A minissérie “Colin em Preto e Branco” ofertada pela Netflix no ano de 2021 conta com seis episódios de duração aproximada a 40 minutos. A obra retrata a fase difícil no qual um adolescente afroamericano perpassa pela escolha profissional. Mas acima disso, apresenta a realidade desafiadora deste jovem que convive com pais adotivos brancos e tradicionais na comunidade americana.
O jovem protagonista só começa a perceber a diferença gritante de tratamento entre ele e seus amigos brancos na adolescência e quando começa a expandir seu repertório social. O seu sonho é de se tornar jogador profissional de futebol americano, e quando se aloja em vários hotéis para competir campeonatos e pleitear uma vaga na universidade por meio do esporte, passa por situações constrangedoras de racismo.
Fonte: Divulgação/ Netflix
A série representa muito bem o conceito de microagressões, criado por um psiquiatra afroamericano. Este termo representa as sutilezas de uma ação violenta que camufla o preconceito e acaba por reforçar estereótipos, marginalizando classes que socialmente já se encontram excluídas, como negros, mulheres, e a comunidade LGBT. Em várias ocasiões o protagonista experiência a diferença de tratamento, o que o deixa confuso, pois a princípio ele não sabe o porquê de o tratarem diferente.
Seus pais, norte americanos brancos e também muito racistas, concordam que ele deve se comportar como um negro dócil e não se revoltar com a diferença de tratamento. O jovem, em vários momentos, implode sua energia no esporte que ele mais almeja, o futebol. Fica muito evidente que Colin não possui referências negras ao seu redor, e quando tenta ter alguma, é convencido a consumir cultura branca, e a negra referenciada como algo negativo. Isso evidentemente dificulta a formação da sua identidade e ao mesmo tempo da sua consciência racial.
Fonte: Divulgação/ Netflix
A obra explora os vários estereótipos que a população negra vivencia, como o preterimento da mulher negra, na qual é reforçado pelos seus pais e amigos da escola, a violência, coerção e covardia da polícia sobre a população negra e os homens negros principalmente e o preconceito do preto sendo referência de ruim, ladrão e feio. Vários temas são abordados em volta do racismo, e percebe-se que o sentimento de revolta é desenvolvido no telespectador, e caso ele seja branco, de culpa também.
Fonte: Divulgação/ Netflix
A minissérie tem um desfecho agradável, mas sabe-se que na trajetória do personagem, inspirado em um jogador real chamado Colin, ainda não é o fim, mesmo conquistando aquilo que queria. A grande diferença é que o protagonista não é mais ingênuo ou inocente sobre a gritante distinção de tratamento entre pessoas brancas além da coerção violenta quando tenta manifestar suas raízes afro-americanas, como o uso de tranças no cabelo. Agora muito mais maduro sobre sua consciência racial, cultural e de classe, manifestou sua postura ativista, discriminando o racismo institucionalizado não só no esporte, mas em todas as áreas da vida de uma pessoa negra.
Melhor Filme, Melhor Ator (com Viggo Mortensen), Melhor Ator Coadjuvante (Mahershala Ali), Melhor Roteiro Original e Melhor Montagem.
Don Shirley (interpretado por Mahershala Ali) é um pianista negro brilhante que deseja fazer uma tour no sul dos Estados Unidos, uma região marcada pelo atraso, pelo preconceito e pela violência racial. Para acompanhá-lo durante esses dois meses de shows ele resolve ir a procura de um motorista/assistente.
Tony Vallelonga (vivido por Viggo Mortensen) – também conhecido como Tony Lip – é um malandro de origem italiana que trabalha na noite em Nova Iorque. A boate onde atuava, chamada Copacabana, precisa ser fechada e Tony se vê sem trabalho durante alguns poucos meses.
Responsável pelo sustento da família, Tony, que era casado com Dolores e tinha dois filhos pequenos, começa a procurar emprego para subsistir durante os meses em que a boate estava fechada.
Fonte: https://goo.gl/opdKij
O início da viagem
Um belo dia, Tony recebe um telefonema de um conhecido anunciando que um médico estava a procura de um motorista. Sem saber bem o que lhe espera, Tony vai para a entrevista. Chegando ao lugar, sente-se perdido porque o endereço lhe leva a um teatro.
Quando conhece Don Shirley, na entrevista, Tony se surpreende ao saber que o tal doutor é na verdade um doutor na arte do piano. E é negro. Uma questão especialmente delicada para Tony que, apesar de negar, era preconceituoso assim como uma grande parcela da sociedade em que estava inserido.
Muito conceituado entre o público, Shirley costumava ser chamado de doutor como sinal de admiração. Depois de algumas discordâncias, Tony, que desejava ser apenas motorista e não assistente pessoal, acha melhor não trabalhar com Shirley, especialmente tendo em conta a remuneração proposta.
No dia a seguir, recebe um telefonema inesperado do famoso pianista, que desejava pedir a autorização de Dolores, mulher de Tony, para contratá-lo, cumprindo as exigências que o marido dela havia feito. O acordo é fechado e os dois embarcam rumo aos shows no Sul do país.
Vale lembrar que o contexto norte-americano, na realidade dos anos sessenta, que é a época em que o filme se passa, havia extremo preconceito racial no país. Ao longo do percurso vemos alguns casos explícitos de segregação. Durante uma das apresentações, por exemplo, o pianista é impedido de usar o banheiro do espaço, destinado apenas para brancos. Em outra ocasião Shirley é proibido de jantar no mesmo restaurante em que seu público estava. Ao longo da turnê, o músico também não pode se hospedar em uma série de hotéis reservados só para brancos.
Tony aos poucos vai criando afeto pelo peculiar pianista e se irrita com as regras antiquadas e racistas da região. Os dois vão gradativamente criando um laço de afeto e crescendo pessoalmente com a experiência de lidarem um com outro, com personalidades tão distintas.
Personagens principais
Tony Vallelonga (Viggo Mortensen)
Fonte: https://goo.gl/2KKCFb
De origem italiana, Tony Vallelonga, também conhecido como Lip, é casado com Dolores e tem dois filhos. Ele trabalha como uma espécie de segurança numa boate em Nova Iorque e se vê em apuros financeiros quando o clube noturno decide fechar as portas por dois meses.
Durante esse período, o valentão precisa encontrar um trabalho provisório para pagar as contas da casa e acaba sendo contratado por Don Shirley para atuar como motorista.
Ao longo do seu percurso pelo sul dos Estados Unidos ele passa a sentir na pele o racismo vivenciado pelo pianista afro-descendente. A viagem serve de alerta para ele, que era um cidadão americano branco comum, nascido e criado no Bronx, que não tinha que lidar com qualquer dificuldade devido a cor da sua pele.
Don Shirley (Mahershala Ali)
Fonte: https://goo.gl/LdHsTj
Extremamente solitário, o pianista, que é um virtuoso, não tem amigos e nem família. Ele menciona rapidamente um irmão, com quem não tem contato há muito tempo. Em uma conversa com Tony também deixa escapar que já havia sido casado, mas que o casamento foi por água abaixo devido aos compromissos da carreira.
Correto e honesto, Tony muitas vezes se irrita com algumas atitudes do motorista, que tem uma noção de certo/errado mais fluida.
Rude, muitas vezes antipático e arrogante, Shirley vai se deixando cativar por Tony e os dois vão criando com o tempo uma convivência harmoniosa que se transforma numa amizade plena.
Don representa os negros norte-americanos que sofriam uma série de limitações e humilhações cotidianas devido única e exclusivamente a cor da pele.
Dolores (Linda Cardellini)
Fonte: https://goo.gl/fjyU7a
A mulher de Tony é compreensiva com o marido, embora seja extremamente preocupada com o destino da família. Responsável, ela é dona de casa, cuida do lar, dos filhos e da gestão do orçamento doméstico. Quando a boate Copacabana fecha as portas provisoriamente, Dolores se desespera sem saber como fará para pagar as contas.
Doce, amorosa e gentil, a personagem interpretada por Linda Cardellini é uma típica mulher norte-americana dos anos sessenta: voltada para a família, responsável pela criação dos filhos e pela manutenção da rotina do lar.
Análise do filme Green Book
Baseado em fatos reais
No ano de 1962, o famoso pianista negro Don Shirley resolveu fazer uma turnê pelo sul dos Estados Unidos.
A viagem aconteceu gerenciada pela Columbia Artists, empresa que administrava a carreira do artista, e durou cerca de um ano e meio (o filme na verdade condensa a história, como se a turnê tivesse durado dois meses). Durante o trajeto, o pianista tocou apenas para um público composto por brancos.
Para acompanhá-lo nesse ambiente sulista não muito hospitaleiro, Shirley sentiu que precisava de um motorista, mas também um assistente pessoal e uma espécie de guarda-costas.
Vale lembrar que a preocupação com a segurança não era desmedida, apenas alguns anos antes (em 12 de abril de 1956), o também músico negro Nat King Cole foi atacado no palco enquanto se apresentava para uma audiência branca no Alabama.
O verdadeiro pianista Don Shirley
O Don Shirley da vida real nasceu na Flórida, no dia 29 de janeiro de 1927, filho de pais imigrantes jamaicanos. O pai do pianista era um pastor e a mãe era professora. Shirley ficou órfão de mãe quando tinha apenas nove anos de idade.
Profundamente ligado à música, o menino começou a tocar quando tinha apenas dois anos e se apresentou profissionalmente aos dezoito.
Como o filme menciona rapidamente, Shirley gostaria de ter seguido a carreira de pianista clássico, mas acabou por enveredar no jazz porque ouviu conselhos de produtores que afirmaram que o público norte-americano não aceitaria um negro tocando canções clássicas.
Alguns hábitos e a residência do pianista, que aparece no longa, também são compatíveis com a realidade. Don Shirley viveu num suntuoso apartamento no Carnegie Hall durante cerca de cinquenta anos.
Verdadeiro pianista Don Shirley e Mahershala Ali, que interpreta seu papel no longa metragem. Fonte: HistoryvsHollywood.com, CTF Media
A procura do pianista por essa pessoa que o acompanhasse resultou na descoberta do segurança de boate Tony Vallelonga, que trabalhava em um clube noturno chamado Copacabana.
Com o fechamento provisório do espaço, Tony, então sem emprego e com obrigação de sustentar a família, foi a procura de trabalhos esporádicos.
O encontro com Tony
Criado no Bronx, no seio de uma família ítalo-americana, Tony era o provedor de um lar composto pela mulher e por dois filhos.
Embora no filme o personagem não se assuma declaradamente como preconceituoso, a mulher, Dolores, deixa transparecer esse defeito do marido, que é compatível com a história real.
Apenas em uma breve cena vemos um pouco do preconceito anterior de Tony. Quando dois negros estavam na sua casa, ao retirar a louça da mesa, Tony, ao chegar na cozinha, joga no lixo os dois copos que os negros usaram. Outra ocasião em que o preconceito aparece surge quando Tony rotula o pianista, usando uma série de estereótipos para caracterizar os negros.
Tony Vallelonga da vida real e o ator Viggo Mortensen, que interpreta seu papel no filme. Fonte: HistoryvsHollywood.com, CTF Media
A história contada pelo filho de Tony
Green Book tem como um dos roteiristas o filho de Tony, que incluiu uma série de dados reais no longa. As cartas de amor direcionada à Dolores foram efetivamente escritas pelo pai de Nick com a ajuda do pianista.
A história bebeu muito do real porque o filho, desde os anos 1980, estava interessado em fazer um filme sobre a amizade improvável do pai com Don Shirley. Ele havia gravado uma série de entrevistas detalhadas sobre o que os dois viveram na turnê.
Nick Vallelonga ajudou a contar, em Green Book, a história do pai, Tony. Fonte: HistoryvsHollywood.com, CTF Media
O destino de Tony e Don Shirley
Quando a viagem acaba e os dois regressam para casa, segundo o filme Tony volta à trabalhar no Copacabana, mas ele e o pianista seguem sendo grandes amigos até o final da vida. Os dois curiosamente falecem em datas muito próximas: Tony morre em 4 de janeiro de 2013 e Don em 6 de abril de 2013.
Na vida real, no entanto, parte da família do pianista – que aliás se opôs à criação do filme Green Book – garantiu em uma série de entrevistas que Don Shirley e o pianista não ficaram amigos até à morte.
Fonte: https://goo.gl/d1NBGk
Duas versões pairam sobre a lenda da amizade de Tony e Don Shirley: o longa metragem garante que os dois ficaram grandes amigos até o final da vida, já a família do pianista afirma que essa versão é falsa.
Uma história de opostos
Habitualmente a sociedade estava acostumada a assistir um negro trabalhando para um branco, poucas vezes o statuo quo se alterou e viu-se um branco trabalhando para um negro.
Essa estranheza social compareceu muitas vezes no filme, quando, por exemplo, no Sul, os policiais pararam a viatura onde Tony e Shirley se encontravam para pedir esclarecimentos.
Pondo provisoriamente a parte as questões sociais, em termos de personalidade Don e Tony parecem opostos: o primeiro muito preocupado com a questão social (com a imagem, com a conduta) e o segundo desbocado e irreverente. A lógica dos opostos comparece se pensarmos no nível de refinamento e cultura de ambos os personagens.
Assim como na vida real, Don carrega muito mais a noção de requinte, de conhecimento e de estudo do que Tony, que possui pele branca.
Se historicamente os negros tiveram pouco acesso à informação e à formação, na história do pianista a lógica se inverte e vemos um sujeito cultíssimo de pele negra e um, de certa forma, ignorante, de pele branca.
Don viveu imerso em um ambiente de alta cultura e frequentou os grandes salões enquanto Tony nunca saiu do seu bairro de imigrantes de classe baixa, convivendo sempre com um universo muito semelhante de indivíduos.
Outra distinção de comportamento se dá se pensarmos na conduta social dos dois amigos. Shirley demonstra ser consciente do racismo e da luta de classes, Tony, por sua vez, parece alheio à essas questões e deseja resolver os casos pontuais em que é confrontado através da força bruta.
Extremamente racional, o pianista pensa em cada movimento e em suas consequências, profundamente impulsivo, Tony vive à flor da pele e é movido pelos seus sentimentos.
A amizade de Tony e Don se contrói através da diferença. Fonte: https://goo.gl/vV9AqQ
Por que o filme se chama The Green Book?
The Negro Motorist Green Book, editado por Victor Hugo Green, era uma espécie de guia de viagem para negros que quisessem viajar sem se preocuparem com a segurança.
A ideia era assegurar uma lista de restaurantes, hotéis e lugares turísticos que garantissem que eles seriam tratados com igualdade com os brancos, sem qualquer tipo de preconceito.
O livro foi publicado pela primeira vez no ano de 1936 e continuou a ser vendido até 1966. Habitualmente distribuído nos postos de gasolina, o guia vendia cerca de 15.000 cópias por ano.
O verdadeiro The Negro Motorist Green Book foi efetivamente usado na viagem de Tony com o pianista.
FICHA TÉCNICA:
GREEN BOOK- O GUIA
Título original: Green Book Direção: Peter Farrelly Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini; Ano: 2019 País: EUA Gênero: Comédia Dramática, Biografia
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Milena: a primeira personagem negra da Turma da Mônica
A turma do limoeiro já conta com diversos personagens fortes como Luca (cadeirante), Tati (síndrome de Down) e Dorinha (deficiente visual) com o intuito de mostrar às crianças que a diversidade é algo normal e natural.
Mauricio de Sousa apresenta Milena, a primeira personagem negra da Turma da Mônica. A nova integrante apareceu pela primeira vez na Corrida Donas da Rua, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. Ela é da Família Sustenido, cheia de atitude e ama música e futebol. A turminha já possuía Jeremias, personagem negro e antigo que nunca havia protagonizado um gibi e que ganhou, no ano de 2018, ‘Jeremias Pele’. Maurício afirma estar corrigindo um erro: não ter dado protagonismo a Jeremias. A turma do limoeiro já conta com diversos personagens fortes como Luca (cadeirante), Tati (síndrome de Down) e Dorinha (deficiente visual) com o intuito de mostrar às crianças que a diversidade é algo normal e natural.
Historicamente, pessoas negras foram segregadas e consideradas inferiores ao resto da população e, por mais que não aparente, em pleno século 21 ainda há preconceito racial. Raça é um conceito apenas biológico para definir categorias de uma espécie, relacionado somente a fatores hereditários, não incluindo condições culturais, sociais ou psicológicas. Portanto, é comprovado cientificamente que não há subgrupos humanos e que o termo correto para se referir a negros e outros grupos é etnia.
Fonte: encurtador.com.br/gmGJN
“Ninguém nasce odiando o outro devido à cor da sua pele. As pessoas aprendem a odiar e, se elas podem aprender a odiar, elas podem ser ensinadas a amar, porque o amor ocorre mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto.” – Nelson Mandela
O racismo no Brasil é fruto da escravidão do período colonial e o fato dessa mentalidade perpetuar até os dias atuais deu origem a um racismo camuflado, disfarçado de democracia racial. Tal pensamento é tão perigoso quanto o racismo assumido, declarado e pode se manifestar tanto nos regimes autoritários quanto nas democracias. Se fizermos um balanço de algumas passagens históricas, verificaremos que, por tradição, o brasileiro tem uma mentalidade racista e antissemita. Maurício de Sousa quebra essa cultura e dá voz a uma personagem negra de atitude que mostra que o preconceito é baseado em falsas ideias.
Fonte: encurtador.com.br/hAK09
Nelson Mandela, líder ativista e ex-presidente da África do Sul lutou contra o apartheid, regime segregacionista. A África do Sul era governada por descendentes dos colonizadores ingleses que marginalizavam a população negra através de leis que regulavam o “lugar de branco e o lugar de negro’’. Nelson é um exemplo de amor que tentou e conseguiu mostrar ao mundo que a única diferença entre um negro e um branco é a cor da pele.
Fonte: encurtador.com.br/vKSY6
Logo, Mauricio de Sousa traz, através da Turma da Mônica, uma garota empoderada que luta contra o preconceito e passa a mensagem de igualdade e amor. A preocupação do cartunista em retratar temas tão importantes para crianças é admirável, uma vez que desconstruir o preconceito desde cedo é uma forma linda de espalhar mais amor e menos ódio.
REFERÊNCIAS
AZEVÊDO, Eliane. RAÇA Conceito e preconceito. São Paulo: Ática S.a, 1990.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O racismo na História do Brasil. São Paulo: Ática S.a, 2003.
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Três Anúncios para um Crime: surpreendente e contraditório
Melhor Filme, Melhor Atriz (Frances McDormand), Melhor Ator Coadjuvante (Woody Harrelson e Sam Rockwell), Melhor Roteiro Original, Edição e Melhor Trilha Sonora.
“You’re enchained by your own sorrow
In your eyes there is no hope for tomorrow”.
-Abba, Chiquitita.
Três Anúncios Para um Crime (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri) é um filme estadunidense de 2017, com direção e roteiro do britânico Martin McDonagh. Com sete indicações ao Oscar 2018, a película traz uma trama envolvente e imprevisível, retratando de temas polêmicos, mas nem sempre fáceis de lidar em um longa de 1h 56min de duração.
Na trama, Mildred Hayes, vivida por Frances McDormand (Fargo), teve sua filha Angela Hayes (Kathryn Newton) estuprada e assassinada, sem que o culpado pelos crimes fosse encontrado pela polícia. Ao perceber o esquecimento da polícia quanto ao crime, Mildred aluga três outdoors em uma estrada pouco movimentada na cidade de Ebbing em Missouri, no Meio-Oeste dos Estados Unidos (como o título original do filme sugere). Nos outdoors a mãe cobra justiça após meses sem investigações, provocando o xerife local Bill Willoughby (Woody Harrelson).
O xerife vivido por Woody Harrelson é o segundo maior personagem na relação tríplice entre as principais personalidades do filme. O xerife que é apontado como culpado em letras garrafais por Mildred, vive com a culpa de não ter solucionado o crime e também tem de lidar com um câncer terminal, que o torna preocupado com o futuro de sua família. Mesmo sendo o alvo da mãe enfurecida, Bill é o único personagem da trama que compreende e defende Mildred, se contradizendo entre o comportamento machista e estúpido da polícia local e uma ternura paternal hipnótica.
Fonte: goo.gl/Vu3jHQ
Bill também serve de conselheiro e inspirador para o policial Jason Dixon (Sam Rockwell), o terceiro personagem no tripé de personalidades. Dixon é uma curiosa mistura de alívio cômico e vilão: homofóbico, machista e racista, e ao mesmo tempo infantil e reprimido.
Para cada personagem na relação tri-pessoal da trama há reviravoltas que nem os melhores “palpiteiros” de filmes poderiam prever, comportando a maior virtude do filme, com um realismo de humor irônico; mas também seu maior defeito, a escolha de temas muito delicados que não são tratados com tanta delicadeza.
O tema que serve de eixo central da trama se trata do estupro de Angela Hayes. O olhar cuidadoso do diretor torna o filme repleto de detalhes, um deles pode ser o easter egg em relação ao nome “Angela Hayes”, que também foi da personagem de Mena Suvari em Beleza Americana (1999), retratada como uma “sex symbol” menor de idade, cobiçada sexualmente pelo pai de família interpretado por Kevin Spacey (sim, polêmicas à parte).
Fonte: goo.gl/ou9xxL
A violência cometida contra Angela é claramente retratada no zeitgeist social de sua cidade através do filme, e da sociedade em geral, por isso um tema tão pertinente atualmente. De acordo com Sousa (2017), os estupradores agem apoiados sob discursos machistas difundidos até eles e por eles, de modo que se acredita no direito de poder sobre as mulheres de acordo com estereótipos de virilidade e masculinidade dentro da sociedade binária.
A violação sofrida pela filha de Mildred é fruto não só da covardia de um abusador, mas também do espírito de uma época, que faz vítimas no mundo todo através da cultura do estupro. Todas as mulheres retratadas na película sofrem algum tipo de violência, e são coagidas a não revidar.
Para Sousa (2017) esses valores são difundidos socialmente, revitimizando a mulher, que se colocaria nas ‘situações de risco’, tornando-a culpada por não seguir as regras de conduta que lhe são impostas desde o nascimento. Dessa maneira, deposita-se a responsabilidade na mulher sobre os atos de terceiros contra sua integridade sexual.
Fonte: goo.gl/12TDMV
A mudança
Com tantos fatores de coerção, a violência transgeracional na família de Mildred, cometida também pela polícia, só encontrou alguma mobilização quando a personagem canalizou sua raiva para a ação nos outdoors. Ação essa, que a fez vítima de várias retaliações, por acusar um homem, xerife, detentor do poder.
Em uma participação no programa Café Filosófico, a filósofa Márcia Tiburi elucida aspectos sobre o “Mito do Sexo”, fazendo reflexões sobre a condição feminina e a relação entre sexo e poder. Segundo Tiburi (2014), historicamente o homem assume a esfera pública enquanto à mulher se atribui fortemente a função reprodutiva, tornando, portanto, o homem detentor da “lei” e do poder atribuídos a uma imagem masculina. Tal dinâmica é retratada com maestria em Três Anúncios para um Crime, na figura da polícia e de todos os agentes da delegacia, que atuam propositalmente na destruição dos planos de Mildred.
Brilhantes atuações
As participações impecáveis que renderam indicações para Frances McDormand, Woody Harrelson e Sam Rockwell, são sustentadas por uma relação dualista entre agressividade e desamparo dos personagens. Mildred encontra um sentido em seu caos, Bill encontra um fim para seu sofrimento, mas o destaque de transformação fica com Dixon, que quase em uma licença poética se transforma como ser humano no último momento, em uma epifania de revelação da bondade que já estava dentro dele.
Fonte: goo.gl/gE2SKt
A pouca coerência de Dixon que em uma cena ouve a música Chiquitita do grupo ABBA (conhecido pelas suas musicas cheias de esperança e amor), e em outra age pra prejudicar Mildred no momento em que ela mais precisa de ajuda, alcança uma redenção quase cômica após um “insight”.
“Chiquitita, me diga o que há de errado Você está acorrentada na sua tristeza Nos seus olhos não há esperança para o amanhã.”
Qualquer prêmio que Três Anúncios para um Crime venha a receber não será nenhum tipo de surpresa, visto suas estrondosas atuações e as minuciosas direção e fotografia. A importância da representação de temas tão atuais como a cultura do estupro e violência contra a mulher é inegável, mérito de McDonagh e todo elenco do filme.
Porém, a maior incoerência da trama é sem dúvidas a falta de atores negros em papéis importantes. O filme vencedor de quatro Globos de Outro, rendeu um prêmio para Sam Rockwell, que interpretou o policial conhecido por ter espancado um homem negro que estava sob custódia, algo que deve ser pensado. Apesar da redenção de Dixon e da grande atuação de Rockwell, nada explica falta de atores negros em um filme que aborda preconceito racial. Apenas um ator negro em um papel pouco relevante, não é o que fará o Oscar deixar de ser branco. A mesma dinâmica se aplica à homofobia, mostrando cenas extremamente violentas, porém sem dar ênfase ao personagem Red Welby, com a atuação intrigante de Caleb Landry Jones.
Fonte: goo.gl/19VjNc
Esses e outros aspectos tornam Três Anúncios para um Crime contraditório. À medida que aborda temas extremamente relevantes e delicados em segundo plano, sem os tratar com a merecida atenção; a trama central se desenvolve bem, surpreendendo na profundidade das atuações e nas reviravoltas do roteiro. Surpreendente e contraditório.
Um bom filme que sem dúvidas merece ser assistido pelos leitores desse texto. Certamente chegarão aos seus próprios e novos entendimentos.
FICHA TÉCNICA
TRÊS ANÚNCIOS PARA UM CRIME
Diretor: Martin McDonagh Elenco: Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell Gênero: Drama Ano: 2018
TIBURI, Márcia. O Mito do Sexo – In Café Filosófico (14:57 min). Campinas: CPFL Cultura, 2014. Disponível em <https://vimeo.com/71103337>. Acesso em: 13 fev. 2018.
O único livro publicado por Harper Lee, O Sol é Para Todos, é uma obra prima da literatura clássica. O cenário é ambientado nos Estados Unidos na época da Grande Depressão, nos anos de 1930. O foco do livro se dá pelo caso de estupro em que um negro, Tom Robinson, é culpado, mesmo sendo inocente. O pai da protagonista, Jean Louise, mais chamada de Scout, o Sr. Atticus, um renomado advogado, encarrega-se da defesa desse cidadão, o que desencadeia enorme alvoroço na sociedade local. Tudo ocorre nas terras do Alabama, numa área chamada Maycomb onde predominava a perpetuação de linhagens de famílias proprietárias de terras de algodão, muito comum no Sul do país.
Fonte: goo.gl/RVXsCv
Scout mora com seu pai, seu irmão mais velho Jem e a governanta da casa Calpurnia, que é negra e fiel servidora da família, por ser de longa data àquela linhagem. Na primeira parte do livro, a história se desenrola pela descrição das travessuras do trio formado por Jem, Scout e Dill, amigo deles. Eles nutrem grande curiosidade pelo seu vizinho misterioso que mal sai de casa, Boo Radley. As aventuras deles é regada pelo mistério em descobrir o que há na casa dele e o que faz para manter o contato com a vizinhança, e isso perdurou por todo o verão.
Ao decorrer da narrativa, a protagonista imprime seu olhar infantil e ingênuo da realidade e muita das vezes questiona os adultos ao seu redor sobre questões de injustiça social ou de valores sociais e morais, que ela é obrigada a aceitar de modo inquestionável. Isso é visto nitidamente quando sua tia Alexandra se muda para sua casa, a fim de lhe ensinar maneiras e comportamentos de uma menina ou moça. É repreendida pela tia por brincar de areia e lama com Dill e seu irmão, por responde-la rispidamente e por indagar questões que eram incomum a sua faixa etária.
Isso denuncia as limitações e restrições que eram impostas sobre a mulher naquela época.
Fonte: goo.gl/6xPkPJ
Desde a primeira parte do livro, a segregação racial e o preconceito impiedoso sofrido pelos negros é algo evidente e cruel. A grande maioria dos serviços braçais e manuais eram encarregados por “gente de cor”, como domésticas, carteiros, coletores de algodão, entre outros. Além disso, a discriminação era algo aceito socialmente, mesmo sendo absurdo algumas atitudes.
Na segunda parte do livro, o racismo é notório, já que o foco agora era descrever o caso de estupro e o julgamento pela defesa do seu pai. A intenção do povo era somente uma: linchamento. Isso deixa claro que o preconceito racial era algo voraz nos Estados Unidos. Mesmo com a evolução tecnológica, industrial e científica, o desenvolvimento de valores humanitários, racionais e prudentes ocorre de maneira muito lenta e gradual. Já naquela época, a segregação racial era algo a ser extinto e evitado de todas as formas, pois já havia a criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, além do documento que oficializava a liberdade de expressão dessa parcela social, que é a Abolição da Escravatura.
Ambos os documentos são inválidos quando se vê em pleno século XX o racismo tão potente quanto na escravidão. A cor era o que diferenciava entre ser humano e ser irracional. Evidentemente os negros eram considerados raça inferior, sem explicação plausível. Infelizmente ainda hoje esse é um tema recorrente em noticiários por estar presente e ativo mundialmente.
Fonte: goo.gl/NfoJQs
O racismo atual é maquiado por cotas em universidades, por negros serem a maioria em presídios e favelas e por serem a minoria em cargos de alto escalão, como no Supremo Tribunal Federal. Mesmo no Brasil, com uma extensa variedade de raças, etnias e cores, tal realidade de preconceito ainda é frequente no cotidiano de afrodescendentes. O que resta é ir à luta e pregar a conscientização por meio de políticas públicas, propagandas publicitárias, e até mesmo através do teatro do oprimido. Esse último recurso utilizaria o público em si para encenar uma trama entre dois atores sobre dado assunto, no caso, o racismo. Esse mecanismo causaria de fato a visão da vítima e a sensação de se passar por ela, pelo menos por alguns instantes.
Desde o começo Scout consegue cativar o leitor com seu jeito ingênuo e impetuoso de observar e julgar o mundo. Não se conforma com padrões vigentes, e seu pai tenta buscar amadurecer a parte “humana” de seus filhos, de forma honesta e íntegra. Em suma, tal obra literária é essencial para avaliar o poder da coerção social e seus efeitos devastadores. Também é relevante para traçar valores outrora vigentes na sociedade, ou seja, é uma obra com ricas informações para a história. Certamente deve ser uma leitura obrigatória em instituições de ensino pela capacidade da autora em ser altruísta com o preconceito sofrido pelos negros. Esse sentimento de compaixão é facilitado pela sua idade, o que corrobora para impregnar o leitor com uma visão mais justa e fraternal.
Harper Lee consegue se adaptar no vocabulário a vários tipos de personagens totalmente diferentes, que vai desde a pessoas letradas e de altos cargos, a domésticas e lixeiros. Essa capacidade mostra a experiência que a autora teve em vida com várias classes sociais. A capacidade de se colocar no lugar do acusado inocentemente é singular, pois é como se o leitor estivesse sendo o Tom Robinson. Esse é mais um ponto a se considerar na importância da leitura desse livro, e como pode ser impactante na consciência das pessoas.
Ficha Técnica O sol é para todos
Fonte: goo.gl/bW9pkC
Autor: Harper Lee Ano: 1960 Páginas: 364 Gênero: Drama/ Mistério