Coletivo Junguiano promove palestra sobre “Separação amorosa e Individuação”

Compartilhe este conteúdo:

18O coletivo Quíron promoverá uma palestra aberta ao público com o tema: Separação amorosa e individuação. O evento será no dia 27/09/2022 às 20h. A palestrante convidada é a Psicóloga Silvana Parisi. Silvana é formada em psicologia pela PUC/SP e é mestre e doutora em Psicologia escolar e do desenvolvimento humano pela USP. É candidata a membro do IJUSP, vinculado à AJB e à IAAP. Supervisora clínica e profa. de pós-graduação Latu Sensu em Psicoterapia Junguiana na UNIP. Autora do livro: “Amor e separação: reencontro com a alma feminina”.

As inscrições ocorrem pelo link no formulário do Google Forms. Os interessados podem se inscrever no link: https://forms.gle/4rdPbDTSXQGb6J6Z6. O evento terá Certificação pelo Ceulp/Ulbra e o mesmo será gratuito. O link será enviado no dia do evento, por e-mail.

O Quíron – Coletivo Junguiano do Tocantins, é formado por alunos de Psicologia do Ceulp/Ulbra e egressos de Psicologia da Ulbra e de outras instituições adeptos da abordagem junguiana. No momento, é composto por cerca de 30 integrantes (entre alunos e psicólogos). Realiza atividades semanais, como grupos de estudos sobre as obras junguianas históricas e atuais, além de palestras e mesas-redondas. As palestras e grupos de estudos do Quíron são abertas e gratuitas, e recebem em média 150 pessoas por evento. O objetivo do coletivo é ser referência estadual nos estudos e produção de pesquisa científica tendo como base a Psicologia Analítica/Junguiana.

O coletivo Quíron mantém uma parceria com o curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, rede de livrarias Leitura, Editora Vozes (RJ) e alunos do Instituto de Psicologia Social da USP (IPUSP), além de professores do IJEP (Instituto Junguiano de Ensino e Pesquisa – SP), e professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Analítica da UNIP (Universidade Paulista).

As atividades do Quíron são realizadas a partir de mediações rotativas, em que cada integrante tem uma função no coletivo. Além dos parceiros supracitados, está em andamento a efetivação de novas parcerias, sobretudo com professores de Psicologia Analítica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Compartilhe este conteúdo:

“ALIKE”: a importância da criatividade na formação dos indivíduos

Compartilhe este conteúdo:

Alike é um curta-metragem que ganhou inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio Goya de melhor curta-metragem de animação em 2016. Dos criadores Daniel Martinez e Rafa cano Mèndez, traz uma pauta sobre criatividade e imaginação, e como o sistema que a nossa sociedade está inserida sufoca ou desconsidera estas virtudes. A historinha demonstra o relacionamento entre um pai e seu filho, cujo pai, que já foi afetado pelo sistema, que não dá espaço para a criatividade, não explora os potenciais do indivíduo mas visa colocar o indivíduo em “caixas”, padrões, não respeitando a sua individualidade.

O filme não tem diálogo, mas é tão bom que nem precisa de palavras. Ele mostra a mudança de sentimentos com a ajuda de cores, o pai é identificado com a cor azul e o filho com amarelo. No desenrolar da história, fica evidente a sociedade triste e entediante na qual estamos inseridos, (indivíduos azuis) e que muitas vezes simplesmente cumprimos a rotina estabelecida sem nem saber o porquê, e como isso às vezes pode nos entorpecer um pouco. O pequeno protagonista da história tenta não seguir essa vida cinzenta e monótona, mas a sua maneira de entender o mundo não combina com a dos demais, pois andam como “zumbis”, no automáticos, alienados de suas próprias vidas.

Assistindo o filme, não têm como não fazer um paralelo com a Psicologia Social o tempo todo, pois mostra claramente a tentativa de suprimir a criatividade do pequeno, fazendo ele perder sua subjetividade, suas esperanças e sonhos, e começando a aceitar as regras e normas impostas pela sociedade onde está inserido.

Fonte: encr.pw/2e7B0

Entende-se como Psicologia Social o estudo da experiência social que o indivíduo adquire a partir de sua participação nos diferentes grupos sociais com os quais convive.

É a ciência que procura compreender os “como” e “porquês” do comportamento social, a interação social e a interdependência entre os indivíduos.

De acordo com Silvia Lane (1981), o enfoque da Psicologia Social é estudar o comportamento dos indivíduos e como ele é influenciado socialmente. Desde o momento em que nascemos, ou até antes disso, já somos influenciados histórico e socialmente. A cultura na qual estamos inseridos e o nosso grupo social são determinantes na formação da nossa visão de mundo, no nosso sistema de valores, e consequentemente nas nossas ações, sentimentos e emoções. Somos determinados a agir de acordo com o que as pessoas ao nosso redor julgam adequado, e nesta convivência, vamos definindo nossa identidade social.

Daí a importância da família no processo de formação das crianças para que não sejam meros reprodutores dos seus comportamentos, mas que respeitem a individualidade, os desejos e sonhos de cada um, e que incentivem a busca de sua própria identidade.

Fonte: encr.pw/QFbd0

No filme mostra como o pai desse menino percebe que seu filho não está mais tão animado e alegre como antes, que está perdendo a sua cor, e assim ele leva o menino de volta para ver o violinista, ou seja, expõe ele à criatividade, a arte, para a cor e a alegria dele voltarem, pois dentro da rotina diária, por mais conturbada que seja, precisa haver um espaço para contemplação do mundo, da arte, da vida em suas diversas formas, para não cairmos neste marasmo de fazer o que nos é exigido, executar várias tarefas diárias no automático e quando percebemos o tempo passou e você percebe que você não estava presente em sua própria existência.

Além dessa relação entre grupos e família, o filme traz também uma reflexão acerca do processo de ensino aprendizagem, e a relação professor – aluno, e como faz falta no âmbito escolar o não vislumbramento do fator afetivo – emocional, pois o vínculo e as relações de afeto também são fundamentais para a aprendizagem, e também  a importância do papel do professor para a não reprodução da alienação, para que seus alunos deem espaço à criatividade e à fantasia infantil, e possam se tornar adultos saudáveis e sujeitos autônomos, e protegê-los do ambiente massificador que a escola pode se tornar.

Finalizando já minha contribuição acerta deste filminho, ele nos faz pensar na criatividade, na imaginação e no afeto como caminhos para uma vida mais colorida. Nos transporta para a rotina de um pai e seu filho, parecidos demais um com o outro, mas com visões de mundo que estão se distanciando, trazendo de forma simples, mas poderosa, o nosso cotidiano da vida moderna: a rotina e a falta de cor no dia a dia, a forma como encaramos o mundo ao nosso redor, muitas vezes intoxicados pelos afazeres  que nos cercam, vamos perdendo nossa essência , deixando de lado a imaginação e o afeto…

? Vale a pena assistir e gastar 7 minutinhos com essa reflexão lindinha que aquece o ?

FICHA TÉCNICA

Título: Alike (Original)

Ano produção: 2015

Dirigido por: Daniel Martínez Lara Rafa Cano Méndez

Estreia: 6 de Novembro de 2015 (Mundial)

Duração: 8 minutos

Classificação: L – Livre para todos os públicos

Gênero: Animação; Drama; Família

Países de Origem: Espanha

REFERÊNCIAS:

Lane, S. T. M. (1981). O que é Psicologia Social? São Paulo, SP, Editora Brasiliense.

Psicologia Social, Wikipedia, 2021. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicologia_social. Acesso em 10/12/2021.

Animação tocante mostra como a sociedade mata nossa criatividade e imaginação, Hypeness, 2017. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/2017/04/animacao-espanhola-nos-lembra-o-quanto-a-sociedade-pode-acabar-com-nossa-criatividade-e-imaginacao/. Acesso em 10/12/2021.

Compartilhe este conteúdo:

Jouney e as analogias a Individuação

Compartilhe este conteúdo:

A Jornada do Viajante

 

Fonte: encurtador.com.br/biqsR

Em um colossal e aparente sem fim mar de areia, uma estrela cadente cruza o céu e cai em meio às dunas. Um personagem misterioso se levanta do terreno arenoso, sua face é oculta por um capuz que cobre sua cabeça, e seu corpo é coberto por um manto quase cerimonial; porém seus olhos brilhantes são visíveis em meio à escuridão. Olhos esses que demonstram confusão e surpresa, mas que logo se voltam para uma montanha enorme, que desponta no horizonte a frente; no topo dessa montanha há um feixe de luz direcionado aos céus, e é para lá que o indivíduo se sente impelido a ir.

Por conveniência nomearei o indivíduo de Viajante, pois a ele nunca é dado um nome. Ele é a representação do jogador, nas dúvidas, incertezas, na aparência misteriosa e como o jogador, tem uma jornada de descobertas à frente, pois a vastidão do deserto é retumbante e assustadora. 

 

Fonte: encurtador.com.br/prCQS

 

Journey é um jogo eletrônico desenvolvido pela Thatgamecompany que foi lançado em 13 de março de 2012 inicialmente para o PlayStation 3, atualmente também disponível para PlayStation 4 e Microsoft Windows. O que mais chama atenção na trama é sua caracterização simbólica e a maneira como expressa esses símbolos, sendo todo o conteúdo exposto ali muito arquetípico e análogo a linguagem da psicologia analítica. 

É assim que começa a trama, onde o jogador deverá atravessar as ruínas de uma civilização enterrada pelo tempo nas areias do tempo, sem nenhuma única palavra escrita ou falada ao jogador, a trama deste mundo deve ser abstraída por meio das imagens, hieróglifos e posteriormente da surpreendente interação com outros jogadores no decorrer da história. 

 

Fonte: encurtador.com.br/fimKP

A Individuação

Na compreensão do ser humano da psicologia originada em C.G. Jung, os símbolos e os arquétipos são parte intrínseca do desenvolvimento e constituição da psique. Diversos processos se dão ao longo da vida nas interações do ser humano com seus pares e estes definem os aspectos de saúde mental e bem estar psíquico dos indivíduos ao longo da vida. Porém, talvez o mais importante desses processos seja a chamada Individuação Pessoal.

Alguns autores modernos vão discorrer, portanto que “Jung afirma que a individuação é o processo que ocorre a partir da aceitação, por parte do ego, das orientações de uma dimensão da personalidade que denomina ‘si-mesmo’, que, por sua vez, traz informações simbólicas acerca do caminho da realização plena da personalidade” (VERGUEIRO, 2008, p.129). O mesmo autor vem a complementar posteriormente acerca da natureza do fenômeno e como a teoria analítica o compreende:

É, também, uma meta transcendental, em parte consciente e em parte inconsciente. Em parte mística e numinosa e em parte racional. Essa experiência não pode ser traduzida e jamais será de todo conhecida. Além disso, essa passa a ser uma das dificuldades encontradas para a compreensão do pensamento de Jung, já que, para ele, o enigma é parte da vida. (VERGUEIRO, 2008, p.129)

 

Fonte: encurtador.com.br/lwyH3

 

Há uma tendência a visualizar a Individuação como uma espécie de jornada durante a vida. O processo exige uma caminhada de autoconhecimento, contato com as partes numinosas/sombrias dentro de cada indivíduo e de reflexões introspectivas que resultam no autoconhecimento. O que os indianos budistas já caracterizavam como Iluminação por volta do século VI e IV a.C, as narrativas heroicas da Grécia antiga também forneciam paralelos interessantes a jornada de individuação; em sua dissertação de mestrado, Leticia Goncalves Said traz paralelo interessante entre a narrativa de Ulisses na Odisseia e o processo de individuação:

Assim, penso que tanto o destaque que o mito de Ulisses recebe em nossa cultura, quanto a relevância da individuação dentro das teorias junguiana e pós-junguiana, justificam a tentativa de compreendê-lo como uma metáfora do processo conforme descrito por Jung. Além disso, na Odisseia, Ulisses passa por diversas situações que podem ilustrar, de maneira muito rica, o processo de individuação que Jung descreve – por meio de seu embate com Posídon, de seu encontro com Circe, com Calipso, com Nausícaa, da ajuda que recebe de Hermes e da proteção que recebe de Atena, de sua descida ao Hades, e de seu retorno para Penélope, por exemplo. (SAID, 2019, p.12)

A partir dessa perspectiva, é possível afirmar que uma ótima analogia para a Individuação é a de uma jornada. Como a Jornada do Herói, as procissões religiosas, as peregrinações e a maneira como o ser humano associa o ato de percorrer longos caminhos com a transcendência e aquisição de conhecimento. Através do sofrimento vem a recompensa do autoconhecimento e o aperfeiçoamento das noções acerca do self; para alguns esse self é uma divindade e seus desígnios, para outros é aquilo que te aproxima mais de si mesmo em essência.

A Individuação e o caminho em Journey

Em Journey, o Viajante deve solucionar enigmas e usar suas habilidades místicas para perseguir seu objetivo final, que é chegar ao topo do grande monte com o imenso feixe de luz. Suas habilidades incluem flutuar pelas areias do deserto com a ajuda de pequenos pedaços de tecido, parecidos com suas roupas, estes que sempre brilham quando o personagem se aproxima deles também integram parte de sua roupa em determinados momentos.

Nas paredes dos templos, as escrituras e imagens denotam que o Viajante pertence a uma raça de seres que vivem em função da luz da montanha, essa luz tem seus indícios nessas paredes e na própria aparência das habilidades do personagem, que pulsam na mesma cor e parecem emanar da mesma fonte – algo mítico, transcendente e interno; talvez uma analogia a alma e ao Inconsciente Coletivo.

 

Fonte: encurtador.com.br/jEQ17

 

À medida que o jogador avança, parece trilhar um caminho de desafios e percalços, que envolve muito aprendizado simbólico, em busca da literal luz no topo da montanha mais alta, onde aparentemente todas as questões vão ser respondidas. Durante o percurso, outros seres misteriosos muito semelhantes a você aparecem para te ajudar e interagir com você, o que chega a ser surpreendente, pois não se espera contato humano dentro de um percurso tão solitário.

Na parte final do caminho, o Viajante e um indivíduo misterioso devem escalar a montanha final. Uma tempestade gelada tenta varrer qualquer intruso da montanha, com ventos fortes e impiedosos. Auxiliando um ao outro, os dois seres devem se manter aquecidos com a luz vital que pulsa dentro de cada um, para que possam prosseguir; e de maneira tocante essa caminhada se encerra com os dois, companheiros de viagem, dando passos curtos, porém firmes até a derradeira luz.

 

Fonte: encurtador.com.br/zIJ27

 

A partir daí é interpretativo. A Iluminação foi alcançada? Ou só o fim de uma jornada para o começo da próxima? Esse mistério é para a vida, como bem disse Vergueiro (2008, p.129) “além disso, essa passa a ser uma das dificuldades encontradas para a compreensão do pensamento de Jung, já que, para ele, o enigma é parte da vida”, talvez nós nunca sejamos capazes, em um curto período de vida, de transcender, de integrar todos os aspectos, mas o aprendizado que adquirimos no caminho percorrido nunca sumirá das partes mais profundas da mente. 

Fonte: encurtador.com.br/vBDJT

Referências:

VERGUEIRO, Paola Vieitas. Jung, entrelinhas: reflexões sobre os fundamentos da teoria junguiana com base no estudo do tema individuação em Cartas. Psicologia: teoria e prática, v. 10, n. 1, p. 125-143, 2008.

SAID, Leticia Gonçalves et al. O mito de Ulisses como metáfora do processo de individuação masculino no modelo junguiano. Dissertação de Mestrado. 2019.

Compartilhe este conteúdo:

“Cinderela” e o processo de individuação nos contos de fadas

Compartilhe este conteúdo:

Concorre ao OSCAR de Melhor Figurino

Banner Série Oscar 2016

Era uma vez uma bela menina chamada Ella que vivia com seus pais em um paraíso idílico,
até a morte de sua boa mãe… 

Assim começa a nova adaptação do famoso conto de fadas Cinderela, com a morte da boa mãe e a subsequente substituição pela madrasta má. Antes de analisar essa substituição da figura materna, é importante observarmos alguns pontos do começo da história, bem como a quantidade de personagens.

No início então temos apenas três personagens: Ella, sua mãe e seu pai, ou seja, uma tríade. Para Carl Jung (1979), o número quatro representa a totalidade (as quatro estações do ano, os quatro evangelistas, os quatro rios que saem do Paraíso, as quatro funções da consciência etc).

No filme começamos com apenas três personagens. Isso significa que falta um elemento para a totalidade. Esse quarto elemento é o que está mais próximo ao inconsciente e vem trazer aquilo que está faltando para a consciência, e costuma ser o depositário das projeções dos aspectos sombrio da consciência. Essa trindade inicial então é destruída com a morte da mãe da menina. Nos contos de fadas é comum a heroína perder a mãe e aparecer uma substituta má.

A morte da boa mãe simboliza um momento crítico na vida da criança, onde há a perda do paraíso e da identificação com as figuras parentais. Ela ocorre justamente na passagem da infância para a adolescência, quando os pais são vistos com seres imperfeitos e iniciando nesse instante a criação do ego, por meio do choque e do conflito.

De acordo Von Franz (2010):

“A morte da mãe significa, pois, simbolicamente, que a menina toma consciência de que não pode mais se identificar a ela, ainda que a relação positiva essencial e afetiva permaneça. A morte da mãe é, portanto, o início do processo de individuação.”

Na versão de Cinderela escrita pelos irmãos Grimm, a boa mãe morre e sobre seu tumulo cresce uma árvore onde pousa uma pomba branca que aconselha a menina. Segundo Von Franz (2010), algo sobrenatural sobrevive à morte da figura materna positiva e a substitui; uma espécie de fetiche a qual encarna o espírito da mãe. O filme segue a versão de Charles Perrault onde – ao invés da árvore – temos uma Fada Madrinha que vem ajudar a menina. Ela também simboliza o espírito da boa mãe e também da velha sábia, como veremos a seguir.

A trindade inicial se transforma em um quatérnio feminino, formado por Ella, a madrasta e as filhas dela. Mas, antes de nos aprofundarmos nesse quatérnio é importante mencionar que no começo do filme é salientado o fato de Ella não ser uma princesa, mas alguém do povo. Isso é incomum nos contos de fadas, onde geralmente a heroína é alguém da família real.

Essa mudança vai trazer algumas repercussões interessantes para o filme. Repercussões essas não exploradas no conto original, mas que trazem uma dimensão interessante para a história, e para a compreensão de algumas mudanças na consciência coletiva.

No processo de individuação da mulher, a identificação com a mãe boa constitui um sério risco, pois é mais comum a mulher seguir padrões instituídos pela sociedade e pela família (não é à toa que a moda é esmagadoramente voltada para o público feminino). Assim, ter uma mãe boa demais pode ser muito prejudicial à individuação da mulher, pois ela terá muita dificuldade em se desligar dos padrões impostos pela mãe, e se tornará uma simples cópia.

Vemos isso claramente nas irmãs postiças de Cinderela, elas não possuem personalidade própria, se vestem igual e seguem exatamente o que a mãe diz.  A mulher precisa ter um comportamento feminino autentico e não um modelo feminino típico. Dessa forma ela poderá mostrar a sua individualidade e a sua diferença no mundo. Nesse contexto, a madrasta simboliza a boa mãe, num pólo ambivalente, que deixou de ser boa, e devorou a personalidade de suas filhas, tornando-se também: a madrasta.

Em nossa sociedade ocidental a figura da mãe é permeada apenas pelo lado luminoso. Os aspectos sombrios da figura da Grande Mãe foram suprimidos em nossa sociedade, isso afetou diretamente as mães pessoais, que se sentem no dever de serem perfeitamente boas. No filme, a mãe de Cinderela aconselha sua filha a ser sempre gentil e corajosa, ou seja: sempre bondosa! A madrasta surge na história para trazer outra dimensão à personalidade de Cinderela. A figura da madrasta vem para complementar a ingenuidade e a doçura sem limites da moça.

Cinderela é aquela que busca a sua individualidade, por isso é a heroína e também por isso sofre perseguições. Se observarmos grupos de meninas podemos ver que elas se comportam e se vestem de forma igual para se sentirem aceitas e pertencentes. Aquelas que de certa forma não se encaixam nesses padrões são postas de lado e perseguidas.

Ser aceita é parte do comportamento e busca do feminino, e não ser traz muito sofrimento a mulher, como vemos em Cinderela. No entanto, esse sofrimento é compensado com uma personalidade mais sólida e mais individuada. Vemos que Cinderela busca a individuação quando ela pede ao pai um galho de árvore e não o mesmo que suas irmãs. A árvore é símbolo do processo de individuação, simbolizando o crescimento natural da personalidade.

Agora se observarmos do ponto de vista da madrasta (que aqui possui uma dimensão mais humana que no conto), ela faz de tudo para ser aceita e inclusa. Seus atos são validados pela dor de competir com a esposa morta pelo amor do marido. É bem notório que quando alguém morre passa a ocupar um status de alguém impecável e sem defeitos. Pois bem, a madrasta é humana e sofre pelo fato de competir com uma “deusa”, por essa razão ela passa a perseguir a filha dessa mulher, uma vez que ela lembra a esposa morta.

Ella então se torna uma serviçal e passa a dormir entre as cinzas.  As cinzas representam a humilhação, descida de classe social, bem como a contrição e a humildade. Elas podem ser associadas a operação alquímica da mortificatio, que representa a experiência da morte e da transformação do corpo em cinzas por meio da queima no fogo das emoções. É uma derrota para o ego, um encontro com seus aspectos sombrios.

Isso significa que o aspecto ingênuo e infantil da psique de Cinderela deve morrer, antes que ela possa entrar contato com o masculino. Ella passa então a se chamar Cinderela, ou Gata Borralheira. Houve uma iniciação e agora ela não é mais a mesma pessoa. A garota indignada foge para a floresta e encontra o príncipe que está em uma caçada a um cervo.

Nesse ponto há uma mudança significativa em relação ao conto: passamos a ver o dilema do príncipe! Coisa que no conto original não há. Descobrimos então que o príncipe, não tem mãe e está com seu pai doente. Sendo necessário que ele encontre uma esposa para que possa assumir o posto de rei. Mas essa esposa deve ser uma princesa. Nos contos de fadas clássicos é comum termos um rei que está doente, ou velho demais e que precisa ser substituído.

O rei que simboliza a manifestação do Self na consciência coletiva precisa se renovar. Isso significa que os símbolos coletivos do Self se desgastam. As religiões, as convicções e as verdades, tudo envelhece e precisa ser renovado. Tudo o que dirigiu uma sociedade por determinado tempo é deficiente, no sentido que envelhece (VON FRANZ, 2011). E o rei doente é justamente esse símbolo e o príncipe é aquele que trará essa renovação.

No filme vemos que o reino é composto apenas por figuras masculinas. Isso significa que a consciência coletiva está se dirigindo unilateralmente e sendo pautada apenas pelo princípio masculino. Há carência de Eros nas relações e tudo deve ser seguido conforme as normas e as regras estipuladas, e elas devem ser mantidas. Von Franz (2011) aponta que o feminino é muito mais subjetivo e voltado para a exceção. A mulher rompe as regras em função dos sentimentos. O feminino traz a flexibilidade.

Portanto há uma ênfase exagerada na consciência coletiva para os princípios masculinos. E todo exagero é prejudicial. É extremamente importante que busquemos o equilíbrio desses aspectos complementares uma vez que temos que conviver com eles tanto interna quanto externamente.

O príncipe ao encontrar Cinderela desiste de caçar a corça, pois percebe que isso era algo que ele fazia de forma automática, apenas porque todos faziam. Ele se apaixona por ela, uma simples camponesa, e não desiste de fazer dela sua esposa. Ou seja, ele abre a exceção em função do seu sentimento. Podemos então dizer que ele possui uma relação mais saudável com o feminino e com sua função sentimento. Ele está apto então a trazer esse equilíbrio para a consciência.

O rei nos contos deve ser fértil para que o reino também seja, e ele não pode ser fértil sem sua contraparte feminina. Assim como a mulher também não se torna fértil sem sua contraparte masculina. Ao encontrar Cinderela e se volta para uma nova dimensão de sua alma, a da exceção em favor do sentimento, e ela se volta para uma coragem e uma força interior desconhecida. Acontece então o famoso baile e Cinderela é proibida de ir pela madrasta. E nesse instante aparece a famosa fada madrinha.

A fada como interpretamos anteriormente simboliza o espírito da boa mãe que permanece na heroína e no filme ela também aparece com o aspecto de velha sabia. Como no conto ela usa de magia para transformar os animais em cocheiros, a abóbora em carruagem e o vestido rasgado em um novo. O ato de usar magia nos contos de fadas para escapar de um perigo ou conseguir algo, significa que não se está pronto para enfrentar um conflito diretamente e para isso se usa um subterfúgio para contornar a situação.

Psicologicamente significa que, por vezes, não podemos enfrentar diretamente um conflito e precisamos aguardar o momento certo para isso. Esses conflitos muito difíceis não devem ser enfrentados apenas pelo ego, eles precisam da ajuda do Self. No filme, então, Cinderela não enfrenta a sociedade com sua identidade real. Ela precisou da magia para fingir quem não era e assim poder ser aos poucos conhecida pela sua beleza interna.

É interessante observar que a única coisa que a Fada Madrinha não transformou foi o sapato. Esse ela criou “do nada”! Os sapatos, assim como a roupa, estão ligados a persona. Com eles mantemos os pés na terra, simbolizando a atitude da realidade. Com ele podemos seguir um caminho e também pisar em alguém, mostrando o aspecto de poder do indivíduo (VON FRANZ, 2002). No filme e no conto eles mostram a classe social da pessoa.

Cinderela então está em busca de uma realidade própria, sua autoafirmação na sociedade e no mundo exterior sem seguir as convenções e padrões. O sapato no filme é de cristal.  Cristal em grego krystallos, significa “gelo” e simboliza tudo o que é puro, espiritual, se assemelhando ao diamante. Ele seria uma indicação da luz divina. O diamante é uma pedra de uma dureza imensa, sendo capaz de cortar até o ferro. Em contos de fadas é comum o herói ao final de sua jornada encontrar um diamante ou outra pedra preciosa, simbolizando a meta da individuação.

O cristal então assim como o diamante, então são símbolos da pedra filosofal. Ou seja, da meta da individuação, do Self. Ele simboliza a individualidade mais profunda do indivíduo e que não pode ser destruída. O sapato de cristal é a única coisa que sobrevive após o término da magia e é a única coisa que realmente pertence à Cinderela e que vai mostrar a sua verdadeira identidade ao príncipe. Ele é o símbolo da realidade única da personalidade de Cinderela, seu valor mais profundo diante da aparente pobreza. Ela pode se tornar rainha agora e enfrentar as irmãs e a madrasta, pois encontrou a sua meta.

Para Jung, é a anima no homem e o animus na mulher que indicam a meta da individuação. Ou seja, o amor pelo príncipe a fez seguir algo que ela nem sabia bem ao certo o que era e se era possível de alcançar, mas ela já não conseguia mais ficar parada sem agir. O príncipe então já rei, devido à morte do pai, vai ao encontro de Cinderela com o sapato perdido. E assim como no conto o sapato só cabe no pé da verdadeira dona.

No conto original as irmãs chegam a mutilar os pés para poder colocar o sapato, o que foi suprimido no filme para que não chocasse o público. Mas mutilar os pés significa que ninguém pode viver a vida de outro sem mutilar uma parte de sua própria personalidade. O Self nos manda sempre aquilo que devemos viver. A porção que nos cabe e que é só nossa.

Cinderela então se torna rainha e o reino encontra a renovação e o equilíbrio temporários, pois em breve uma nova aventura aparecerá, uma vez que esse reino uma hora precisará de outra renovação. Outros aspectos inconscientes deverão ser encarados. E é assim com a nossa vida também, constantemente somos forçados a olhar para outros aspectos desconhecidos de nós mesmos.

Referências:

EDINGER, E. F. – Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. A Interpretação Psicológica do dogma da Trindade. Vozes. Petrópolis: 1979.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

VON FRANZ, M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 2002.

VON FRANZ, M. L. A individuação nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 1999.

VON FRANZ, M. L. O gato – Um conto da redenção feminina. 3 ed. Paulus. São Paulo: 2011.

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2016: http://encenasaudemental.com/serie-oscar-2016


FICHA TÉCNICA DO FILME

Título Original (EUA): Cinderella
Direção: Kenneth Branagh
Música composta por: Patrick Doyle
Duração: 112 minutos
Ano: 2015

Compartilhe este conteúdo: