Tratamento de Depressão e o Preconceito contra os Antidepressivos

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Vivemos em um tempo onde cada vez mais se torna comum termos contato com o adoecimento psíquico, seja porque nós mesmos estamos vivenciando, ou temos pessoas próximas que passam por estes desafios e assim afetam também a vida dos que os rodeiam, gerando muitas vezes busca por conhecimento acerca do que são os transtornos, como se manifestam, como podem ser tratados, e nos perguntamos qual o melhor tipo de tratamento para cada um, se realmente precisa de remédio, ou às vezes se basta somente tratar com remédio.

Um dos transtornos mais comuns que se vê na atualidade é a depressão, onde temos como características mais comuns o humor deprimido, a falta de interesse em atividade cotidianas, isolamento, e em casos mais graves pode levar até a ideação suicida. A depressão coloca o indivíduo em um sofrimento que pode chegar a níveis extremos, que pode dificultar a vivência das relações, trabalho, estudos, todas as realidades daqueles que a vivenciam.

Para falarmos sobre o tratamento mais adequado e eficaz para este adoecimento, precisamos compreender como ele acontece, suas causas, e como se dá o aprofundamento dos sintomas, e um consenso de que a depressão pode se desenvolver por diversos fatores, sendo alguns deles a predisposição genética, acontecimentos traumáticos, personalidade, sociais e de relacionamentos interpessoais, não pode ser atribuída a uma única (BARROSO, 2018).

No nosso cérebro por algum ou mais um destes motivos os neurônios para de produzir um ou mais dos seguintes neurotransmissores: serotonina, noradrenalina e dopamina, conforme Lage (2011), e com a diminuição na produção desses neurotransmissores começa a diminuir a quantidade de sinapses realizadas, e os neurônios vão sendo cada vez menos estimulados, a partir deste momento já aparecem os primeiros sintomas. É importantíssimo que desde os primeiros sintomas procure ajuda, pois a tendência é de que com o passar do tempo os sintomas se aprofundem, os neurônios que estão sendo pouco estimulados, param de produzir uma vitamina chamada BDNF, vitamina que é alimento dos neurônios, e passam a diminuir a quantidade de suas conexões, e chegando ao ponto destes neurônios deixarem de existir.

Figura 1 – Esquema de neurônios com e sem a vitamina BDNF que só é produzida em neurônios que são frequentemente estimulados.

 

Uma breve analogia para entendermos este processo natural do organismo é quando praticamos alguma atividade física, e nosso corpo vai ganhando mais músculos nas áreas mais estimuladas e vai se fortalecendo, no entanto quando deixamos de fazer atividade física tudo aquilo que havia sido adquirido de massa muscular e preparo físico logo desaparecem, dessa mesma forma se dá no cérebro humano, a medida que uma parte deixa de ser estimulada ela começa a diminuir e por fim os neurônios vão deixando de existir. Assim é possível observar os casos mais profundos de depressão que os indivíduos apresentam muita dificuldade de melhora, se dá justamente por esta perda de massa cerebral.

Partindo deste entendimento da depressão, como traçar a melhor forma de tratamento? Para este, como para muitos transtornos não há uma resposta certa que contemple todos as pessoas, cada pessoa que vive com este transtorno o experimenta de uma forma, apresenta sinais e sintomas diferentes, e isto afeta suas realidades também de formas diferentes. Por isso o tratamento para cada paciente é único, mas podemos aqui trazer aspectos essenciais para o tratamento, como ao perceber os primeiros sintomas já buscar ajuda profissional, procurar terapia para trabalhar suas questões de sofrimento e fazer psicoeducação aprendendo a identificar e lidar com os sintomas, percebendo a necessidade buscar o tratamento medicamentoso, procurar criar hábitos saudáveis, tanto em nível de alimentação quanto a atividade física, e contar com o apoio da rede de apoio, pessoas próximas com se tem bom vínculo de confiança.

Como falado para cada pessoa existe um tratamento específico, estes aspectos citados são os basilares de qualquer tratamento deste transtorno, e para além deste entram as estratégias específicas para cada realidade encontrada. E aqui nesse processo de tratamento podemos encontrar muitos desafios relacionados à adesão ao tratamento, tanto a resistência das pessoas em buscarem a terapia para trabalhar suas questões pessoais, quanto o preconceito quanto ao tratamento medicamentoso quando ele é evidenciado como necessário no caso em questão.

Trazemos ainda como marca da sociedade media certa resistência quanto a terapia, que por gerações foi tido como coisa para ‘loucos’, comportamento este que expõe os indivíduos a se permitirem sofrer muito mais do que precisam e por vezes esperar que seus sofrimentos cheguem a níveis que já atrapalham todas as áreas de suas vidas para só neste momento buscarem ajuda para lidar e manejar seus problemas. 

Outro grande problema frequente no tratamento da depressão está no preconceito ligado ao uso do medicamento, que pode se dar por diversos motivos como por não ser bem explicado aos indivíduos que começam este tipo de tratamento que ele demora certo tempo para começar a apresentar o efeito desejado de melhora nos sintomas da depressão, e que, no entanto os efeitos adversos podem começar no dia seguinte ao início do tratamento. 

Questão comum também ligada ao tratamento medicamentoso no tratamento é o medo de se tornarem dependentes pelo resto de suas vidas do remédio, no entanto não a menor parte das pessoas que fazem tratamento com antidepressivos acaba tendo que fazer uso por tempo muito mais prolongado do medicamento, justamente por estar vivenciando uma depressão mais profunda com perda de massa encefálica, o que dificulta a recuperação do indivíduo. 

Faz-se necessário compreender o porquê da demora do medicamento em trazer a melhora em relação a velocidade em trazer seus efeitos colaterais. Como visto a depressão altera o processo de produção de um ou mais dos neurotransmissores, serotonina, noradrenalina e dopamina, então a maioria dos antidepressivos age nos neurônios impedindo que ele recolha os neurotransmissores que ainda não se uniram aos receptores do outro neurônio fazendo que estes neurotransmissores passem mais tempo na fenda e possam se ligar e produzam assim a quantidade normal de sinapses (comunicação elétrica entre neurônios), com a quantidade baixa que está sendo produzida pelos neurônios.

No entanto, os mesmos neurotransmissores importantes na depressão, também estão diretamente ligados a outros processos no corpo humano, como olhos, glândulas salivares, intestino, pâncreas, rins, fígado, coração, pênis. O remédio que faz efeito nas sinapses cerebrais também faz nestes sistemas, pois usam os mesmos neurotransmissores, o que explica os efeitos colaterais dos medicamentos, algo importante a ressaltar é que estes efeitos são considerados efeitos leves que o organismo do indivíduo a curto prazo ou deixam de existir ou são assimilados pelo organismo e o indivíduo encontra meios para lidar com os efeitos no cotidiano, como a sensação de boca seca, que faz com que a pessoa passe a tomar mais água em vista de diminuir esta sensação.

Mas por que o antidepressivo não tem ação rápida, e eficaz já no primeiro dia? O cérebro tem seu sistema de segurança e Feedback, cada neurônio tem uma estrutura que analisa a quantidade de neurotransmissores lançados na fenda sináptica e envia um Feedback para o próprio neurônio, ou indicando que esta tudo normal ou esta estrutura percebe que tem um volume muito elevado de neurotransmissores e começa a agir diminuindo ainda mais a produção de neurotransmissor e diminuindo a quantidade que é lançada na fenda, só depois de alguns dias ou semanas fazendo o uso da medicação é que esta estrutura desiste de inibir a produção e as sinapses voltam à normalidade e assim a pessoa passa a sentir a melhora com o uso do remédio. 

Figura 2 – Neurônio serotoninérgico, auto receptor é destaque em roxo.

Com o passar de alguns meses fazendo o uso corretamente da medicação o neurônio que foi muito estimulado, voltou a produzir sua vitamina e pode voltar a produzir em quantidade normal os neurotransmissores que estavam sendo produzidos em baixos níveis, paralelo a este tratamento medicamentoso que trata os sintomas, se o indivíduo buscou a terapia tratou também as possíveis causas do transtorno, podendo fazer com que estes níveis de neurotransmissores não voltem a diminuir, e se organizou em relação a hábitos saudáveis, esta pessoa tem grandes chances de ter uma vida melhor sem sofrer com sintomas de depressão, e poderá deixar de fazer o uso do medicamento, fazendo o desmame de forma correta junto ao profissional competente.

Portanto, diante da percepção dos sintomas, se faz necessário buscar ajuda, fazer terapia, buscar hábitos saudáveis, e se necessário viver o processo de tratamento medicamentoso para que tão logo quanto possível o organismo possa voltar a normalidade e que possa bem viver cada aspecto da vida. 

Referências 

BARROSO, Sabrina Martins; BAPTISTA, Makilim Nunes; ZANON, Cristian. Solidão como variável preditora na depressão em adultos. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, v. 9, n. 3, p. 26-37, 2018.

LAGE, Jorge Teixeira. Neurobiologia da depressão. 2011.

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O professor e o panorama da educação

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Comemorado no dia 15 de outubro, o Dia do Professor celebra a importância do profissional na construção do saber e do desenvolvimento educacional das crianças e adolescentes, bem como a formação cidadã. No entanto, a data merece uma reflexão, pelas condições precárias de trabalho e salarial, que ainda são submetidos, no Brasil. É preciso oferecer dignidade no ambiente de trabalho, bem como meios para o exercício, além de valorização. 

Talento e disposição não faltam para a turma da educação. Esse ano, um professor de matemática, goiano, encontra-se entre os 50 finalistas do prêmio internacional Global Teacher Prize, considerado o Nobel da educação. O professor de matemática, Greiton Toledo ficou conhecido por incentivar os alunos a pensarem como cientistas, além de usarem suas ideias para a elaboração de jogos e atividades educativas que possam auxiliar no tratamento do Parkinson. A doença afeta o sistema nervoso, de forma degenerativa, o que prejudica os movimentos musculares, bem como os tremores.

Professores também são super-heróis, e não usam capa. No ano de 2017, a professora Heley de Abreu, ficou conhecida nacionalmente, como uma heroína, por tentar salvar crianças, quando a creche, em que trabalhava, estava em chamas. Ela morreu ao tentar salvar todas as crianças, que estavam na escola. No ano anterior, a professora recebeu uma homenagem do governo Federal denominado “Povo Heroico”. 

Fonte: encurtador.com.br/zGMU9

Morais e Viecelli (2020) abordam que nos dias atuais, nunca se vivenciou um momento histórico tão conturbado em relação aos valores éticos, sociais, morais e culturais, novos contextos os quais precisam ser trabalhados, em sala de aula.  Ou seja, toda esses dilemas são levados para dentro de sala de aula, nesse sentido, o professor vai além de um educador, torna-se um profissional que ensina para a vida. “Definir o que são valores é algo que pode seguir lados opostos, gerando opiniões paralelas, o objetivo de seguir essa temática é criar discussões acerca das diferenças, ensinando os discentes a respeitá-las.” Morais e Viecelli (2020). 

Duarte (2009) define que o professor é um dos principais atores inseridos no processo de aprendizagem, que além de ensinar o conteúdo em sala de aula, auxilia na motivação e orientação, como um facilitador de aprendizagem. Mesmo com toda essa importância, muitos professores são alvo de violência na escola é o que confirma a pesquisa elaborada pelo Instituto Locomotivo e pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). 

Os dados analisados denunciam que 54% dos professores já sofreram algum tipo de violência na escola.  A pesquisa foi feita, em 2019, com base nos índices do Estado de São Paulo, números que alertam sobre os riscos contra os professores. Ademais, a luta pela valorização dos professores do ensino público e privado é algo diário e precisa contar com o apoio da população, em especial dos pais. Nesse sentido, segue algumas dicas de filmes para assistir junto com a família, e contar depois para seu professor. Entre, eles estão Sociedade dos Poetas Mortos, Ó ódio que gerou o amor, O sorriso de Monalisa e Escritores da Liberdade.

Fonte: encurtador.com.br/uT567

Referências

Duarte, R. G. Os determinantes da rotatividade dos professores no Brasil: uma análise com base nos dados do SAEB 2003. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

G1 Goiás. Professor do IF Goiano é único brasileiro entre 50 finalistas do Global Teacher Prize 2021. Disponível em https://g1.globo.com/go/goias/noticia/2021/09/14/professor-do-if-goiano-e-unico-brasileiro-finalista-no-global-teacher-prize-2021.ghtml. Acesso 13, de out, de 2021.

 Correio Braziliense. Professora que morreu em incêndio em homenageada como heroína da pátria. Disponível < https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2020/09/4873805-professora-que-morreu-ao-salvar-criancas-de-incendio-e-homenageada-como-heroina-da-patria.html>. Acesso 13, de out. de 2021.

Instituto Locomotiva e Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Disponível em <  http://www.apeoesp.org.br/noticias/noticias-2019/pesquisa-indica-aumento-de-casos-de-violencia-nas-escolas-publicas-de-sao-paulo/ >. Acesso 13, de out de 2021. 

Moraes, T; e  Vieceli,G.  A importância dos valores na formação cidadã dos alunos da educação básica (2020). Disponível em < file:///C:/Users/Daniel/Downloads/26142-Texto%20do%20artigo-87843-1-10-20200831.pdf > Acesso. 12, de out, 2021.

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Terapia Cognitiva-Comportamental e recolocação no mercado de trabalho

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O momento que vivemos, por si só, já é um grande causador de quadros depressivos e de transtornos de ansiedade. Ao somar com a falta de espaço no mercado de trabalho, o sofrimento torna-se pior e, com isso, a desesperança toma conta. O que muitos não sabem, é que a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode ajudar a melhorar esse quadro e auxiliar a pessoa a se tornar capaz de conseguir uma recolocação no mercado.

 

 A TCC se baseia na ideia de que não é a situação que você vive que desencadeia as emoções, mas, sim, a forma com que as percebe. Os pensamentos gerados a partir disso podem ser disfuncionais e negativos, desencadeando uma depressão, por exemplo. 

Há indivíduos que constroem na mente um sistema de crença com foco em se desvalorizar, fazendo-o achar que é incapaz de assumir certas posições e responsabilidades, principalmente no mercado de trabalho. Essa maneira de ver a vida o impede de crescer e conseguir uma recolocação. Para lidar com esses sentimentos, a Terapia Cognitivo-Comportamental ajuda a pessoa a perceber os pontos positivos e exaltar as capacidades e potências individuais. 

 

O trabalho inicial do terapeuta é de desconstrução. Depois, o profissional tem a missão de fazer com que o próprio paciente tenha habilidades para entender onde estão sendo disparados os gatilhos e a forma com que ele percebe as situações. A partir desse momento, começamos a atuar no sistema da crença, que geralmente vem acompanhada de outras emoções como tristeza e apatia. 

A TCC faz uma psicoeducação, onde o indivíduo passa a se conhecer, a se perceber e, juntos, saem dessa situação ou dessa patologia, que chamamos de depressão. Assim, a pessoa está pronta para se recolocar no mercado e em qualquer outro ambiente. Portanto, não tenha medo de buscar a terapia. Ela é capaz de ajudar em diversas situações da vida. 

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Relação entre ciência e educação no Brasil

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Antes de refletirmos sobre a relação entre ciência e educação no Brasil é importante compreendermos o significado de “ciência” e “educação”. Esse movimento inicial nos permitirá estabelecer as diretrizes e limites da análise proposta inicialmente.

Uma consulta rápida em qualquer dicionário nos indica alguns conceitos pertinentes sobre essas duas categorias teóricas. Assim, como ciência é possível entender: “Reunião dos saberes organizados obtidos por observação, pesquisa ou pela demonstração de certos acontecimentos, fatos, fenômenos, sendo sistematizados por métodos ou de maneira racional” (DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, 2019), ou ainda, “Ramo específico do conhecimento, caracterizado por seu princípio empírico e lógico, com base em provas concretas, que legitima sua validade” (MICHAELIS ON-LINE, 2019). Já por educação é possível inferir: “Processo que visa ao desenvolvimento físico, intelectual e moral do ser humano, através da aplicação de métodos próprios, com o intuito de assegurar-lhe a integração social e a formação da cidadania” (MICHAELIS ON-LINE, 2019).

A ciência, de acordo com Neto (2015, p. 5, grifo meu), “constrói-se contra o senso comum, e estar vigilante é buscar sempre ultrapassar os obstáculos epistemológicos [1] que se apresentam”; todavia essa construção não ocorre de forma linear, pois é também produzida por cortes, rupturas e crises. Na mesma perspectiva Bourdieu (apud NETO, 2015) complementa e afirma que o avanço científico requer sempre uma postura investigativa, pois a ciência é feita para ser superada.

A educação, como casa do saber científico, por meio dos seus métodos próprios deve assegurar a materialização de um dos seus principais papéis, que é, na perspectiva de Neto (2015), a instauração do habitus científico [2] nos alunos. Ou seja, deve permitir ao mesmo tempo, “um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas” (BOURDIEU apud NETO, 2015, p. 7).

Bourdieu (apud SÁ, 2016, p. 198, grifo do autor), ao ponderar ainda sobre a ideia de habitus científico, menciona que “é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi científico que funciona em estado prático segundo as normas da ciência sem ter estas normas na sua origem”; e mais, “assume formas específicas segundo as especialidades: […] os contatos entre ciências, que, tal como os contatos entre civilizações, possibilitam a explicitação das disposições implícitas, especialmente nos grupos interdisciplinares que se constituem em redor de um novo objeto” (p. 198).

Por fim, Neto (2015) destaca a importância de se instaurar no aluno uma formação que, imbuída do habitus científico, o habilite, o torne sujeito do seu conhecimento a agir e pensar de acordo com regras ou princípios exigidos pelo campo científico.

Fonte: encurtador.com.br/evO06

Ao retornar especificamente a questão inicial podemos mencionar que no Brasil a relação entre ciência e educação passou, no século XX, de acordo com Saviani (2010), da ciência como aspiração à ciência como suspeição. Impulsionada pelos renovadores a educação brasileira buscou ancorar-se em bases científicas elegendo a ciência como a grande aspiração de uma concepção pedagógica que pudesse orientar a reconstrução social do país pela reconstrução educacional [3].

Como resultado dessas iniciativas educacionais renovadoras, se até a década de 1940 o embasamento científico da educação girava, predominantemente, em torno da psicologia, na década de 1950 foi marcada por importante deslocamento em direção à sociologia, o que permitiu a Luiz Pereira referir-se, em 1962, a uma acentuada ‘sociologização’ do pensamento pedagógico brasileiro, afirma Pereira (1971 apud SAVIANI, 2010, p. 17).

Ao longo da década de 1960, continua Pereira (1971 apud SAVIANI, 2010), à vista da emergência de temáticas como o papel da educação no desenvolvimento econômico, a questão do financiamento do ensino e a relação entre educação e trabalho, o pensamento pedagógico tendeu a incorporar outra área de estudos científicos: a economia.

A década de 1980 é marcada por grande pela emergência das teorias críticas, partindo das ciências bases da educação (filosofia, história, psicologia, sociologia), se espraiou para a didática e para as habilitações pedagógicas (supervisão, orientação, administração) (SAVIANI, 2010). Parecia, pois, “que o pensamento pedagógico brasileiro havia atingido seu grau máximo de maturação estando na iminência de proclamar sua autonomia epistemológica e conquistar espaço próprio no conjunto das ciências humanas” (p. 17).

Nos anos de 1990 temos o abandono daquela expectativa há décadas acalentada, e a ciência passará de objeto do desejo dos educadores a motivo de suspeita, menciona Saviani (2010). Para o autor ainda,

a percepção de que também não se pode confiar na ciência, um tipo de conhecimento que não merece maior crédito do que os demais. Já que foi posta de lado a razão como faculdade capaz de captar o real, de pôr ordem no caos, de estabelecer princípios explicativos que nos permitiriam compreender como o mundo está constituído, entende-se a dificuldade de se caracterizar o tipo de pensamento pedagógico da época que estamos atravessando (p. 19).

Todavia, na tentativa de identificar as linhas básicas desse pensamento Saviani (2010) cita:

  1. a) neoprodutivismo, que subverte as bases sócio-econômicas que o pensamento pedagógico buscava encontrar nas ciências sociais; b) neoescolanovismo, que metamorfoseia as bases didáticas que se procurava definir pela pedagogia entendida como ciência da educação; e c) neoconstrutuvismo, que faz refluir as bases psicopedagógicas que se buscava construir pelas investigações da ciência psicológica (p. 19).
Fonte: encurtador.com.br/myGLU

Já nos anos 2000 ocorre a sinalização de um revigoramento do pensamento pedagógico crítico. Assim, além do pensamento pedagógico hegemônico que se manifesta nas três vertentes já mencionadas anteriormente (neoprodutivista, a neo-escolanovista e a neoconstrutivista), soma-se a pedagogia histórico-crítica que, na trilha aberta por Marx, não abdica de uma concepção claramente realista, em termos ontológicos, e objetivista, em termos gnosiológicos (SAVIANI, 2010). Para o autor, essa última

está empenhada em produzir conhecimentos cientificamente fundamentados capazes, em consequência, de orientar eficazmente a prática educativa constituindo-se, pois, numa orientação pedagógica crítica contraposta à orientação pedagógica de matriz pós-moderna, relativista e eclética que, sendo hegemônica na contemporaneidade, vem dificultando a solução efetiva dos graves problemas educacionais que enfrentamos em nosso país (p. 21).

Ao discorrer sobre essas diferentes perspectivas teórico-científicas e sua influência na educação não é possível deixar de mencionar que as mudanças e transformações no campo da educação e da realidade social não se limitam ou se resumem a essa dimensão teórica. Há que se ponderar que reflexos positivos na nossa sociabilidade não se darão de maneira independente ou autônoma da educação e sim com alterações em campos estruturais e estratégicos como o econômico.

Ao ponderar sobre o atual sistema educacional brasileiro, Neto (2015) menciona que suas bases e princípios científicos remontam do século XVII, período em que o pressuposto para conhecer era a observação e a ciência era vista como o acúmulo de teorias e leis. Para ilustrar tal contexto Kocke (2007 apud NETO, 2015, p. 10, grifo do autor) destaca que

Há uma visão vigente e expressa nos próprios manuais, que apresenta a ciência como um conhecimento pronto e acabado, […] e, apesar da ciência ter evoluído, a escola continua a ensinar conhecimentos prontos, cultivando uma ciência imóvel… o professor se transformou em um auleiro, transmissor de verdades estáticas, e o bom professor é aquele que consegue dar esse espetáculo de ilusionismo: demonstrar como verdadeiro e imutável o saber que está em permanente revolução.

Mello (2015) destaca que, face às inúmeras e crescentes transformações políticas, econômicas e tecnológicas pelas quais a sociedade contemporânea tem passado nos últimos anos, o apelo às reformas educacionais é constantemente renovado e repercute em novos desafios aos profissionais da educação, pois “o que está em jogo, […] é uma espécie de desconfiança da capacidade dos professores de oferecerem uma formação técnica e intelectual satisfatória para seus alunos” (p. 22, grifo meu).

Fonte: encurtador.com.br/oqvAU

Para Simões (2013) as reformas educacionais alegam a necessidade de um novo modelo de formação em sintonia com as mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas. O autor ainda pondera que “Embora a problemática da dicotomia entre teoria e prática e das deficiências dos cursos de formação de professores estejam sendo amplamente discutidas, o problema persiste” (p. 29); e acrescenta

para uma forte tendência em propor, nesse processo de mudança, uma concepção de professor que reflita sobre seus saberes e sua prática, instigando as instituições de formação de professores a questionar sua tarefa formadora. Esses questionamentos perpassam pela articulação teoria e prática na composição da matriz curricular dos cursos de formação de professores (p. 57).

Segundo Marli André (2001 apud Mello, 2015), a partir de 1980 ocorreu no Brasil, uma crescente valorização da pesquisa na formação do professor, sobretudo com destaque à articulação entre a teoria e a prática, o que fomentou o debate das questões epistemológicas entre diversos autores: Tardif (2000), Schon (2000), Giroux (2003), Demo (2003), Luciola Santos (2001), Zeichner (2002) etc. Assim, é possível pontuar, conforme Mello (2015), que a aproximação entre diferentes saberes a partir da reflexão sobre a formação docente demanda uma aproximação entre os diferentes saberes a partir da reflexão sobre a experiência docente, permitindo problematizar e delimitar um campo de ação, uma crítica construtiva às suas próprias práticas. Com isso, o autor encerra comentando que para além do consenso geral de que a pesquisa é um elemento essencial na formação do professor, o processo de formação deve atualizar e aprofundar os parâmetros da construção, da reflexão e da crítica para que o professor consiga avançar no sentido da aquisição de maior autonomia profissional.

Considerando todos esses elementos apresentados é possível, em face da relação entre ciência e educação, entendermos que a educação não é uma ação neutra e não pode ser pensada desta forma. Temos, como docentes/educadores refletirmos sobre os efeitos de nossa prática e os pilares que dão sustentação a ela (dimensão teórica, ética, política, investigativa etc.). É necessário também romper com a rigidez estruturante e reducionista para alcançarmos metodologias mais dinâmicas, flexíveis e globalizadoras, que atendam ao menos em parte a imprevisibilidade e incerteza da sociabilidade atual. Assim, há de se perceber que o desafio não tem sede apenas no aparecimento de procedimentos novos de ensino, como sendo mais uma forma de facilitar o trabalho do professor e a aprendizagem do aluno. Faz-se necessário pensarmos a didática para além de uma simples renovação pedagógica de novas formas de ensinar e aprender, para além da busca de manutenção de uma ordem apenas instrumental da educação, o que Candau (2001) chama de “didática instrumental” [4], para o alcance de uma didática fundamental (CANDAU, 2001) [5]. A ação do professor, portanto, precisa estar embasada numa estrutura que não separe os fins pedagógicos dos fins sociais e científicos.

NOTAS

[1] Neto (2015) esclarece que os obstáculos epistemológicos são representados por tudo aquilo que nos impede o avanço do conhecimento e sua aproximação com a realidade, sendo o principal deles o senso comum.

[2] Para Bourdieu (apud NETO, 2015), o habitus científico refere-se a um conjunto de disposições, de formas de ser e de agir que são demandadas pelo campo científico. Instaurar o habitus científico, é, portanto, formar o sujeito para que possa “jogar” o “jogo jogado” nesse campo, para que se qualifique a disputar nesse campo.

[3] Saviani (2010) afirma que, baseado no ‘Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova’, Lourenço Filho transformou, em 1931, a Escola Normal de São Paulo em Instituto Pedagógico (cujos cursos centravam-se nas ciências básicas da educação); em 1932 Anísio Teixeira empreendeu a reforma da instrução pública do Distrito Federal; em 1933 Fernando de Azevedo realizou nova reforma da instrução pública no estado de São Paulo aprofundando, na organização da escola de professores, a institucionalização das ciências da educação; em 1938, foi criado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP (cujo primeiro diretor foi Lourenço Filho); em 1955 foi criado o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE.

[4] Para Candau (2001) a didática instrumental é concebida como um conjunto de conhecimentos técnicos sobre o ‘como fazer’ pedagógico, conhecimentos estes apresentados de forma universal e consequentemente desvinculados dos problemas relativos ao sentido e aos fins da educação, dos conteúdos específicos, assim como do contexto sociocultural concreto em que foram gerados.

[5] A didática fundamental está alicerçada, para Candau (2001), na multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem, ou seja, propõe a articulação das dimensões técnica, humana e política. Nessa perspectiva, a competência técnica e o compromisso político não se dissociam, e sim se interpenetram.

Fonte: encurtador.com.br/ryNXY

Referências:

CANDAU, Vera Maria. Rumo a uma nova didática. 12 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Ciência. Disponível em: < https://www.dicio.com.br/ciencia/>. Acesso em: 27 de abril de 2019.

MELLO, Jamer Guterres de. Articulações entre Saberes e Práticas Docentes: o Papel da Pesquisa na Formação de Professores. In: NETO, Honor de Almeida; et al. Docência Articulada com as Tessituras Sociais: Pesquisa. Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. ULBRA, 2015.

MICHAELIS ON-LINE. Ciência. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/busca?id=M4nL>. Acesso em: 26 de abril de 2019.

NETO, Honor de Almeida. Vigilância Epistemológica e Educação. In: NETO, Honor de Almeida; et al. Docência Articulada com as Tessituras Sociais: Pesquisa. Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. ULBRA, 2015.

SAVIANI, Dermeval. Ciência e educação na sociedade contemporânea: desafios a partir da pedagogia histórico-crítica. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/fazciencia/article/view/7434/5778>. Revista Faz Ciência, v.12, n.16 Jul./dez. 2010, pp. 13-36. Acesso em: 25 de abril de 2019.

SIMÕES, Rodrigo Lemos. Formação de Professores de História, Práticas e Discursos de Si. Tese (Doutoramento em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul / Programa de Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre, 2013.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n20/n20a05.pdf>. Acesso em: 25 de abril de 2019.

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