Jovens e o suicídio: das causas ao auxílio para meninos e meninas

Compartilhe este conteúdo:

O fervor da saída da infância para algo maior e complexo, chamado adolescência, sempre foi desafiador. É a fase de descobertas, maiores responsabilidades e decisões pensando em algo maior no futuro. A psicóloga Dayse Chaves explica sobre essa grande mudança de vida. “Às vezes esquecemos de detalhes nessa transição como, por exemplo, o teor psicológico e até mesmo a formação do cérebro, que pode interferir no nosso humor, sexualidade e como nos relacionamos perante a sociedade”.

As turbulências hormonais podem ser uma das causas dos distúrbios emocionais do jovem,  o que pode potencializar a tendência suicida ou até mesmo o próprio suicídio.  São quase 1 milhão de mortes no ano por suicídio no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a cada morte teve em média 26 tentativas realizadas sem sucesso. A última pesquisa feita pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde em 2016, relata que no Brasil nos últimos 12 anos, a taxa de suicídio entre 15 a 29 anos aumentou cerca de 10 %, totalizando em 5,6 mortes por 100 mil habitantes.  E a  maioria dos suicidas são do sexo masculino.

Por mais que os outros países tenham números mais preocupantes, como no caso da Coréia do Sul, com 30 mortes por 100 mil habitantes, conforme segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil lidera a oitava posição no ranking publicado pela OMS. A antropóloga Emilene Leite diz que ainda há observações a serem feitas: “Eles nunca vão acontecer isoladamente, existem motivos para isso. Geralmente quem tem depressão e pensamento suicida,  nunca toma uma decisão imediatamente”.

OS MOTIVOS PARA O FIM

A psicóloga Dayse Chaves informa alguns dos motivos para os jovens pensarem  na morte como solução dos problemas. “Os motivos variam. Em geral são a violência, que pode incluir abuso sexual, relacionamento abusivo, violência doméstica, conflitos familiares, à sensação de mal estar psicológico relacionada com a depressão, a falta de interação social, etc”.

Natália (nome fictício)*, 18 anos, conta como foi enfrentar o sentimento de depressão. “Chegar aos 17 e ter pensamentos suicidas não é tão legal. Houve um tempo que eu realmente não entendia o porquê de continuar viva e me afundava cada vez mais em questões da minha própria existência. A adolescência pode ser uma das piores fases da vida, pois é quando amores bobos e destruidores acontecem, a ansiedade toma conta, o bullying vem à tona e sempre há um conflito com seu próprio eu. A depressão chegou em mim na pré-adolescência e aguentei tantas outras coisas caladas e sozinha, me sentia confusa, vazia. Falar nesses assuntos é um tanto complicado, ainda mais pra quem guarda só pra si”.

A psicopedagoga Elany Fonseca reforça o quanto essas situações são impactantes na vida dos jovens e que sempre temos que ficar em alerta. “O caso é que depressão e ansiedade  não são frescuras. São doenças que levam à morte, e devemos olhar com mais amor e preocupação para quem sofrem assim. Demonstrar apoio é essencial para transmitir conforto”.

Natália: luta contra depressão

O LADO MASCULINO

Os dados apontam que cerca de 68% dos suicídios são cometidos por homens, mas será que a sociedade os ajuda? João (nome fictício)*, 24 anos, relembra o momento de dor que vivenciou quando ficou com depressão. “Foi em uma noite de domingo. Eu já havia considerado essa possibilidade na minha adolescência, mas só tentei tempos depois. Eu sentia vergonha e medo do que eles poderiam pensar se eu contasse sobre os pensamentos suicidas e os meus sentimentos. Como homem deveria tentar ser mais resistível a isso, mas não é fácil ter que enfrentar esse tipo de situação”.

A psicóloga Dayse Chaves afirma que a sociedade sexista pode acabar agravando as tendências dos homens que já estão em fase de depressão: “Tem muito a ver com o machismo, que ainda é a principal barreira a ser quebrada. Tudo isso vem agregado a questão estrutural da cultura de como o homem não pode ser diferente daquilo que foram criados para serem. A quebra dessa casca masculina é feita quando o homem percebe que precisa urgentemente de ajuda”.

FAMÍLIA: CAMINHO PARA A SUPERAÇÃO

Dayse Chaves afirma o quão importante e significativo a ajuda da família tem para os jovens. “A família é importante para demonstrar apoio social, já que aqueles que tem depressão e não possuem esse apoio podem acabar tendo seu quadro clínico agravado. Com esse apoio é possível se recuperar mais rápido”.

Resgatar convívio social e familiar é uma forma de ajudar a todos. Bia (nome fictício)*, 30 anos, conta como ela e sua família ajudaram um dos irmãos que tinha tendências suicidas. “Foi um choque ter que lidar com algo que nunca imaginávamos passar. Percebemos algumas mudanças, mas não sabíamos o que era. Depois de um tempo ele se abriu conosco, conversamos sobre isso e nós o apoiamos em sua decisão. Tivemos um cuidado redobrado com ele, mas com o passar do tempo pude perceber que estávamos mais próximos e confiantes para conversar sobre tudo, incluindo da parte dele. Isso foi de grande importância para nós”.

Dayse Chaves: apoio social pode diminuir gravidade dos casos

A SAÚDE MENTAL NÃO PODE SER BANALIZADA

A psicóloga Nádia Borges comenta desde o início o que significa a ação de ajudar: “Jamais pode-se banalizar um pedido de socorro. Esse pedido pode vir de inúmeras formas. Verifique, converse e diga ‘estou aqui, como posso te ajudar?’ E o que me preocupa é quantidade de casos que atendemos, é um número alarmante. Temos não só um grupo para os jovens, como também para a família que precisa de suporte”.

A cidade de Imperatriz – MA possui uma rede de apoio com unidades do Centro de Atenção Psicossocial (Caps). O indicado para os jovens é o CAPS-IJ,  localizado na Rua Sergipe, entre as Ruas Gonçalves Dias e Rui Barbosa. É aberto de segunda à sexta das 7 h às 17 h.   Há um corpo de profissionais, como assistente social, enfermeiros, pedagogos, fonoaudiólogos e nutricionistas, entre outros, capazes de auxiliar no tratamento dos pacientes. A campanha nacional,  conhecida como “Setembro Amarelo”, tem o apoio do Caps e foi feita para auxiliar a sociedade a participar ativamente de ações que valorizem a vida e ajudem segmentos da população a evitar o suicídio.

Fotos: Talison Fernandes e Lucas Oliveira 

*Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado

** Reportagem realizada na disciplina Técnicas de Reportagem (2017.1)

Compartilhe este conteúdo:
hospício

A Casa dos Esquecidos

Compartilhe este conteúdo:

Passei um bom tempo procurando um título para poder falar do trabalho incrível da equipe de reportagem do Conexão Repórter (SBT) apresentada por Roberto Cabrini, no dia 24 de janeiro de 2013. No entanto, não podia achar título melhor do que o dado pela própria equipe: A casa dos esquecidos.

A reportagem me instigou a, mais uma vez, escrever sobre a nossa luta diária para o fechamento de locais como o hospital psiquiátrico mostrado na reportagem exibida pelo programa. Sabe-se que foi elaborado no dia 18 de maio de 1987, na I Conferência Nacional de Saúde Mental, um documento que propunha a reformulação do modelo assistencial em saúde mental, bem como a reorganização dos serviços de atendimento, destacando como melhor forma de tratamento o atendimento extra-hospitalar e as equipes multiprofissionais, com isso, iniciaram-se as discussões acerca dos direitos de cidadania, bem como de legislação, em relação ao doente mental (Saúde Mental, 2007).

Infelizmente, a forma tradicional, conhecida por muitos, de se “tratar” a loucura, é caracterizada principalmente pelo asilamento e exclusão.  Segundo Basaglia (1985), quando um sujeito portador de transtorno mental é internado em uma dessas instituições psiquiátricas, perde seus direitos e é submetido ao poder da instituição, fica, portanto, à mercê dos delegados da sociedade, conhecidos como “médicos”, que o afastou e o excluiu.  Este modelo de tratamento serviu como uma forma de controle social do Estado ao se tratar de trabalhadores que perdeu a capacidade produtiva (Grunpeter, Costa, Mustafá, 2007). Surge daí a principal critica a esse modelo de assistência, cuja representação surge por meio ético, tanto no aspecto profissional quanto ao resgate dos direitos humanos aos sujeitos mentalmente doentes, muitos destes, resultado de sua própria sociedade.

Para Basaglia (1985) a psiquiatria foi uma técnica altamente repressiva, que o Estado sempre usou para oprimir os pobres e doentes, aqueles que não produziriam mais lucros para a sociedade, fortalecendo assim, a ideia de que essa questão sempre esteve fortemente vinculada à lógica do capitalismo, se o sujeito não produz, ele não “serve”, e o que deve fazer é exclui-lo da sociedade, o modo de exclusão pouco importa, desde que ele não interfira no progresso do Estado.

Baseando-se nas terríveis formas de tratamento as quais os mentalmente doentes (rótulo usado para camuflar a ideia de que só quem produzia podia ser considerado saudável) foi que surgiu a luta pelas mudanças no modelo de assistência, cujo objetivo principal era a substituição do modelo asilar por uma rede de serviços territoriais (Grunpeter, Costa, Mustafá, 2007).

Acerca de um ano o programa Conexão Repórter havia recebido denuncias de que o Hospital Psiquiátrico Vera Cruz, de Sorocaba-SP, estava tratando seus internos sobre condições precárias e desumanas. Partindo disso, o programa realizou um documentário que mostrou os bastidores desse local caracterizado por abandono e violência.

Durante duas semanas um produtor do Conexão Repórter, disfarçou-se de funcionário do hospital para mostrar a realidade dos pacientes que por lá foram esquecidos. Algum tempo depois, Roberto Cabrini (apresentador), também visitou o local e entrevistou alguns dos pacientes, presenciando imagens fortes e inacreditáveis.

Possivelmente não conseguirei transcrever tão bem as sensações que me ocorreram durante a exibição da reportagem, tamanhas eram elas. De inicio é revoltante, falo não somente como profissional da saúde, porque antes disso sou um ser humano. Não há descrição melhor para os sentimentos do que: Negativos. Em nenhum momento se sente aquela “coisa” mágica chamada esperança, de que algo ali se transforme. Não por pessimismo, mas pelas condições dadas aqueles esquecidos. Se hora a revolta batia no peito, por outro lado a tristeza transbordava aos olhos.

Constantemente o repórter fazia a seguinte pergunta para os funcionários do hospital: “É normal esse tipo de tratamento?” “Você acha isso normal?”. A reposta, acreditem, foi a mais inacreditável de todas: “Sim, é normal”. Daí me surgiu uma dúvida: pesquisei no dicionário o conceito de Normal, pois até onde eu sabia o que ali era retratado não tinha nada de normal. Então, eis que achei: “De acordo com a norma, com a regra; comum”. Cheguei à conclusão de que para eles o normal havia se confundido com o comodismo, uma vez que não encontrei uma explicação melhor para a situação, estão tão acomodados e preocupados com suas próprias vidas que aquela situação precária e desumana havia se tornado normal aos seus olhos. O que é contraditório, já que para a própria sociedade normalidade é tudo aquilo que segue dentro da razão, ou que está de acordo com as normas e princípios regidos por ela. Bom, sendo assim, o que de razão tem essa forma de tratamento? Nenhuma, julgo eu.

Roberto Cabrini também exaltou o tipo de tratamento: “Como é possível que o ser humano se recupere nessas condições?” Simples, eles não se recuperam. Ao contrário, estão cada vez mais doentes, fracos e esquecidos.  Os pacientes vivem em estado de medo em consequência das constantes agressões (pacientes contra pacientes, funcionários contra pacientes), falta saúde, falta motivação, morrem de frio (literalmente, pois estão sempre nus e não têm sequer cobertor para que os protejam), não se alimentam adequadamente (se há comidas são indigeríveis). A falta de higienização agride a quem vive lá e aos que visitam o local. Só existe um único momento em que parece que as coisas vão se resolver, quando o hospital recebe a noticia da visita da fiscalização, digo “parece” porque é só isso mesmo, é só uma maquiagem que sairá facilmente com água após alguns dias. De acordo com o Ministério da Saúde, existem no Brasil 59 hospitais psiquiátricos públicos funcionando seguindo o modelo antigo de tratamento manicomial, e mais 160 credenciados pelo SUS, são aproximadamente 32.735 leitos nos hospitais públicos. Apesar dos avanços legislativos no que diz respeito ao campo da saúde mental, a cultura de violência e da violação dos Direitos Humanos ainda é marca constante nos hospitais em funcionamento, um deles é o Hospital Psiquiátrico de Vera Cruz, alvo de muitas denúncias sobre maus-tratos e descaso.

“É comum a fuga de pacientes”. O que se esperar de um local como este? Que os doentes aceitem ficar por lá? Sendo tratados como escravos (realizando tarefas perigosas e que não cabem a eles realizarem) e – com o perdão da palavra – como lixos? A fuga é consequência do tratamento que eles recebem, qualquer lugar seria melhor do que aquele em que vivem.

Confesso que assisti a reportagem duas vezes, e nas duas vezes a reação foi a mesma, diria até que na segunda vez fiquei ainda mais indignada com a situação daqueles pacientes. É, realmente, de cortar o coração.

Os funcionários que trabalham no hospital se recusavam a responder as perguntas feitas pelo repórter, mas mostravam o constrangimento e a decepção de se trabalhar num local como aquele. “Você traria seu pai para um lugar como este?” “Não, porque não é certo o tratamento que eles recebem”. Mas continuam mantendo-se calados diante de tamanha agressão aos direitos do próximo, continuam silenciando os fatos terríveis que acontecem dia após dia. Usam como “desculpa” que necessitam do trabalho e por isso não podem falar nada. É triste saber que os direitos de igualdade foram jogados para debaixo do tapete – ninguém viu, ninguém sabe -. Isso pesa mais ao saber que são pessoas que juraram cuidar do próximo e presar pela vida dos que mais precisavam. Juramentos em falso prejudicando mais de uma vida.

“Como é possível um ser humano ser tratado dessa forma?” Foi a última pergunta que o produtor, que passou duas semanas no hospital, se fez ao final do seu trabalho. E espero que seja essa a pergunta que as pessoas que tenham assistido ou que tenham acesso a esse texto se façam e revejam seus conceitos de cuidado e direitos iguais. Porque eu não saberia dizer se existe um único culpado para toda essa realidade, o que posso realmente dizer é que somos nós quem, ainda, pode fazer algo para que essa realidade seja transformada e que o modelo de assistência elaborado pela I Conferência Nacional de Saúde Mental seja cada vez mais valorizado e torne-se uma pratica constante.

Referências:

BASAGLIA, Franco. A instituição negada. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

Conexão Repórter: A casa dos esquecidos. Disponível em:http://www.sbt.com.br/conexaoreporter/ Acesso em 25 de Jan. de 2013.

Dicionário Online de Português:  http://www.dicio.com.br/normal/

GRUNPETER, P. V, COSTA, T, C, R, MUSTAFÁ, M. A. M. O Movimento Da Luta Antimanicomial No Brasil E Os Direitos Humanos Dos Portadores De Transtornos Mentais. Anais do II Seminário Nacional Movimentos Sociais, Participação e Democracia. 25 a 27 de abril de 2007, UFSC, Florianópolis, Brasil.

Reforma Psiquiátrica. Disponível em; http://oglobo.globo.com/politica/dez-anos-apos-reforma-psiquiatrica-brasil-ainda-tem-instituicoes-publicas-funcionando-no-modelo-de-antigos-manicomios-2760053#ixzz2J0GfJ16r . Acesso em 25 de Jan. de 2013.

SAÚDE MENTAL. 18 de Maio: Dias de Lutas. Disponível em:http://saudementales.wordpress.com/. Acesso em 25 de jan. 2013.

Compartilhe este conteúdo: