuição das nossas angústias, medos, raiva, ou seja, fica muito mais simples dominarmos nossos estados emocionais negativos. Quanto mais exercitamos a gratidão, mais a reforçamos. 

Fonte: encurtador.com.br/cuFGL

As pessoas que exercitam a gratidão conseguem ter níveis elevados de emoções positivas, e conseguem viver com mais satisfação e otimismo.  Isso não quer dizer que as pessoas que aprendem a ser gratas negam sentimentos ou questões negativas da vida, mas conseguem viver e levar a vida com sentimentos mais agradáveis.

Para termos alguns benefícios através da gratidão, temos que ter o hábito de executar três coisas na nossa vida: agir, decidir e ser persistentes. Que possamos ser gratos sempre e encontrarmos sempre motivos para agradecer, aí sim aprenderemos a ter felicidade independente da circunstância.

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A Casa dos Espíritos – paixão, vingança e revolução

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“…Nossa memória é frágil,
Uma vida é um tempo muito breve.
Tudo acontece muito rápido que não dá
Tempo de entender… a relação entre os acontecimentos.”
Blanca Trueba

O filme ‘A Casa dos Espíritos’ é um filme produzido a partir do romance da escritora Isabel Allende, lançado em 1982. O drama de Allende conta os conflitos de três gerações de mulheres e se passa durante as mudanças sociais e os desdobramentos políticos no Chile da década de 1920, até a explosão do golpe militar.

A narrativa começa com a infância de Clara que mantém contato com os espíritos e que, ainda criança, prevê a morte da irmã mais velha. Traumatizada, fica muda por vinte anos. A narrativa segue focando nas mulheres que são figuras principais até chegar a Alba, neta de Clara (Meryl Streep). Mesmo as mulheres assumindo papeis importantes na saga dos Trueba, o pai de família Esteban (Jeremy Irons) assume destaque na narrativa até o final da história.

Quando buscamos simbolicamente a linguagem oculta do cinema, sob o prisma da Psicologia, devemos ter noção da importância destes símbolos para o homem e sua psique, já que esses símbolos são tão explorados pelos recursos cinematográficos. O cinema é uma narrativa que cria e recria as instâncias simbólicas existentes no inconsciente coletivo de cada um de nós; como já dito antes, a capacidade de interpretar cada figura simbólica, depende da experiência, da cultura, da consciência crítica, da ideologia de cada espectador.

A linguagem plástica de A Casa do Espíritos, permite explorar os nossos medos inconscientes. Os símbolos ocultos podem não estar só na psicologia dos personagens, mas no próprio estilo narrativo do filme, nos gestos, nas cores, na nossa predisposição, no ambiente.

Clara ainda menina pressente que Esteban será o homem da sua vida, mesmo ele sendo o noivo de Rosa, sua irmã. Na mesma época Clara prevê a morte de Rosa. Traumatizada pelas forças do destino (inconsciente) e atormentada pelo sentimento de culpa se fecha num mundo envolto a fantasias, um mundo onde nem sempre a lógica e a física podiam ser aplicadas. Atormentada por ter desejado o noivo da irmã e por ter “desejado” a sua morte ela mergulha num silêncio por vinte anos.

O mundo no qual Clara vive é o mistério infinito do desconhecido, comparado ao nosso inconsciente. Assim como Clara, o sujeito tem a capacidade de prever situações, ou seja, desvendar os mistérios que o inconsciente guarda, mistérios que por defesa moral, estética e julgadora é ignorado.

A sexualidade humana é algo polimorfo e complexo, resultando de uma estrutura emocional individual, onde fantasias conscientes e inconscientes entram em jogo. Na terminologia freudiana, a luta constante entre o “princípio do prazer” e o “prazer da realidade” se processa bruscamente na personalidade de Ferula. Ela cresceu sem afeto, com pouquíssimo contato com as pessoas, o que a tornou estranha, fria, amarga, sempre escondida atrás de uma “sombra”, ocultando sua verdadeira personalidade. Na personagem de Ferula pode-se identificar os arquétipos “persona e sombra”. Detalhe importante para se entender esse processo; ela sempre se veste de preto, ocultando sua ira, sua revolta, por ter que cuidar da mãe doente (situação qual ela odeia) estando ela condenada a solidão até que a mãe morra (desejo consciente de Ferula). Num desabafo com irmão (Esteban) diz que gostaria de ter nascido homem, para assim, fugir de casa, já que não teria responsabilidades e não ficaria presa à realidade (consciente).

Depois da morte de Rosa, sua noiva, Esteban resolve ir embora para fazer o seu destino. De um lado se identifica pelo exagero, como uma figura ditatorial e agressiva, em contrapartida com a evolução psicológica do personagem no decorrer da tramam nota-se que o próprio se revolta contra essa figura, expressada nos símbolos de autoridade. Esteban compra uma fazenda, o caráter agressivo expressa através de suas ações, impõe com autoritarismo para os camponeses trabalharem para ele em cima de leis que ele mesmo estabelecera na Fazenda. Ele estupra uma camponesa, e não reconhece legalmente o filho que tem com ela. Pela terminologia freudiana, compara-se Esteban ao “ID” – regido pelos impulsos, instintos, preocupado em buscar satisfações imediatas. Já pelas definições de Jung, sob o prisma do arquétipo “Eu”, devido o seu modo de organizar, dar ordem, unificar seus desejos.

Passados vinte anos, Esteban fez da Fazenda Três Marias, uma fazenda rica e produtiva, mesmo explorando os serviços de outrem, se sentia orgulhoso por estar no comando. Sua mãe morre, ele volta. Ferula propõe ser devota ao irmão, cuidando dele. Esteban vê Clara e fica impressionado por sua beleza e passividade e logo pede a mão de Clara em casamento. Após o pedido, Clara volta a falar.

Ferula fica atordoada com a decisão do irmão. Ela sempre teve em Esteban alguém para cultuar, admirar, tendo então um ciúme possessivo do irmão, não aceitando a ideia dele se casar com Clara, por achar ela doente e louca, insinuando ao irmão que ele merece alguém que o ame de verdade. À luz da psicanálise, a motivação profunda de Ferula para com o irmão se relaciona com problemas edipianos (alguns utilizam a denominação “Complexo de Electra”,  a que o próprio Freud prefere o termo “Complexo de Édipo”), ou seja, Ferula se apega ao irmão (figura do pai) por quem sente uma forte atração, de onde surge forte ciúme e hostilidade contra Clara (figura idealizada da mãe), futura mulher de Esteban.

Ferula almoça com Clara – a figura de Clara não é a de uma heroína, mas propõe um modelo extremamente revelador. Clara diz à futura cunhada para não se preocupar que ela irá morar com eles após o casamento, ela a abraça e a beija no rosto – Ferula que nunca foi tocada por ninguém, fica confusa e aliviada quando Clara o faz, por este gesto comunicativo e carinhoso de Clara, aumenta os problemas básicos de Ferula, fazendo-a “sonhar” e construir seus sonhos em sentimentos que produz um profundo impacto ao tocarem as cordas mais sensíveis das profundidades inconscientes da confusa personalidade de sua futura cunhada.

As confusões de Ferula aumenta porque ela se projeta na pessoa de Clara, passando a admirá-la, idealiza-la… vê na cunhada aquilo que gostaria de ser, que gostaria de ter. Nutre, pois, uma paixão doentia por Clara.

Todos esses impulsos provocam fantasias, mas Ferula sofre com o sentimento de culpa, como na cena em que ela confessa com o Padre. Por outro lado, procurando (inconscientemente) livrar-se do terrível “complexo de culpa”, que se torna um verdadeiro perseguidor interno, diante de suas fantasias, torna-se masoquista (compulsão para o sofrimento, que foi erotizado) como na cena em que ela observa as noites de amor entre Esteban e Clara.

O filho bastardo de Esteban, com ódio, retorna à fazenda (personagem secundário, mas de grade importância ao discernimento desse drama), ou seja, o filho bastardo procura ficar sempre por perto, como se fosse os nossos temores, rondando nossa consciência (medos, seriam conteúdos armazenados no nosso inconsciente que insiste em vir a tona, lembrando os nossos erros,  nossas culpas nossas fraquezas). Esteban flagra sua filha Blanca e Pedro (filho do capataz da Fazenda dos Trueba) brincando no rio. Temendo a aproximação entre as crianças ele a coloca num internato.

Não bastasse a sua insegurança em relação à filha, Esteban expulsa Ferula de casa, querendo não ter a irmã entre ele e a esposa.

No seu delírio inconsciente (agressividade) o faz alterar sua percepção da importância que ele dá a sua ideologia, buscando fortalecer a sua personalidade narcisista afim de satisfazer seu Ego ideal.

Blanca (Winona Ryder) termina os estudos e volta para a Fazenda e se (re)aproxima do revolucionário Pedro (Antônio Banderas) tendo com ele um romance.  Pedro (figura de esquerda), utiliza uma linguagem que pode ser um meio de doutrinação, e que por trás dessa linguagem oculta, há uma ideologia política bem definida, despertando em cada espectador (trabalhador) o senso crítico das leis trabalhistas, dos direitos e deveres de cada um. Os seus ideais fomentam a mudança social ou simplesmente quer desenvolver a consciência crítica política dos trabalhadores (figura de opressão).

Pedro enfrenta o autoritarismo de Esteban procurando despertar nos camponeses um idealismo perante seus direitos e deveres.

Nesse clima de revolução, Esteban vê Blanca e Pedro juntos e jura matar o rapaz. Mas, Blanca é segura o bastante para enfrentar o pai em relação ao amor “proibido” com Pedro. Ela sente prazer nesse enfretamento, talvez por achar a figura paterna intransigente e autoritária.

Rebelando-se contra as atitudes do pai, é como se o Ego rígido de Blanca se sobressaísse num conflito constante, conflito esse que amedronta a personalidade.

Voltando à personalidade fria de Esteban, percebe-se simbolicamente que ele representa a figura do geocentrismo – crença de que o homem é o umbigo do universo – Ele perante o seu modo agressor queria ser o centro desse universo (a Faz três Marias, a sua família). No medo de ser ridicularizado, não permite diálogo, pois se admitisse, correria o risco de perder tal posição.

Clara procura estabelecer afinidades entre o sonho e a morte, a culpa e a vida. Na verdade, é o que todo homem busca: um equilíbrio interior perante os medos que amedronta a nossa personalidade. Sua fascinante personalidade não fica só na dimensão do imaginário, mas se aprofunda até os grandes símbolos e chega a uma inquietante meditação filosófica.

Clara vai embora com Blanca, Esteban fica só, atordoado com seus fantasmas interiores. Seu filho bastardo conta o esconderijo de Pedro, Esteban tenta mata-lo, mas Pedro consegue fugir. Blanca está grávida de Pedro. Esteban se candidata a senador, mas é derrotado nas urnas pelo partido de esquerda e socialista, pede desculpas a Clara e pede para conhecer a neta. Diante desses acontecimentos percebe-se a evolução do protagonista.

Pedro revê Blanca e conhece a filha Alba. Clara morre.

Esteban participa da organização do golpe militar que tiraria os militares dos quartéis, porém, no poder, os generais perseguem até Blanca e ela é presa, de modo que Pedro se entregue. Após o golpe militar têm-se sangue, fuga, desgraça, dor, envolvendo todos os membros da família Trueba, bem como todos os cidadãos chilenos.

Nessa fase da trama, Esteban duela consigo mesmo (inconsciente e consciente) para decidir se ajuda Pedro a fugir do país em nome do amor que ele tem pela filha e pela neta. Blanca sofre na prisão, mas o pai consegue livrá-la. Apesar do sofrimento, Blanca e Esteban procuram explicações para as incógnitas do destino (inconsciente), num desejo de voltar as origens para entender o processo dos acontecimentos, retornam à casa (útero).

Esteban morre, Blanca fica só com sua filha Alba pensando no seu passado e na maneira com que sua mãe entendia o verdadeiro sentido da vida.

“Ela sempre falava do amor como um milagre.
Após parar de falar, 
minha mãe viveu num mundo só dela envolta em suas fantasias.
Um mundo onde nem sempre a lógica e a física podiam ser aplicadas,
rodeadas por espíritos do ar, da água e da terra,
tornando desnecessário para ela falar, por vários anos!” 
Blanca Trueba

No final dessa saga dramática, assim como nossas fantasias inconscientes de voltar ao útero, Blanca busca compreender as forças do destino (inconsciente) e busca no regresso um jeito de começar tudo de novo. Ou pelo menos recomeçar…

Tecendo um paralelo com os personagens da trama, dá para perceber e assimilar a tranquilidade serena do mundo de Clara ao nosso inconsciente mergulhado em mistérios… Esteban seria o outro lado, sempre inquieto, intransigente, buscando sempre satisfação aos seus impulsos… Blanca estabelece o equilíbrio, sensata e crítica, capaz de assumir seus erros de maneira lógica, capaz de enfrentar os medos do nosso próprio EU. Ela nunca se deixa abater, esconde sua fragilidade criando barreiras contra nossos próprios temores.

FICHA TÉCNICA DO FILME

A CASA DOS ESPÍRITOS

Título original: The House of the Spirits
Direção e Roteiro: Bille August (a partir do homônimo de Isabel de Allende
Elenco: Jeremy Iron, Meryl Streep, Glenn Close, Winona Ryder, Antonio Banderas;
Países:  DinamarcaAlemanhaPortugalEUA
Ano: 1993
Gênero: Drama, Romance

REFERÊNCIAS:

BAZIN, A. O Cinema – Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.

JUNG, C. G.. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

SILVA FILHO, A.C.P. Cinema, Literatura, Psicanálise. São Paulo: EPU, 1998.

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PRÉ-CAOS 2019: Terapia Sexual é tema de minicurso

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No primeiro semestre de 2019, o Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) trabalhará com o tema “Psicologia e Sexualidade – corpo, conhecimento e liberdade”. Com o intuito de oferecer uma prévia para o público sobre como será o congresso, a coordenação de Psicologia irá realizar um evento PRÉ-CAOS, que ocorrerá no dia 31 de outubro de 2018, no Ceulp/Ulbra, sob o título “SEXUALIDADE, DIVERSIDADE E LIBERDADE: PRÉ-CAOS 2019”.

Na ocasião a sexóloga Glícia Neves da Costa ministrará um mini-curso com o tema Terapia Sexual: a vida com mais prazer. O tema é baseado no livro escrito por ela, que leva o mesmo título do mini-curso.
As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas pelo link. Com a participação no evento, os inscritos receberão certificado de 10 horas.

Confira a programação completa:

Cine Alteridade Especial: filme “A garota dinamarquesa”, das 12h às 14h, sala 220 F;

Minicurso 1: Sexualidade Masculina: saúde e disfunções sexuais, com Dr. Adelmo Aires Negre, das 15h às 17h, sala 221

Minicurso 2: Terapia Sexual: a vida com mais prazer, com Sexóloga Glícia Neves da Costa, das 15h às 17h, sala 223

Minicurso 3: Sexualidade Feminina: saúde e disfunções sexuais, com Dra. Marcia Cristina Terra de Siqueira Peres, das 15h às 17h, sala 227

Teste rápido, com o Núcleo Henfil, das 17h às 19h, nas salas 424 e 425

Sarau, das 17h às 19h, no hall do Núcleo Alteridade

Mesa redonda, das 19h às 22h, no auditório central, com os profissionais:

Dhieine Caminski, psicóloga, especialista em Saúde da Família (UNIVALI) e gerente de Saúde Mental da SEMUS – Palmas

Gleidy Braga, jornalista e bacharela em Direito, especialista em Gestão e Políticas Públicas (FESPSP) e mestranda em Desenvolvimento Regional (UFT)

Pierre Brandão, educador físico (CEULP), fisioterapeuta (FUNEC), mestre em Gerontologia (UCB) e doutor em Educação Física (UCB)

Rafaela Alexandra Vieira, economista, especialista em Gestão Pública, Gestão de Pessoas. Gerenciamento de Projetos e Orçamento de Finanças Públicas e vice-presidente da ATRATO (Associação das Travestis e Transexuais do Estado do Tocantins).

Mini-currículo:
Glicia é sexóloga, escritora, personal e profissional coach, meditadora, terapeuta quântica, terapeuta sexual, barra de acess. Possui qualificação em sexo, história, cultura e saúde, e especialidade em orgasmo feminino e relacionamentos.

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Utilitarismo de Jeremy Bertham: o princípio da felicidade coletiva

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O trabalho desenvolvido a seguir, tem como objetivo discorrer sobre o Utilitarismo como corrente filosófica ética e apresentar alguns princípios que levaram Bentham a criá-la. Será também comparada de forma breve a teoria de Bentham com a de Rawls, analisando em quais aspectos as duas se incidem ou se contrapõe, bem como analisar os prós e contras do utilitarismo, uma vez que ele é baseado na conduta ética e moral do ser humano.

O utilitarismo é uma teoria sobre os fundamentos da conduta moral que nos permite avaliar e julgar as ações que praticamos, ela utiliza como base o princípio da felicidade, mas não a felicidade individual e sim a coletiva. Tendo sido criada pelo jurista, economista e filósofo Jeremy Bentham, que preferiu o estudo do direito ao invés de exercer a profissão de advogado, chefiando um grupo de radicais filósofos que buscavam por reformas políticas e sociais.

Jeremy Bentham por Henry W Pickersgill. Fonte: http://zip.net/bftHjm

Essa teoria foi vista como uma ideia revolucionária, pois pela primeira vez filósofos defendiam que a moralidade não dependia de Deus nem de idéias abstratas, sendo os utilitaristas reformadores sociais, apoiando mudanças como abolição da escravatura, e igualdade entre homens e mulheres. Segundo Bentham, a dor e o prazer nos regem, nos dizendo a direção de nossas ações, dentro de um padrão de certo e errado, determinando suas causas e defeitos, tendo que ser analisado o efeito do ato a ser praticado.

Formada por vertentes fundamentais, entre eles: o princípio do bem estar, que visa o bem estar de forma geral. O princípio do consequencialismo, que defende como certo o ato que maximiza o bem. Contudo, a avaliação deve ser feita de forma imparcial, pois nenhuma felicidade conta mais que a outra, assim dentro de diferentes circunstâncias o ato pode ser moral ou imoral, dependendo exclusivamente de suas consequências. O princípio da agregação, que por sua vez leva em conta a quantidade global de bem estar produzida, sendo válido sacrificar uma minoria a fim de aumentar o bem geral, baseada na ideia de compensação, se o saldo for positivo a ação julgada moralmente boa.

Outros princípios que compõem essa teoria são: o princípio de otimização, imparcialidade e universalismo. Na otimização se exige a maximização do bem estar como um dever. Na imparcialidade e no universalismo, os prazeres e sofrimentos são considerados da mesma importância. A priori, todos têm o mesmo peso, não se privilegia ou prejudica ninguém. O aspecto universalista é uma atribuição de valores do bem estar que não depende das culturas ou particularidades regionais, ele pretende definir uma moral que valha universalmente.

Na visão de Jeremy Bentham, a ética utilitarista baseia-se no princípio da maior felicidade, ou seja, o ato realizado em si depende apenas da sua contribuição para a felicidade geral, contrariando assim o egoísmo ético, e dando início ao hedonismo, que por sua vez visa o prazer como meio correto para atingir o objetivo supremo do homem: a felicidade. Segundo Bentham, cada um dos diferentes prazeres e dores na vida das pessoas tem certo valor que em última análise, é determinado apenas por duas coisas: a sua durabilidade e a sua intensidade, em outras palavras, um prazer é melhor quanto maior for a sua intensidade e duração.

Fonte: http://zip.net/bqtJkG

O utilitarismo de Bentham foi fortemente criticado, pois para alguns filósofos não era prático somar os prazeres ou as experiências dolorosas daquela maneira, e ainda mais por pensarem que a perspectiva dele conduziu ao sensualismo, ou seja, a um modo de vida baseado apenas na procura do prazer. Se analisarmos o princípio da maior felicidade, pode-se verificar que os utilitaristas avaliam as ações atendendo somente as suas consequências e que em qualquer ação o melhor ato é aquele que comparado com os demais, tem resultados mais valiosos.

A grosso modo, o utilitarismo ensina que uma ação é boa quando promove a felicidade do maior número possível de pessoas. Apesar de atualmente o utilitarismo não ser a ética mais utilizada, influenciou e modificou bastante o passado, com doutrinas como o utilitarismo clássico, hedonismo e o utilitarismo de preferências que revolucionaram o pensamento filosófico da época.

Mediante a teoria do utilitarismo é possível comparar duas idéias totalmente contrárias, defendidas por autores de grande influência Bentham e Rawls; suas teorias causam sem nenhuma dúvida uma divisão ideológica na sociedade contemporânea, o que nos induz a questionar ambos os pensamentos. Há uma clara aversão entre a teoria de Bentham e Rawls, pois embora Rawls tivesse como ideia principal a fundamentação de uma sociedade justa, seu pensamento se contrapõe ao de Bentham quando faz defesa ao “principio da diferença”.

Para ele a desigualdade econômica é justa, pois existem pessoas extraordinárias, talentosas e existem pessoas medíocres, com faltas de talento, “seria injusto não permitir a desigualdade entre essas pessoas”, em sua visão deve-se permitir que a distribuição da riqueza e rendimentos, seja determinada pela distribuição natural de capacidade e talento.

Fonte: http://zip.net/brtHmK

A teoria de Bentham se contrapõe totalmente ao pensamento naturalista, utilitarista. Como Bentham pensava em redimir a pobreza através do controle, tinha-se a ideia do protagonismo das classes dominantes. E consequentemente, cabia a essas classes exercer esse protagonismo sem egoísmo. É claramente possível ver que Bentham colocava a felicidade como bem comum, onde todos deveriam possuí-la.

Embora a filosofia tenha aceitado a teoria de Jhon Rawls, uma grande parcela da sociedade se volta com críticas diretamente ligadas ao pensamento defendido por ele. Todas as críticas e exposições referentes ao utilitarismo feitas por Rawls, fizeram com que ele fosse visto como egoísta mediante aos defensores desta. Rawls menciona que “não tem em mente os refinamentos feitos pelos seus defensores contemporâneos”. Portanto, é perceptível que em ambos os pensamentos existem verdades, mesmo que para muitos sejam inaceitáveis, podem sem dúvidas serem discutidas e revistas para que se tenha melhor entendimento e, talvez, a formação de novas ideologias.

Contudo, afirma-se que Jeremy Bentham é considerado o gerador da filosofia utilitarista, que por sua vez pode ser apontada como a preeminente corrente da filosofia moral. Sabe-se que o utilitarismo se encontra dentro de três linhagens de consequencialismo, sendo essas: o egoísmo ético, o altruísmo e o utilitarismo, no entanto sendo as duas primeiras espécies consideradas insustentáveis, a linhagem mais provável em relação ao consequencialismo seria de fato o utilitarismo, que tem como princípio geral a ação moralmente correta, ou seja, aquela cuja consequência seja um bem maior (prazer), ou cause um menor sofrimento (mal) para as pessoas/sociedade, e também ao próprio indivíduo.

O utilitarismo é intitulado consequencialista, pois é a partir da avaliação de cada ação e suas decorrências, que poderá ser refletido se tal procedência é reprovável ou não com base na ética, a partir do preceito de utilidade. Várias objeções foram feitas a teoria e prática do utilitarismo, principalmente em relação ao que exige de forma demasiada que os indivíduos estejam igualmente interessados no bem de todos, sem exceção. Atualmente percebe-se que se tornam cada vez mais escassas pessoas que de fato se interessem pelo bem de todos e, quando se interessam há em maior parte um objetivo específico e individualista por trás.

Fonte: http://zip.net/bqtJkK

Por fim, há de se considerar que essa corrente fornece soluções aceitáveis, uma vez que ainda soluciona parte dos problemas, pois proporciona ao indivíduo poder analisar e julgar suas ações que determinará qual será o tipo de consequência, se boa o má, e por conseguinte afetarão de forma coletiva. No entanto é necessário que haja sempre uma revisão constante com o intuito de verificar e identificar imprecisões neste modelo para assim melhorar sua teoria e prática, revisando constantemente sua dimensão, com a finalidade de analisar sua veracidade ante conflitos que atualmente são cada vez mais densos e complexos.

REFERÊNCIAS:

COSTA, Cláudio. Razões para o utilitarismo: uma avaliação comparativa de pontos de vista éticos. ethic@ – An international Journal for Moral Philosophy, Florianópolis, v. 1, n. 2, p. 155-174, jan. 2002. ISSN 1677-2954. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/article/view/14591>. Acesso em: 08 mar. 2017.

GERALDO, Pedro Heitor Barros. O utilitarismo e suas críticas: uma breve revisão. Anais do XV, 2008.

CAILLÉ, Alain. O princípio de Razão, e o utilitarismo antiutilitarismo. Estado. [Online]. 2001, vol.16, n.1-2, pp.26-56. ISSN 0102-6992. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69922001000100003>.

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Trabalho como ideologia: necessidade, prazer ou escravidão?

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O termo trabalho e sua significação modificou-se ao longo do processo histórico, essa evolução é reflexo de como o sujeito apreende e reproduz as formas de trabalho no seu cotidiano. O texto apresenta uma discussão sobre o impacto desta tarefa na sociedade, e como os processos políticos, ideológicos, religiosos convergem nessa ação evolutiva, e ainda como o indivíduo fomentou a alteração do conteúdo inerente ao labor e como esta ação humana propiciou o desequilíbrio emocional o que possibilitou a busca de autoafirmação, acarretando assim sofrimento ao sujeito.

Fonte: https://curseduca.com/blog/wp-content/uploads/2014/02/profiss%C3%B5es.jpg

Ao colocar o vocábulo trabalho em destaque, Suzana Albornoz (1998) no seu livro “O que é trabalho” salienta que o mesmo cotidianamente pode ser utilizado e compreendido de forma divergente, visto que, este termo possui muitos significados quanto ao seu conteúdo. Em quase todas as línguas oriundas da cultura europeia essa palavra apresenta mais de um conceito ou pode ainda ter duas palavras com a mesma significação, a exemplo observa-se o termo trabalho e labor que na língua portuguesa refere-se a “realizar uma obra que te expresse, que dê reconhecimento social e seja repetitivo, sem liberdade, de resultado consumível e incômodo inevitável” (p. 9).

A expressão trabalho segundo Albornoz (1998) supõe esforçar-se, no entanto, para alguns, esse esforço será exclusivamente físico enquanto para outros será preponderantemente intelectual, mas um necessita do outro para alcançar a realização do produto final. Clot (2007) em sua obra “A função psicológica do trabalho”, evidencia que este é o precursor de vivencias dolorosas ao indivíduo, porém, esta tarefa o aproxima da realidade, portanto, esta ação humana é o cerne da sociedade atual.

Nesse contexto compreende-se que, culturalmente existe uma discrepância desse conceito e conteúdo, visto que, é mutável de acordo com a época histórica e como a sociedade introjeta essa pratica. É através do trabalho que o homem promove as relações com o outro, com o mundo, estabelecendo-se como um ser social, a cristalização e divisão do trabalho surge de forma inerente ao desenvolvimento de socialização, para tanto, o impacto social se manifesta através de como o sujeito se relaciona com o trabalho e do sentido que a pessoa emprega para o mesmo (CANOPF, 2014).

A análise salienta um contexto histórico sobre trabalho, este, surgiu a partir da agricultura como forma de subsistência, o qual era “regido por um sistema de deveres religiosos e familiares” (ALBORNOZ, 1998, p. 16).  Com a ideia de propriedade privada irrompeu o produto excedente gerando a existência de uma classe ociosa, esta reivindicou a posse e iniciou as trocas de produtos, que se tornaram desiguais, pois o sujeito com maior território sobrepujava o excedente do vizinho. A evolução da propriedade e separação do trabalho resultou da prática da guerra, esta que ampliou a força de trabalho ao conquistar novas propriedades e capturar escravos.

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Com o desenvolvimento do trabalho artesanal concomitantemente intensifica-se o comércio, propiciando o surgimento da moeda. A evolução do comércio oportunizou o nascimento a burguesia, “uma comunidade de habitantes de cidades que auferia uma renda das atividades comerciais”, estes comerciantes bem-sucedidos começaram a empregar trabalhadores, possibilitando a criação de uma hierarquia econômica. Sobre o advento da Revolução Industrial, a autora aponta que a mesma ocorreu em três estágios de desenvolvimento da tecnologia: Revolução tecnológica do século XVIII (máquina a vapor), Eletricidade no século XIX e a Automação, a partir do século XX com a invenção do computador. Tal progresso cientifico, fruto do trabalho humano que prometia a ociosidade das massas, veio para as minorias, tornando-se paradoxal, pois o avanço da ciência proporcionou melhorias para a Indústria, mas, não garantiu melhorias para o trabalho humano, distanciando-os da sua felicidade.

Guatarri (2001) no livro “As três ecologias” ao conjeturar sobre este paradoxo corrobora com Albornoz (1998), pois salienta que a ciência desenvolveu meios técnicos-científicos capaz de resolver os problemas ecológicos dominantes, com a justificativa de melhoria de vida para a população, no entanto, não é utilizada pelas forças subjetivas de forma funcional, para resolver, por exemplo, a miséria humana, visto que, a ciência está a serviço dos dispositivos de controle social. Tal fato, também é reforçado pela autora quando se refere ao processo de colonização exploratório da América Latina, mesmo após o desenvolvimento industrial, a modernidade acarretou ainda mais injustiça social e a exclusão.

O processo de alienação do trabalho está intrínseco a modernidade, ao processo de produção, Suzana (1998) evidencia que o trabalho é alienado do trabalhador, pois este vende seu tempo e sua capacidade a outro, ou seja, não possui, tão pouco detém os meios de produção, não conhecendo o produto final do seu trabalho, vende-se até mesmo a sua personalidade como sendo sua marca. Além disso, o processo de especialização, não torna o trabalho mais bem elaborado, pelo contrário, fragmenta-o ao ponto de perder a técnica.

Com a contemporaneidade o trabalho e a sua ideologia são instrumentos que estão submissos ao poder político, os meios midiáticos criam o desejo de consumo, o homem é então produto do mercado e os que não acompanham essas mudanças são excluídos. Sawaia (2001) ao falar sobre inclusão perversa, a qual refere-se que o sujeito está incluído no sistema mesmo que desigualmente, salienta sobre a colonização do imaginário, esta que é uma sociedade da imitação, ou seja, a mídia ao criar o desejo de consumo, direciona os que estão à margem a imitar os ricos, mas a ascensão social dos mesmos é bloqueada, estes são “não cidadãos”, uma vez que, são desnecessários ao processo produtivo.

Na sociedade contemporânea o trabalho foi desvinculado do lazer, este é uma compensação de horas extenuantes de trabalho, é um paliativo para que o trabalhador não se queixe e continue a render lucros, remetendo tal prática ao pão e circo utilizado pelos romanos, sendo portando uma forma de alienação dos corpos.

O livro apresenta um paralelo a respeito da visão das religiões sobre o trabalho, a maioria acreditava que o trabalho era uma punição divina, no entanto, após a reforma protestante esse olhar se modifica, o trabalho tem origem na vontade divina. O capitalismo aliena o indivíduo a utilizar a ideologia do protestantismo que o trabalho dignifica o homem, é uma vocação, enquanto opera no jeito de ser e de viver da sociedade, afinal o sujeito trabalha necessariamente para o consumo e não para produzir algo que o dignifique, que o represente, que fomente sua criatividade. Huxley (2014) ressalta que, a forma verdadeiramente de alienação é quando o sujeito ama a “servidão”, aceita o pouco tempo de lazer por horas cada vez mais excessivas de trabalho.

Na atualidade o indivíduo reproduz a lógica vigente sobre trabalho de forma automática, sem refletir tal comportamento, passa a ser um dispositivo de disciplina em prol do capitalismo e o modo de produção, no qual os corpos sociais precisam ser “economicamente úteis e politicamente dóceis” (FOUCAULT, 2004). Assim o trabalho, segundo Marcuse (apud ALBORNOZ, 1986, p. 75) “não seria apenas alienado no mundo de hoje, mas alienante”. A servidão ao trabalho sem sentido serve para castrar os indivíduos como seres políticos e pensantes. A autora finaliza propondo uma reflexão sobre o que aconteceria com o fim do trabalho, se seria possível às sociedades futuras sobreviver sem o mesmo e de forma igualitária, e ainda, se o trabalho poderia ser aliado à felicidade.

Fonte:http://www.upf.br/comarte/wp-content/uploads/2014/05/Imagem_APOIO_02.jpg

Huxley (2014) no seu livro “Admirável mundo novo” retrata uma sociedade utópica que por meio do condicionamento hipnopédico e da “soma” é capaz de criar uma sociedade onde a felicidade é palpável, no entanto, o trabalho se faz presente nesse contexto divido entre as castas, e desde fetos os sujeitos são alienados e dirigidos a desempenhar determinada função, não refletindo sobre o porquê. “O autor concebe o homem como produto do meio, cuja individualidade é manipulada nas relações sociais, notadamente, por intermédio do controle cientifico organizacional” (GRECHI et al, 2012).

A crítica atrelado a reflexão proporciona observar que, trabalho ao longo do tempo distanciou-se da felicidade, sendo hoje uma ferramenta, um meio para se alcançar status social e capital, no entanto, poucos alcançam esse objetivo, gerando uma sociedade cada vez mais dependente do trabalho, ou seja, infeliz. Esse desequilíbrio propiciado por esta prática e busca desenfreada é resultado do capitalismo e do consumismo acrítico, para que se opere uma mudança de cultura é necessário repensar e formular novas ações e conceitos, o sujeito deve resgatar no trabalho o prazer em desempenhar esta função, e mesmo que seja uma necessidade, essa ação humana não deve escraviza-lo, tão pouco gerar sofrimento, mas sim, ser fonte de felicidade. O homem só alcançará esse resultado quando compreender o que lhe impulsiona ao sofrimento, e então conseguir meios de atenuar o controle social que é sobre ele exercido, por meio do contra controle, ou seja, reprimido o falso desejo do “ter” e promovendo o “ser”, esta tarefa reflete em um equilíbrio ideal.

 

REFERÊNCIAS

ALBORNOZ, S. O que é trabalho. 3ª reimpressão, 1998.

CANOPF L. A função psicológica do trabalho. In: II CONGRESSO BRASILEIRO DE ESTUDOS ORGANIZACIONAIS, Uberlândia, 19 a 21 de novembro de 2014. Disponível em: < http://iicbeo.com.br/anais/1123GT1.pdf >. Acesso em: 10 de agosto de 2015.

CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. Petrópolis, RJ. Vozes, 2007.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro, Petrópolis, Vozes, 2004.

GRECHI et al. O admirável mundo novo e a educação; entre ficção e a realidade. In: IX ANPED SUL, 2012. Disponível em: http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2012/Educacao_Comunicacao_e_Tecnologias/Trabalho/06_16_54_1549-7541-1-PB.pdf. Acesso em: 10 de agosto de 2015.

GUATTARI, F. As três ecologias. 12ª Ed. 2001.

Huxley, A. Admirável mundo novo. Editora Azul. 22ª Ed, 2014.

SAWAIA, B. As artimanhas da exclusão. 2ª Ed, 2001.

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A todo instante um novo prazer

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Hoje passei em uma livraria e comprei um livro sem folhear antes, apenas pela capa. Não me arrependi, pois trata-se de “CARPE DIEM” de Rubem Alves. O autor eu já conhecia de outrora e a expressão do título  também é uma velha conhecida que há algum tempo utilizo em meu perfil de whatssap. Já em casa, li na contracapa uma  citação do próprio autor: “A sabedoria do tempo se resume em duas frases. A primeira está dita na curta expressão latina: tempus fugit, o tempo foge, tudo é efêmero.  A segunda,  também curta, aconselha: carpe diem,  colha o dia. Colha o dia como se fosse um fruto maduro.” Quanta coincidência, no meu perfil do whatssap está escrito “Tempus fugit, carpe diem“. Bebemos da mesma água Sr. Alves?

Mas, o que mais me chamou atenção na contracapa foi a primeira frase do editor: “Este livro pode ser utilizado como caderno de anotações, agenda ou diário.” Abri o livro e logo notei: ele tem um formato de agenda anual, com linhas em branco, datado dia a dia, todos os dias do ano. Sem sombras de dúvidas, trata-se de uma agenda de um ano bissexto. E, em cada dia, o autor escreveu uma mensagem em forma de aforismos. Ele preencheu uma parte do dia da pessoa que vai ler. Porém, em algumas datas existem linhas sobrando como se fosse para o leitor completar o dia. E, em outras está tudo preenchido como se o dia de quem lê fosse apenas aquela mensagem.Quanta ousadia Sr. Alves: como pode o dia estar pronto? Já ter sido colhido.

Lascou! Ferrou! Como leio este livro? Se ele tem formato de diário,  ele pode ser começado por qualquer página, assim como o “livro de areia” de Jorge Luis Borges. Só de sacanagem comecei pelo dia do meu aniversário (julho/18). Nele uma citação de meu conterrâneo de coração diz assim: “‘As coisas que não existem são mais bonitas’ (Manoel de Barros).

A alma se alimenta de coisas que não existem. Coisas que não existem alimentam a beleza e a esperança.” E foram colocadas 12 linhas abaixo para o leitor completar como quiser. No dia 18 de julho do ano que vem talvez pensarei em como preenche-lo.

Hoje é 23 de agosto: “O educador é um mestre do Kama Sutra, manual de sabedoria erótica. São os prazeres e as alegrias que nos dão razões para viver. Brecht, sofrido, disse que o único objetivo da ciência era aliviar a miséria humana. Mas isso não basta.  Não basta aliviar a miséria. É necessário produzir a exuberância dos prazeres.” Sobraram sete linhas para eu completar o restante do meu dia. Então, vamos lá.

Como começar algo depois de uma afirmação como esta sobre o educador? Está de sacanagem Sr. Alves? Como eu mando meus filhos para a escola depois desta?

Mudando de assunto, …, apesar de sugestiva a sabedoria erótica, talvez este não seja o melhor momento para falarmos sobre.

Falar de ciência agora? Sério mesmo? Não tenho autoridade. Mas, e sobre a necessidade da produção da exuberância dos prazeres? Posso e ouso discordar: esta é apenas a função comercial da ciência. A ciência assim como o tempo que foge e a colheita que deve ser feita a cada instante tem um fim em si mesmo. Gera exuberante prazer em quem a produz e em quem a compra. Mas, o seu fim não é dado, deve apenas ser colhido – assim como Newton depois de colher a maçã debaixo da árvore concebeu a teria da gravitação universal; assim como folhear este livro do Rubem Alves me deu vontade de escrever.

Não farei ciência, talvez eu faça ou rearranje aforismos para serem colhidos maduros:

São os prazeres e as alegrias que nos dão razões para viver. Ambiguamente, o inverso também é verdadeiro: são as dores e as tristezas que nos dão razões para viver. Estes últimos nos catapultam para evoluir e produzir a exuberância dos prazeres. Tempus fugit, carpe diem! ‘Há’ todo instante um novo prazer.

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Labirinto de Sensações: você não imagina, sente

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Coelhinho e coelhinha me convidam para o labirinto das sensações1.  A entrada do espaço é permeada de preservativos de todos os tipos, tamanhos, cores e sabores 2.

Foto: Divulgação

Ao entrar, me deparei com uma morena, alta, sexualmente maquiada e fantasiada de policial. Me vendou e solicitou, gentilmente, para pegar no que ela dispunha na mão: não sei o que era mas era espinhento, como se fossem feridas em algo roliço. Após, pediu para apontar o dedo indicador ao chão e lá foi mais uma sensação de estranhamento, uma gosma estranha com pequenos resquícios de algo ruim. Aí veio a explicação: órgãos sexuais com doenças sexualmente transmissíveis. “Assim que são órgãos com DSTs. Portanto, se há corrimento, cheiro forte, bolhas e feridas, procure o médico e faça o acompanhamento completo”. (isso em voz sexy)

Próxima: cowboy com discurso nada romântico chama para uma rapidinha: fomos até um painel com fotos de 5 mulheres e 5 homens (todos esculturalmente sedutores). Me pergunta “com qual deles você transaria a noite inteira?”. Escolho alguém e recebo a notícia de que, na situação proposta, o sexo de madrugada foi sem camisinha e, abaixo da foto, a nota: negativa. “Sorte a sua de ele não ter HIV hein? Mas essa sorte pode não te acompanhar a vida inteira. Então, independente da parceria, use sempre a camisinha”.

Andando mais um pouco, um casal com pequenas roupas me venda e fala ao ouvido para unir dois dedos da mão direita e aproveitar a sensação. Em meio a gemidos e vozes sexualizadas, me colocam um preservativo masculino nos dedos e pressionam, assopram e chupam. “Está sentindo? Mesmo com camisinha, a sensação é boa, não é? Dá pra usar o preservativo e sentir prazer. Não tem desculpa: previna-se”.

Cheguei em outra parte do labirinto e a moça fantasiada de enfermeira (ok, todos já entenderam que todos são sexy, certo?) pediu pra eu fazer biquinho e beber o líquido no copo. Bebi. “Ops, você bebeu líquido sexual”. Obviamente não era mas a intenção valeu. O susto foi grande. E me explicou líquidos que transmitem DSTs, os que não transmitem e de quais formas isso acontece. Muito instrutivo sentir na pele.

E finalmente, o último casal me abordou e pediu pra sentar na poltrona. Perguntaram se já havia chupado hoje e me vendaram. Pediram para abrir a boca e pôr a língua pra fora. E eis que o pirulito surge. De tutti-frutti. Tiraram a venda e me informam: “você pode chupar porque é gostoso mas sempre com camisinha. As DSTs são transmitidas pelo sexo oral então cuide todo tempo”.

Foto: Divulgação

Acabou e saí. Fui embora com o pirulito na boca e sensação de… ah, enfim! Você devia ter sentido.

 

Nota:

1 desenvolvido pela Cia Paulista de Artes, de Jundiaí/SP.

2 Espaço montado na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica – Saúde da Família.

 

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Um breve ensaio sobre o Inconsciente

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“Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim.
O que eu descobri foi o método científico que nos permite estudar o inconsciente.”

(Sigmund Freud)

Arte: Salvador Dali

Parece-me propício, no mês que se comemora o aniversário de Sigmund Freud (1856-1939), relatar minhas primeiras impressões de um de seus conceitos mais importantes: o inconsciente, sem o qual, não se poderia sustentar a psicanálise nem grande parte das teorias em psicologia. Pelo menos, se considerarmos aqueles que acreditam na sua existência.

No contexto sociocultural, histórico e político atual, percebo uma série de eventos em pauta que, mesmo parecendo novos, se repete continuamente. Sem me estender, basta citar o intento de um grupo partidário que busca no senado federal resgatar e legitimar o caráter “patológico” da homoafetividade. Os embates em torno do tema são polêmicos, extensos, em parte vexatórios, cada parte busca na ciência, na legislação, na política e na religião argumentos para sustentar sua posição, seja ela contrária ou a favor.

Bem mais do que apontar quem está certo ou errado, meu objetivo principal é o de ilustrar que, em ambas as partes, não há como negar as motivações inconscientes que guiam suas práticas e discursos. Entendo que, nas duas frentes, o material pode ter um cunho narcisista e, talvez, não pretenda mostrar nada além da defesa e satisfação de desejos próprios e, portanto, egoístas.

Mas que atire a primeira pedra quem nunca agiu em prol da defesa de necessidades particulares. Logo, não há como não opinar sem defender uma bandeira. É sim, um conflito de egos e vontades: cada um defendendo o que acredita ser direito seu.

E o que querem os homens de fato?

[…] querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. (Freud, 1930/1929, p. 48).

Como nem tudo no mundo obedece à lógica do princípio do prazer, nós passamos a viver em busca de evitar situações/formas de desprazer. Esse intento constante e permanente para a satisfação de nossas pulsões contra as frustrações de tê-las barradas pelo mundo externo, que as torna irrealizáveis, criando um ciclo vicioso. Numa rápida análise, é deste modo que instala-se a neurose e/ou a psicose, como meio(s) de regular e/ou manter esse processo.

Na terceira parte de O Mal-Estar na Civilização é que se tem uma melhor ilustração de como o ser humano, frustrado com sua cultura, principalmente pelo insucesso dos vínculos sociais, gera a hostilidade. Para Freud (1930 [1929]), os vínculos tem sua base na limitação dos sujeitos e no modo em que eles se impõem de maneira recíproca, logo, a liberdade individual – vista como a busca pela satisfação (pulsão) – se contrapõe à coletividade, gerando o conflito. Frente a essa situação, as pulsões podem ser consumidas e/ou sublimadas. Este é, segundo o autor, a base da cultura e também da hostilidade, contra a qual todas as culturas são obrigadas a lutar. (Ramos, 2003, p. 233).

É misto de conhecimento. O inconsciente é um depósito inacessível de material conciso e conteúdo ambivalente que não obedecem às leis da física, onde as formas psíquicas são um tanto bifurcadas e tendem “de um lado à evolução, e de outro à conservação.” (Ramos, 2003, p. 228). É bem possível, tendo em vista a coletividade do inconsciente descrito por Jung, que as motivações por trás dos embates entre as questões atuais citadas no início deste texto, que permeiam nossa conjuntura social, econômica, cultural e política, tenham sua origem em momentos tão antigos da história de nossa espécie quanto ela própria.

A edição de fevereiro de 2013 da Revista Superinteressante traz como capa uma matéria intitulada “O mundo secreto do inconsciente”. A matéria fala do intento de cientistas em provarem as bases biológicas do inconsciente. Muitos deles acreditam já conseguirem comprovar sua legitimidade por meio de experimentos. Um deles é o experimento que permitiu comprovar a habilidade de deficientes visuais em identificar rostos amigáveis ou inimigos por meio de fotografias. Chamada de “blindsights”, ou visão cega, essa capacidade seria apenas uma pequena demonstração do poder do inconsciente, segundo neurocientistas.

Nessa matéria, o inconsciente aparece como um amplificador de nossas emoções, onde, as interpretações inconscientes negativas de determinados eventos parece ter forte influência sobre o homem, sendo a fonte de suas aflições. Contudo, um dado novo é a possibilidade de controle do inconsciente.  Por meio da repetição, habilidades como aprender um novo idioma, tornar-se bom em um determinado esporte, jogar videogame, dirigir, podem ser ensinadas ao inconsciente, de modo a se tornar um hábito natural. Com o passar do tempo, é possível executar tais atividades de forma inconsciente, sem perceber que as está executando.

Quem quer que negue o inconsciente
está, de fato, admitindo que hoje em dia
temos um conhecimento total da psiquê.

(Carl Gustav Jung in O Homem e Seus Símbolos)

Mais presente e atual do que se parece o – temido por muitos – inconsciente é um território desconhecido, regidos por leis e princípios próprios, carregado de conteúdos reprimidos, inacessíveis, estáticos e atemporais. Seu funcionamento é energético e constitui o núcleo ativo da personalidade do sujeito.

Hoje, um século e meio após Freud, mesmo com as mudanças na concepção psicanalítica e contribuições de diversos outros autores, ainda há muito que se desbravar sobre o terreno do inconsciente, seus segredos e potencialidades. Mas uma coisa é certa, por trás de nossos propósitos, há sempre motivações ocultas, inconscientes, inegáveis, que dizem muito mais de nós mesmo do que se pode imaginar.

Referências:

Ramos, Gustavo Adolfo. Angústia e Sociedade na obra de Sigmund Freud. Campinas, SP: Editora UNICAMP, 2003.

(1930 [1929]). O Mal-Estar na Civilização in Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

Revista Superinteressante. ed. 315. Editora Abril, fev. 2013.

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