Psicoterapia no SUS: mudança de paradigmas

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Em dezembro de 2017 fiz o primeiro contato com a Unidade Básica de Saúde (UBS) que abrange minha quadra devido à continuidade de dias depressivos a que estava submersa. Confesso que já me direcionei à unidade pessimista, pois ao falar de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) a imagem que me vinha à cabeça era a seguinte: unidade lotada, funcionários mal educados e demora – muita demora – para enfim ser submetida ao atendimento. No entanto, a representação que existia nas minhas “caixinhas mentais” (categorização) deu lugar a uma significativa mudança e ruptura de pensamento: ao chegar no “postinho”, me deparei com pouquíssimos pacientes aguardando por atendimento e o mais incrível: fui rapidamente atendida.

O meu intuito era conseguir psicoterapia. Para isso, precisava antes passar pela triagem com a enfermeira e depois ser encaminhada para a médica clínica geral (que tinha consigo duas estagiárias). Naquele momento, fez algumas perguntas sobre meu estado e finalmente fui encaminhada para a profissional de Psicologia. Na recepção, fui informada de que em breve a psicóloga que atendia na unidade me ligaria e assim o tratamento breve se iniciaria. Contudo, passou-se 4 (quatro) meses e nada de me ligarem. Até cheguei a comentar com alguns amigos, demonstrando insatisfação: “se fosse para eu ter me matado, eu já o teria feito”.

Fonte: https://bit.ly/2JVwPgC

Assim, diante da demora e com uma amiga dizendo que já havia iniciado psicoterapia na UBS em questão me direcionei à mesma novamente, já que estava outra vez movida por esperança. Neste mesmo dia comecei a triagem com a psicóloga, processos identificatórios aconteceram e estive muito contente e disposta a me engajar com o tratamento – e que durará 3 (três) meses, devido à alta demanda do serviço.

Somado a isso, me sinto satisfeita por estar agora, em virtude das aulas de Saúde, Bioética e Sociedade, entendendo sobre os processos e características da rede, como: complexidade, saúde, doença, referência e contrarreferência. Este acréscimo de conhecimento me leva a enxergar o quão maravilhosa consegue ser a proposta de saúde que temos para a nação brasileira. No entanto, compreendo que, apesar dos princípios e diretrizes serem realmente motivadores para os corações sonhadores e crentes na possibilidade de mudança, há muito a ser feito para a melhoria de situações análogas a que vivenciei, por exemplo.

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Versão de Testes: os efeitos da psicoterapia

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Diferente dos outros episódios da série Black Mirror, Versão de Testes não traz apontamentos e reflexões sobre questões sociais carregadas de interferências tecnológicas, pelo menos, não de forma clara. Mas, algo a se notar, é a sua analogia aos efeitos da psicoterapia na vida de um indivíduo. O episódio inicia com Cooper (protagonista) saindo de casa de maneira sorrateira, para que sua mãe não o veja. Logo, percebe-se que o personagem é um aventureiro, acostumado a viajar por diversos lugares do mundo. Chegando ao seu destino, na Inglaterra, conhece Sonja através de um aplicativo de encontros, com quem divide a cama por uma noite e, na manhã seguinte, os seus problemas familiares.

Quando decide voltar para casa, Cooper percebe que não há mais dinheiro em sua conta bancária. Ao procurar Sonja para ajudá-lo, ela lhe indica um aplicativo para procurar empregos. Logo, eles encontram uma vaga na Companhia Saito Gemu, uma empresa de jogos de terror, onde Cooper faria parte da fase de testes de um jogo, antes desse ser lançado. Aqui, inicia-se o tom de mistério do episódio e também as analogias implícitas à psicoterapia. Ao chegar na Cia, Cooper é impelido a firmar um compromisso em forma de contrato com a empresa, representada por Katie, com quem Cooper parece sentir-se a vontade. Nesse contrato, fica explícito que tudo o que ocorrer ali, ficará entre ambos.

Fonte: https://goo.gl/BxDxjZ

É nesse ponto que começa-se a observar o início do processo psicoterapêutico, firmado por um contrato, em que suas ações (do psicoterapeuta) diante do cliente são de grande importância para que o contrato não se restrinja a um conjunto de regras de trabalho (como horários, pagamentos, férias, dentre outras) e se constitua num dos momentos fundamentais da relação terapêutica, caracterizando-se pelo engajamento de seus protagonistas quanto a uma proposta específica, seja de promover mudanças, aliviar sintomas ou proporcionar o crescimento emocional do cliente (WOLBERG, 1967 apud NEUBERN, 2010).

O jogo que Cooper está prestes a testar não possui um mapa a ser seguido ou um objetivo específico a ser alcançado, exceto o de sobreviver aos próprios medos. Isso porque, através de um dispositivo chamado cogumelo que fora colocado em sua nuca, seus dados neurais foram carregados e implantados em um óculos de realidade virtual, pelo qual a mente de Cooper cria imagens e somente ele as vê, como se fossem reais no plano físico.

Fonte: https://goo.gl/XPMyzj

Retomando o contrato psicoterapêutico, há de notar-se que Cooper criou um vínculo com Katie (pode-se dizer que ela representa o papel de psicoterapeuta), uma vez que a primeira imagem que sua mente cria é ela ao seu lado indo para a casa no qual o jogo aconteceria e onde ele ficaria sozinho enfrentando seus medos. Outra criação da mente de Cooper mostra Katie lhe entregando um ponto auricular, pelo qual ambos manteriam a comunicação.

Agora, Cooper está sozinho dentro da casa, onde seus maiores medos começam a assombrá-lo, como aranhas e o valentão da época de escola, Josh Peters. A medida que o tempo vai passando (tudo apenas na mente de Cooper) as situações assustadoras vão se intensificando, como uma aranha gigante com o rosto de Peters, um homem assutador com o rosto de Peters e Sonja aparecendo na casa dizendo-lhe que ele está em perigo e que precisa sair dali, um pouco antes de esfaqueá-lo e se transformar em um monstro.

Isso tudo remete ao processo psicoterapêutico, no qual a pessoa que o procura passa a enfrentar os seus maiores medos e monstros internos, trazendo a tona conteúdos passados, que se misturam aos conteúdos presentes e formam a sua história e complexidade. E, obviamente, esse não é um processo fácil, mas contido de dor e algumas resistências.

Fonte: https://goo.gl/aeCc97

O ponto alto do episódio é quando Cooper quer sair da casa, mas Katie lhe diz que ele precisa primeiro encontrar o ponto de acesso, que fica em um quarto no andar de cima. Chegando à porta desse quarto, Cooper resiste muito em abri-la, temendo que irá ver sua mãe ou seu pai pendurados em uma viga. Quando finalmente a abre e pergunta onde está o ponto de acesso, Katie diz que estava apenas o pressionando para ver até onde ele ia. Esse fato mostra uma postura inadequada do psicoterapeuta, cuja pode provocar alguns danos para a pessoa.

O psicoterapeuta deve adotar uma postura de não julgamento, de empatia e de respeito, procurando validar o que o cliente sente e ajudando-o a integrar as novas possibilidades que se vão apresentando, transmitindo assim a segurança necessária para avançar para a mudança. O papel do terapeuta é ajudar a refletir e desafiar em certos momentos, sempre respeitando o ritmo do cliente e transmitindo-lhe responsabilidade pelas suas escolhas (Portal Psiquilibrios).

Como Katie não respeitou o ritmo de Cooper, esse enfrentou um medo para o qual não estava preparado no momento, que era perder suas lembranças por meio do mal de Alzheimer, assim como seu pai. Sua mente cria a imagem dele saindo da empresa e voltando para casa, onde encontra sua mãe chorando e dizendo que precisa ligar para Cooper para ver se ele está bem, não o reconhecendo.

Fonte: https://goo.gl/2Sh3cY

Assim que ela liga para Cooper, a cena se volta para ele, sentado na cadeira de testes se debatendo, chegando ao óbito por interferência da ligação no celular. Até aqui, além da postura inadequada do psicoterapeuta, há de se observar também a influência da participação (ou no caso, a falta dela) da família no processo psicoterapêutico. Cooper queria fugir dos problemas em casa e da falta de vínculo com a mãe, que não sabia nem onde ele estava no momento.

Em analogia ao processo psicoterapêutico, isso é um problema, pois a família é o lugar onde se forma a estrutura psíquica e onde a experiência se caracteriza, em primeiro lugar, por padrões emocionais. A função de socialização está claramente implícita nesta definição, mas a família não está a ser conceptualizada primordialmente como uma instituição investida na função de socialização. Ela é, em vez disso, a localização social onde a estrutura psíquica é proeminente de um modo decisivo.” (Poster,1979 apud BOARINI 2003).

Fonte: https://goo.gl/ExL7T6

Assim, quando ocorre a interferência da mãe de Cooper no meio do processo psicoterapêutico sem que ela tenha conhecimento desse e também procure por mudanças e autoconhecimento, tudo o que Cooper alcançou se desfaz em meio a esse contato, simbolizado pela sua morte. Com tudo isso, fica a necessidade de se refletir sobre esse processo, sobre os papéis desempenhados, tanto pelo psicoterapeuta, como pelo cliente e sua família, onde todos precisam se comprometer e adotar posturas que beneficiem e tragam mudanças significativas e positivas na vida dos envolvidos.

REFERÊNCIAS

BOARINI, M. L. Refletindo sobre a nova e velha família. Psicologia em Estudo, Maringá, n. esp., p. 1-2, 2003. Disponível em: https://goo.gl/4N4tqF. Acesso em 19 de agosto de 2017.

NEUBERN, M. S. O terapeuta e o contrato terapêutico: em busca de possibilidades. Estud. pesqui. Psicol. vol.10 no.3 Rio de Janeiro dez. 2010. Disponível em: https://goo.gl/trGtY7. Acesso em 19 de agosto de 2017..

PSIQUILIBRIOS. O que é a Psicoterapia? Disponível em: https://goo.gl/TxJP8E. Acesso em 19 de agosto de 2017.

 

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Estudo de Caso: a fenomenologia-existencial e o silêncio em adolescentes

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O presente trabalho objetiva apresentar as formas com as quais o psicoterapeuta que atua na abordagem fenomenológico-existencial pode lidar com a dificuldade de expressão verbal do adolescente em processo terapêutico, ou seja, o silêncio, onde nem mesmo contato visual é estabelecido. Compreendendo assim, por meio dos pressupostos teóricos fenomenológico-existenciais humanistas, no que consiste a utilização da empatia, congruência, a aceitação positiva incondicional, de como podemos acolher a maneira de ser-existir, que o adolescente encontrou de se mostrar para o mundo, compreendendo seu embotamento e retraimento como uma forma de expressar seus conflitos e experiências existenciais.

A fenomenologia-existencial surge como a terceira força dentro da psicologia é basicamente influenciada pelos pensamentos filosóficos visando, portanto, abordar o fenômeno como ele se apresenta, ou seja, o sujeito em sua atual experiência vivencial, diante de suas dificuldades e conflitos (ARAÚJO, 2010).

A fenomenologia é a ciência que procura abordar o fenômeno, aquilo que se manifesta por si mesmo. Ela tem a intenção de abordá-lo, interrogá-lo, procurando descrevê-lo e tentando captar sua essência. Ela estuda o fenômeno tal qual ele se apresenta a consciência. O método fenomenológico consiste numa descrição sistemática dos fenômenos até chegar a sua essência, ao ponto final e irredutível da percepção” (ARAÚJO, 2010, p. 2).

Torna-se necessário para o psicoterapeuta existencial, saber reconhecer que cada ciclo da vida acarreta suas dificuldades, para que assim a psicoterapia possa atender com total competência não apenas as queixas explícitas do seu cliente, mas sim acolhê-lo em sua completude existencial. Ou seja, o foco da psicoterapia existencial seja que o cliente experimente sua existência como real, tornando-se apto para suas potencialidades e assim saber agir sobre elas (GOMES; CASTRO, 2010).

Fonte: http://zip.net/bntL4V

Partindo dessa breve introdução nos atentaremos a descrever sobre o caso clínico de adolescente de 14 (quatorze) anos com dificuldades em verbalizar tanto em processo terapêutico como fora dele, tendo características estabelecidas de dificuldades de locomoção, rigidez, embotamento afetivo. Também descrevemos sobre o papel do terapeuta em sua abordagem fenomenológico-existencial, a postura clínica diante do silêncio em psicoterapia, considerando a adolescência como um período de crises e que muitas vezes podem se tornar patológico.

Método

O trabalho se desenvolveu em uma clínica-escola de Psicologia em uma universidade na cidade de Palmas – TO, iniciando no mês de agosto e se prolongando até o mês de outubro, no ano de 2016. Foram realizadas seis sessões de psicoterapia individual com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, onde seguem a abordagem teórica embasada na técnica não diretiva das correntes fenomenológico-existenciais, que por sua vez são supervisionadas semanalmente.

Fonte: http://zip.net/bftNsz

A não diretividade utilizada nessa corrente teórica psicológica baseia-se no sentido de que o cliente tem direito sobre suas escolhas, sejam elas compatíveis ou não com a do profissional que lhe acompanha (AGUIAR, 2005). Para dar melhores condições ao atendimento foram utilizados de recursos lúdicos como jogos, papeis, canetas, lápis de cor, alguns tipos de brinquedos (família terapêutica, carrinhos), como meio de estabelecer contato/comunicação com o adolescente.

Apresentação do Caso

Adolescente, P.V (nome fictício), do sexo masculino, 14 anos e estudante, reside com os pais e mais três irmãos, configurando-se como uma família humilde e de baixa escolaridade. A mãe e a avó do adolescente procuraram o serviço psicológico na clínica-escola, pois segundo relato de acolhimento de ambas há cerca de oito meses o garoto apresenta comportamentos inadequados. Segundo a mãe, desde pequeno P.V sempre foi quieto e calado, porém nos últimos meses seu silêncio e apatia vêm deixando a família preocupada.

Ainda segundo relato da mãe, antes de se instaurar o quadro de queixas atuais, o adolescente era muito irritadiço, agressivo e ansioso, demonstrando-se desta forma sendo agressivo com os familiares, a partir desses comportamentos que a mãe resolve procurar ajuda profissional.

No ambiente escolar também existe queixas quanto ao seu comportamento, professoras relatam a pouca interação com o restante da classe, só verbaliza quando lhe é questionado algo, poucas vezes faz as atividades espontaneamente, porém não apresenta nenhum déficit de aprendizagem que seja relevante, considerando a situação em que o adolescente se encontra.

Atualmente o adolescente poucas vezes verbaliza em ambiente familiar, sempre se mantém de cabeça baixa, não manifesta nenhum contato visual, físico e afetivo com qualquer outra pessoa, em alguns momentos ocorre a diminuição do apetite, preferindo manter-se isolado de todos.

Anteriormente a ida ao psicólogo, P.V foi levado ao médico, devido às manifestações físicas de quadros prolongados de constipação intestinal, recusa a alimentação e dores no corpo. Diante do grau apresentado de abatimento físico e psíquico do adolescente, logo foi encaminhado ao atendimento psiquiátrico para averiguar outras demandas, como o quadro severo de embotamento, retraimento e não verbalização. Atualmente está utilizando o medicamento rispiridona prescrito pelo psiquiatra com o intuito de auxiliar em seu tratamento e que segundo a mãe, a medicação traz uma melhora no seu estado de ânimo, deixando um pouco mais acessível.

Já em acompanhamento psicológico, P.V está sendo trazido pela mãe, uma vez por semana para a psicoterapia individual. O adolescente comportou-se de maneira rígida, apática, com dificuldades de locomoção, sem verbalização e sem contato visual. As poucas vezes que se obteve algum contato com o garoto, foi por meio de perguntas diretas, onde ele respondia apenas gesticulando a cabeça com “sim” ou “não”. O tratamento tem como objetivo inicial, a compreensão de tal silêncio e embotamento como forma de se apresentar ao mundo e como isso pode está sendo visto como forma de enfrentar vida, e assim auxiliar por meio dos recursos não diretivos a sua melhoria, tanto psíquica como física.

Fonte: http://zip.net/bntNCY

Após alguns atendimentos com P.V sem muitas evoluções significativas, a mãe foi chamada novamente para uma sessão, tendo como objetivo conhecer o ambiente familiar e o atual contexto que o adolescente se encontra. A mãe relatou brevemente sobre o desenvolvimento do filho fazendo sempre uma comparação com os demais filhos, que se segundo ela se desenvolveram normalmente.

A responsável narrou também sobre a sua própria história de vida, contanto sobre episódios de violência doméstica por parte de seu padrasto quando ela – a mãe – ainda era adolescente. Conta ainda sobre seu casamento com o pai de P.V e o período que ele ficou fora de casa, relatando como um período complicado de sua vida. Ao falar sobre o marido, o pai de P.V, a mãe não se delonga muito em ressaltar sua participação na vida do filho adolescente, narrando com certo desconforto sobre a relação dos dois, e descreve que desde que P.V tem demonstrado tais comportamentos o pai se afastou bastante do filho.

Após o atendimento com a mãe ter sido enfatizado nos aspectos familiares, P.V teve duas faltas consecutivas, a primeira justificada pela mãe, devido problemas no trabalho, a segunda sem nenhuma satisfação. A estagiária retornou as ligações em busca de compreender tais faltas, porém não conseguiu contato com os responsáveis. Diante dos fatos e seguindo regras da clínica-escola, o cliente foi desligado do serviço psicológico tendo alcançado apenas seis encontros com a psicóloga estagiária.

A clínica fenomenológica-existencial e o atendimento com adolescentes

A formação em Psicologia Clínica perpassa por muitas inseguranças e modificações para lançarmos o nosso olhar sobre o outro, sabemos que muitas vezes o senso comum vê a atuação clínica como algo curativo, que pode proporcionar a diminuição total do sofrimento do sujeito e que coloca o terapeuta em uma posição onipotente. Sabe-se que não é bem assim, e para evitar tais pensamentos enquanto profissionais, especificamente da perspectiva existencial, deve-se dedicar a compreender o adoecimento e o sofrimento de cada sujeito, não lhes assegurando uma cura, mas uma tomada de consciência sobre sua real existência.

A clínica psicológica dentro dessa abordagem existencial propõe a respeitar todas as experiências do cliente e a sua autonomia para dar novo sentido a sua história de vida, sendo que para isso, o terapeuta deve ir além do ouvir as palavras ditas, utilizando-se da escuta ativa e empática para chegar ao significado contextual e simbólico do que está sendo dito pelo cliente. Para tornar mais sintetizado, o terapeuta se coloca em uma postura de facilitador das expressões de seu cliente, para isso não se utilizando da interpretação, mas sim, da compreensão existencial imediata do cliente (GOMES; CASTRO, 2010).

Sabe-se que em psicoterapia a maior ferramenta de trabalho é a fala, porém quando não possuímos essa atitude do cliente deve-se notar que a comunicação não é apenas verbal, podendo ser expressa também de um modo não-verbal onde o “falar” pode se ter um sentido mais amplo, em apenas “comportar-se”.

Mesmo se terapeuta e paciente iniciam a terapia pela fala, muitas mensagens são transmitidas de forma não verbal ao longo do processo, e cada um, paciente como terapeuta, aprende a “ler” e interpretar a linguagem silenciosa do outro no diálogo terapêutico. (FIGUEIREDO, 2005, p.32).

Miranda e Freire (2012), em seu artigo sobre comunicação terapêutica, nos traz um pensamento do próprio Rogers, que em seu livro “Tornar-se Pessoa” (1961-1997), relata seu entendimento sobre as maneiras de se comunicar, nos dizendo que, normalmente uma pessoa desajustada possui muitas dificuldades em falar, pois rompeu a comunicação consigo mesmo sendo, portanto o resultado disso o prejuízo com a comunicação com os outros.

Com base nos fundamentos teóricos sobre fenomenologia-existencial, considera-se que existencialmente a fase da adolescência e puberdade se configura em um modo de existe totalmente desconfortável. As cobranças familiares, sociais dentro desse processo acarretam diversas formas de sofrimento ao sujeito em transição, tanto no que se refere ao corpo físico, sua maneira de comportar e pensar, ou seja, percebe-se um verdadeiro conflito existencial (FERREIRA; ANASTÁCIO, 2012).

Fonte: http://zip.net/bltM22

É importante ressaltar antes de tudo que a adolescência por si só já se caracteriza como uma fase crítica e complexa no desenvolvimento humano, pois exige do sujeito que não é mais criança e ainda também não se reconhece como adulto, algumas atitudes, decisões, escolhas muito severas e até mesmo definitivas. Por isso torna-se necessário um contato mais sensível, sem cobranças e imposições para que o tratamento seja bem aceito pelo cliente (MIRANDA, 2012).

A falta de compreensão dessa fase do ciclo vital pode deixar as condições existenciais ainda mais densas e insuportáveis, fazendo com o jovem se feche completamente para o mundo exterior, silenciando seu sofrimento de maneira patológica. Tomamos uma definição de Silva et.al (2011), onde a autora considera as teorias de Piaget sobre o desenvolvimento humano, nos relatando que a adolescência é uma fase que se manifesta logo após a infância e antecede a juventude, momento de total insegurança, instabilidade e questionamentos. Caracterizando-se por uma intensa busca de si mesmo, encontrando-se constantemente com crises e contradições, além disso, os familiares, amigos e até mesmo a sociedade se prejudica com tal situação.

De alguma maneira a palavra adolescência nos remete a uma forma de adoecer e de sofrer, podemos confirmar tal pensamento tomando as ideias de Jerusalinsky (2004) quando ele fala sobre adolescência e contemporaneidade, relatando que o sofrimento pela falta da proteção da infância passa a se tornar uma exposição, exposição essa que por sua vez causa sofrimento e sentimentos de desamparo e angústia.

Diante de tais sentimentos nessa fase, é que de alguma forma o sofrimento psíquico vai se instalando de forma gradual, em nosso estudo de caso especificamente observamos uma maneira de se mostrar para um mundo em que o silêncio foi única saída para tais sensações de exposição.

O quadro de embotamento e o silêncio pode ser um comportamento apresentado por muitas pessoas com o intuito de fugirem do mundo externo e de suas experiências. Sabemos que o ser humano é afetivo e que precisa dessas manifestações para conviver de maneira saudável. Partindo-se da conceituação de afetividade descrita por Ballone (2005), para compreender melhor a sua importância. Portanto afetividade é como uma energia capaz de impulsionar o indivíduo para a vida, como uma energia psíquica dirigida ao relacionamento do ser com sua vida, como o humor necessário para valoração das vivências.

Quando essa energia já não é mais suficiente, nos deparamos muitas vezes com quadros graves de doenças psicológicas como a depressão, ou seja, a falta de vontade de enfrentar a vida é maior do que vontade de expressar seus conflitos e problemáticas a serem melhoradas. É por meio do se manter calado que sujeito, neste caso o adolescente, vai “enfrentando” as vicissitudes do seu processo de desenvolvimento (JERUSALINSKY, 2004).

O silêncio psicoterapêutico como manifestação do sofrimento

É recorrente ouvir-se falar sobre como o silêncio em psicoterapia se torna um momento angustiante, principalmente para o terapeuta em formação, que está em processo de estágio e que diante disso muitas vezes acredita não estar fazendo um bom trabalho. Como terapeutas existenciais entende-se o quão importante é a fala no processo de trabalho terapêutico, porém em alguns casos deparamos com a ausência dessa manifestação verbal e a partir daí temos uma nova forma de entrar em contato com o fenômeno, ou seja, por meio da compreensão empática dos comportamentos não verbais.

É preciso salientar que o terapeuta deve examinar e apreender a linguagem verbal e não verbal do cliente, sempre baseado no contexto. Nas palavras de Erthal (1995), o silêncio, a imobilidade ou qualquer outra forma de renúncia já em si uma comunicação” (ALMEIDA; NETO, 2012). De frente a tal dificuldade é necessário um olhar mais compreensivo do que interpretativo, e dar consciência ao cliente sobre essa experiência de se calar. Fazemos isso por meio de intervenções mais assertivas, ou seja, fazer com o que o cliente perceba os seus comportamentos, sinalizando para ele suas condutas e a sua forma de comunicação não verbal.

No caso clínico descrito nesse trabalho, o adolescente se recusa não apenas a se expressar, a sua recusa esta estabelecida também diante dos contatos afetivos e sociais, na sua alimentação, no seu modo de andar. Torna-se complexo para esse sujeito, colocar para fora, de modo literal, todas suas manifestações, a sua forma de existir consiste em está totalmente voltado para dentro, onde o mundo exterior não é aceito.

Fonte: http://zip.net/bjtNsS

Em busca dessa compreensão utilizamos do conceito da redução fenomenológica, ou seja, entrar em contato com o que é observado no fenômeno de maneira limpa, sem se utilizar de qualquer juízo de valor (époche), para dar significado às experiências do cliente (HOLANDA, 1997). Nesse sentindo a redução é observar o fenômeno do silêncio e apreender para além do não é dito, é considerar que sua totalidade existencial que vai além de uma hipótese diagnóstica e interpretativa e sim lançando um olhar para o sujeito integral que está em terapia.

Outra característica expressa por esse adolescente está em estabelecida por meio de um embotamento severo, onde o contato afetivo e social está sendo negado pelo sujeito, suas experiências estão se voltando para um mundo interno, impossibilitando o acesso do terapeuta por meio da fala. Tornando-se apenas possível estabelecer o contato e possível vínculo, por meio de perguntas diretas e objetivas, sendo correspondidas com “sim” ou “não” expresso por movimentos com a cabeça. Mediante isso, o papel do terapeuta é assinalar para o cliente que essa foi a maneira encontrada para lidar com o vazio.

Enquanto psicólogos clínicos existenciais, devemos compreender que cada sujeito vê grandes obstáculos em sua existência, cabendo a nós auxiliá-los a enxergar a vida como algo possível e real, fazendo isso por meio da tomada de consciência. E que em alguns momentos o calar-se não é um ato de covardia, mas sim de luta, muitas vezes contra si mesmo. Portanto, cabe a nós como profissionais aprendermos a lidar com o nosso próprio silêncio para que o processo terapêutico se torne um espaço em que possamos ouvir para além do que é dito, um espaço de acolhida, mesmo que a princípio não seja manifestado nenhuma fala.

Considerações Finais

Partindo das considerações expostas sobre o caso clínico, do papel do terapeuta que utiliza da abordagem fenomenológica-existencial diante do silêncio manifestado em psicoterapia, nos resta compreender que em qualquer problemática encontrada dentro da terapia existencial, torna-se necessário a aceitação do sujeito como ele se apresenta no momento imediato, ou seja, no aqui-e-agora, acolhendo o seu modo de se expressar pelo silêncio.

Fonte: http://zip.net/bttPcL

Com relação ao desligamento do caso torna-se importante pensar que não se trata de uma falha ou incapacidade do terapeuta em se vincular ao cliente ou vise e versa, em muitos casos a não adesão ao tratamento – principalmente em caso de menores de idade – a dificuldade de aceitar uma intervenção profissional parte dos pais ou responsáveis. Diante disso cabe ao terapeuta considerar as circunstâncias e entender que a percepção fundamental sobre o tratamento cabe ao cliente e não ao profissional, a escolha e responsabilidade sobre a terapia e dele e não nossa (AGUIAR, 2005).

O psicólogo tomando o seu papel de facilitador tem como função dar luz à consciência do cliente, dando meios para que a sua existência tome forma e sentindo, possibilitando uma nova perspectiva de ser e principalmente exaltando as suas potencialidades diante dos conflitos existenciais. Para que isso seja efetivado se torna necessário uma postura ativa e empática, compreendendo o contexto simbólico do que esta sendo expresso pelos comportamentos e pela forma que o cliente encontrou de ser no mundo.

REFERÊNCIAS:

AGUIAR, Luciana. Gestalt- Terapia com crianças: teoria e prática. São Paulo: Summus. 2005.

ALMEIDA, Elce Queiroz; NETO, Raquel. A clínica fenomenológica-existencial. Blog da Newton Paiva: Revista de Psicologia. Belo Horizonte, p. 1-2, 2012. Disponível em: < http://blog.newtonpaiva.br/psicologia/wp-content/uploads/2012/08/pdf-e2-13.pdf>. Acesso em: 20 setembro 2016.

ARAÚJO, Ariana Maria Leite. O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial. Revista IGT na Rede. v.7, n.13,p. 316-323, 2010. Disponível em: <www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=1678&article=289&mode=pdf>. Acesso em: 19 setembro 2016.

BALLONE, José Geraldo. Alterações da Afetividade. In: Psiqweb. 2005. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=128>. Acesso em: 20 setembro 2016.

FERREIRA, Luciana Neves; ANASTÁCIO, Fernando Dório. Adolescência e algumas questões existenciais. Revista de Psicologia. Belo Horizonte. p. 39-41, 2012. Disponível em: http://blog.newtonpaiva.br/psicologia/wp-content/uploads/2012/06/pdf-e3-10.pdf. Acesso em 30 nov 2016.

FIGUEIREDO, Evelyne Fauguet. Vínculos e Psicoterapia: a linguagem silenciosa. 2005. 55f. (Monografia em Psicologia) – Centro Universitário de Brasília, Brasília.2005.

GOMES, Willian Barbosa; CASTRO, Thiago Gomes. Clínica Fenomenológica: Do método de pesquisa para a prática psicoterapêutica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Porto Alegre, v.26, n. especial, p. 81-93, 2010. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a07v26ns.pdf>. Acesso em: 19 setembro 2016.

HOLANDA, Adriano. Fenomenologia, psicoterapia e psicologia humanista. Estudos de Psicologia. São Paulo, v.14, n.2, p. 33-46, 1997. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v14n2/04.pdf>. Acesso em: 21 setembro 2016.

JERUSALINSKY, Alfredo. Adolescência e Contemporaneidade. In: Conversando sobre adolescência e contemporaneidade. Porto Alegre: Libertos, 2004.p. 54-65.

MIRANDA, Carmen Silvia Nunes; FREIRE, José Célio. A comunicação terapêutica na abordagem centrada na pessoa. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro. p. 78-94,2012. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672012000100007>. Acesso em: 20 setembro 2016.

SILVA, Paulo Sérgio Modesto; VIANA, Meire Nunes; CARNEIRO, Stania Nágila Vasconcelos. O desenvolvimento da adolescência na teoria de Piaget. O Portal dos Psicólogos. p.1-13 2011. Disponível em: < http://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0250.pdf>. Acesso em: 20 setembro 2016.

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Psicoterapia Infantil na Abordagem Centrada na Pessoa

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Nos últimos anos, tornou-se frequente nas clínicas de psicologia a busca por atendimentos infantis. Nesse sentido, o presente texto discorrerá sobre os principais aspectos da psicoterapia infantil, embasando-se no referencial teórico da fenomenologia existencial, sobretudo na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), tendo como um dos autores principais Carl Rogers.

A abordagem humanista surge nos Estados Unidos, a partir de uma guerra tortuosa, onde as pessoas saíram desoladas, desnorteadas e fragilizadas. Dessa maneira, criou-se uma teoria que evidenciava os sentidos que os seres humanos atribuíam à sua própria vida, entendendo-os como responsáveis pelos seus atos (BEZERRA; BEZERRA, 2012).

Nessa direção, Rogers afirma tal abordagem e enquanto foco terapêutico preza pelo aqui e o agora, isto é, as experiências advindas no momento terapêutico é que ganham destaque. Assim, esta teoria defende o terapeuta como facilitador do processo, quando se torna participante direto na intervenção. Porém, ressalta que em alguns momentos, deve aparecer como observador “distante”, a fim de obter melhor análise acerca do caso (BEZERRA; BEZERRA, 2012).

Concomitante ao Humanismo tem-se o Existencialismo, que de acordo com a autora Natacha Miguel Monteiro (s/d), é também uma corrente filosófica no qual pressupõe o homem dotado de autonomia e liberdade em suas decisões e totalmente responsável pelas consequências destas (MONTEIRO, s/d).

Portanto, na Psicoterapia Infantil, o psicoterapeuta é um facilitador perante a criança, sendo que este deve ajudar a descobrir suas potencialidades por meio de um ambiente acolhedor, tendo o lúdico como material de apoio, pois a linguagem não-verbal do cliente mirim pode oferecer o conteúdo da realidade que o cerca (MONTEIRO, s/d; LIMA; LIMA, 2015).

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Imagem extraída do site: http://www.zazzle.com.br/pontos_de_interrogacao_relogio_para_parede-256532000288651226

QUAL É A HORA CERTA DE TRAZER A CRIANÇA À PSICOTERAPIA?

Muitas são as dúvidas dos pais com relação ao momento em que deve procurar a psicoterapia para seus filhos. Em 1980, Violet Oaklander, publicou o livro “Descobrindo Crianças: a abordagem gestáltica com crianças e adolescentes” que descrevia suas experiências decorrentes do processo de psicoterapia infantil. Elucidou que não há motivo para que os pais corram para um terapeuta toda vez que aconteça qualquer conflito ou problema, uma vez que eles “precisam aprender a ser, num certo sentido, ‘terapeutas em casa’ (OAKLANDER, 1980, p. 206). Assim, em muitos casos, as intervenções resumem-se a orientar os pais em algumas sessões, a fim de propor um espaço reflexivo para que eles possam resolver a conflitiva dos filhos (OAKLANDER, 1980).

Virginia Axline é outra autora do universo da psicoterapia infantil, na qual foi parceira de Carl Rogers (1902- 1987), fundador da Abordagem Centrada na Pessoa. Ela adotava o método não diretivo na sua prática em atendimento com crianças. Publicou o livro “Ludoterapia” (1972) que discorria “os princípios que considera indispensáveis para os que se propõem a atender crianças e que dizem respeito muito mais à atitude do terapeuta do que a técnicas ou informações teóricas” (MATTAR, 2010, p. 82).

Seu papel não é passivo e sim de alerta, de sensibilidade e de constante apreciação daquilo que a criança diz ou faz. São necessários uma compreensão e um genuíno interesse pela criança, de modo a encorajá-la a compartilhar seu mundo interior. Mantém uma atitude profissional em seu trabalho e não revela as confidências da criança aos pais, professores ou quem quer que seja que pergunte sobre o que ela fez ou disse durante a sua hora de terapia. Esta hora é da criança, e o que faz ou diz é estritamente confidencial (AXLINE, 1972 apud MATTAR, 2010, p. 82).

Sobre a hora certa de trazer a criança à psicoterapia, Oaklander (1980, p. 206) questiona: “Como pode alguém determinar a “hora certa”, ou saber se o problema vai se resolver por si só?” A autora relata que não é algo fácil avaliar o momento adequado para levar uma criança à psicoterapia. Contudo, adianta que na maioria das vezes a criança começa a dar sinais, buscando chamar a atenção de quem está ao redor. Comumente, as escolas são as primeiras a perceber, mas hesitam em pedir ajuda enquanto a situação não se agrava.

Embasando-se na perspectiva de Axline (1972) acerca das atitudes que o psicoterapeuta deve ter junto à criança, Mattar (2010) sublinha que

a hora da terapia pertence à criança, para ser usada como ela quiser. A criança escolhe usar ou não usar o material, o terapeuta não a encoraja nem faz sugestões. O objetivo, segundo Axline, é levar à autossuficiência, independência e capacidade de autodireção. O terapeuta aceita o silêncio, como qualquer outra expressão. A criança, segundo a autora, resiste aos esforços para mudá-la, e, por vezes, o seu silêncio, ou o fato de não brincar podem ser “testes” para o terapeuta, quando a criança está atenta se ele também deseja modificá-la e se, de fato, ela é livre para agir ali como quiser (MATTAR, 2010, p. 82).

Mattar (2010) explana que Axline possui uma concepção não diretiva, fundamentada nos princípios da Psicologia Humanista, que preconiza a importância de espaço reflexivo que possibilite a atualização dos potenciais de crescimento da criança, bem como a sua capacidade libertação e tendência autorrealizadora, auxiliando o indivíduo a ser o próprio autor da sua vida.

Às vezes, a criança entra na terapia acompanhada de vários documentos (relatórios diagnósticos, procedimentos legais, registros escolares, etc.). E, apesar da leitura desses papéis serem interessante para o conhecimento da história do cliente, é importante ter cautela e não se ater às impressões e julgamentos descritos por outras pessoas. É necessário ter uma conduta apriorística ao iniciar com a criança, considerando as suas particularidades e entendendo-a como um indivíduo multifacetado, capaz de muitas formas de ser. Por exemplo, a criança pode demonstrar uma parte de si para o terapeuta que sinta dificuldade de expressar para os pais e/ou professores (OAKLANDER, 1980).

Oaklander relata que existe uma tendência dos pais em esperar muito até buscar o auxílio psicológico e que, na maioria das vezes, busca ajuda em virtude de uma situação muito difícil, quiçá intolerável, seja para os próprios pais e/ou para a criança. Por exemplo, a morte de um ente querido, maus tratos, acidente, etc.(OAKLANDER, 1980). Todavia, nos dias atuais essa prática de levar o filho ao psicoterapeuta tem sido bem mais recorrente talvez uma das primeiras alternativas, tendo em vista que a lógica de mercado, o capitalismo, o “fenômeno tempo”, os discursos midiáticos, a pressão escolar, etc. são catalisadoras dessa prática.

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Imagem extraída do site: http://psicoitaim.com.br/tratamentos/psicoterapia-infantil/

RECURSOS PSICOTERAPÊUTICOS NA ACP

 Diferentemente dos adultos que costumam se expressar verbalmente na psicoterapia, as crianças necessitam de recursos mais lúdicos para que consigam transmitir seus reais sentimentos (frustração, medo, tristeza, alegria, etc.). Desse modo, o brincar é considerado o meio mais comum da criança projetar ações que fazem parte do seu ser, logo, acaba tornando-se o instrumento de linguagem e conexão dela com o terapeuta (OAKLANDER, 1980; LIMA; LIMA, 2015).

Oaklander (1980) acrescenta que

o brincar das crianças no consultório do terapeuta é proveitoso para outros propósitos além do processo direto da terapia. Brincar é divertido para a criança e ajuda a promover a afinidade necessária entre o terapeuta e a criança. O medo e resistência iniciais por parte desta muitas vezes é drasticamente reduzido quando ela se defronta com uma sala cheia de brinquedos atraentes (OAKLANDER, 1980, p. 189).

Diante disso, um dos recursos a serem primordialmente pensados é o ambiente. O local onde será realizado o atendimento infantil deve trazer conforto, segurança e liberdade, para tanto, deverá obter espaço, claridade e cuidado com a privacidade (sala acústica). Assim sendo, estes aspectos se mostram relevantes por trazerem à criança condições facilitadoras para que elas expressem quem realmente são no processo terapêutico (BRANCO, 2001).

Nesse ínterim, alguns instrumentos que o terapeuta poderá utilizar no seu local de atendimento lúdico são: papéis (Ex: A4), lápis grafite e colorido, pincéis, jogos, bonecos (as), família de bonecos, carros, testes projetivos, entre outros, os quais, por sinal,deverão abarcar diferentes faixas etárias (BRANCO, 2001; OAKLANDER, 1980).

A título de exemplo, os jogos podem ser preciosas ferramentas para o envolvimento das crianças na terapia, haja vista que suscitam comportamentos referentes às situações diárias, além de servirem como quebra das resistências das crianças e fortalecimento do vínculo/confiança entre a mesma e o terapeuta, e vice-versa. Alguns jogos são tipicamente encontrados em clínicas psicoterápicas infantis, tais como: dama, dominó, jogo da velha, quebra-cabeça, jogo da memória, dentre outros (OAKLANDER, 1980).

Oaklander (1980) destaca que existem muitos instrumentos destinados para este público em situação terapêutica, contudo, eles não podem ser cristalizados e usados para um determinado fim, pois o profissional deve entender que o sujeito é singular e, logo, trará comportamentos peculiares e dignos de uma sessão imprevisível. Portanto, psicoterapia é uma arte e deve-se combinar conhecimento, preparo, experiência, sentido intuitivo e criativo, bem como gostar de criança para trabalhar com elas.

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Imagem extraída do site: http://terapiaocupacionaleparalisiacerebral.blogspot.com.br/

INSERÇÃO DE LIVROS DE HISTÓRIAS NA PSICOTERAPIA INFANTIL

Em sua dissertação de mestrado, Taciane Marques Castelo Branco (2001) aborda os livros de histórias infantis como importante recurso na Psicoterapia centrada na criança. Para tanto, faz uma retrospectiva do surgimento dos livros infantis e os principais objetivos destes. Neste tópico, abordar-se-á a utilidade desses livros e seu benefício atrelado aos conceitos da Abordagem Centrada na Pessoa.

Os livros Infantis foram criados com a pretensão, por parte da Literatura, de ajudar as crianças a se desenvolverem e a se prepararem para as questões presentes e vindouras da vida humana. Portanto, unindo as forças, a Psicologia também pode atuar utilizando desses recursos para cumprir seu papel terapêutico de ajudar no emponderamento e surgimento de resiliências do cliente (BRANCO, 2001).

De acordo com Branco (2001), os livros pertencentes na Literatura Infantil Brasileira são

(…) livros que escolhem como problemática temas de sempre, – como a morte; ou temas mais recentes e não menos dolorosos, – como a separação dos casais e o problema dos filhos divididos; o problema dos tóxicos; as injustiças sociais; o racismo; as crianças abandonadas; a marginalização da mulher; etc. (BRANCO, 2001, p. 57).

É interessante notar que ao final das histórias infantis é possível verificar lições de vida que incentivam posicionamento moral frente às questões trazidas pelo conto. Além disso, essas questões trazidas como problemáticas podem ser as demandas presentes do cliente também. Cabe ao psicoterapeuta, a habilidade de observar se realmente este recurso é válido, e isso é possível a partir das correlações que o cliente faz das histórias com a sua própria vida.

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Imagem extraída do site: http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI26334710536,00.html

DESAFIOS, ENTRAVES E ENCERRAMENTO NA PSICOTERAPIA INFANTIL

 Independente do pressuposto teórico e prático seguido pelo psicoterapeuta, muitos são os desafios encontrados por esse profissional em seu fazer clínico, em especial no âmbito infantil. Levando em consideração as especificidades dessa área, Costa e Dias (2005) elucidam que um dos maiores obstáculos presentes na prática da psicoterapia infantil consiste nos entraves e dificuldades em obter o apoio dos pais. Assim, é presente a dificuldade de se estabelecer uma aliança de compromisso e parceria com os responsáveis e os outros membros significativos da rede social do cliente. Segundo os autores, o progresso terapêutico da criança fica, por vezes, estagnado o comprometido por questões particulares dos pais.

Somado a isso, Costa e Dias (2005) enfatizam que, atualmente, há um número relativamente baixo de profissionais que se dediquem a essa área de atuação, bem como ao estudo e pesquisa. Nesse ínterim, ocorre uma dificuldade nas trocas mútuas e nos encaminhamentos entre profissionais que atuam nessa especialidade. Logo, “se existem poucas pessoas trabalhando na prática clínica e, considerando que a teoria é fruto dela, então são também escassas as pesquisas bem como a literatura a respeito da prática infantil nas abordagens estudadas” (COSTA, DIAS, 2005, p. 47).

Quanto ao encerramento da psicoterapia infantil, Oaklander (1980) elucida que, em muitos casos, as crianças não devem permanecer por muito tempo em terapia. Segundo a autora, as crianças não possuem muitas camadas de problemas inacabados ou acumulados como se verifica com os adultos. Assim, notam-se progressos suficientes, entre o terceiro e sexto mês de psicoterapia que permitem o seu encerramento. Acredita-se que toda criança precisa de uma oportunidade para integrar e assimilar com seus próprios mecanismos de maturação e crescimento as mudanças resultantes da psicoterapia.

De acordo com Oaklander (1980), a criança começa a demonstrar indícios para quando chega a hora de encerrar o processo. Desse modo, o comportamento da criança começa a mudar e esse fato é expresso nos relatos dos pais e professores. Outro aspecto sublinhado consiste na possibilidade do cliente se envolver em atividades extras curriculares, como esportes, clubes e a psicoterapia começa a “atrapalhar” o caminho da criança, pois torna-se o tempo em que poderia ser preenchido com outras atividades.

Contudo, a autora destaca que uma melhora no comportamento da criança não pode ser motivo suficiente para encerrar a terapia. Nessa direção, todo o material que é evidenciado durante as sessões deve ser levado em consideração.

Outro aspecto relevante refere-se ao fato de que a criança precisa ser preparada para o encerramento da terapia, pois esta não pode ocorrer de forma abrupta. Embora cada terapeuta ajude o cliente a adquirir o máximo possível de independência e autossustentação, certamente, são estabelecidos vínculos afetivos mútuos, que devem ser bem trabalhados durante o encerramento final.

Oaklander (1980) elucida ainda que, nesses casos, o término da psicoterapia não precisa, necessariamente, apresentar a finalidade explícita do nome. Desse modo, término significa chegar a um lugar de parada, um final neste exato momento e não um adeus definitivo. De acordo com essa autora, algumas crianças precisam ter uma segurança de que poderão retornar ao processo terapêutico caso sintam necessidade (se isto for realmente possível e necessário).

 

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Imagem extraída do site: http://mdemulher.abril.com.br/familia/claudia/devo-levar-meu-filho-ao-terapeuta  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou discorrer acerca do processo psicoterapêutico infantil desde a chegada da criança, a utilização dos recursos facilitadores nos atendimentos, até a forma de finalização da psicoterapia à luz da Abordagem Centrada na Pessoa.

Sobre a forma como a criança chega à terapia, ficou evidente que a maioria das vezes ela não sabe o porquê de um atendimento psicológico e pode ser uma portadora de demandas dos pais e não dela, cabendo ao psicólogo orientar os genitores se esse for o caso.

Concernente aos recursos terapêuticos possíveis, a forma lúdica é considerada a mais apropriada quando se trata de atendimento infantil, uma vez que é por meio do brincar que a criança se comunica e expressa seus sentimentos. Aliado a isso, tem-se a sugestão da leitura de histórias infantis que, dependendo do cliente, pode suscitar identificação da criança com os personagens fictícios e posterior formulação de estratégias para lidar com suas situações conflitantes.

Quanto ao encerramento da psicoterapia, as crianças (maioria delas) não precisam de muito tempo de psicoterapia, afinal não possuem a mesma carga de problemas de um adulto que possui mais tempo de vida. Além disso, tratou-se também a respeito dos entraves dessa área, podendo ser caracterizada pela dificuldade de estabelecer compromisso entre os pais das crianças e o processo terapêutico, bem como a escassez em pesquisas que tratem do assunto.

Sugere-se, portanto, mais pesquisas de técnicas e recursos na psicoterapia infantil, para que dessa forma, seja possível um diálogo entre profissionais e melhoria nos atendimentos.

 

REFERÊNCIAS

BEZERRA, M. E. S; BEZERRA, E. N. Aspectos humanistas, existenciais e fenomenológicos presentes na abordagem centrada na pessoa.Rev. NUFEN, São Paulo,  v. 4, n. 2, p. 21-36, dez.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912012000200004&lng=pt&nrm=iso>. acesso em:  20 de Abr.  2016.

BRANCO, T. M. C. Histórias infantis na ludoterapia centrada na criança. 2001. 220 f. Dissertação de Mestrado – Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia, PUC – Campinas, Campinas. 2001. Disponível em:http://www.gruposerbh.com.br/textos/dissertacoes_mestrado/dissertacao05.pdf. Acesso em: 21 de Abr. 2016.

COSTA, M. I. M.; DIAS, C. M. S. B. A prática da psicoterapia infantil na visão de terapeutas nas seguintes abordagens: psicodrama, Gestalt terapia e centrada na pessoa. Estudos de Psicologia, Campinas, 2005. p. 43-51. Disponível em < http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v22n1/v22n1a05.pdf>. Acesso em 21 de abril de 2016.

LIMA, G. C. LIMA, D. M. A. O brincar como meio facilitador da expressão da criança sob a perspectiva da Gestalt-terapia. Revista IGT na Rede, v. 12, n° 22, 2015. P. 28-52. Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0ahUKEwio_4y3qp7MAhUBEpAKHRVHBpgQFggdMAA&url=http%3A%2F%2Fwww.igt.psc.br%2Fojs%2Finclude%2Fgetdoc.php%3Fid%3D2710%26article%3D512%26mode%3Dpdf&usg=AFQjCNE4oPWi_DLDashjhs6KyqcJmrOOdA&cad=rja. Acesso em: 20 de Abr. 2016.

MATTAR, Cristine MonteiroTrês perspectivas em psicoterapia infantil: existencial, não diretiva e Gestalt-terapia. Contextos Clínic, 2010, vol.3, no. 2, p.76-87. ISSN 1983-3482

MONTEIRO, N. M.O ser terapeuta humanista-existencial e sua postura na psicoterapia infantil. In: Ser e existir: centro de estudo da pessoa, [s.p.], [s.d.]. Disponível em: file:///C:/Users/USF/Downloads/SEMIN%C3%81RIO+O(ser)terapeuta_h-e_e_sua_postura_na_psicoterapia_infantil.pdf. Acesso em 12 Abril. 2016.

OAKLANDER, V. O processo de terapia. In: OAKLANDER, V. Descobrindo crianças. São Paulo: Summus, 1980. p. 205-229.

OAKLANDER, V. Ludoterapia. In: OAKLANDER, V. Descobrindo crianças. São Paulo: Summus, 1980. p.183-204.

ROGERS, C. Alcançar o “insight”. In: Psicoterapia e Consulta Psicológica. Martins Fontes, SP, 1997, P. 175-219.

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Especialização em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental

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O Instituto WP está com matrículas abertas para o curso de Especialização em Psicoterapia Cognitivo – Comportamental, em Brasília (DF). O curso é voltado para a prática da psicoterapia, com conteúdo teórico e supervisões práticas de casos e indicações das bibliografias mais atuais para cada tema. O início das aulas será no próximo dia 8 de maio.

 

 

O conteúdo programático será dividido em blocos temáticos, ministrados por professores de vários estados do País. Conforme o Instituto WP, o projeto pedagógico e a distribuição de carga horária do curso de especialização seguem as normas do Ministério da Educação (MEC), sendo fornecido título de Especialista reconhecido pelo MEC por meio de convênio com a FACCAT.

Os conteúdos abordados serão os seguintes: Introdução à Terapia Cognitivo-Comportamental; Aspectos Históricos da Terapia Cognitivo-Comportamental; Técnicas Cognitivas e Comportamentais; Conceitualização Cognitiva de Casos Clínicos; Terapia Cognitiva para os Transtornos Depressivos; Terapia Cognitiva para o Transtorno do Humor Bipolar; Terapia Cognitiva para o Transtorno de Ansiedade Generalizada; ·Terapia Cognitiva para as Fobias Específicas; Terapia Cognitiva para o Transtorno de Ansiedade Social e Treinamento em Habilidades Sociais; Terapia Cognitiva para o Transtorno Obsessivo-Compulsivo; Terapia Cognitiva para o Transtorno do Pânico; Terapia Cognitiva para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático; Terapia Cognitiva para a Dependência Química; Terapia Cognitiva dos Transtornos .

O curso é constituído por blocos temáticos realizados na sexta-feira (tarde e noite) e sábado (manhã e tarde) com intervalo médio de 4 semanas entre os blocos. A duração do curso é de 2 anos (5 blocos por semestre letivo) carga horária de 400 horas aula, seguindo o calendário de férias universitárias.

O investimento corresponde à matrícula, mais 24 parcelas de R$790,00. O curso será realizado no Hotel Nobile Suites Monumental – CHN-Quadra 4, Bloco B, Asa Norte, em Brasília (DF).

Mais informações no endereço:

www.institutowp.com/unidades/detalhes.html?brasilia_OHc2Z1RvNXBlaTk1TWFpUCs3ZURDUT09

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XI Congresso Latino-americano de Psicoterapia discute possibilidades e novas perspectivas

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2º Congresso Brasileiro de Psicoterapia acontece simultaneamente


Com o objetivo de reunir pessoas, pensamentos, pesquisadores e promover o crescimento dos psicoterapeutas, o XI Congresso Latino-americano de Psicoterapia e II Congresso Brasileiro de Psicoterapia acontece de 19 a 22 de agosto na cidade de São Paulo.

Este ano o tema oficial é Psicoterapia no Século XXI: possibilidades, novas perspectivas, desafios e conta com 18 áreas temáticas dentre elas:  Psicoterapia e questões teórico-filosóficas, Psicoterapia, novas tecnologias e mídias, Psicoterapia e processos de formação, Psicoterapia e identidade do psicoterapeuta, Psicoterapia e as Artes dentre outras.

INSCRIÇÕES

Categoria Sócio da ABRAP/FLAPSI/WCP

Até 31/01/15 De 01/02 a 31/03/15 De 01/04 a 30/06/15 e De 01/07 a 05/08/15

R$ 440,00    R$ 485,00     R$ 530,00 R$ 570,00     R$ 610,00

Aluno de Graduação

R$ 330,00 R$ 365,00 R$ 400,00 R$ 430,00 R$ 460,00

Aluno de Pós Graduação

R$ 500,00 R$ 550,00 R$ 605,00 R$ 650,00 R$ 695,00

Não sócio

R$ 670,00 R$ 735,00 R$ 810,00 R$ 870,00 R$ 930,00

O evento será realizado no Campus Paraíso/Vergueiro – UNIP – Estação Metrô Vergueiro Rua Vergueiro, 1211 – Aclimação – 01504-001 – São Paulo – SP e é destinado á Psicólogos, Médicos, Assistentes Sociais, profissionais e estudantes da área de saúde e educação.

Mais informações acesse: http://www.psicoterapia2015.com.br/index.asp

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