Política Nacional de Humanização, Amazônia e processos de produção de saúde

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O Congresso da Região Norte da Política Nacional de Humanização (PNH), realizado em Manaus em março deste ano, afirma os princípios desta política que desde 20031 vem produzindo, através de suas intervenções – em nível nacional, estadual e municipal -, transformações nos processos de produção de saúde, em especial nas formas de cuidar e de gerir. Além disso, este jeito de “fazer” está articulado com a constante transformação das formas de ser e de viver, em outras palavras, as intervenções da PNH produzem como efeito, a transformação das pessoas e das práticas, uma vez que as práticas (em qualquer setor em que elas estejam inseridas: saúde, assistência, justiça, etc.) são indissociáveis dos tipos de subjetividade que as encarnam2.

Partindo do pressuposto de que os processos de trabalho, as formas de cuidado e a produção de subjetividade são imanentes, a PNH intervém, ao mesmo tempo, na forma de produzir a clínica e a política3. As práticas produzidas pela PNH buscam, através da metodologia da humanização4, a produção de dispositivos que possibilitem a construção de um modo de incluir trabalhadores, gestores e usuários na elaboração, execução e avaliação da produção de práticas em saúde5. De acordo com Eduardo Passos6 (2012) “a feitura da humanização se realiza pela inclusão, nos espaços da gestão, do cuidado e da formação, de sujeitos e coletivos, bem como, dos analisadores (as perturbações) que estas incursões produzem”.

A experiência em Manaus (com a participação de trabalhadores, gestores e usuários) possibilitou a vivência da indissociabilidade entre clínica e política nas rodas de conversa7, nos modos de gerir (tanto a organização do evento como os analisadores8 que surgiam), no jeito de ser das pessoas e na implicação9  que as mesmas possuem com o que fazem, ou seja, produção de saúde.

Assim como a clínica e a política não estão separadas, os movimentos do homem não estão separados, de forma alguma, dos movimentos mais amplos do planeta. Em Manaus estávamos em constante articulação com outros movimentos da Amazônia – produzidos por sua imensa biodiversidade e constante transformação. O clima quente e úmido, a fauna e a flora exuberantes, a quantidade de rios, as chuvas e o nível das águas, a mistura de traços de diversas etnias da região… enfim, a floresta amazônica é um dos lugares de maior biodiversidade do planeta, um dos espaços onde há um sem número de diferentes formas de vida compartilhando um lugar comum. A variação de espécies da fauna e da flora se articula com a constante transformação da paisagem operada, em especial, através da elevação e diminuição no nível dos rios em função da quantidade de chuva.

Os movimentos dos processos de produção em saúde operados pela PNH, engendrados por um modo de inclusão das diferenças e a constante análise da produção de práticas em saúde, funcionam de forma parecida com os processos de produção da vida na floresta amazônica. Da mesma forma que na floresta a biodiversidade é imensa, no Brasil existem pessoas de todo tipo, em virtude de sua área territorial extensa e também pela diversidade cultural das diferentes regiões; assim a PNH busca em suas intervenções a produção do comum enquanto uma forma de criar articulações entre as diferenças, produzindo dispositivos que operem através das diversas formas de participação dos envolvidos nos processos de produção de saúde. Assim como a Floresta se transforma constantemente, nossa sociedade também, no entanto o que os rios produzem na floresta é o mesmo que as relações de força em nossa sociedade; relações de força enquanto poder10, conjunto de forças que em sua resultante moldam as condições de possibilidade da nossa existência. Assim como os rios moldam as condições de possibilidade da vida na floresta.

Notas:

1De acordo com a Rede HumanizaSUS http://www.redehumanizasus.net/node/2504 “A PNH existe desde 2003 e propõe mudanças para qualificar a atenção e gestão em saúde pública no Brasil, atuando em todas as políticas do SUS.”

2NEVES, Abbês Baêta; FILHO, Serafim Santos; GONÇALVES, Laura; ROSA, Mônica. Memória como cartografia e dispositivo de formação-intervenção no contexto dos cursos da Política Nacional de Humanização. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à saúde. Política Nacional de Humanização. Formação e Intervenção / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização – Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

3BARROS, R. B.& PASSOS, E. (2005a). A humanização como dimensão pública das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v.10, p.561 – 571.

4Na Apresentação dos cadernos HumanizaSUS, Dário e Eduardo falam da dimensão metodológica da PNH, enquanto um modo de incluir gestores, trabalhadores e usuários nos processos de produção de saúde. In. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à saúde. Política Nacional de Humanização. Formação e Intervenção / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Política Nacional de Humanização – Brasília: Ministério da Saúde, 2010.

5Idem.

6Ibidem.

7Metodologia criada por Gastão Wagner de Souza com objetivo de inclusão dos sujeitos na produção dos processos de saúde, se trata de produzir “com” os sujeitos e não “para” eles. CAMPOS, G.W. Saúde Paidéia. São Paulo: HUCITEC, 2000.

8LOURAU, R. A análise Institucional. Petrópolis: Vozes, 1975.

9LOURAU, R. Implicação e sobreimplicação. In: ALTOÉ, S. (Org.). René Lourau: analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec, 2004, p. 186-198.

10 FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 2001.

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Relato de experiência como paciente do CAPS AD Vila Nova

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Me chamo José Francisco Angelim (Kiko), tenho 54 anos e minha qualificação profissional é como consultor  de projetos e processos. Como hobby faço alguns trabalhos, que alguns consideram como arte e cenários para peças de teatro. No último semestre de 2012 fiz o cenário completo da peça Piá Farroupilha e alguns itens para a peça Gregos e Freudianos. Ambas sob a direção de Bob Bahlis.

Já fiz uso de quase todos tipos de drogas, mas minha preferência recai sobre o consumo de álcool. Para os padrões atuais de iniciação ao alcoolismo comecei a me interessar por bebida com uma idade bem  avançada. Após os 20 anos.

Nos últimos 03, 04 anos o consumo de álcool tornou-se exagerado culminando na minha primeira internação (21 dias) no hospital Vila Nova. Internação que não deixou nenhum aprendizado em virtude do tempo de internação (ninguém se recupera neste tempo) e inexistência de programa específico de tratamento, exceto algumas aparições de membros do AA.

Após alta da internação passei a ter acompanhamento psiquiátrico e a freqüentar grupos de AA duas vezes por semana. Pesquisei muito sobre a história do AA desde a sua criação em 1935. Posso afirmar que conheço muito sobre a filosofia “escrita”, chegando a ser convidado para dar palestras em hospitais. Convite que declinei porque seriam em locais de tratamento com internações em ambientes como o hospital Vila Nova e que não vejo nenhuma possibilidade de recuperação para os que lá estão internados.

No grupo do AA que participava (Nossa Senhora das Graças) comecei a me sentir desconfortável com a forma que os grupos eram conduzidos. Sem a aplicação de uma metodologia adequada, cada um falando assuntos diversos, sem debater os doze passos e tradições, sem uma orientação médica/terapêutica etc, etc, etc.

Então cheguei a conclusão que o meu desconforto poderia ser com “aquele” grupo que estava participando e passei a freqüentar outro grupo (São Vicente) simultaneamente, onde me deparei com a mesma realidade. Não satisfeito passei a freqüentar mais um grupo (Santa Rita) e minha insatisfação permaneceu.

Após 09 meses, mesmo com a minha participação em três grupos diferentes (simultaneamente) resolvi desistir do AA por questões que já foram relatadas.

Com 07 meses de abstinência comecei a ter recaídas que culminaram em uma nova internação. Minha psiquiatra, por me conhecer muito bem, sugeriu que eu fosse internado na clinica São José onde fiquei 54 dias que foram suficientes  para que eu conhecesse procedimentos totalmente diferentes da minha experiência anterior de internação. Muitas atividades, equipes multidisciplinares,  ótima estrutura, atenção com a saúde etc, etc, etc.

Na minha primeira consulta (pós alta) minha psiquiatra perguntou se eu conhecia o trabalho do CAPS. Respondi que não e ela comentou que seguia uma linha de tratamento muito próxima do que eu me identifiquei na clinica São José e que seria interessante que eu conhecesse.

Pesquisei o que pude sobre o CAPS e encontrei pouco material disponível. Para mim isto já foi um ponto negativo porque vinha da escola do AA onde encontrei farta publicação. Levei um tempo para entender que o AA foi fundado em 1935 e que o CAPS, ainda é uma criança, que já nasceu com uma proposta forte, mas ainda é uma criança.

Mais na frente, “se começarmos a nos preocupar agora”, o CAPS também poderá ter as suas histórias registradas, publicadas e que poderá ser mais uma ferramenta disponível para os que estão buscando a sua recuperação.

Fiz uma visita ao CAPS AD Vila Nova onde passei por uma entrevista de acolhimento, recebi informações sobre a sua estrutura, filosofia, metodologia de acompanhamentos e resolvi começar a participar.

Retornando a minha psiquiatra relatei que havia começado a participar dos grupos do CAPS e que iria continuar. Foi então que minha psiquiatra sugeriu que as nossas consultas fossem suspensas porque eu teria um acompanhamento bem mais efetivo/diferenciado através dos profissionais do CAPS.

Faz 10 meses que participo dos grupos de segundas, quartas e sextas feiras no período da manhã e sempre que possível procuro me envolver nas atividades extras grupos como por exemplo: eventos, datas comemorativas, etc.

No CAPS encontrei uma engrenagem/sintonia interessante na parceria PMPA/SUS e Hospital Mãe de Deus. Fazendo uma analogia com uma engrenagem qualquer, deve-se ter muito “presente” a necessidade de manutenções, atualizações freqüentes e periódicas.

Governo municipal então responsável pela estrutura física deve estar sempre atento as condições oferecidas/disponibilizadas aos profissionais, pacientes e familiares. Quando falo em condições refiro-me a à investimento em automação (tecnologia),  instalações, manutenções preventivas e corretivas das ferramentas/estruturas que são utilizadas. Cabe lembrar que mesmo instalações como as oferecidas pelo recém inaugurado CAPS Partenon, se não tiver uma manutenção/atualização constante, em pouco tempo estará sucateada.

Hospital Mãe de Deus então responsável pelo corpo clínico tem a missão permanente de busca/formação de novos talentos que se identifiquem com a causa da dependência química. Sabemos que são poucos os profissionais disponíveis com esta qualificação e  que quando identificados, ainda precisarão de “muita” lapidação para entender/viver a drogadição e “principalmente” trabalhos em grupo.

No meu modo de ver somente a formação acadêmica é insuficiente para que um profissional execute plenamente as suas atividades no tratamento da dependência química.

Nunca esquecendo que os profissionais já residentes também merecem uma atenção especial do que se refere a atualizações, intercâmbios, legislações etc.

Minha experiência no CAPS tem sido extremamente positiva porque é onde encontrei um modelo de tratamento que preocupa-se, inicialmente, com a saúde, equipe multidisciplinar, valorização da liberdade de expressão e troca de experiências até mesmo entre corpo clínico, pacientes e familiares.

Outra situação que deve ser valorizada é que recebe-se uma atenção até mesmo fraternal, o que torna o relacionamento mais sincero, mais aberto e de fácil comunicação. Temos grupos, temos consultas individuais, temos olho no olho e assim sabemos que na menor mudança de comportamento, ausências, seremos procurados, nem que seja por telefone, para que seja entendido o que está acontecendo.

Tenho ciência que o CAPS (representado por uma ponte) é uma passagem e que terei muitas saudades quando o objetivo da recuperação plena for alcançado.

No início do texto citei que o CAPS ainda é uma criança e como toda criança tem o seu início de aprendizado. No meu entender algumas situações já poderiam merecer uma atenção especial.

  • Estudar a viabilidade de grupos noturnos. Na configuração atual quando um paciente, ainda em tratamento, retorna ao mercado de trabalho, vê-se obrigado a abandonar o tratamento;
  •  Aumento do número de oficinas principalmente focadas a atividades artísticas. Música, teatro, dança, dobraduras, bisqui, marcenaria, etc;
  • Laudos mais contundentes para serem apresentados quando da renovação dos benefícios junto ao INSS. Claro que dentro de uma minuciosa análise médica, assiduidade, comprometimento com o tratamento, etc;
  • Redes de relacionamentos/internet. Criação de veículos que possibilitem maior visibilidade. Vale lembrar que depois de várias citações sobre o AA numa novela das 8hs, o programa se fortaleceu muito.

Existem várias outras situações que poderiam ser exercitadas mas vejo nestas quatro, um bom desafio, um bom começo.

Finalizando, não poderia deixar passar a oportunidade de enaltecer o profissionalismo, a dedicação, o comprometimento e o caráter  dos profissionais residentes no CAPS AD Vila Nova.

Sempre brinco que eles são empregados de um respeitado grupo hospitalar, poderiam estar numa bela sala com todo conforto, ficando mais expostos a ascensões profissionais (porque não?), local de trabalho mais adequado para a execução das suas atividades e foram parar aonde? No meio do mato.

Para muitos o bairro Vila Nova só é conhecido pela existência da feira do pêssego. Pois é! Eles aceitaram o desafio de trabalhar no mato, conviver com maluquinhos (não somos santos), não ter tanto conforto mas fazem o que gostam e se dedicam ao extremo dentro das condições disponíveis para a execução das suas atividades.

Receita simples (aquelas de liquidificador). Faça com amor e seja o melhor!

Esta foi a minha contribuição.

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Pago 1 real por uma boa conversa

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Sou Ruam Pedro, curso o segundo período de psicologia, e hoje venho vos contar de uma experiência que passei na EXPRO (Exposição das Profissões). A EXPRO é um evento realizado pelo CEULP/ULBRA que expõe todos os cursos ofertados pela instituição, sendo assim, as profissões exercidas pelos futuros acadêmicos.Com o intuito de mostrar a profissão de psicologia, e de tabela, trabalhar saúde mental, eu criei um personagem. Este personagem nasce de um espírito crítico. Ele quer apenas conversar, e vendo que a sociedade não se importa tanto com a conversa, ou melhor, com a boa conversa, ele resolve pagar Um (1) real por uma boa conversa; dessa forma, ao menos, o dinheiro atrairia algumas conversas.O personagem usa um terno e patins. Acima de tudo ele se cria a partir das conversas que ele tem no decorrer do dia. Montei um ambiente para ele. Logo nas primeiras conversas, deparei-me com o fato de que uma pessoa sem nome, mesmo sendo um personagem, causa muita estranheza e até mesmo certa aversão, portanto para enquadrar o personagem na sociedade, foi pensado um nome para ele, um nome que falasse dele.

Durante outra conversa vimos que, nome por nome, na atual conjuntura, não vale de nada, pois aonde vamos não perguntam nosso nome e sim o CPF, o RG, o Passaporte, o número do cartão de crédito, o número do telefone. Percebemos que somos número. Com essa ideia criada ou observada, batizei o personagem com um número, o número cinco. Entretanto, para brincar com os idiomas, chamamos o nosso personagem de Cinque (pronúncia em italiano: tchinque). Cinque logo se identificou com seu nome, pois têm cinco dedos em cada mão e pé, cinco membros (duas pernas, dois braços e uma cabeça), cinco buracos pelo corpo. Enfim.

Durante a parte da manhã fiquei um pouco decepcionado com as pessoas pois, todos passavam por onde o personagem estava e lia uma placa escrita assim: “pago 1, real, por uma boa conversa (mas só pago se for boa, muito boa mesmo)”, e depois riam, comentavam algo e saiam. Eu pensei que o dinheiro fosse atrair e funcionar como uma desculpa para iniciar uma conversa, mas com aquele público não funcionou. Tive poucas conversas. Conversei mesmo foi com professores e acadêmicos. Até tentei mudar minha estratégia, fui andando com a placa, mas não fui bem percebido, ao contrário dos meus patins que fizeram muito sucesso.

Mas para mim, a maior surpresa foi durante a noite. Este foi o momento no qual trabalhei saúde mental de um jeito incrível, em simples relacionamentos e conversas. À noite estavam apenas três pessoas, eu do segundo período com este personagem e mais duas meninas de períodos similares ao meu, ou seja, tudo calouro.

No nosso espaço na EXPRO tínhamos uma instalação que era um caminho cheio de lixo, uma intervenção, que era uma mesa e duas cadeiras penduradas de lado na parede com a intenção de parecer que a parede era o chão, tinha ainda um boneco feito de rodo, papelão e fitas, e o estande com uma teia gigante com fotos.

As meninas estavam andando pela EXPRO chamando as pessoas para o estande, e no estande estava Cinque (eu), este sim foi um momento belíssimo, no qual eu pude trabalhar a ideia de uma frase que estava grudada na mesa da parede: “Veja o mundo com diferentes perspectivas”.

Cinque se aproveita de tudo para ter uma boa conversa. Conto aqui algumas situações aproveitadas por Cinque para iniciar uma conversar, que por ventura, tornar-se-ia boa: Muitas pessoas ao saírem do caminho do lixo comentavam algumas coisas como “não aprendi nada aqui”, “que coisa feia”, “coisa chata”, “Clichê”. E a partir destes comentários Cinque se apropriava da situação de forma que chegava ao lado das pessoas que comentavam e começava a comentar a mesma coisa dizendo que não tinha nada a ver, que era uma coisa muito feia, sempre concordando com a pessoa, e isto fazia nascer certo interesse, nas pessoas, pelo personagem, e neste ponto a conversa iniciava, de um comentário rotulado como inútil surgiram várias “boas muito boas conversas”, conversas de pessoas tristes, angustiadas, outras felizes e de bem com a vida, uma grande experiência para Cinque que ao tempo que muito aprendeu, muito ensinou com seu jeito educado e inocente de ser.

Dentre as conversas que Cinque teve, houve casos incríveis. Certa vez veio-lhe uma mulher querendo apenas o um real; entretanto, esta não teve uma boa conversa e, portanto não ganhou o um real, voltou ali outra vez, e a mesma coisa, na terceira vez que voltou, conversou por bastante tempo com Cinque, uma conversa muito boa mesmo; conversaram sobre pessoas, amigos, valores e conversas; no final da conversa quando Cinque finalmente foi pagar a combinado, a pessoa simplesmente não aceitou, e disse: “vou ficar apenas com a conversa, obrigado, valeu mais que muitos reais” e o mais incrível foi que Cinque pensando que tinha aprendido muito, pelo visto ensinou algo.

Pessoas que precisavam conversar apareceram para Cinque com a ideia de ganhar um real, durante a conversa essas pessoas começavam a contar de suas vidas, verdadeiros relatos, ou se alguns preferem, utilizaremos a palavra desabafo, mas não era simples desabafo, pois na suavidade de Cinque os desabafos se transformavam em historias as quais poderiam se ajeitar. A cada um real que Cinque pagava, aceito ou não, muito lhe era acrescentado e aprendido, não só para ter assunto para outras conversas, mas também para adequar-se ao mundo.

Um dos fatos engraçados foi com uma mulher falando que psicologia é coisa de loucos, psicólogos é um bando de loucos; depois de alguns minutinhos de conversa, a mulher resolve fazer terapia, finalizo aqui esta historia. Só para relatar, as conversas que Cinque tinha não eram com intuito terapêutico, eram pra ser apenas conversas, porém a tamanha qualidade das conversas, não por parte de Cinque, mas sim por parte e sinceridade de quem vinha conversar, tornava as conversas num ambiente de grande crescimento e fortalecimento da saúde mental, ou melhor, dizendo, da boa saúde mental.

Não apenas mulheres foram conversar com Cinque, mas também homens, e com estes Cinque se surpreendeu, homens que ao chegar sacaneavam um pouco e por fim acabavam “se abrindo” e tornando-se receptíveis.

Mas apesar de ótimas conversas, não minto que por ali passaram várias pessoas que ridiculizaram Cinque, e também que não deram atenção, Cinque nunca insistiu, sempre está aberto para o que quer que venha. Algumas muitas pessoas nada queriam, portanto, riam, nem olhavam, passavam reto. Até estas pessoas serviram de aprendizado, ou melhor, ensinamento para Cinque, que agora vê um jeito de atingir também estas, sem ser forçado, de maneira que as pessoas venham de maneira natural.

Uma das boas estratégias usada por Cinque além de conversar sobre o que as pessoas queriam conversar, era usar patins e terno ao mesmo tempo, por causar certa estranheza, algumas pessoas se aproximavam e queriam saber o motivo e era apenas um instrumento para aproximação, e nisso as conversas iniciavam.

Não só conversas individuais teve Cinque, mas também com grupos, grupos super espontâneos estiveram ali e também grupos fechados, de difícil interação. Entretanto, conversas rolaram sobre vida, mundo, banana, ar condicionado, telha, pessoas, grupos, saúde mental, psicologia, eu, você, diferentes perspectivas, esses foram alguns temas conversados nesses grupos, trabalhamos também dinâmicas e apresentações que, ao interagir com os grupos, fortificava e deixava um pouco mais aberto a novos integrantes. O chão foi o melhor ambiente para aqueles grupos, para outros, bom ambiente foi andar, outros ainda foi nem conversar. Enfim cada grupo e cada pessoa têm suas características e trabalhar com elas foi incrível.

Muitos outros causos aconteceram e antes de cada um vinha, para Cinque, uma ansiedade que era de não saber a próxima conversa que teria, como ele iria se portar ou conversar de tudo; ele pouco sabia, e pouco sabe, quer aprender.

Findando este momento… Caso queiram saber outros causos ou não, se querem conversar ou não, criticar ou elogiar, ou ainda fazer qualquer outra coisa, vos convido: VAMOS CONVERSAR?

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A Psicologia é bem mais do que essas caixinhas que nos impõem

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Um bando de loucos: girando em círculo, de mãos dadas, contra a música, em perfeita união e anarquismo.

Um bando de loucos: de mãos dadas; pulos e gritos; de caras pintadas.

Em meio à paisagem urbana: canções, reggae e casarões.

Um bando de loucos: uma tribo de índios brancos, pardos, mamelucos, amarelos, negros e mulatos.

Várias bandeiras, sob um mesmo sol…

Essa é a imagem que impactava a quem quer chegasse no VIII Encontro Regional de Estudantes de Psicologia do Norte-Nordeste – 2012 (EREP N/NE) em São Luis – MA.

Concentrados na UEB Jornalista Neiva Moreira escola, no Bairro Bequimão, em São Luis – MA, anarquismo era a palavra de ordem!

No peito um ideal: MUDANÇA! Bem mais que militantes: Estudantes, com força, disposição e coragem para fazer, inovar e criar.

E foi nesse o Espírito que impulsionou o EREP N/NE do iniciou ao fim.

Estudantes de Psicologia dos estados Amapá, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe e Tocantins juntos para discutirem Psicologia e Política: Contradições e Aproximações – de Atenas a Jamaica.

Durante os quatro dias do evento, as discussões seguiram três eixos: Psicologia e Estado; Psicologia e Poder; Psicologia e Distanciamentos Políticos-Regionais.

E o porquê política?

A política está em tudo, é uma discussão que perpassa o pleito eleitoral, e se instaura nas relações. É sob esse entendimento que a psicologia se apropria do tema política. Enquanto acadêmicos de psicologia, e futuros profissionais, cabe a nós nos questionarmos e provocarmos na sociedade/comunidade essa discussão.

As atividades do EREP (Grupos de Discussão; Eixos Temáticos; Elos Temáticos; Encontrações; Intervenções e Vivências) visavam emanar na sociedade uma nova demanda: O papel de cada um nessa construção política!  Possibilitando por meio desse debate, uma reflexão que atinge proporções tanto acadêmicas quanto sociais, permeadas por uma construção cultural, onde a dialética promove e se promove, e transforma uma (ou varias) realidade(s).

O foco é tanto no estado, enquanto no cidadão, este último como agente construtor do estado (ultrapassando a barreiras geográficas e temporais), tudo isso atravessado por uma psicologia que se ocupa dos movimentos sociais.

Um grupo, organização independente, rompendo com as muralhas da academia e se lançando no mundo, projetando-se no meio da comunidade e provocando a transformação, a inovação. Mais que um ideal, o EREP N/NE é uma realidade!

E o extrato de tudo?

O EREP é uma mistura massa!

Para saber mais:

Leia mais: http://erepnne.webnode.com.br/
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A oficina de teatro como espaço de experimentação artística

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Este texto descreve um pouco desta experiência e traz em seu arcabouço impressões, inquietações, quiçá discussões habitando a zona em que se borram arte e clínica. Um museu de grandes novidades? A intensidade experimentada nesses encontros me impulsiona esta troca com o público.

A proposta de iniciar esta oficina surgiu numa dobra – dentro e fora, um misto de necessidade e desejo:

A necessidade – a equipe de trabalho sinalizava que usuários estavam muito sedentários e que gostavam da ginástica, dos passeios daí a importância de um espaço para que o usuário exercitasse/movimentasse o corpo1. De que corpo estávamos falando? Corpos oprimidos por instituições?

O desejo – organizar tempo-espaço no cotidiano de trabalho como psicóloga inserida na equipe para poder partilhar este gosto pelo fazer teatral com quem ressoasse o desejo de se lançar a experimentação.

Antes de iniciar a oficina atravessava-me esta questão: como possibilitar o encontro dos usuários com a modalidade Teatro, afirmando a experimentação artística e não somente a terapêutica? A intenção inicial era a de utilizar a linguagem teatral como ferramenta, para que todos pudessem experimentar e ampliar formas de expressar-se, dando formas às sensações, produzindo movimentos corporais e vocais por meio dos exercícios cênicos e produzir montagem que pudéssemos circular pelo território, apresentando.

Inevitavelmente, a clínica atravessaria a arte e, a arte, a clínica. Essas inquietações emergem no trabalho cotidiano das oficinas terapêuticas na Atenção Psicossocial, especialmente em oficinas onde o espaço de encontro pede uma atmosfera de criação, onde não cabe processo ensino-aprendizagem.

Lembrando que a Reforma Psiquiátrica tendo conquistado tantos avanços continua com seus desafios no cotidiano do trabalho com a Saúde, cito a partir dessas questões que retornam, afirmações de Nise da Silveira, quando conta da experiência da Casa das Palmeiras, fundada em 1956, voltada ao trabalho de reabilitação de egressos do Hospital Psiquiátrico: “Fazemos constante apelo às atividades que envolvam especialmente a função criadora mais ou menos adormecida dentro de todo indivíduo. A criatividade é o catalisador por excelência das aproximações dos opostos. Por seu intermédio sensações, emoções, pensamentos são levados a reconhecer-se e associar-se.”

Assim, a proposta da oficina de teatro nasceu. O convite aos usuários e familiares foi feita na ambiência, nas assembléias, grupos, por meio de cartaz e nas outras oficinas. O método utilizado para elaboração do trabalho se confeccionou com linhas que dialogam: o Teatro Espontâneo desenvolvido por Moreno, criador do Psicodrama e o teatro de Augusto Boal e Grotowski e na minha bagagem que foi sendo alimentada de encontros afetivos no trabalho com grupos de teatro e em oficinas expressivas.

A oficina teve duração de dois anos (2009-2011). Acontecia semanalmente e era composta por momentos que se interpenetravam ao longo da experimentação:

Aquecimento (sensibilização e descondicionamento): exercícios de respiração e voz, corpo em relação com o espaço, com o outro e com objetos, composição de máscaras.

• Expressão corporal e vocal: pesquisa do repertório de movimentos com exercícios de expressão corporal e vocal, jogos cênicos (com e sem máscaras) individuais, em dupla e em grupo, leitura de textos, criação de textos e/ou imagens.

• Dramatizações: construção de personagens, composição de cenas, trabalho com maquiagem e figurino.

• Compartilhamento: momento de finalização da oficina em que cada participante traz a sensação de como foi a experimentação do dia: como chegou e como está saindo. Com palavras faladas, escritas, cantadas ou silenciadas.

Além de usuários, familiares e pessoas da comunidade participavam estagiárias de psicologia da Unesp-Assis-SP.

Configurou-se como oficina aberta, então a cada encontro um grupo diferente se formava. E com espontaneidade possibilitada pelos encontros e jogos vivenciávamos um processo singular de produção coletiva. Para Moreno (1980), a saúde consiste em ter livre trânsito entre os planos da realidade e da fantasia. Os extremos adoecidos seriam a Loucura da Fantasia e a Loucura da Realidade.

Cada oficina produzia uma obra em si: cada ator e atriz, a partir de seus recursos corporais e vocais, expressava movimentos e sons com ritmos, volumes, freqüências diferentes que ora ressoavam produzindo respostas do outro que jogava com outros movimentos ou sons ou silenciava ou até respondia com canções “de cabeça” ou inventadas – um RAP, um sambinha, uma embolada. Explorávamos outras formas de nos comunicarmos para além do que estávamos habituados em nosso dia-a-dia.

Os jogos de espelho eram muito apreciados: um de frente para o outro ou em círculo. Uma pessoa inicia um movimento corporal, de forma livre, que é seguido pelo outro que faz o papel de espelho. Instantes de concentração, verdadeiros poetas da ação, como Burnier descreve os atores, de repente no meio do exercício uma pessoa da dupla saía para fumar ou dar uma volta ou simplesmente por querer observar, assistir, fazer o papel de público. O grupo, com seus movimentos próprios, suas idiossincracias…O processo grupal não se interrompia, uma linha contínua se tecia do início ao final do encontro.

Ao adentrarmos a atmosfera da oficina, a disponibilidade corpórea já se modificava, expandindo, em repouso ou contraindo cada movimento do corpo e da voz era co-criado, mesmo que realizado de forma individual. Havia espaço para a expressão do não –verbal, aliás no processo de experimentação era material para construção de diálogos e cenas. A montagem idealizada no início da proposta não ocorreu, o grupo se satisfazia em produzir uma obra a cada encontro.

Havia algo que nos fazia estar ali compartilhando os afetos em formas de pessoas, seres lunáticos ou interplanetários, animais, minerais, vegetais, estados da matéria, em estranhezas sem nome, sentimentos dos mais amenos aos mais intensos, em não saber, em pura vibração compartilhada. Corpo sendo pipoca estourando ou uma cachoeira escorrendo nas pedras, a voz de um pássaro voando no céu com corpo-pé batendo no chão, o som e o movimento vêm da mão batendo no peito entoando uma canção da infância, um tecido ser um cão correndo, o véu da noiva ou o pêndulo de um relógio, uma bola um chapéu ou um bebê de colo, com a máscara poder ser um palhaço e até mesmo um louco!

Risos e assombros. Lucidez e descompassos. Gritos e sussurros. Silêncios barulhentos e silenciados. A oficina, assim como a vida, se fazia na troca das multiplicidades que emergiam no aqui-agora.

E se entendemos Saúde como produção de vida, mesmo com a morte a nos espreitar com maior ou menor intensidade, esta experimentação na Oficina de teatro celebra a possibilidade de termos passeado de mãos dadas por outros mundos, nos movermos por paisagens nunca antes visitadas, habitar de outros jeitos o que insistia em ser o mesmo, termos produzido imagens que conversaram e produziram outras e outras.

Ficam registros no corpo-tempo-memória de todos que ali estiveram, experimetadores, inventadores, atores disponíveis, em seu sofrimento e alegria de viver, a esse fazer teatral precário e visceralmente orgânico – instância-artefato-possibilitadora de encontros, encontros potentes.

Sentados ali, à beira do abismo ou à beira do mar, quando num quintal interiorano do Caps nos estendíamos em roda – instalando um crivo no caos – a inscrição de uma poética livre, para além de protocolos ou diagnósticos, arando a terra do insondável mistério de comungarmos da condição humana. Com prosa e poesia, brindávamos a tarde podendo ser muitos. Um rito – a linguagem tornou-se universal e brinca!

Ao final das oficinas nos sentávamos e alguns livros ficavam ali disponíveis para lermos ou para quem quisesse consultar. Certo dia uma usuária pegou um livro pocket do Eduardo Galeano e folheou e lá se demorou, começou então a ler. Transcrevo um trecho:

Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Pegamos fogo, meu povo!

Bibliografia:

Artaud, A. O Teatro e seu duplo. SP: Martins Fontes, 1999.
Burnier, L.O. A arte de ator. Campinas: UNICAMP, 2001.
Fonseca, J.S. Psicodrama da Loucura. SP: Ágora, 1980.
Galeano, E. O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM, 2008.
Lancetti, A. Clinica Peripatética. SP: Hucitec, 2009.
Lima, E.A. Arte, Clínica e Loucura. SP: Summus, 2009.
Rodrigues, J.C. O Corpo na História. RJ: Fiocruz, 1999.
Silveira, N. O mundo das imagens. SP: Ática, 1992.


1 “Menos que signo de um indivíduo, ou marca de sua diferença e distinção, esse corpo é exatamente onde o homem transborda de si, onde recusa a inércia e os confortos que o tornam passivo e dócil.” (Rodrigues, p.191, 1999)

2  “Para quem se esqueceu do poder comunicativo e do mimetismo mágico de um gesto, o teatro pode reensiná-lo, porque um gesto traz consigo sua força e porque de qualquer modo há no teatro seres humanos para manifestar a força do gesto feito.” (Artaud, p.91,1999)

3  “Este modo de existência corporal tem a ver com o fascínio que, por toda parte, os homens têm por romper os limites, pelo além, pelas viagens, pela transgressão das fronteiras, pela ida ao desconhecido, pelos transes, pela morte, pelo convívio extático com os deuses…Este outro corpo é isto: nele, o trágico nunca fenece; busca decididamente o que põe em perigo. Os contra-poderes e as ameaças são absorvidos por ele como positivos, para que usando-os como alimento, continue incessantemente a se renovar.” (Rodrigues, 191-192, 1999)

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Loucura não aceita

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No dia 18 de Maio de 2012, o Portal (EN)CENA Saúde Mental em Movimento promoveu uma intervenção na Praça do Bosque, em Palmas – TO, chamada de “Saúde Mental em Redes”, aproveitando o ensejo da Luta Antimanicomial (comemorada nessa data), e  com o objetivo de provocar uma reflexão acerca do tema Loucura, a ideia central do evento era: “Traga a sua Loucura para a praça”.

Nesse sentido, eu criei um personagem: um mímico, mudo, que utilizava um capacete de melancia. E não se iluda, nesse figurino, nada fora escolhido aleatoriamente.

A verdadeira identidade do meu personagem não foi muito bem entendida por todos. Ele causava, à primeira impressão, certo estranhamento, mas logo era aceito, e pelas mímicas que eu fazia ao tentar me comunicar, as pessoas rapidamente começavam a interagir com o mímico.

Acredito que a aparência de um palhaço, com um capacete de casca de melancia na cabeça, facilitou para a aprovação geral do personagem por todos. Mas, infelizmente, as pessoas presentes no evento se apegaram somente ao estereótipo de palhaço, e preferiram focar nesse aspecto. Esse comportamento não difere muito do que acontece na sociedade atualmente. Acho que todos pensaram que: por eu estar pintado como um palhaço, fazendo mímicas, e com uma melancia na cabeça, eu estava fazendo apenas o que se era proposto pelo evento: levando a minha loucura para a praça.

Minha intenção era ficar em silêncio desde o momento que eu me vestisse como o personagem, e assim permanecer até eu me descaracterizar. Foi o que aconteceu.

No geral, a impressão que tive, foi a de que todos achavam que eu só queria chamar a atenção, afinal, é crença popular de que se você quer ser visto por todos, basta colocar uma melancia da cabeça, e sim, foi o que eu fiz, literamente. Mas, o que ninguém percebeu de fato, é que o meu capacete, além ser feito da casca de uma saborosa melancia, protegia o meu personagem (ou a mim) das ideias (todas essas ideias) que nos são empurradas goela abaixo pela sociedade. Munido do capacete eu poderia transitar tranquilamente pelo evento, sabendo que em minha cabeça fluiriam apenas pensamento genuínos, fruto de meu próprio senso crítico. O capacete de melancia do palhaço era, por assim dizer, uma defesa eficaz contra o controle de terceiros.

Durante o evento ocorreu uma situação engraçada, na qual, uma das pessoas presentes não entendeu a proposta do personagem. Ele estava arrumando o som e era necessário mais um microfone, eu tentei explicar apenas com mímica (o que não deu muito certo), e ele já irritado, disse que era pra eu falar logo o que eu estava tentando mimicar.

Vemos assim o quão difícil é aceitar o jeito de ser do outro, imagine então a dificuldade que é entender a loucura do outro? Estamos muito mais preocupados em sermos nós mesmos, e esperar que os outros ajam como esperamos que eles ajam que, quase sempre, não toleramos o diferente, o inesperado.

Por que parece ser tão difícil entender a “loucura” alheia? A meu ver, essa é uma dificuldade da nossa atual sociedade (sociedade está na qual estamos inseridos), aliás, quase nunca nos atentamos para o fato de que SOMOS essa sociedade em que vivemos, e de que temos sim essa dificuldade. A própria Luta Antimanicomial surge, historicamente, atrelada aos movimentos de Reforma Sanitária que defendiam, entre tantas coisas, que não basta fechar os olhos e negligenciar o problema da loucura, mas que ele deve sim, ser encarado. Parece impossível de acreditar, mas a solução para chegarmos a uma solução pode ser muito mais simples do que imaginamos, e como já dizia Chiara Lubich (Ganhador do Prêmio Unesco pela Paz 1996 e do Prêmio Europeu para os Direitos Humanos 1998): “Podemos recomeçar, esquecer o que aconteceu e ir em frente com uma nova ideia”.

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O que falar quando não se tem o que falar?

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Pode ser que ao afirmar com tanta convicção que nenhuma outra sensação se compara a sensação de perda e vazio que a morte nos causa, seja inevitavelmente ofensiva demais, porém, não há outra explicação cabível no que se refere a esse sentimento. Estamos longe de conceituar ou enquadrar o termo morte em descrições que, por mais detalhadas que sejam, ainda se perdem em meio às nossas dúvidas, tal é como a vida.

A morte nada mais é do que um idioma sem tradução, problema sem solução ou dúvida sem explicação. É, quem sabe, o fechamento de um círculo. Alguns descreveriam como “piada de mau gosto”, uma história mal contada, surpresa que mesmo esperando, sempre surpreende. A morte, entre tantos mistérios, é o que faz com que as pessoas continuem na ânsia de escrever uma história.

No entanto, os assuntos relacionados a esse tipo de perda é constantemente ignorado. As reflexões sobre a morte, conversas ou explicações sobre suas causas ou efeitos geralmente são adiadas ou deixadas de lado, segundo Passos (2005) “evitar falar sobre a morte é uma das formas que utilizamos para nos defender ou nos pouparmos do sofrimento”.

Poucos fenômenos atingem as pessoas tanto quanto a morte, e aos olhos de uma mãe, “o certo é o filho enterrar os pais”, essa perda pode provocar outros danos, caso não encontre respostas para suas perguntas diante do ocorrido. É comum encarar a morte como algo mais “aceitável” quando acontece com uma pessoa já em idade mais avançada, pois se tratou de um processo natural e lógico no ciclo da vida familiar. No entanto, quando esse evento ocorre com uma criança, segundo Passos (2005) a morte é considerada como uma tragédia humana, um absurdo. É diante de uma situação como esta que diversas perguntas nos passam pela cabeça, nós, enquanto profissionais de saúde, enquanto auxiliadores na dor do outro, no amparo, no acolhimento, o que fazer? O que falar? O que explicar?

Arriscar-me-ia responder: Nada.

Durante as atividades realizadas no estágio em ênfase de Promoção em Saúde na Policlínica Aureny I, muitos foram os dias em que a única coisa que eu pedia era um caso, um fato, qualquer coisa que me tirasse da desmotivação do local. Isso devido toda a complexidade de trabalhar numa rede pública de saúde, onde se deve primeiramente enfrentar uma fila de triagens estacionadas, encarar os diversos “nãos” por parte da sociedade que cada vez mais buscam por respostas imediatas, deixando de aceitar o atendimento algum tempo depois, devido todo o congestionamento causado pelo sistema. A resistência durante os atendimentos, desistindo assim, muitas vezes, antes de receberem alta.

Quando parecia não ter mais jeito, e que seria esta uma experiência válida somente pelas frustrações, foi que, durante a realização de algumas triagens, surgiu um caso urgente, vindo de outra instituição de saúde, mas que devido à urgência da situação e ao fato de não terem recebido nenhuma resposta, optaram por procurar ajuda no serviço de psicologia da Policlínica. E finalmente eu tive o privilégio de conhecer todos os receios de um profissional em formação: O que vou fazer?

Andressa* é uma jovem de 24 anos, bonita e triste. Entrou na sala portando sobre os ombros um vestidinho de criança, roxo, com estampa florida e brilhosa, lágrimas nos olhos e silêncio no coração. Por mais que me dirigisse a ela com toda cautela, com perguntas simples para embasar a triagem, todas as palavras que eu dissesse talvez não fossem suficientes e não adiantaria muita coisa, já que ela evitava qualquer contato, não respondia e por vezes parecia não ouvir o que eu estava falando, apenas chorava.

Depois de muito silêncio, de muitos porquês dentro da minha cabeça, e mais ainda dentro do coração dela, finalmente Andressa começou a destrinchar os fatos: há exatos quinze dias, Andressa perdeu um pedaço de sua vida, sentiu a pior dor de todas. Sua filha de quatro anos, caçula da família, vítima de um afogamento, despediu-se do mundo. No momento do relato o “nó” em minha garganta obviamente era um grão de areia diante da dor que Andressa trazia nos braços, ombros e peito.

Toda a situação tornava mais difícil pelo sentimento de culpa, de incertezas e a imagem do vestido da criança sobre os ombros. Eu poderia passar o dia falando, que aquele vestido falaria muito mais para ela do que minhas palavras.

Durante as duas únicas sessões em que Andressa compareceu, o discurso não muito se modificava, ao contrário do sentimento, que ainda que dolorido, aos poucos se rendia a conformidade, e ainda que todas as perguntas dela (“Por que comigo?” “Por que com ela?” “Quem eu vou culpar?”), continuarem sem respostas, ela se erguia. Passando por cada fase do luto em silêncio, enfrentando cada dia de saudade de forma unicamente pessoal, mas que, a julgar pelos diálogos, pelas expressões faciais, pelo vínculo, ela estava finalmente obtendo algum conforto entre lembranças e fotos.

Agora, o vestido antes domando o ombro, tornou-se parte das lembranças guardadas dentro do guarda-roupa, relembrado vez ou outra, mantendo a esperança de que  um dia as coisas façam sentido.

Andressa procurou atendimento assim que perdeu seu “lado fatal”, e não cabia a nós fazermos muita coisa, ela ainda tem um ano para vencer o luto, ainda tem um ano para reconstruir a continuidade de sua vida sem a presença da dona do vestidinho roxo. E toda essa experiência, me valeu todo o estágio. Infelizmente Andressa não compareceu mais aos atendimentos, nosso último encontro permaneceu sem respostas, e por consequência das suas faltas recebeu alta por desistência.

Encerro com o poema de Luft (2011), que descreve melhor a sensação que não pode ser descrita:

Por que ele morreu abriu-se em meu peito este buraco, através dele arrancaram-me o coração e colocaram um estranho maquinismo, cheio de lâminas e pontas, que me recorta e me preserva – pois se de um lado a morte me abraça, do outro  a vida me chama

*Nome Fictício

Referências

LUFT, L. O Lado Fatal. Ed. Record. Rio de Janeiro, 2011.

PASSOS, R. H. A Morte Como Fato da Vida. Disponível em:www.sistemica.com.br/docs/artigo_rose.doc. Acesso em 29 de Jun de 2012.

TORRES, W. C. A Bioética e a Psicologia da Saúde: Reflexões sobre Questões de Vida e Morte. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2003, 16(3), pp. 475-482. Disponível emhttp://www.scielo.br/pdf/prc/v16n3/v16n3a06.pdf Acesso em 11 de mar. de 2012.

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Em um domingo qualquer

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Era um domingo qualquer…

Acordei cedo como de costume em dias de visita, quase madrugada se comparado a outros domingos que o sono se prolongava por mais alguns instantes.

Não era um dia qualquer, seria o dia em que usaria meu poderoso nariz vermelho, e que a partir daí, nunca mais esqueceria, e mais que isso, perderia meu coração naquele hospital.

A maquiagem, o espelho, aquele leve cheiro de óleo de amêndoas que o nariz vermelho provoca em nossos sentidos, muito mais que sentidos. Aquele nariz vermelho faz milagres, faz surgir um sorriso onde reside dor.

Quer milagre maior que esse?

Eu perderia meu coração naquele dia! Tudo ocorria na mais anormal normalidade: a canção de entrada no hospital, a visita nos quartos, os sorrisos, o cheiro, as paredes brancas e as pessoas que pediam sem qualquer palavra um pouco de atenção, com o direito de sorrir. Ali eu estava com o meu poderoso nariz vermelho!

Até que surge um carismático camarada em meu campo de visão. Ele residia em um quarto sozinho, com um curativo no peito e seu mais fiel soro, acoplado em seu braço, que o seguia por toda parte. A criança, de sorriso fácil, encheu de alegria meu coração.

Mal sabia ele do que era capaz.

Em um momento de descontração, acreditando que seria uma resposta convencional, lhe perguntei:

– O que gostaria de ganhar de presente no dia das crianças?

Então, sem hesitar, me respondeu eufórico, como se fosse um dos mais simples desejos:

– Eu quero ganhar um coração!

Naquele momento o chão se abriu perante meus pés. Aquela resposta ainda ecoa em minha memória.

E mal sabia ele que seu pedido havia sido atendido, pois havia ganhado o meu coração.

Nem todo final é feliz! Onde esteja aquele pequeno herói, espero que ele cuide bem do coração que ganhou de um humilde palhaço.

Quanto a mim, suporto apenas ver meu coração batendo em cada outro peito, que reside em qualquer lugar, trazendo um pouco mais de alegria a quem realmente precisa.


Nota: O autor faz parte do grupo de Humanização Hospitalar UTI da Alegria

Saiba mais:

O trabalho de humanização no hospital através do palhaço hospitalar começou quase que por um acidente, com Michael Christensen, que na época era diretor do Big Apple Circus de Nova York, em uma apresentação do Dia do Coração no Columbia Presbyterian Babies Hospital, onde envolvia simulações da rotina do hospital, porém agregadas a realidade lúdica do palhaço.

Michael optou por retornar ao hospital para visitar o quarto das crianças que não haviam tido oportunidade de comparecer na sua primeira apresentação, a estratégia deu uma resposta muito positiva, então o hospital resolveu investir na continuidade do projeto, nascendo assim o Clown Care Unit e posteriormente diversos outros projetos semelhantes espalhados pelo mundo.

http://utidaalegria.blogspot.com.br/

http://www.doutoresdaalegria.org.br/

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Saúde: garantia do Estado, dever de todos

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Pretendo nesse espaço partilhar minha experiência no terceiro encontro do Fórum Permanente de Saúde Mental do estado do Tocantins, que se deu no dia 22 de agosto de 2012, na sede do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas (CAPS AD-III), em Palmas – TO.

Logo de início quero deixar meu contentamento em poder constatar, reunidos, profissionais das mais diversas áreas da saúde (Psiquiatras, Psicólogos, Enfermeiros, Assistentes Sociais, Secretaria Estadual de Saúde, Acadêmicos de Psicologia, Conselho Estadual de Saúde, entre outros) empenhados em levantar, discutir e intervir em questões pertinentes à Saúde Mental em nosso estado.

Como acadêmico do quinto período do curso de psicologia, já havia participado de alguns eventos de temas relacionados à saúde mental, como voluntário do projeto (En)Cena: Saúde Metal em Movimento, já havia entrado em contato com algumas literaturas e debates a respeito do assunto, mas como cidadão, concebendo este como promotor de sua cidadania, foi a primeira vez que me vi realmente implicado no processo.

O tema discutido pelo grupo foi o Matriciamento de Saúde Mental, prática apoiada pelas Secretarias de Saúde, no qual um profissional especializado em Saúde Mental é designado para supervisionar um serviço de saúde de atenção básica que presta assistência ao sofrimento mental. O Matriciamento tem se difundido cada vez mais dentro dos CAPS’s do estado Tocantins, com números relevantes de aprovação pela equipe técnica dos serviços de saúde.

Outra problemática relatada no encontro foi a preocupação da Secretaria Estadual de Saúde com o alto índice de demanda judicial para intervenção familiar em pedidos de internação compulsória.

As políticas de enfrentamento às drogas têm encontrado grandes dificuldades quanto à sua pratica, que é regulamentada pela Lei Nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, pelo Decreto nº 7.179, de 20 de maio de 2010. Tem-se propagado uma intervenção clínica hospitalar em regime fechado, na qual o sujeito é retirado do convívio social. O tratamento é eficaz enquanto o indivíduo está internado, e sob o efeito de medicamentos, mas quando recebe alta, é claro que tudo volta. A comunidade parece negligenciar o que já é sabido por todos: o tratamento de dependentes químicos é moroso, por vezes, pode durar a vida toda. A reinserção social do sujeito, assim como o apoio da família é fundamental nesse processo.

As famílias querem resultados imediatos, e recorrem ao poder judiciário para conseguir a internação compulsória, um método que não tem resultados satisfatórios em um curto espaço de tempo. É preciso lembrar que no tratamento de dependentes, cada paciente exige um cuidado subjetivo e singular. Isso sem mencionar que quando falamos em saúde mental esse quadro de dependência, quase sempre, apresenta-se em comorbidade com outro transtorno. A luta de um dependente químico pode perdurar ao longo de toda a sua vida, por se tratar de um mal crônico.

Quando digo de um “mal” crônico, pretendo aludir os malefícios que as substâncias químicas podem causar ao organismo e à saúde do indivíduo, concebendo saúde como: um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças, assim como é definido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Torna-se cada vez mais complicado falar de drogas, assim como falar de políticas de enfrentamento às drogas, e/ou de redução de danos. O assunto é cada vez mais polêmico, envolvendo sociedade, mídias, ciências, empresas, estado, igrejas, etc. Dizer de substâncias alucinógenas, assim como seus benefícios e malefícios, tornou-se uma questão subjetiva, e cada um tem o seu olhar, e assim, seu próprio ponto de vista. Afinal o homem é livre para decidir se quer ou não fazer o consumo de substâncias ilícitas. É nesse olhar que nasce a política de redução de danos. O serviço de saúde fica bem no meio de tudo isso, atravessado entre usuário, estado e família.

A questão levantada pelo fórum, é que, do modo que está sendo feito, estamos voltando para o regime asilar, não com o louco, mas com o dependente químico. A sociedade mais uma vez quer se isentar do problema e, erroneamente, busca no internamento uma solução. Parece irônico, mas a história se repete. Já que não se pode curar, tirar o problema do meio social e lançá-lo em um asilo parece ser o melhor a ser feito.

Vivemos no século XXI, o tratamento medicamentoso do que diz respeito à dependência química já melhorou e muito, mas sabe-se que o internamento não resolve problema algum, na verdade, a reclusão tente a ser muito mais prejudicial que benéfica.

Claro que não podemos negligenciar o sofrimento das famílias que, nestas situações, estão muito fragilizadas, e encontram na internação a única solução para lidar com o conflito. O poder judiciário, por sua vez, ao acatar a solicitação da família, só quer atender as reivindicações desta. Contudo, nesse ritmo o regresso ao modelo asilar é iminente. É preciso salientar que a internação compulsória fere o direito de liberdade do sujeito, que pode escolher se quer ou não fazer uso de substâncias ilícitas, afinal o Brasil é um país livre. O que falta é um consenso, uma conversa esclarecendo pontos entre sociedade, família, saúde, educação e justiça.

O fórum lamenta não ter nenhum representante do âmbito jurídico participando das reuniões, já que em questões como essa, sensibilizar a justiça parece ser um dos passos para se chegar à solução. Particularmente, fiquei tocado com o encontro e com o empenho de todos em discutir a saúde mental, o movimento é antes de tudo um manifesto ao direito à vida, a saúde de qualidade e à cidadania.

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