Eu e a Caixa

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(Por Adriana Magna – Maio de 2023)

 

É noite e eu tenho medo do escuro.
Em meio a solidão e a frieza.
Escuto apenas os meus pensamentos.
Eles gritam. Pedem socorro.


Eu grito também… tem alguém aí?
Alguém me ouve?
Retorna somente o eco da minha própria voz.
Vejo ela – a caixa!
Está lá, me olhando, me criticando, me julgando.

 

Tem noites que acho que vou enlouquecer.
Já dizem por aí que eu sou louca mesmo…

 

Música Balada do Louco (Rita Lee)
“Dizem que sou louca, por pensar assim.
Se sou muito louca, por eu ser feliz.
Mas louca é quem me diz que não é feliz.
Não é feliz…”

 

Que diferença faz agora, a essas alturas da minha vida.
Ter certeza da minha loucura?
Eu quero é viver!
A caixa que a sociedade tem para mim, não me cabe.
Sou grande, larga, espaçosa, sonhadora.
E ela (a caixa) quer que todos nós sejamos do mesmo tamanho.
Que nos apertemos lá dentro para caber.
Eu não. Não me dobro diante essa caixa… 

 

Mas aqui, sozinha, sob os olhares e os sorrisos de escárnio.
Eu fico frágil, vulnerável…
Talvez seja mais seguro viver na caixa.

 

Morei no hospício. Aliás o nome mais bonito (para o lugar feio).
É hospital psiquiátrico.
O Dr. me disse que era assim para chamar.
E a enfermeira também.
Lá é onde se trata os loucos que não cabem na caixa.
Assim como eu.
 

 

Música Metamorfose Ambulante (Raul Seixas)
“Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante.
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.
Do que ter aquela opinião formada sobre tudo.
Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes.
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante.
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo…”

 

Os diferentes, diferentões, esquisitos.
Dizem até que somos os perigosos.
Aqueles e aquelas que a caixa rejeita.
Mas na verdade sou eu que rejeito a caixa.
Que isso fique bem claro aqui!

 

Eles consideram a caixa como o padrão, o certo, o correto.
Ela foi fabricada por uma gente que pensou o mundo para os outros.
E que inventou instituições para reforçar essa ideia.
Que ideia?
A de que toda criatura deve caber na caixa ou então
Fica fora, excluída, longe dos outros para não os contaminar.

 

Música Ouro de Tolo (Raul Seixas)
“Eu é que não me sento no trono de um apartamento.
Com a boca escancarada cheia de dentes.
Esperando a morte chegar…”

 

Olha a doidinha… Ela arregala os olhos para as pessoas.
Se aproxima calada, balbucia palavras e sai falando sozinha.
Tem apenas a si mesma.
Não tem amigos porque é descontrolada… 

 

Certa vez lá no hospício (ops hospital).
Eu estava tão triste, mas tão triste.
Isolada, sem ninguém para conversar.
Só o meu gato Godofredo estava lá.
Então ele sabe os meus segredos e jurou que não contaria para ninguém.

 

Música Gitá (Raul Seixas)
“Às vezes você me pergunta. Porque é que eu estou tão calado.
Não falo de amor quase nada. Nem fico sorrindo ao seu lado.
Você pensa em mim toda hora. Me come, me cospe, me deixa.
Talvez você não entenda. Mas hoje eu vou lhe mostrar…”

 

Quem vive na caixa acaba ficando tudo igual.
Parece uma série de bolacha dentro do pacote (risos).
Um monte, iguaizinhas…
Eu não. Eu sou diferente. E por ser diferente não caibo na caixa.
Então me colocaram lá naquele lugar.

 

Música Triste, Louca ou Má (Francisco, el Hombre)

“Triste, louca ou má. Será qualificada.
Ela quem recusar. Seguir receita tal.

A receita cultural. Do marido, da família.
Cuida, cuida da rotina.

Só mesmo, rejeita. Bem conhecida receita.
Quem não sem dores. Aceita que tudo deve mudar.

Que um homem não te define. Sua casa não te define.
Sua carne não te define. Você é seu próprio lar.

Um homem não te define. Sua casa não te define
Sua carne não te define (você é seu próprio lar)

Ela desatinou, desatou nós. Vai viver só.
Ela desatinou, desatou nós. Vai viver só.

Eu não me vejo na palavra. Fêmea, alvo de caça.
Conformada vítima.

Prefiro queimar o mapa. Traçar de novo a estrada.
Ver cores nas cinzas. E a vida reinventar.

E um homem não me define. Minha casa não me define.
Minha carne não me define. Eu sou meu próprio lar.

E o homem não me define. Minha casa não me define.
Minha carne não me define. Eu sou meu próprio lar.

Ela desatinou, desatou nós. Vai viver só.
Ela desatinou, desatou nós. Vai viver só…”

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Dificuldades existenciais no contexto pandêmico

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Os pesos ocultos da quarentena estão por vezes presos nas realidades de sofrimento, não divulgadas, não levadas em consideração, não fomentadas a partir do incentivo da fala de quem tem sofrido, independente dos pesos ou medidas que esse sentimento tem, em cada subjetividade. Os impactos visíveis ou invisíveis, nossas relações interpessoais, íntimas, estão em constante mudança, e este momento totalmente desafiador, nos joga na posição de necessidade da capacidade da resolução de problemas, ou, a paralisia das nossas faculdades antes normalmente executadas.

A relação cotidiana mudou, e por consequência nossos aspectos relacionais também experimentam neste fenômeno, necessidade de atualização, sendo este termo, longe de ser interpretado como juízo de valor (bom ou ruim), mas é a forma com que o sujeito se insere, ou se expressa, em um movimento orgânico e dinâmico, mas não unilateral, pois se diversifica a partir de uma estrutura psíquica individual e também coletiva, na busca dificultosa da homeostase.

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Posso talvez afirmar que cada um se insere da maneira que cabe, em suas possibilidades e angústias, alguns, o medo do incerto, da possibilidade da incapacidade de retornar a uma realidade antes vivenciada; outros, na precisão de estar sempre, e em constante produção; se Freud estivesse aqui diria que este é nosso sintoma? Seria nossa resistência para não ter contato com o desprazer? Estaríamos tomados pela estrutura egóica? Sabe-se lá se Skinner em um momento como esse, talvez fizesse paralelo sobre estes comportamentos, e diria que é fuga e esquiva, em uma tentativa de reduzir ou eliminar os estímulos aversivos.

Eu mesma, estou tentando pôr panos frios em meus sofrimentos, mas seria muito tolo da minha parte dizer que não estou constantemente lidando com o sofrer, e com a vida que me pressiona a uma glorificação de processos criativos para o sofrimento, as produções, afinal, estamos todos confinados, qual seria então minha desculpa? Nós avançamos no tempo, mas as questões não biológicas, estão constantemente sendo negligenciadas no processo de adoecimento, o que me faz pensar que não avançamos tanto assim.

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Talvez o leitor esperasse que eu me embasasse em apenas uma teoria, enquanto eu misturava sistêmica, psicanálise, análise do comportamento, e agora, Gestalt e psicologia profunda; quem sabe eu só não esteja buscando incessantemente a quintessência, a pedra filosofal, a individuação, e uma possiblidade de me tornar um sujeito autêntico? Me disponho a deixar parte de mim aqui, e ser… não é sobre pontos finais, ao menos para mim, na maior parte do tempo é sobre interrogações, buscando estar aqui e agora, mas tendo também de resgatar lembranças no fundo do inconsciente, que vez ou outra sussurram ou gritam ao meu ouvido, pedindo atenção, para que eu volte novamente a dar atenção aos meus processos.

Eu enquanto acadêmica me sinto confusa diante de tantas formas de ver o mundo, e enfrentando eu mesma, ao mesmo tempo, para entender quem sou eu no mundo, e o que farei com estes sofrimentos latentes ou abafados pelas implicações sociais. Bem, o contexto não tem sido favorável, na verdade, não sei se algum dia foi, mas me força a crescer. Tive que lidar com o medo da perda de pessoas extremamente próximas, tive de ver o sofrimento de quem passa por uma doença nova, de grande enfermo, observar sobre meus olhos alguém que teve experiência de muito tormento, o que me fez recordar de Jung, e as experiências de “quase morte”, as imagens arquetípicas do self se manifestando.

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Mais que nunca, estamos sofrendo, e precisamos dizer, para que não seja tão solitário este sentir. Se eu refletisse nas fases do luto de Elizabeth Kubler-Ross, não conseguiria dizer com precisão em qual fase estou, mas felizmente não é necessária tal linearidade. De raiva a depressão, e talvez eu tenha conseguido chegar em parte, na gloriosa, mas não estável, aceitação… afinal, já entendo que preciso sofrer, e dar voz ao que não consigo dizer. E eu sinto muito por tudo que eu jamais diria neste relato, de tão vasto, vívido, e por ser tão confuso, nem sei como diria. Que sorte a minha seria ser analisanda… por mais doloroso que seja, é difícil fugir do que também sou eu, está comigo, mesmo que eu negue.

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Caos conta com intervenção cultural sobre exclusão e pressão social

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A intervenção conta com o apoio da Equipe do Portal (En)Cena e dos acadêmicos de Psicologia. 

A proposta do Caos, o Congresso Acadêmico dos Saberes em Psicologia, é reforçar a atuação humanista da Psicologia enquanto ciência e profissão. Neste sentido, durante o congresso, todas as ações visam elevar a condição humana em toda a sua excentricidade, sem amarras, sem julgamentos.

Neste contexto, ocorre nesta edição de 2019, nos dias 22 e 23, as 17h, no Refúgio Psi, Intervenção Cultural “A Dor do não Caber”, que irá explorar, através de experiências sensoriais, o sofrimento que mulheres gordas sentem por não caber em vários espaços da sociedade, bem como os impactos da gordofobia.

Fonte: Arquivo Pessoal

Os visitantes poderão experimentar, em partes, a sensação de exclusão e pressão social sofridas por estas mulheres. A organização da intervenção é da acadêmica de Psicologia Isaura Rossatto e da professora Me. Ruth Cabral. O evento conta com o apoio da Equipe do Portal (En)Cena e dos acadêmicos de Psicologia.

Confira a programação completa do CAOS 2019. 

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