Psicologia: O que me levou a trilhar por esse caminho?

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            Fonte: imagem retirada em Pixabay

2019 foi um ano que iniciou de maneira muito difícil. No dia 20 de janeiro tive a terrível experiência de poder entrar para a estatística das pessoas que vivenciam um luto. Percebi que ao perder quem nós amamos, nos tornamos muitas das vezes pessoas sem chão, não conseguindo nem mesmo firmar nossos passos.

E foi assim o meu primeiro semestre daquele ano, não conseguia cumprir minhas metas pessoais, profissionais e nem enxergar de que maneira conseguiria levantar-me daquela situação. Viver o processo de perdas significativas sempre foi uma tarefa muito difícil para mim.

Vivenciar a partida de uma pessoa que era minha amiga, irmã, companheira para todas as aventuras, e saber que não poderia mais abraçá-la, fazer nossas sopas de ervilha, nosso Natal não seria o mesmo sem a presença dela, tudo isso me consumia dia após dia.

Foi em agosto do mesmo ano, em um acampamento de família que vi um anúncio sobre o curso de psicologia da Ulbra/Palmas, e estabeleci para minha vida o início de um novo ciclo. Diante da minha dor do luto, decidi buscar armas para lutar.

Encarar uma segunda graduação, após 12 anos longe de uma sala de aula, diversos sentimentos me definiam como: a insegurança, medo, cansaço, e tantos outros que não consigo nomear.

Os meses foram passando, e pude ver o que jamais imaginei presenciar nos telejornais, redes sociais. Pessoa a nível mundial morrendo por um vírus, muitas famílias sofrendo dor por uma perda irreparável, que não tinha volta.

Eram idosos, jovens e crianças, não fazia escolha de raça, classe social, profissão, mas ia pouco a pouco alcançando a humanidade e de maneira trágica fomos vendo o ciclo fechando e pessoas conhecidas partindo deixando um enorme vazio.

Comecei a compreender que o luto é algo público, em algum momento da vida todas as pessoas passam ou passarão por esse processo. Uns sofrem mais, uns expressam sua dor, chora intensamente, fala sobre o ocorrido, outros nem gostam de tocar no assunto.

Mas isso não significa que não estão vivenciando esse processo, pois cada um possui uma singularidade, expressões, maneiras e costumes diferentes. Assim como nossa impressão digital, assim também são as nossas reações.

Então comecei a encarar minha vida acadêmica com coragem e determinação, vivendo meus processos, buscando conciliar as demandas de casa, os filhos, esposo, mas sempre tentando realizar da melhor forma possível, priorizando o que é necessário e vivendo um dia de cada vez.

Gosto de ler assuntos que envolvem saúde mental, perdas significativas, seja artigo, livros, histórias e observo como as pessoas lidam diante das perdas. Desde os antepassados, perder gera os mais variados tipos de sentimentos na humanidade, mas quase sempre diante de uma perda as reações são as mais diversas.

Seja o fim de um relacionamento, uma empresa que não conseguirá mais manter-se aberta, pessoas que possuíam o nome sem restrição e de repente tudo desmorona e faz parte da lista de negativados, um brinquedo tão especial que quebra, a morte de um animal de estimação, ou de um ente querido.

Buscar entender de que maneira o luto pode afetar a saúde mental, os tipos de luto existentes, sempre mexeu muito comigo. E foi aí que comecei a ter alguns insights de minha missão como futura psicóloga, e o campo que desejo fazer especializações.

Em 2021/1 tive o privilégio de cursar a disciplina de Processos Grupais, onde fizemos a elaboração de um pré-projeto com o nome de Grupo Terapêutico para pais em situação de luto, que me fez compreender mais sobre a dor de pais enlutados.

Quando um dos cônjuges falece, certamente o estado civil passará a ser viúva(o), os filhos ao perderem seus pais tornam-se órfãos, mas quando trata-se de pais que perdem filhos, não existe uma palavra que defina tamanha dor.

Então, em minha caminhada acadêmica no ano 2021/2 tive a terrível sensação de perda, e dessa vez era diferente, pois minha mãe estava viva, mas havia recebido um diagnóstico de C.A em alto grau. A minha sensação era de luto, por não entender o processo que teríamos que enfrentar.

Em dezembro do mesmo ano foi submetida a uma cirurgia. Em Março de 2022 iniciaram-se as radioterapia da minha mãe. Eu não me sentia muito bem, mas não reclamava, pois entendia que a dor da minha mãe era maior.

Nesse mesmo mês após sair de uma aula passei mal e fui internada e logo após submetida a uma cirurgia também suspeita de C.A. no ovário. Eram muitas incertezas dentro de mim, medo, preocupação com a minha mãe, pois era uma das fases mais críticas do seu tratamento.

Durante todo esse tempo fui obrigada a descansar minha cabeça em relação ao tratamento da minha mãe pois nós tínhamos papai que cuidava dela da melhor forma possível. Fazia a comida, levava-a para a realização das sessões de quimioterapia, exames e retornos médicos.

Logo eu já estava na ativa com meus trabalhos acadêmicos, e a minha rotina em busca do meu CRP. Contei com a ajuda de amigos que a faculdade me presenteou durante esse processo muito difícil.

Em agosto de 2022 entrei para o tão sonhado estágio específico em processos clínicos, aguardei muito por esse dia. Após uma semana de treinamento, atendi o meu primeiro paciente, e a noite tive a pior notícia da minha vida, meu pai havia nos deixado em decorrência de um infarto fulminante.

Naquela noite nada fazia sentido, a dor era terrível sem descrição, palavras não são capazes de descrever tamanha dor, por ver mais uma vez a partida de quem amamos. Os sentimentos são os mais variados, mas o que me marcou desde o primeiro momento foi a saudade.

No mesmo mês minha mãe foi submetida a nova cirurgia, estávamos lá novamente no hospital, mas agora em um nível mais pesado, pois aquele que era nosso porto seguro já não estava mais, e continuamos lutando e em luto.

Se eu pensei em desistir? Sim. Mas o que fez a minha caminhada tornar-se mais leve, e continuar minha jornada acadêmica foi o acolhimento do meu professor, supervisor, e mestre Sonielson Luciano Sousa, durante esse processo difícil em minha vida. A maneira que ele transmite através da sua vida uma frase de Jung que diz: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana”.

Atualmente estou cursando o último período, a abordagem que escolhi para ter como base foi a teoria de Carl Gustav Jung, conhecida como psicologia analítica. Buscando compreender os arquétipos, a psique, o inconsciente coletivo e pessoal, e o processo de individuação, onde tudo isso faz muito sentido para mim.

Apesar das lutas, sinto-me em paz com os processos que tenho enfrentado, buscando viver dias mais leves, acreditando que o tratamento da minha mãe está sendo eficaz, lutando pelo meu objetivo que é a minha formação em psicologia.

Vale a pena viver o processo e não desistir diante das lutas. Mas se não der para caminhar, e por algum motivo estagnou. Não se culpe, faça o que der conta e estará tudo bem. Respire, levante a cabeça e prossiga assim que for possível

Quando temos a convicção que estamos no caminho certo, embora surjam os espinhos, pedras, crateras, mas mesmo assim, ainda é possível ver o colorido das flores e o arco íris em dias chuvosos.

 

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Educação Inclusiva: obstáculos e conhecimentos na modernidade

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No Brasil, constata-se que desde a década de 1990, ocorreu um grande empenho público para o aumento do número de matrículas nas escolas públicas, entretanto, instaurar uma política de propriedade na educação que as escolas seguem exercendo. A Constituição Federal de 1988, bem como a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96, ressalta a relevância e emergência de efetuar a Inclusão Educacional como critério orientador de nacionalidade.

Conforme as pesquisas, destaca-se que existiu e existe uma briga pelos direitos das pessoas com deficiências. A Constituição de 1988 assegura que é obrigação do estado e da família: “os garotos e as garotas com deficiência não necessitariam e não precisariam estar fora do ensino infantil e fundamental das escolas regulares, convivendo na classe e ensino especiais”. E ainda estabelece que “deve ser assegurado a todos a passagem as graduações mais altas do ensino, da pesquisa e da criação artística, conforme o potencial de cada um”.

Destaca-se que esse tema surgiu através da demanda de entender e buscar responder as dúvidas, assim como aumentar os saberes sobre a educação inclusiva de maneira a resolver o problema que dominava durante as investigações sobre esse tema, que era “quais são os principais obstáculos superados por alunos e professores na educação inclusiva”?

A inclusão de pessoas com necessidades especiais possui um escopo de grandes analises, argumentações e conversas, e mesmo diante de tantas políticas públicas inclusivas ainda se deseja contestar à exclusão, tão acentuada em nossa comunidade (Borges; Paini, 2016, p. 6).

Para que a Educação suceda com êxito, a Lei de Diretrizes e Bases, em seu Art. 59, contempla como devem ser acolhidos os alunos com necessidades especiais, em que ressalta as principais diretrizes para o atendimento desses alunos.

Para tal, a educação tem como suporte quatro pilares: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver; e aprender a ser. Instituir a educação inclusiva em todos esses suportes é assegurar que a aprendizagem de crianças e jovens com deficiência ocorra através das múltiplas possibilidades de desenvolvimento que podemos encontrar na escola (Ferreira, 2018, p. 4).

A inclusão é uma norma que se aplica aos múltiplos espaços físicos e simbólicos e é uma tarefa da sociedade que se utiliza no trabalho, na arquitetura, no lazer, na educação, na cultura, mas, essencialmente, no pensar e no agir, de si e do outro. (Camargo, 2017, p. 1).

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Katiuscia C. Vargas. Exclusão e inclusão: dois lados da mesma moeda. v. 2, nº 3, jan. /jun. 2016. Disponível em: http://www.ufjf.br/facesdeclio/files/2014/09/3.Artigo-D2.Katiuscia.pdf. Acesso em: 5 maio 2019.

BORGES, Adriana Costa; OLIVEIRA, Elaine Cristina Batista Borges de; PEREIRA, Ernesto Flavio Batista Borges; OLIVEIRA, Marcio Divino de. Reflexões sobre a inclusão, a diversidade, o currículo e a formação de professores. 2013. Disponível em: http://www.uel.br/eventos/congressomultidisciplinar/pages/arquivos/anais/2013/AT01-2013/AT01-040.pdf. Acesso em: 10 maio 2019.

BORGES, Marilene Lanci; PAINI, Leonor Dias. A educação inclusiva: em busca de ressignificar a prática pedagógica. Universidade Estadual de Maringá – UEM. 2016. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/cadernospde/pdebusca/producoes_pde/2016/2016_artigo_edespecial_uem_marilenelanciborgessenra.pdf. Acesso em: 10 mai. 2019.

BRASIL. Educação inclusiva: v. 3: a escola. Brasília: MEC/Seesp, 2004. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aescola.pdf. Acesso em: 8 maio 2019.

______. A inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais. Brasília: 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/deffisica.pdf. Acesso em: 4 jun. 2019.

______. Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Inter-Americana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm. Acesso em: 4 jun. 2019.

______. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5296.htm. Acesso em: 4 jun. 2019.

CAMARGO, Eder Pires de. Inclusão social, educação inclusiva e educação especial: enlaces e desenlaces. Ciênc. Educ., Bauru, v. 23, nº 1, jan./mar. 2017. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-73132017000100001. Acesso em: 26 fev. 2019.

CARDOSO, Silvia Helena. Diferentes deficiências e seus conceitos. Disponível em: http://www.mpgo.mp.br/portalweb/hp/41/docs/diferentes_deficiencias_e_seus_conceitos.pdf. Acesso em: 3 Jun. 2019.

GOMES, Claudia; CARDOSO, Cristiane dos Reis; LOZANO, Daniele; BAZON, Fernanda Vilhena Mafra; LUCCA, Josiele Giovana de. Colaboração pedagógica na ação inclusiva nas escolas regulares. Rev. Psicopedagogia, São Paulo, v. 34, nº 104, 2017. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-84862017000200006. Acesso em: 12 maio 2019.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusiva. Brasília, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 11 maio 2019.

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A incrível história de Adaline: um olhar fenomenológico existencial

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Adaline Bowman torna-se imortal, aos 29 anos de idade, após um acidente de carro combinado à uma descarga elétrica causada por um raio. Para muitos a imortalidade é vista como uma benção, porém para Adaline, ela é apenas um infortúnio. Devido a sua nova forma de vida, ela abdica-se de relacionamentos afetivos profundos, para que não sofra ainda mais e nem faça outras pessoas sofrerem também.

Apesar de tal privação, Adaline não deixa de aproveitar sua existência de outras maneiras. Percebe-se que ela passa a olhar a vida com mais valorização, com o objetivo de fazer dela a mais produtiva possível, já que será eterna. Dentre a sua gama de aprendizados, estão a capacidade de falar vários idiomas, ter lido livros a perder de vista, ter trabalhado nas mais variadas áreas de atuação, ter viajado para diversos lugares no mundo e ter visto culturas nascendo e desaparecendo.

Ao assistir a performance de Adaline, passa-se a experimentar um olhar mais poético do fenômeno da existência. Tal fenômeno vai muito além do que os humanos têm costumado perceber no dia-a-dia. O olhar diferenciado da protagonista é permeado de grande angústia na maior parte do tempo, porém isso não lhe impede de ressignificar cada momento da sua existência eterna.

Fonte: encurtador.com.br/eAKL1

Para Novaes de Sá e Barreto “Há na angústia um sentimento de estranheza, retirando o homem da aparente segurança e da experiência de bem-estar proveniente do nivelamento de seu ser a partir daquilo com que se ocupa no mundo ( 2011, pág. 5).” Esse sentimento de estranheza incentiva o indivíduo a se mover à favor dos seus desejos e ambições terrenos.

Adaline é uma personagem que provoca  reflexão no mais profundo quesito da vida, que são “as escolhas feitas dia após dia na existência de cada ser humano”. Existem vários momentos no filme que exemplificam claramente a importância que ela dá a cada decisão e um deles é retratado na cena em que sua filha lhe faz uma ligação telefônica. Para muitas pessoas uma ligação de alguém querido pode ser um evento simples, no entanto, para nossa protagonista, aquele momento merecia a mais atenciosa resposta possível. Cada palavra trocada, cada evento externo ignorado que pudesse lhe fazer dividir o foco de atenção, era significativo para si mesma e para a demonstração de afeto prestada à filha.

A angústia vivenciada por Bowman perpassa o telespectador em todo o filme, e o questionamento constante é sobre a esperança de que ela consiga envelhecer novamente. Quando o telespectador sente esse desejo e percebe-o, passa a reconsiderar tudo aquilo que já tenha visto, sobre os benefícios de ser imortal. Esse momento é único, e faz com que você passe a olhar para o seu próprio ser no mundo e as relações que estabeleceu com as pessoas a sua volta, assim como as formas de existir definidas por si mesmo.

Ressignificar,  é a palavra que define o filme A incrível história de Adaline Bowman! Para Gáspari e Schwartz (2005) ressignificar a vida, as relações, os laços, os comportamentos, os erros, os acertos, a história construída, é o passo para verdadeiro encontro de si mesmo. É olhar para além de um calendário que se traduz nos dias de vida, e sim, olhar para si como um ser inserido em um espaço-tempo com tantos outros seres e possibilidades, que podem ser exploradas da forma mais linda e autêntica possível!

FICHA TÉCNICA

A incrível história de Adaline Bowman

Título original: The age of Adaline
Direção:
  Lee Toland Krieger
Elenco: 
Blake Lively,Michiel Huisman,Harrison Ford
Ano:
2015
País: EUA
Gênero: RomanceFantasiaDrama

REFERÊNCIAS:

Novaes de Sá e Barreto, Roberto e Carmém Lúcia. A noção fenomenológica de existência e as práticas psicológicas clínicas. Estudos de Psicologia, vol. 28, núm. 3, julio-septiembre, 2011, pp. 389-394 Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas- SP.

GÁSPAR, Jossett Campagna de; SCHWARTZ, Gisele Maria. O Idoso e a Ressignifi cação Emocional do Lazer. Psicologia: Teoria e Pesquisa, São Paulo, v. 21, n. 1, p.69-76, abr. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ptp/v21n1/a10v21n1.pdf>. Acesso em: 03 dez. 18.

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Dias de (des)construção em minha(s) experiência(s) com o SUS

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Dez dias de desconstrução. 40 pessoas com as quais nunca convivi ou conheci, sendo elas de todas as partes do Brasil. Incontáveis momentos de crescimento, aprendizado e construção de afeto. Esse foi o VER-SUS Tocantins 2018/1, Programa de Vivências e Estágios na Realidade do Sistema Único de Saúde desenvolvido pelo Ministério da Saúde em parceria com a Rede Unida e com os serviços de saúde do Estado.

O VER-SUS Tocantins 2018/1, em suma, consistiu em conviver durante 10 dias com pessoas de todos os lugares do país no único objetivo de viver uma imersão dentro do SUS através de visitas nos Centros de Saúde da Comunidade de algumas cidades do Estado como Porto Nacional e Tocantínia. No conhecimento de Práticas Integrativas e Complementares em Natividade e nas discussões de temas que perpassam a prática do profissional em saúde como o preconceito racial, as questões de gênero, raça, classe, LGBTQ+ e outras mais.

A emoção inunda meu coração e meus pensamentos, me faz relembrar de muitos dos melhores e também mais desafiadores momentos por mim já vivenciados durante minha pouca idade e minha quase finda graduação. Não falo apenas de crescimento profissional, de aprendizado rígido e sem afetações. Falo de um lugar de evolução pessoal, de conexão com o outro dentro de sua realidade, falo de me despir dos meus valores na busca por compreender o novo. Nunca imaginaria passar por tão rica experiência. Sinto-me grata e nesse relato deposito parte do que construí juntamente com tantas outras pessoas com as quais convivi, cresci, aprendi e compartilhei o pouco que sei.

Muitos dos meus pré-julgamentos e da minha ignorância foram aniquilados. É imensurável a quantidade de perguntas que ainda rondam meus pensamentos. Ainda me toma a emoção ao relembrar de momentos tão marcantes com os quais tive a oportunidade de crescer e aprender mais sobre o Sistema Único de Saúde com profissionais, estudantes e usuários de diversas realidades.

Evelly Silva. Fonte: arquivo pessoal

 No momento em que me percebi imersa nesse movimento de busca por maior entendimento acerca do SUS, vi então quão grande responsabilidade estava sobre todos nós que aceitamos vivê-lo durante esses 10 dias. Isso porque ao passo em que se entende mais sobre algo, é importante que se exerça um papel político acerca do que se sabe, além de procurar disseminar esse conhecimento a todos que querem ou precisam ouvir.

A confirmação dessa prerrogativa veio por doses em cada dia de vivência. Me senti grata, receosa, mas disposta a buscar o que fui procurar: um novo significado para minha formação, aprendizado e o afeto que por vezes deixei de alimentar pelo SUS. Ao redigir esse relato posso afirmar com toda a certeza que o que trago comigo transcende tudo o que fui buscar, que as marcas dessa vivência me colocaram no lugar da reflexão, mas também no lugar de luta, que o afeto que tanto reneguei hoje pulsa forte e rega minhas práticas como estudante e futura psicóloga

Após um certo tempo dedicado a reflexão pude perceber o quão caricata e equivocada era a imagem que eu alimentava em relação ao SUS. Não quero com isso dizer que não existem fraquezas no sistema, mas quero afirmar que não existem somente elas, como me era aparente em minha visão unilateral dos acontecimentos. Ainda existem profissionais comprometidos com a filosofia e com os princípios norteadores que devem guiar a prática de cada um de nós enquanto trabalhadores e enquanto estudantes.

Visita dos integrantes do VER-SUS em Tocantínia-TO. Fonte: arquivo pessoal

Tive o privilégio de conhecer profissionais em Centros de Saúde da Comunidade, tanto no interior do Estado quanto em capitais que tendo ou não toda a estrutura necessária para sua prática não abre mão de um atendimento resolutivo e de qualidade. Também notei a busca por melhorias no sistema e nas condições de trabalho, lutas necessárias que vão de encontro do momento de retrocessos na saúde em que estamos vivendo no Brasil.

Presenciar histórias dolorosas regadas de sabedoria e resiliência dos moradores do assentamento Clodomir Santos de Morais em Brejinho de Nazaré – TO deixou marcas profundas em mim. Todos os meus preconceitos em relação ao Movimento dos Sem Terra, ao estilo de vida e ao modo como essas pessoas encaram as dificuldades ficaram nas águas daquele rio que cercava o assentamento. Que me lavou da minha ignorância e me clareou a visão sobre o que é ser um profissional ético, que exercita o cuidado e respeito pelo outro e busca resoluções que façam sentido para cada indivíduo em sua complexidade, que se coloca no lugar do indivíduo e escuta com afeto cada palavra do sujeito que ali está.

Pude compreender que não bastam equipamentos de ponta para que o serviço seja eficiente, mas que em primeiro lugar vem o trabalhador que atende, que acolhe e respeita a história de vida do usuário. O SUS é constituído de todas essas ferramentas rígidas, mas ainda assim, em primazia, ele é feito de gente, é feito de nós. Mas o que nós temos feito dele?

Enquanto trabalhador do SUS, existe um papel político a ser desempenhado e esse papel tem estreita relação com o cuidado com o outro, cuida-se seu pão do café da manhã, cuida-se da água que se bebe, de alimento que se come, da terra em que se planta. Não se trata apenas da doença, se trata da promoção da saúde, do respeito pelos recursos naturais, pela preservação da cultura e no incentivo a práticas que promovam saúde e bem-estar em todas as áreas da vida dos brasileiros.

Ao relembrar de todas essas experiências e de outras mais que não estão nesse relato, o sentimento de gratidão me renova, ressignifica minha formação. Me torna melhor do que fui ontem e me faz querer ser ainda melhor do que sou hoje. Me pergunto que profissional serei eu. A resposta é clara: a melhor que eu posso ser. Me conforta saber que me sinto útil em lutar pelo SUS e me emociona sentir que não estou só.

Integrantes do VER-SUS Tocantins 2018/1. Fonte: arquivo pessoal

Que busquemos um no outro a força necessária para conquistar todos os dias o SUS que queremos levar para nós. Um SUS realmente baseado na justiça social, na universalidade, integralidade e equidade, que não se valha da moralidade, mas sim do respeito à diferença. Que preze pelo atendimento igualitário, que não faça distinção de raça, classe social, orientação sexual ou estilo de vida, mas que veja o sujeito em sua complexidade e o atenda em suas necessidades respeitando suas limitações. Que nossa luta não seja em vão e que nossos passos não sejam solo.

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Loucos ou heróis? Educadores sociais e adolescentes em situação de rua

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Apesar de passados alguns anos da pesquisa1, as lembranças do processo de aproximação com a escola e seus educadores, sempre me faz pensar muito sobre os processos de trabalho, afetos e o significado de tudo isso em nossas vidas.

A potência encontrada nos profissionais que cotidianamente trabalhavam com crianças e adolescentes, em situação da mais absurda miséria e descaso, era uma constante. Ao mesmo tempo, a dificuldade na construção de ações que fossem efetivas era fruto de um permanente questionamento e desafio.

No ano de 2006, me aproximei da Escola Municipal de Ensino Fundamental Porto Alegre (EPA), para a busca de materiais do que seria a “pré-pesquisa” em Psicodinâmica do Trabalho (DEJOURS, 1999, 2004). Estive com os professores em sala de aula, em conversas informais, participei de atividades no pátio da escola, ações culturais e recreativas e juntei documentos do processo de construção deste espaço.

No processo de encontros do grupo, inicialmente, as falas trataram da história individual do trabalho de cada integrante, e de como chegaram à escola. Verdadeiras histórias de vida! Além disso, uma construção de como era trabalhar ali. Dos grupos iniciais, com apresentação de posições mais “queixosas”, e depoimentos individuais, foi se construindo passagem para manifestações coletivas, com a escuta da fala do outro, com muitas falas complementares. Foram realizados 13 encontros, durante 4 meses, semanalmente, por aproximadamente 1h e 30 min de duração. E quando veio finalmente o dia do último grupo, estava constituído um desejo pela continuidade deste trabalho, deste espaço que significou a possibilidade de ressignificar muitas coisas e/ou simplesmente começar a pensá-las.

As bases para a discussão

Acredito na perspectiva do trabalho como constituidor da identidade do sujeito e como forma de realização no campo social, na medida em que articula esta esfera e a vida privada do trabalhador. Então, utilizo o conceito proposto por Dejours (2004, p. 65), que nos diz que “[…] trabalho é a atividade manifestada por homens e mulheres para realizar o que ainda não está prescrito pela organização do trabalho.” Assim o trabalho, segundo o autor, é sempre “trabalho de concepção” e “por definição humano”, na medida em que o prescrito nunca é suficiente para dar conta da realidade. É necessário que seja criado, inovado, fazendo uso da inteligência e da capacidade inventiva do trabalhador.

A construção que cada trabalhador faz sobre seu sofrimento está ligada diretamente ao seu engajamento no social. E este engajamento, por sua vez, está em associação com o reconhecimento, advindo de sua contribuição, como sujeito, o que é uma retribuição fundamentalmente simbólica. Quando este reconhecimento permite ao sujeito, em relação ao sofrimento ou até mesmo à doença, adquirir um sentido nas relações sociais, o sujeito tende a se mobilizar para questões mais amplas, no espaço público. Mas se, ao contrário, este reconhecimento estiver muito aquém do esperado, o sofrimento só vai encontrar sentido no espaço privado, numa posição individual.

Em seus escritos, Dejours (2004, p. 62) apresenta dimensões do trabalho que não podem ser prescritas: “[…] todos os preceitos são reinterpretados e reconstruídos: a organização real do trabalho não é a organização prescrita.” O autor ainda afirma que “[…] a organização do trabalho em si é repleta de contradições.” (p. 63)

A construção de regras, normas, sua reconstrução e o aumento de sua complexidade chegam, muitas vezes, ao limite da impossibilidade da execução do trabalho. Para que a organização do trabalho seja ajustada à realidade de sua execução é necessária a interpretação (DEJOURS, 2004). Essa interpretação é múltipla, na medida em que há diferentes sujeitos envolvidos em sua construção. E para que essa interpretação ocorra são necessários debates e discussões entre os trabalhadores.

Segundo Dejours (2004), os trabalhadores constroem as “regras de ofícios” que compreendem a construção de acordos coletivos, a partir da cooperação. O espaço de aprimoramento da reorganização do trabalho necessita que haja visibilidade das dificuldades encontradas na execução do trabalho, assim como do sofrimento proveniente para os ajustes necessários entre o prescrito e o real. É necessário, então, que exista confiança entre seus pares para a exposição, muitas vezes, de questões delicadas relativas ao trabalho.

A partir da visibilidade do fazer2 do trabalhador, da confiança no grupo e da cooperação, é possível negociar e construir novos acordos normativos e éticos. Além disso, essa visibilidade também proporciona o reconhecimento do trabalhador pelo seu trabalho.

Dejours (2004) alerta, porém, que, para a cooperação ser efetiva é necessário que o trabalhador esteja disposto a renunciar a alguns aspectos subjetivos e a consentir com o coletivo.

Retomando o exposto anteriormente, é possível observar que o processo de trabalho funciona quando os trabalhadores mobilizam sua inteligência, individual ou coletivamente, em benefício da organização do trabalho. Vale salientar novamente, contudo, que é necessária a construção de um espaço em que os trabalhadores possam discutir o trabalho, resolver e deliberar em conjunto.

 

O Educador Social

Considero aqui o educador social que realiza trabalho de abordagem diretamente nas ruas, ou presta atendimento dentro de instituições. Este trabalhador também deve ser capaz de “responder a uma multiplicidade de demandas”, pois é convocado ao trabalho com pessoas marcadas pelo uso de substâncias psicoativas, atos infracionais, questões sobre a sexualidade, entre muitas outras, presentes na vida cotidiana destes sujeitos com histórias de vida na rua. Além disso, os educadores convivem com a privação de direitos básicos deste público, tais como alimentação, saúde, educação, moradia, lazer e a convivência familiar.

Segundo Freire (1985, p. 11), o trabalho do educador é político, ideológico e pedagógico e deve possibilitar que pense a prática: “Este pensar ensina também que a maneira particular como praticamos, como fazemos e entendemos as coisas, está inserida no contexto maior que é o da prática social.” Para o autor (1996), o processo de ação-reflexão-ação (práxis) possibilitará que o trabalhador social venha a ser um educador social, tendo consciência do inacabamento e apresentando rigorosidade metódica, criticidade, reconhecimento e assunção da identidade cultural. Igualmente, Freire (1996) demonstra a necessidade da apreensão da realidade, comprometimento, compreensão de que educação é uma forma de intervenção no mundo, liberdade e autoridade, bem como tomada consciente de decisões e disponibilidade para o diálogo.

A realização da pesquisa

Os objetivos da pesquisa envolveram a proposta de investigar a dinâmica saúde/sofrimento mental vivida pelos educadores sociais que atendem adolescentes em situação de rua, além de compreender a relação de prazer e/ou sofrimento no trabalho desses profissionais, bem como identificar as estratégias individuais e coletivas, construídas para o enfrentamento do cotidiano do trabalho.

Com o método em Psicodinâmica do Trabalho, que busca a compreensão dos aspectos psíquicos e subjetividade mobilizados nas relações de trabalho, e sua organização, foi possível construir respostas aos objetivos da pesquisa a partir dos encontros realizados com os educadores na escola.

Ressalto a seguir alguns aspectos dos comentários verbais feitos pelos trabalhadores que se destacaram na pesquisa, apresentados aqui resumidamente:

Sobre O trabalho do educador social, destaca-se A escolha, pois a maioria expressou o desejo de fazer parte desta escola e disse tê-la escolhido. Essa possibilidade de escolha sinaliza para certo nível de liberdade dos trabalhadores, ainda que a decisão sofra a interferência de diversos fatores. Conforme afirma Dejours (1999, p. 20), o sofrimento faz com que o trabalhador busque, no mundo e no trabalho, condições de auto-realização “[…] essa busca assume a forma específica de uma luta pela conquista da identidade no campo social.”

Há também uma questão ideológica em relação à escolha do local de trabalho, pois muitos educadores em seu percurso profissional já participavam de outros grupos ou serviços que tinham como principal atividade a garantia de direitos de crianças e adolescentes.

 Nós estamos aqui para garantir os direitos do outro.

Quanto ao trabalho de educador social, afirmam que é muito mais do que ser professor. Conforme afirma Freire (1985), o trabalho do educador social vai além da formação para ser professor. Este educador vai se construindo numa prática mediada na relação com seu educando. Neste processo, há uma transformação que acontece em ambos. Há um constante repensar sobre a atividade de educador, a necessidade de estar planejando e acompanhando a dinâmica de vida dos alunos.

A proposta da escola é a de trabalhar a construção de um projeto de vida para os estudantes. Neste projeto, está incluída a possibilidade de saída da rua, com a formação para o trabalho, através de oficinas, e a inserção em espaços de formação profissional. Ao mesmo tempo em que querem que esse estudante possa ser independente e sair da escola, contudo, os educadores sabem da dificuldade que é inseri-lo em um trabalho externo à escola, principalmente, por sua história de vida. Está sempre presente a proposta de redução de danos, como um grande benefício para os estudantes. Além de a escola trabalhar nesta perspectiva, em relação ao uso e abuso de substâncias psicoativas, os educadores acreditam que a permanência, no espaço protegido, já faça essa redução, na vida do adolescente.

Para o grupo de trabalhadores, é quase unânime que há um prazo máximo de permanência na escola, podendo, com a saída desse serviço, evitar o adoecimento. Seria como um “prazo de validade psíquico”, anterior ao adoecimento. Um educador trouxe a questão do vencimento do “prazo de validade”.

Eu acho que as pessoas aqui na EPA têm um tempo. Eu não sei qual é o tempo de cada um. Vou falar do meu tempo, e esse tempo que eu estou na EPA eu já passei por alguns lugares da EPA, que me deram mais prazer, e outros onde eu tive mais sofrimento […]

Todos os relatos referem que não há como não sofrer com as situações de vida dos adolescentes. A mobilização psíquica que causam as situações relatadas e vividas pelos alunos é fator importante no sofrimento dos educadores.

É meio impossível deixar de sofrer com o sofrimento deles. O dia que eu deixar de sofrer com o sofrimento deles, eu não consigo mais trabalhar aqui dentro.

Um dos pontos que esteve presente, em grande parte das discussões do grupo, foi a relação com os colegas de trabalho. Apesar da mobilização, pela situação dos adolescentes, os educadores acreditam que grande parte dos problemas da escola são referentes à relação entre os adultos.

Os educadores discutiram como é possível querer que os alunos se entendam e tenham respeito com os demais, se os trabalhadores não conseguem dar o exemplo. Aparentemente, as questões de conflitos, entre os adultos, se expressam mais entre os educadores, os que estão nas atividades mais diretas com os estudantes, principalmente da sala de aula.

É importante que se tenha confiança no trabalho do colega e que as atividades sejam realizadas conforme o planejado, mas isso nem sempre acontece, porque as pessoas não confiam nos encaminhamentos dados e nem respeitam os espaços de decisão.

Conforme afirma Dejours (2004, p. 68), a confiança diz respeito a “[…] construção de acordos, normas e regras que enquadram a maneira como se organiza o trabalho.” Para que haja cooperação, é necessária confiança entre os colegas, nos subordinados e nas chefias. Ainda afirma que “[…] sem cooperação, a situação seria equivalente ao que se observa em uma operação padrão; em outros termos, corresponde a um ato de bloqueio da produção.” (DEJOURS, 2004, p. 67)

Apesar das situações relatadas de sofrimento, os educadores conseguem associar situações prazerosas no trabalho com a execução de atividades bem sucedidas.

E hoje a gente consegue realizar trabalhos bem bacanas, bem legais, e há alguns depoimentos, assim, que realmente acabam me realizando um pouco como educador.

Mesmo com o sofrimento individual, saber que outros integrantes do grupo compartilham dos mesmos sentimentos é algo reconfortante. Ter a dimensão que o sofrimento individual pode ser compartilhado com o coletivo faz com que o trabalhador não se sinta só e possa compartilhar aquilo que é comum ao trabalho, e nem sinta que esta é uma vivência apenas individual. (DEJOURS, 2004)

Os educadores sentem a falta de reconhecimento, por parte de alguns colegas e da instituição. Ao mesmo tempo, relatam que outros serviços da prefeitura e sociedade em geral não conhecem e, portanto, não reconhecem seu trabalho. Segundo Dejours (2004, p 77), é possível a transformação do sofrimento em prazer, a partir do reconhecimento. Mas, se “[…] falta reconhecimento, os indivíduos engajam-se em estratégias defensivas para evitar a doença mental, com sérias consequências para a organização do trabalho, que corre o risco de paralisia.”

É a coisa de ser valorizado, no lugar que tu tá ocupando, tanto pelo produto que aparece ali porque é espontâneo, quanto do reconhecimento dos que tão perto de dizer: “que bacana”, que não é só nos dedos. Daí é uma situação muito ruim.

Os educadores relatam que a sociedade e outras escolas têm uma visão distorcida sobre o trabalho realizado. São vistos como anjos, santos, ou, ainda, interessados em “trabalho fácil”, por terem poucos estudantes, ou por estarem no centro da cidade, com outras facilidades.

Interessante observar que esta visão ambivalente, muitas vezes, é dirigida às pessoas em situação de rua (FERREIRA; MATOS, 2004; LEMOS, 2002, 2004; LEITE, 2001). Os educadores ressaltaram, também, a imagem de vagabundo, de quem “mata o serviço”, atribuída aos profissionais, assim como a ideia de ineficiência, relacionada ao serviço público.

Eu não consigo ter mais esta relação de diálogo com as escolas regulares, porque eles colocam a gente no patamar de anjo, santo, Madre Tereza. E não, a gente tenta ser profissional, ninguém é anjo, etc.

Tem dois conceitos, entre loucos, anjos e vagabundos.

Tu és rechaçada, eu me senti muito isolada, ou era louca.

Os educadores relatam a criação de mecanismos, para enfrentarem o cotidiano do trabalho, muitas vezes até brincando com as situações. A banalização, amortecimento e anestesia são estratégias citadas, como formas de evitar o sofrimento vivido junto aos adolescentes, ou como forma de suportar as situações a que são expostos os adolescentes. Ao mesmo tempo, estas estratégias são colocadas como pejorativas, quando relacionadas a outros educadores que não participaram do grupo. Mas também aparece uma forma de mobilização positiva, que não causaria anestesia ou paralisia, mas, sim, enfrentamento das situações.

 

Quando os integrantes do grupo foram convidados a falar sobre a experiência de participação na pesquisa, integrando o grupo e as possíveis repercussões desta participação, em relação ao seu trabalho, suas falas remeteram à possibilidade de reflexão sobre o seu fazer cotidiano e de construírem, coletivamente, novas possibilidades para o enfrentamento de conflitos no âmbito da escola. Também foi utilizado o termo de “espaço de verdade”, expresso no último comentário, para os encontros do grupo, como um momento para se conhecerem melhor e saber com quem é possível contar. Ao mesmo tempo, os educadores apresentaram a preocupação pelo fato de o período da pesquisa não ser suficiente para o aprofundamento de algumas questões, apresentadas no grupo.

Também relataram terem refletido sobre novas possibilidades para o trabalho, tanto da ordem individual quanto coletiva, a partir dos encontros do grupo, e de terem levado propostas, que surgiram a partir das discussões para as reuniões em outros espaços.

Considerações

A Metodologia que propõe a formação de coletivos de discussão, ou sua reorganização no espaço de trabalho, visa a reconstruir, através do grupo, o engajamento do trabalhador, na busca de reformular a organização do trabalho, com movimentos de tessitura da confiança e cooperação. Vale dizer que esse movimento segue na contramão do que tem se constituído, atualmente, em nossa sociedade, em relação ao individualismo exacerbado e à competição, cada vez mais valorizada.

Acredito que fazendo uso de uma abordagem qualitativa, que pressupõe a participação dos envolvidos, em todos os momentos do processo da pesquisa, pode contribuir na discussão de novas possibilidades, para pensarmos melhorias nas condições de trabalho e saúde para os trabalhadores. É o que se evidencia, pois essa perspectiva trata de questões relativas à subjetividade, ao trabalho, suas relações com a saúde e à vida dos sujeitos, bem como sua implicação política e social. É importante salientar que a pesquisa feita em um determinado momento, diz respeito, a um período no tempo. Portanto, situações aqui apresentadas já devem ter sofrido modificações.

Nota:

1 Pesquisa realizada durante o Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – PPGPSI/UFRGS, defendida no ano de 2009 (BOTTEGA, 2009). Este texto é uma compilação do artigo e capítulo originais publicados pela autora, citados nas referências.

2 Aqui a referência ao fazer do trabalhador, remete à expressão savoir-faire como é utilizada por Dejours. (1992, 2004)

Referências:

BOTTEGA, C. G.; MERLO, A.R.C. . Prazer e sofrimento no trabalho dos educadores sociais com adolescentes em situação de rua. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho (USP), v. 13, p. 259-275, 2010

DEJOURS, Christophe. In: LANCMAN, S.; SZNELWAR, L.I. Christophe Dejours – Da Psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, Brasília: Paralelo, 2004

____. Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 27-34, set./dez. 2004b

____.Conferências Brasileiras: Identidade, Reconhecimento e Transgressão no Trabalho. São Paulo: Fundap, 1999

____. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez-Oboré, 1992

FERREIRA, Ricardo F.; MATTOS, Ricardo M. Quem vocês pensam que (elas) são? Representações sobre as pessoas em situação de rua. Psicologia e Sociedade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 47-58, mai./ago., 2004

FREIRE, Paulo. Paulo Freire e educadores de rua: uma abordagem crítica. Projeto Alternativas de Atendimento a Meninos de Rua UNICEF/SAS/FUNABEM. Rio de Janeiro: Editora Lidador,1985

____.Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. (Coleção Leitura)

LEITE, Lígia C. Meninos de rua: a infância excluída no Brasil. Coord. Wanderley Loconte. São Paulo: Atual, 2001. (Espaço e Debate)

LEMOS, Míriam P. et. al. Relatório de sistematização de conceitos. Programa Municipal de Atenção Integral a Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, PAICA-Rua. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, dezembro de 2004

____. Ritos de entrada e ritos de saída da cultura de rua: trajetórias de jovens moradores de rua de Porto Alegre. 2002. Dissertação [Mestrado em Educação]. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002

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Quando ser gostoso(a), basta!

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Não sou preconceituosa. Mas depois de um bate-papo entre professores, e no grupo estavam especialistas, mestres, doutorandos, chegamos a uma quase conclusão. (Coisa rara, quando há muitos pensadores reunidos….rsss). E não foi nada teórico sobre uma questão social ou educacional específica, nem sobre uma estratégia de ensino que pode ajudar nossos alunos a se interessarem ou ressignificarem os conteúdos que levamos até eles.

Foi sobre uma questão do cotidiano. E por isso comecei este texto anunciando que não sou preconceituosa.

Então, vamos lá. Nem beleza. Nem inteligência. Mas sim gostosura.  Imagino que você já esteja pensando, será que é sobre isso mesmo que ela está escrevendo? Sim, é sim. Pode crer.

E vou usar uma expressão relacionada à um dos sentidos dos humanos: o paladar.

– Delícia!

Já ouviu esta? A gente normalmente usa este termo para definir algo gostoso. Quando se refere a um produto, alimento, bebida que se experimentou, tudo bem. Mas e quando se adota este termo quando se deseja falar de ou sobre alguém, que também já se experimentou. Tá valendo?

Enfim, é a contemporaneidade juntando os sentidos, na chamada sinestesia, ou mistura de planos sensoriais diferentes.

Para dizer se é ou está gostoso, é preciso provar. Certo? E como se prova? O gosto se sente pela boca. A língua é parte deste conjunto. Um beijo pode ser o exame para detectar o sabor. O primeiro, o inicial.

Mas para chegar onde quero é preciso voltar ao começo. Aos professores que discutiam uma questão do cotidiano. E aí, ao rumo que seguiu este bate-papo.

Para ser ‘gostoso’ não é preciso ser bonito, nem inteligente. E surge aí, um desafio. Em tempos de tecnologias contemporâneas, é preciso descobrir a própria gostosura. Ou desmistifica-la, para construí-la, se preciso for.

Para ser ‘gostoso’ não é preciso ser forte, malhado. Só que pode ser também. Não é condição sine qua non. Eu prefiro cérebro, sentimento. Acho que aí reside muita gostosura. Mas é a maturidade, e não a idade, que define e percebe isso. Não é cérebro de derramar intelectualidade, blablabla. É cérebro para perceber, entender, ouvir. É cérebro, que denota vida, vivência.

Eu gosto do belo. Quem não gosta?

É bom, é gostoso, contemplar a beleza. Faz bem pra gente. E porque estou mencionando a beleza, lembro um provérbio popular, complementado com ironia na minha adolescência. “Beleza acaba mas feiura aumenta”.

A indústria da beleza – cirurgia plástica estética, cosmetologia – investe milhões de dinheiros para perpetuar a juventude e valorizar traços de ‘boniteza’, escondendo ou fazendo desaparecer aquilo que desagrada. Eu confesso, também sou adepta dos tais comprimidos pesquisados que prometem mais colágeno, mais elasticidade, menos rugas, mais brilho para o cabelo etc, etc. Não condeno quem investe nisso, não condeno, mas não é tudo. Neste aspecto, só é gostoso quem pode pagar ou quem tem a sorte de agradecer a boa natureza.

E sim, por fim, a parte bem-humorada do fim da conversa entre professores. Nas lápides da vida (no túmulo mesmo), dificilmente se é lembrado pelas pesquisas que fez, pelos livros que escreveu, quanto dinheiro ganhou ou quantos alunos orientou. Muito provavelmente, sem qualquer mágoa, seremos mais lembrados pelo estilo fashion ou não, pelo jeito espalhafatoso ou não, pelo perfume, cabelo penteado ou despenteado, braço malhado, perna bem torneada, cintura definida. É difícil, mas a gostosura tem preço e sabor. Que nem a intelectualidade consegue mensurar.

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