Cine Cultura recebe Sessão Especial do premiado Roma, de Alfonso Cuarón

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O filme da Netflix, vencedor dos Globos de Ouro nas categorias Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Diretor, e com dez Indicações ao Oscar 2019, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, Roma, de Alfonso Cuarón, será exibido em sessão Especial no Cine Cultura, no Espaço Cultural José Gomes Sobrinho, nesta quinta-feira, 24, às 20 horas.

Roma é o projeto mais pessoal do diretor e roteirista vencedor do Oscar Alfonso Cuarón (Gravidade, Filhos da Esperança, e Sua Mãe Também). A história retrata a vida de Cleo (Yalitza Aparicio), empregada doméstica de uma família de um bairro de classe média da Cidade do México, chamado Roma.

Em uma declaração de amor às mulheres que o criaram, Cuarón se inspira na própria infância para traçar um retrato vívido e comovente dos conflitos domésticos e da hierarquia social durante as turbulências políticas dos anos 70. Esse é o primeiro projeto de Cuarón desde o inovador Gravidade, em 2013.

Fonte: https://goo.gl/btmcoe

Sinopse: Cidade do México, 1970. A rotina de uma família de classe média é controlada de maneira silenciosa por uma mulher (Yalitza Aparicio), que trabalha como babá e empregada doméstica. Durante um ano, diversos acontecimentos inesperados começam a afetar a vida de todos os moradores da casa, dando origem a uma série de mudanças, coletivas e pessoais.

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=ICR6YvcyyJc

Sessão Especial (única)

Roma, Alfonso Cuarón

Drama| México | 2018| 2h15

Classificação: 14 anos

Data: 24/01

Horário: 20h

Local: Cine Cultura Palmas

Valor do ingresso: R$ 12,00 inteira / R$ 6,00 meia

Ingressos à venda: https://sessao-especial-roma-palmas.eventbrite.com.br

O Cine Cultura fica localizado no Espaço Cultural de Palmas, informações: 2111 -2405/98448 -6637.

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ROMA: fragmentos de uma infância

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Concorre com 10 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Direção (Alfonso Cuaron), Melhor Atriz (Yalitza Aparicio), Melhor Atriz coadjuvante (Marina de Tavira), Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Filme Estrangeiro (México), Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som, Melhor Design de Produção (Eugenio Caballero, Bárbara Enriquez)

O diretor mexicano Alfonso Cuarón (ganhador do Oscar por Gravidade) apresenta de forma intimista, mas com quadros grandiosos e repletos de detalhes, um olhar sobre suas memórias de infância na Cidade do México, no início da década de 70, em um bairro chamado Roma (que dá título ao filme). Roma é apresentado sob a perspectiva de uma jovem indígena que trabalha como empregada doméstica para uma família branca de classe média. Ela também é a babá dos filhos do casal e essa personagem foi inspirada na babá da vida real de Cuarón, Liboria “Libo” Rodríguez, que desempenhou um papel importante em sua criação e a quem ele dedicou esse filme.

Desde a abertura, que mostra a água sendo jogada em um chão de azulejo e nela surge o reflexo de um céu que parece estar distante demais da sujeira que escorre pelo ralo, é revelado que a água é a metáfora condutora da história. Seja para mostrar a separação aparente das classes sociais, como analisou o cineasta Guillermo Del Toro [1], seja para dar voz finalmente a personagem principal em um dado ponto da história.

Fonte: https://goo.gl/5bddhj

Em todos os sentidos, Roma é o olhar do Cuáron sobre alguns recortes de sua infância, especialmente sobre a babá que, segundo ele, o criou e contou-lhe histórias de sua aldeia e seus costumes, fatos esses que o inspiraram em sua trajetória como cineasta [2]. Mas, não ouvimos essas histórias de Cleo, a babá interpretada por Yalitza Aparicio em seu primeiro filme, nem sabemos como é a sua família, nem temos a verbalização de suas angústias. O que vimos, na realidade, é a representação do seu silêncio ao acompanharmos sua rotina na casa da família. Ela limpa, faz compras, lava roupa, apaga as luzes, abre os portões, cuida do cachorro, coloca as crianças para dormir e, principalmente, escuta as crianças, compartilha dos seus mundos, o que aparentemente não é algo que os pais fazem.

Ao mesmo tempo que a família é grata a ela, o que é mostrado em pequenos gestos, como quando a levam ao médico para que tenha os cuidados necessários em sua inesperada gravidez, ou compartilham alguns momentos de intimidade, também pode ser observado nos detalhes da convivência a aparente irreconciliável separação entre as classes. O lugar que, de fato, Cleo ocupa naquela família transita entre dois extremos, do tipo, salvou as crianças, que ótimo, somos gratos, estamos todos emocionados, agora vai preparar uma vitamina de banana.

Em Roma, as falas estão sempre em segundo plano perante uma fotografia exuberante, apresentada em uma tela panorâmica e em preto e branco. Assim, quando a mãe da família diz a Cleo, em um momento de embriaguez, “estamos sozinhas; não importa o que eles digam, nós mulheres estamos sempre sozinhas”, novamente, temos o silêncio e o espaço como resposta.

Fonte: https://goo.gl/Nr1b8S

Dos quatro filhos do casal, é Pepe (Marco Graf, que talvez seja a representação do Alfonso Cuarón no filme) que tem mais destaque, pois é a criança mais nova e, consequentemente, a que fica mais tempo com Cleo. Com Pepe, Cuáron traz a premissa de que “tudo é cíclico”, conforme analisa o cineasta Guillermo Del Toro [1], por isso que ele sempre fala de sua vida adulta no passado, quando teve diferentes profissões e viveu inúmeras experiências. Um dos momentos mais bonitos no filme ocorre entre os dois, quando Pepe deitado em um ponto do telhado se recusa a levantar, pois está morto (já que o irmão disse que sua missão nas brincadeiras de pistola com água era morrer). Cleo deita-se também, assim quando é questionada por Pepe sobre o que está fazendo, ela diz: “estou morta”. E acrescenta: “Olha só, gostei de estar morta”. Como diz Caleb Crain [2],

Não há muitos filmes capazes de transmitir o prazer de estar no mundo sem qualquer outro objetivo além da apreciação. Assim, talvez, em parte, a gratidão do espectador por ser lembrado deste prazer é o que faz com que os personagens deste filme sejam tão caros.

Voltando a metáfora da água, citada por Del Toro [1], para contar alguns aspectos importantes na vida da personagem principal, tem-se em uma das sequências Cleo e a avó da família em uma loja de móveis, quando assistem assustadas uma manifestação estudantil se transformar em um motim policial. Cuarón não identificou o incidente, mas é conhecido no México como o Massacre de Corpus Christi de 1971. Nesse contexto, aparece em frente a Cleo, com uma arma na mão, o pai do seu filho que, ironicamente, está com uma camisa dos desenhos “Amar é”. Com o susto, a bolsa se rompe, a água jorra e, mais tarde, o bebê nasce morto. Acompanhamos o olhar dela para a criança morta sendo enrolada em uma mortalha branca, não há música, nem palavras, só a imagem e o som ambiente do movimento dos médicos, das enfermeiras e, especialmente, do seu choro sufocado. Vale ressaltar que nenhuma música foi usada no filme, o som vem apenas das ações que acontecem na tela.

Fonte: https://goo.gl/PD5etM

A outra sequência que mostra a força da água e, consequentemente a força de Cleo, é um dos momentos mais impactantes do filme. Há o barulho das ondas, o grito das crianças e o desespero da babá para conseguir resgatá-las, mesmo sem saber nadar. Quando finalmente consegue e volta a areia e toda a família a abraça, ela fala: “Eu não a queria. Eu não a queria. Eu não queria que ela nascesse.” Ali, ela conseguiu trazer à tona a dor e a angústia que a sufocavam, pois em todos os acontecimentos ela estava sempre em segundo plano, como se ela tivesse vindo ao mundo apenas para servir, para tornar a vida dos outros mais fácil.

Fonte: https://goo.gl/YpUHFv

A criança que eu fui não viu a paisagem tal como o adulto em que

se tornou seria tentado a imaginá-la desde a sua altura de homem.

A criança, durante o tempo que o foi, estava simplesmente na

paisagem, fazia parte dela, não a interrogava, […]

(SARAMAGO, 2006, p. 18 [3])

Quando recordo a minha infância, as imagens vêm em recortes sem uma sequência definida, não lembro de acontecimentos mundiais grandiosos vinculados a alguma passagem, mas de pequenas coisas que me marcaram, como a última vez que estive no colo da minha mãe, ou quando eu corria atrás dos barquinhos de papel jogados na lama. Mas é sempre a pessoa adulta recordando, então, como disse Saramago em suas “pequenas memórias”, talvez essas passagens tão importantes para mim sejam um tanto diferenciadas da real experiência. Assim, também, parece-me coerente deduzir que Cuáron retratou a babá que ele imaginava, ou seja, recriada por ele. Então, mesmo que ela ainda esteja viva e que eles mantenham contato, aquelas passagens descritas no filme, vivenciadas por ele quando criança, estão sujeitas a composição criada em sua memória, a partir do seu olhar. Nesse caso, um olhar em preto e branco, detalhadamente orquestrado, ainda que sem música, mas indubitavelmente pessoal. É um filme sobre Cuáron, não sobre Cleo.

FICHA TÉCNICA:

ROMA

Título original: ROMA
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graf
Países: México, EUA
Ano: 2018
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

[1] https://twitter.com/RealGDT/status/1084701184110153729

[2] https://www.nybooks.com/daily/2019/01/12/roma-through-Cuaróns-intimate-lens/

[3] SARAMAGO , José. As pequenas memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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Entretenimento é apenas diversão?

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A sociedade moderna foi moldada a partir de aspectos herdados de civilizações antigas. Dessa forma, é interessante repensarmos os costumes atuais e seus modos de conduta, fundamentando-os, com a influência das tradições gregas e romanas. Pois, como afirma Goldhill (2007), o modo dos costumes, da civilização greco-romana e Ocidental que marca os tempos atuais, estão mais presentes em nosso cotidiano do que podemos imaginar.

A história possui uma relação direta com o homem atual, e conhecê-la, em seus aspectos culturais, incluindo o entretenimento, que será o foco dessa discussão, nos ajudará na compreensão da conturbada época em que vivemos, e na reflexão sobre o homem enquanto ser que age pautado na construção social de seus próprios atos e que, assim, vai construindo seu futuro. As tradições greco-romanas estão presentes nas nossas vidas, até nas formas pelas quais os humanos se divertem, esta é a reflexão de Goldhill (2007) sobre o entretenimento nas civilizações Ocidentais. Além disso, o autor trás um alerta à condição humana frágil de reprodução das formas de diversão, socialmente herdada e construída, e diretamente ligada a questões subjetivas que revelam muito sobre nós mesmos.

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Fonte: http://migre.me/vqkrM

Segundo Goldhill (2007), a sociedade atual é uma Grécia imaginária, ao qual está presente no sistema de pensamento ocidental toda a lógica cultural deste mundo clássico. Acarretando, em nossa história e vivência, uma amnésia educacional e artística, pois não refletimos sobre nossas práticas de entretenimento e não a reconhecemos como uma tradição greco-romana. É passado, mais surpreendentemente, é presente e futuro, já que as relações humanas não são fáceis de lidar no que tange ao aspecto mudança. Morin (1997) discorre sobre o lazer nos tempos modernos como um produto da sociedade industrializada, está relacionado ao tempo gasto com diversões em detrimento do trabalho exaustivo, enfadonho e alienante.

Há uma grande confusão e preocupação no âmbito do papel do entretenimento, pois é sabido que as peças teatrais, as tragédias da Grécia antiga, que hoje se estendem ao cinema e ao teatro, comovem o público em grande nível de engajamento emocional e produz resultados que para o Estado, podem ser repugnantes, e por isso o entretenimento é alvo de controle. De certa forma, a confusão está em um pensamento desordenado da dualidade do Estado em querer controlar e se preocupar com a imagem pública e ao mesmo tempo garantir a liberdade de expressão. “A frase irritantemente maliciosa “mero entretenimento”, ou “é apenas diversão”, constitui um sinal desse pensamento confuso. É uma afirmação que quer evitar qualquer reflexão séria sobre os conflitos da vida cultural.” (Goldhill, 2007, p. 197).

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Fonte: http://migre.me/vqjOG

Vemos, então, que ao se tratar do que é divertido, muitas vezes nos deparamos com o caráter descontraído do entretenimento, e por isso é deixado de lado a problematização e reflexão do mesmo, pois até a própria expressão “é apenas diversão” deixa subjacente às implicações sociais que o entretenimento nos trás. Já que é notório que, diz muito sobre nós mesmos as forma pelas quais nos divertimos. É por isso que certas formas de entretenimento incomodam tanto a sociedade, pois elas falam quem somos. Estão obscuras as implicações desconfortantes, psicológicas e sociais, que fundamentam qualquer tipo de entretenimento. Já que o divertido é pra ser descontraído, por que não disfarçar a tensão social e deixar de lado o que isso diz sobre nós mesmos?

Antigamente, peças teatrais refletiam casos trágicos que expressavam o conflito, a sátira, os traumas psicológicos acarretados pelos piores sentimentos humanos, hoje em dia, o mesmo é feito no cinema, no teatro, na música, na dança, nas artes em geral. Os jogos de gladiadores da Roma clássica, hoje expressados nas artes marciais e no cinema. A competição pelo poder dos status sociais hoje, também é visto na civilização greco-romana. Tudo isso está ligado às formas de entretenimento atual, que são antigas, mas bem atuais.

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Fonte: http://migre.me/vqjZM

Para Morin (1997) o homem moderno procura se afirmar como sujeito privado, se afastando dos problemas políticos e religiosos, passou a ser um espectador vendo a vida através de lentes, passivo no espetáculo. Mas, contudo, ativo, pois o entretenimento reflete o sujeito e sua subjetividade. E que, sobre tudo, dizem mais dos seres humanos do que eles gostariam, trás sua subjetividade e aspectos ruins de sua natureza, e a dualidade dos conflitos inconscientes, e os papeis sociais do que você é e do que gostaria de ser. Nesse sentido Goldhill (2007) disserta  que na Grécia antiga o teatro era parte da própria cidade, representava como o povo a compreendia. No entanto, para Platão o entretenimento se tornava um impeditivo na formação do cidadão responsável devido impacto intelectual e psicológico que influenciava os indivíduos.

O povo grego utilizava as festas como a Grade Dionísia, festival religioso que acontecia anualmente em Atenas para louvar o deus Dionísio, como um acontecimento social e um espetáculo político de demonstração de poder. No Império Romano os jogos eram distribuídos ao longo do ano, trazia para a arena o fascínio do povo pela morte humana e dos animais, demonstração da virilidade, assim como, as tensão sociais.

O que fazemos constitui grande parte do que somos, e é por isso que o entretenimento – como passamos nosso tempo – é uma parte integral de nossa autodefinição. O contraste entre as formas de entretenimento contemporâneo e as tragédias atenienses do festival da Grane Dionisíaca revela um buraco no centro de nossa cultura pública. (Goldhill, 2007, p. 209)

É um choque, e nos faz pensar, pois no caso dos gladiadores, demonstram que os status valem mais do que a vida humana. Podemos ver que entretenimento não “é apenas diversão”, é claro que é lazer, mas trás consigo a subjetividade humana e reflete o homem como um espelho e o defini como ser, bom ou ruim. Como afirma Goldhill (2007), “são frágeis às fronteiras daquilo que nos orgulhamos de considerar uma civilização moderna. […] o que diz sobre nós o fato de que gostamos de assistir a essas coisas em nome do entretenimento?”.

 

REFERÊNCIAS:

GOLDHILL, S. Isto é entretenimento!. In: GOLDHILL, S. Amor, Sexo e Tragédia. Como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio e Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1ª ed. v.1 p.195-233, 2007.

MORIN, E. Uma cultura de lazer. in: MORIN, E. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 9º ed. v.6 p.67-85, 1997.

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Feios, Sujos e Malvados

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Feios, Sujos e Malvados é um filme que assusta, do início ao fim, a quem está habituado aos valores tradicionais de uma família burguesa. É difícil não ficar impactado, chocado. Risos até surgem em alguns momentos, mas sempre cercados de certa angústia, perplexidade.

A miséria, a exclusão social, e a falta de instrução, são vistas cruamente através da utilização estética do exagero. Humor negro com extremo sarcasmo, que mexem tanto com o telespectador a ponto de gerar críticas sociais sobre o modo de funcionamento da sociedade ocidental.

Um dos fatos que mais intrigam é a atualidade da história, ressaltando que o filme possui quase quatro décadas, a sensação que temos é a de que as histórias incessantemente não param de acontecer em diversos lugares, e de que rotineiramente temos acesso a tais histórias em tempo real. Seja através de uma conversa cotidiana com os conhecidos, vizinhos e amigos, ou pelos noticiários impressos, televisos ou online, fator que culmina numa certa banalização da existência humana, tão bem explorada no longa-metragem. Tudo isso em meio a muito sexo sem limites, tabus, apenas por prazer, sem medo ou culpa e como dispositivo de dominação.

O filme se passa em uma favela de Roma, na década de 1970. Nele é retratada uma família de aproximadamente 20 pessoas, que se espremem em dois pequenos cômodos: sujos e infestado de ratazanas. Fatores que por si só tendem a serem motivos de conflitos em modos de subjetividades individualistas. O chefe da família recebe uma grande indenização devido a um acidente de trabalho, no qual perdeu um olho. A partir de então entra em cena o egoísmo, a usura,  a vaidade, o ciúmes, o ódio, a humilhação e as intrigas.

Ele considera que todos da família que se aproximam dele estão interessados no dinheiro que possui, conclui que desejam rouba-lo e assume uma atitude extremamente policialesca para proteger a indenização a todo custo. Visualizamos nessa cena micro o que costumeiramente sucede na totalidade do tecido social capitalista, onde quem possui valores econômicos precisam se proteger daqueles que nada têm, e usam de todos os meios disponíveis para obtê-la: lícitos ou não. Com o poder e status adquiridos, estas pessoas se julgam no direito de humilhar quem está em uma situação economicamente inferior.

Exemplos disso no filme, são as cenas em que uma jovem utiliza a beleza e a sensualidade na indústria pornô para obter grandes vantagens econômicas, servindo como modelo para quem está fora do circuito. Também o patriarca que experiência uma grande insegurança quanto à posse do dinheiro, e muda constantemente o esconderijo do mesmo, até quando se dá conta que não está com ele em mãos e atira no próprio filho. Outro fator é a família encabeçada pela matriarca planejar o assassinato do patriarca, por ele gastar o dinheiro com uma mulher que não era da família. E, finalmente, a cena em gesto de vingança em que o patriarca ateia fogo, e depois vende o bem em comum da família, a casa.

Na trama podemos ver diversos modos de subjetivação em cena, tais como a casa onde a história se desenvolve, a gaiola onde as crianças da favela passam os dias, havendo até uma separação entre crianças negras e brancas, e a própria favela onde praticamente tudo acontece, um verdadeiro espaço de vivência, onde as possibilidades não se esgotam.

O filme foge do tradicional enredo com herói ou anti-herói, sendo uma tentativa de superar o conceito de certo/errado constantemente imposto no cinema.  Saindo de dois clichês bastante difundidos: da família pacata, coesa, onde reina a paz e o amor, uma verdadeira família de comercial de margarina; e do pobre sofrido e honesto, que enfrenta diversas amarguras, todas com princípios cristãos e burgueses. Ambos os modelos possuindo um final feliz.

Em Feios, Sujos e Malvados, todos escapam do que é moralmente aceito na sociedade burguesa e não são punidos por agirem de qual ou tal modo. A ausência desse referencial moral pode ser analisada se pensarmos na funcionalidade das ações dos personagens pela lógica nietzschiana. Podemos concluir que a moral burguesa cristã não se encaixa ao modo de vida deles, sendo os comportamentos praticados niilistas, sem regras, fluido, em desordem, bestial, animalesco, em caos, onde a certeza não é o que se busca. Tudo é uma possibilidade da natureza humana, como também é produto do jogo de forças presentes na sociedade, através de seus mecanismos, dispositivos e instituições no modo de produção capitalista.

Engraçado notar que houve um momento onde o patriarca começou a fraquejar e chegou a aceitar a possibilidade de se adequar a sociedade cristã/burguesa, onde até sonhou em utilizar o dinheiro solidariamente com a família e ser de acordo com uma vida onírica das propagandas, de onde podemos concluir que a publicidade é um poderoso canal para nos adequar as normas vigentes, contribuindo no fomento de nossas necessidades e desejos.


FICHA TÉCNICA DO FILME

FEIOS, SUJOS E MALVADOS

Título Original:  Brutti, sporchi e cattivi
País de Origem:  Itália
Gênero:  Comédia / Drama
Tempo de Duração: 115 minutos
Ano de Lançamento:  1976

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