HACKATHON: “SABER +” intervém em adolescentes com TDAH

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O resultado da maratona será divulgado nesta sexta, dia 25/05, durante o encerramento do CAOS e do ENCOINFO, a partir das 19h, no auditório central do Ceulp/Ulbra.

O SABER + é um sistema fornecedor de atividades complementares com o objetivo de reforçar o conteúdo ministrado em sala de aula para adolescentes com TDAH, que cursam o Ensino Fundamental II na faixa de 11 a 14 anos. Foi desenvolvida por uma equipe composta por acadêmicos de Psicologia e dos cursos da área de Computação, participou do 1º Hackathon Tech for Life, cujo tema é “Tecnologia e Saúde Mental”.

Com espaço para produção de mapa mental, e futuramente uma estrutura base de questionários que trabalhe exatamente áreas que o transtorno afeta, e que permita ao professor encaixar perguntas relativas às suas disciplinas. Os jovens terão ajuda dos pais em casa para auxiliar, e dos professores para acompanhar e corrigir as atividades. Futuramente terá espaço para um psicólogo ou psicopedagogo analisar e acompanhar o desenvolvimento do jovem, com a possibilidade de fazer suas anotações. Assim, pais, professores e psicólogos/ psicopedagogos poderão através de um chat, conversarem sobre o estudante.

O resultado da maratona será divulgado nesta sexta, dia 25/05, durante o encerramento o encerramento do CAOS e do ENCOINFO, a partir das 19h, no auditório central do Ceulp/Ulbra.

1º Hackathon Tech for Life – Em parceria com os cursos de Sistemas de Informação, Ciência da Computação e Engenharia de Software, o curso de Psicologia participa do 1º Hackathon Tech for Life – que é uma maratona de programação – nos dias 19 e 20 de maio. A temática do 1º Hackathon é “Tecnologia e Saúde Mental” (o tema específico, no entanto, será anunciado na abertura do evento), com o propósito de trabalhar a inovação no desenvolvimento de protótipos, softwares aplicativos, dentre outros projetos de temática tecnológica que possam ser aplicados ou desenvolvidos com este objetivo. A ação é uma prévia do CAOS (Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia) e do ENCOINFO (Congresso de Computação e Tecnologias da Informação).

Integrantes da equipe

Danilo Saraiva Vicente, 20 anos, acadêmico de Ciência da Computação, 1° período, Trabalha na  SOLUTTION certificação digital.

Emanoel Mendes Magalhães, 20 anos, acadêmico de Ciência da Computação, 4° período.

Thaylla Cristianne Oliveira dos Santos, 22 anos, acadêmica de Psicologia, 1° período.

Verônica Bibiana de O. Carvalho, 33 anos, acadêmica de Psicologia, 6° período.

 

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O Nascimento da Clínica em Foucault: um poder-saber sobre a vida

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No final do século XIX, Nietzsche, sob efeito de uma imensa sobriedade, atestou uma desconfortável realidade, moderna, que ainda nos percorre. A sentença profética de que “Deus está morto[1]”, realizada pelo filósofo alemão, configurou um verdadeiro diagnóstico de nossa época: não é mais Deus ou à Religião que reverenciamos, e sim a Ciência. O significado simbólico a que esta sentença denota é muito mais profundo que uma crítica cética dos dogmatismos religiosos. É o reconhecimento e a legitimação da Ciência como principal instituição produtora de verdades da nossa era. Atualmente, basta-nos um carimbo de “isso foi cientificamente comprovado” para que uma determinada constatação nos seja tomada como inerentemente verdadeira. Quando assim dogmatizamos a Ciência, negligenciamos o fato de que a produção de qualquer conhecimento é histórica e culturalmente localizada. O à priori de qualquer conhecimento ou moral estabelece-se em meio à relações de poder. De modo simplista, cabe-nos reconhecer que há um Poder que rege a produção de todo e qualquer Saber (ALBUQUERQUE, 1995).

No Collège de France, em sua cátedra referente à História dos Sistemas de Pensamento, Foucault desenvolveu, através de seus métodos arqueológicos e genealógicos, reflexões críticas de como se entrecruzam, historicamente, as relações entre o Saber e o Poder. O filósofo francês se ateve, historicamente, sobretudo, na transição da época clássica à modernidade. A ênfase neste período se deu, pois a passagem do Iluminismo para o século XIX representou o período de ascensão da Ciência que, sob os pressupostos metodológicos positivistas e empiristas, impôs-se institucionalmente, como produtora de verdades.  O saber agora deve ser provável, no sentido de ser provado, e, para assim ser reconhecido, deve possuir um objeto passível de observação, experimentação e análise (FOUCAULT, 1986). Na obra aqui analisada – O Nascimento da Clínica, Foucault busca compreender a racionalidade anátomo-clínica que permeou a consolidação do saber médico na modernidade, donde o principal objeto investigativo se configura na doença ou no corpo do ser que adoece (FOUCAULT, 1977).

Hoje em dia, sob os efeitos de um desconforto físico ou emocional qualquer, é mais lógico imaginar que uma pessoa recorra a um médico ou um psicólogo, até mesmo à farmácia, para (re)conhecer e tratar sua condição desagradável. Vivemos em um período histórico em que recorremos, primordialmente, à Ciência para a resolução de nossos problemas (ALBUQUERQUE, 1995). É pertinente presumir esta conduta, pois, tanto na clínica médica quanto na psicológica, projetamos um lugar de saber e poder acerca da constituição e funcionamento de nossos corpos. A Clínica domina um saber – legitimado pelo poder científico – de nossa natureza humana, que nos impõem um estado ideal e saudável – normal – de como deveríamos ser e estar no mundo[2]. Se, porventura, desviamos do presumido idealizado estado “natural” do qual deveríamos nos apresentar, logo nos assujeitamos ao olhar clínico da medicalização, único capaz de nos (re)conduzir ao imperativo maior de normalização(FOUCAULT, 2001).

Em Vigiar e Punir[3], na História da Loucura[4] e em seu curso dos Anormais[5], o filósofo compreende a instância da normalização se consolidar através das Tecnologias Positivas de Poder, que fundam as Sociedades Disciplinares. Não é difícil entender como estas sociedades funcionam, pois essas expressam exatamente o meio em que vivemos. Nascemos e morremos dentro de Instituições Disciplinares. Nascemos dentro de um hospital, somos educados nas creches, escolas e universidades, passamos pelo exército, pela igreja, crescemos profissionalmente no espaço de empresas ou fábricas, se desviamos somos conduzidos a manicômios ou prisões e, por fim, morremos em um hospital. Todas estas instituições, que atravessam a nossa vida, têm por objetivo nos tornar indivíduos dóceis, úteis e saudáveis, enfim, disciplinados. Conforme Foucault (1986), as Instituições Disciplinares, em suma, visam nossa normalização, pois, deste modo, somos capazes de nos inserir no mercado de trabalho, produzindo e consumindo. Por meio da normalização, tornamo-nos seres economicamente produtivos, o que nos encaixa perfeitamente à lógica do Sistema Capitalista. Foucault reconhece, portanto, o discurso médico como uma expressão da microfísica – equação – entre saber e poder (Albuquerque, 1995).

Foucault concebe o nascimento da Clínica no findar do século XVIII, quando a medicina moderna passa por uma transformação fundamental da organização de seu conhecimento e sua prática, apresentados agora sob um presumido empirismo que a coloca no glorioso lugar de Ciência. Para o filósofo, essa mudança estrutural não se deu em função de um refinamento conceitual ou da utilização de meios técnicos mais avançados, mas sim, da alteração de uma determinada configuração linguística que compõe o discurso médico. Houve uma mudança no nível dos objetos, conceitos e métodos que, sob uma variação semântica e sintática, pressupunham uma discursividade racional conveniente e pertinente ao modelo científico (FOUCAULT, 1977).

Conforme Foucault, a doença e o corpo doente não foram conjurados em beneficio de um conhecimento neutralizado, mas sim fundados para um olhar positivo. No espaço da Clínica, onde se entrecruzam corpos e olhares, o saber do sofrimento – alocado na subjetividade dos sintomas – é inserido num discurso redutor e objetivante. Sob o poder soberano do olhar empírico da ciência médica, tem-se o espaço da experiência aberto, tão somente, à evidência dos conteúdos visíveis. O que cria a possibilidade de uma experiência clínica é justamente a aplicação de um olhar sobre a doença que lhe confere objetividade. Há sempre no corpo doente um à priori concreto possível de ser desvelado, nas palavras de Foucault:

“A experiência clinica – do individuo concreto à linguagem da racionalidade – foi tomada como um confronto simples, sem conceito, de um olhar sob o corpo.” (FOUCAULT, 1977, p.XIII)

O problema de a medicina moderna se apoiar na racionalidade anátomo-clínica se dá pelo fato de que, para conhecer uma determinada verdade sobre um fato patológico, o clínico deve abstrair a pessoa doente, pois seu foco é a doença. Como a principal perturbação é trazida com e pelo próprio doente, Foucault aponta que a prática clínica vai muito além das evidências anatômicas e fisiopatológicas. A soberania do olhar médico é avaliada com estranheza por Foucault, afinal este:

“(…) dirige-se ao que há de visível na doença, mas a partir do doente, que oculta este visível, mostrando-o; consequentemente, para conhecer, ele deve reconhecer.” (FOUCAULT, 1977, p.8)

Neste modelo, não é o patológico que funciona em relação à vida, mas um doente que funciona em relação à própria doença, pois muito aquém do empreendimento de restaurar a vida, reconhece-se que é fundamentalmente porque morremos que adoecemos. Anteriormente, a morte era como uma contranatureza, misteriosa e comprometedora da vida, apresentada sob o fundo negro da doença. Na medicina das relações patológicas, a espacialização das doenças se dá no próprio corpo do indivíduo, deste modo, perceber o mórbido é mais uma maneira de perceber o corpo, pois a doença é apenas uma forma patológica de vida. A morte adquiriu características específicas, e um valor fundamental, a partir da experiência, do olhar da anatomia patológica. Na nova organização do olhar médico, o princípio da visibilidade torna-se regra absoluta, capaz de desvelar o órgão sofredor, explicando a origem de sua mazela, e indicando-lhe uma terapêutica adequada para cessá-lo da dor. O mal, a morte, a doença, tudo o que era fundamentalmente invisível e misterioso, subitamente se oferecem à claridade do olhar clínico (Souza, 1998).

Da Antiguidade ao Renascimento, o poder sobre a vida era confinado aos sacerdotes religiosos que, sob o domínio das verdades instituídas pela Igreja, através do ritual do confessionário, detinham as chaves do céu, da vida eterna. Nesse sentido, na época clássica, os médicos se comunicavam com a morte, ainda permeados por certo mito de imortalidade. A partir do momento em que o discurso científico se torna hegemônico, é nas mãos dos médicos que a vida deverá ser confiada. A medicina parece livrar-se do medo da morte, integrando-a a um conjunto técnico conceitual da qual ela é o núcleo do homem, o destino certeiro e inevitável, assim, a morte é a doença tornada possível na vida. A medicina moderna oferece-nos a face obstinada e tranquilizante de nossa finitude. Simbolicamente, aponta Foucault, a incessante busca por redenção espiritual foi sendo substituída, paulatinamente, pela qualidade de vida enquadrada nos padrões da normalização, pela busca por saúde. Para o filósofo, é quando a saúde invade o espaço outrora ocupado pela salvação da alma que o discurso médico e seu poder ascendem à máxima de nossa era.

Ademais, na investigação Foucaultiana, a mutação ocorrida no saber médico não se desarticulou das práticas sociais, pelo contrário, demandou toda uma reorganização do ensino e da prática hospitalar. Até o século XVII, o hospital, enquanto um espaço político e administrativo, era apenas o depositário da miséria e da morte próxima. No final do século XVIII, aos poucos, o hospital se articulou para se transformar em um espaço terapêutico, passando a formar médicos e produzir conhecimento. Na produção deste saber, a pureza da evidencia clínica, atrelada ao simples exame de um indivíduo, oculta e dissimula uma complexidade histórica da consolidação das experiências e métodos clínicos emanados na medicina moderna (SOUZA, 1998).

Ao estabelecer o limiar entre um acontecimento e o que ele prognostica, as doenças, por si próprias, enunciam suas verdades essenciais e ideais, os sintomas significam uma doença que é significada, pois estas nunca se dão, na experiência, sem alteração ou distúrbio. Quando a racionalidade anátomo-clínica organiza diferenças de casos individuais em constructos descritivos e explicativos de uma determinada doença, num sistema classificatório de diagnósticos, a intervenção médica é regida por uma norma. A tarefa clínica não se resume mais na simples busca da cura. Sob o registro de dados e sistemas estatísticos, a medicalização tem por base padrões, numericamente expressos, de uma normalidade idealizada.

O olhar empirista do médico, contudo, estará sempre atrelado a uma linguagem, intrinsecamente ligada às interpretações dos sintomas e sua transformação ou não em signos de doença, conforme demanda o raciocínio diagnóstico clínico. Neste sentido, há um manual que distribui as doenças em classes e espécies que é anterior à percepção e ao olhar, o que invariavelmente interfere no modo como o fenômeno patológico é visto (SOUZA, 1998). Ao transformar o sintoma num signo, a verdade essencial de uma doença, a singularidade se perde com a padronização, pois o saber científico se pretende totalizante. A institucionalização do saber sobre o corpo somada a metodologia científica dá ao saber médico um determinado status que engloba a saúde num padrão universal.

Ao se concentrar na identificação de seu objeto investigativo – doença, a clínica preocupou-se primeiramente em impor-se enquanto ciência, num paralelismo estabelecido para conformar-se aos paradigmas vigentes das ciências exatas. Se a normalidade per se não existe enquanto algo concreto, mas apenas num modelo teórico estatístico, deve-se então delinear os limites em torno deste conceito – que é também a presunção de limites. Ter na raiz de nossa categoria estruturante, a clínica, um conceito – da curva normal – que nasce da ciência estatística, um termo que emerge em meio aos imperativos empírico-positivistas de tudo mensurar, prever e controlar, é conjecturar também a neurose de se fazer esse tipo de ciência, que pressupõe um natural à priori de um ser que se constitui sócio, histórico e culturalmente.

Quando o olhar clínico pressupõe uma natureza humana concebida dentro de um padrão universal de saúde, ele deixa de se ater à complexidade multifatorial e intersubjetiva da qual somos constituídos. O ser humano é atravessado pela cultura, e mesmo que seu corpo expresse a demanda de questões vitais ou instintuais, estas já não se dão em um estado de pureza (MOLON, 2011). Tomemos como exemplo de análise a fundamental atividade humana da alimentação, crucial para garantia de nossa sobrevivência. Se, por um lado, alimentamos-nos em nome do imperativo da sobrevivência, nossos hábitos alimentícios não seguem a ordem de nossas necessidades fisiológicas, estes se dão, sobretudo, na dimensão do simbólico. Alimentamos-nos, não necessariamente, porque estamos com fome, mas porque, por exemplo, nos vemos diante da hora do almoço e assim nos compreendemos num determinado ritual de horários. Não sentimos, fundamentalmente, fome dos nutrientes que precisam ser repostos, podemos muito bem sentir fome de doce em um estado ansioso.

Animais selvagens não apresentam transtornos alimentares. O ser humano é atravessado por uma complexidade da qual a presunção fechada de uma natureza corpórea seria incapaz de explicar uma bulimia ou anorexia, por exemplo.

Diante de tais fenômenos, indaga-se, como pode um corpo doente, também constituído simbolicamente, expressar unicamente a verdade de uma natureza patológica? Há uma inegável singularidade da expressão das doenças por um corpo biológico, pois o dono deste corpo adoecido também se expressa – não somente por seus sintomas – e assim, transforma-se em um corpo simbólico que demanda do médico uma observação, decodificação e interpretação.

Conforme Luz (1988), o modelo científico moderno, mecanicista e organicista, demanda o surgimento de uma racionalidade anátomo-clínica que desloca epistemologicamente a medicina de sua tradicional “arte de curar” para se transformar, progressivamente, em uma disciplina das doenças. Sob o primário paradigma indiciário da arte de curar, tem-se a exigência interpretativa dos dados e a relevância dos fatos singulares que fazem referência a um conhecimento construído de maneira cumulativa. Quando a medicina se torna uma disciplina das doenças, tem-se um paradigma analítico que busca o universal, objetivando a doença, onde a possibilidade de variação está sempre integrada à estrutura da própria doença.

Com o nascimento da Clínica, o ensino e assistência se invocam de maneira unitária, de modo que os fatos patológicos, enquanto entidades observáveis, são apresentados dentro de estruturas de pares antinômicos, onde a clínica tenciona uma dialética. O olhar anátomo-clínico exige que um acontecimento, que é singular e subjetivo, seja encaixado, simultaneamente, em um modelo objetivado e universal (SOUZA, 1998). A dimensão destas constatações legitima a possibilidade de problematizarmos a clínica em seu lugar de campo intersubjetivo, onde a subjetividade é operada em uma qualidade hermenêutica, interpretativa, que, da primeira à última instância, operam em torno do sofrimento humano.

A fragmentação do saber em subáreas, sob o olhar positivista e naturalizante do corpo, conjurados para o conhecimento médico e não para a subjetividade do próprio doente, na pretensão de construir um discurso científico, transformam o hospital, prioritariamente, num lugar do saber. A medicina deixa o hospital, enquanto clínica, para ser mais uma escola, e a posição de cuidado do outro é postergada aos enfermeiros. Na posição de doutores de um saber, sobre um outro que é objeto, médicos destronam a posição terapêutica para ocupar um lugar que nos ensina como devemos viver.  Aqui, constata-se de maneira inteligível, o quanto o saber médico se articula ao poder disciplinar e normalizador. A ordem médica, assim compreendida articulada à microfísica do saber e poder, com seu olhar focado na doença e não na pessoa do doente, implica uma recusa e desqualificação da subjetividade e singularidade de cada fato clínico. Com um narcisismo científico que evoca o saber totalizante, único, certeiro e onipotente, tem-se a morte do olhar humanitário, individual. O olhar desta ordem clínica nos conduz a consolidação de um projeto lírico e idealizado, que vê na função médica, tão somente, um papel normalizador.

Não evoco com esta reflexão o fim da Clínica e nem tampouco de seu saber já constituído, mas demando e nos sensibilizo no sentido de buscarmos um olhar outro, não apenas voltado às evidências anátomo-clínicas, um olhar genuíno e humanizado que compreende empaticamente o sofrimento humano como algo que nos constrange e nos pertence a todos, enfim nos igualando em nossas condições existenciais.

 “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana seja apenas outra alma humana.” Carl G. Jung

 

 

 


[1] Nietzsche, F. W. (2012). A gaia ciência.  São Paulo: Companhia das Letras.

[2]“A medicina não deve mais ser apenas o corpus de técnica da cura e do saber que elas requerem; envolverá, também, um conhecimento do homem saudável, isto é, ao mesmo tempo uma experiência do homem não doente e uma definição do homem modelo. (…) éimportante determinar como e de que maneira as diversas formas do saber médico se referem às noções positivas de saúde e de normalidade. (…) A medicina do século XIX regula-se mais, em compensação, pela normalidade do que pela saúde;” (FOUCAULT, 1977, p. 39)

[3]FOUCAULT, M. (2007). Vigiar e punir: Nascimento da Prisão. Rio de Janeiro: Petrópolis.

[4]FOUCAULT, M. (1997). A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva.

[5]FOUCAULT, M. (2001). Os Anormais. São Paulo: Martins Fontes.

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Poder – Subjetividade – Saber: diálogos com Foucault

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Na noite em que Mardônio me pediu: “Você faz o texto de apresentação da série do Foucault?” e eu respondi que sim, cinco segundos depois percebi que estava mergulhando em uma encrenca, dessas das quais a gente se arrepende quase que instantaneamente depois de ter entrado. Aceitei de imediato a proposta porque me vi imbuída de reler Michel Foucault (1926-1984) para escrever algumas linhas que o apresentasse, acreditando que viveria momentos de me reencontrar com textos que um dia me engrandeceram enormemente, repetiria as noites viradas com vinho, ternura e indignação nutridas por passagens foucaultianas, tiraria o pó da estante dos livros que quase sempre me convida a estancar o cotidiano cinza e triste para me perder em leituras, viveria tantas outras intensidades que suas sagazes letras provocam em mim. Afinal, reler esse francês nascido em Poitiers e morto em Paris me reapresentaria momentos de melhores encontros literários? Produzir algum/qualquer texto poderia voltar a ser divertido?

Escrever tal prefácio é demasiado difícil quando penso que se trata de provocar curiosidade em relação a uma série deste porte sem “queimar” os textos que estão por vir. Apresentar um pensador sem fazer referência a alguma obra específica é como procurar agulha no palheiro: é possível, mas requer imenso esforço e, mais ainda, um bocadinho de sorte.

Ao mesmo tempo em que eu buscava alguns de seus livros para folhear, aquela clássica fotografia que representa o autor, na qual ele aparece com sua careca brilhosa, largo sorriso e óculos grandiosos, se fez forte em minhas lembranças. Sim, a expressão imagética de Foucault é sempre inconfundível, indecifrável e estranhamente bonita. Talvez, quem sabe, as transcrições de suas aulas proferidas no Collège de France e publicadas em livros colaborem para reforçar a imagem que descrevo: são, em sua maioria, também emissoras de brilho, também largas, também grandiosas, também estranhas e também bonitas. Mas, mais que tudo, deliciosamente escandalosas.

O interesse que esse autor desperta pode comportar ares de descobertas de novos modos de reflexão. Encontrar os dizeres foucaultianos pode ser, em primeira instância, no mínimo instigador. Ele convida a um pensar que revoluciona porque é um pensar insólito e que desconstrói lógicas impregnadas na cultura há séculos: a de que o poder está fora de nós, a de que o saber é produto da ciência, a de que a subjetividade é individual. Ele propõe que o poder está em todas as relações e em todas as direções, ao contrário do que comumente se repete sobre relações de poder serem unilaterais; que o saber não está necessariamente imbricado à racionalidade científica hegemônica; que a subjetividade é produção coletiva; entre outras tantas desconstruções. Ao viver o maio de 68 (momento de protestos para que a universidade não se rendesse ao mercado e, mais ainda, de borbulhares reivindicatórios em prol de transformações de paradigmas culturais), ele transformou sua obra em um nó impossível de desfazer, questionando sobre como relações de poderes institucionais, especialmente na modernidade, dominam os corpos.

Seja pela via da disciplina como dominação explícita pelo suplício, seja pelas entrelinhas de controle que a cultura nos impõem sem que percebamos, esses corpos – que, no segundo caso, Foucault denomina de “dóceis”- são problematizados em suas entranhas e rematerializados em palavras que nos propõem não verdades, mas sim engendramentos de possibilidades de compreensão. Ou incompreensão. Mas, de modo algum, descaso. É isso o que o autor faz conosco: sem melindres, ele nos provoca coceira mental, nos desestabiliza em tempestades violentas de leituras de textos, faz montanha-russa com sistemas de pensamentos que tão bem nos acomodavam o viver. Sua produção intelectual refuta muitas repetições de conceitos de que o mau-senso faz uso.

Foucault se inscreveu em muitas diferenças. Entre elas, ele viveu na pele o cotidiano de lidar diretamente com o humano em suas versões mais discriminadas socialmente, pois trabalhou como psicólogo em hospitais psiquiátricos e prisões, e também viveu os propósitos da academia, já que foi professor em universidades e outras instituições de diversos países. Não explicito aqui o velho e ainda não-superado discurso “teoria x prática”, pois é evidente que ambas as carreiras se cruzam o tempo todo, já que quem está na academia faz pesquisas sobre a prática e quem está no lidar cotidiano com o público que demanda atendimento faz estudos. O que quero registrar é ele se fez de muitos caminhos trilhados e que isso ajuda a compreender algo da multiplicidade de sua expressão teórica.

Sua tese de doutorado defendida na Sorbonne (editado na forma do livro “História da Loucura na Idade Clássica”) lhe deu repercussão internacional. Ele lecionou, correu o mundo palestrando, produziu obras escritas e faladas. Tais incursões permitiram que ele se constituísse como um pensador no que de mais intenso esse termo pode comportar. Esteve em ambos os lados e, em alguns momentos, em mais lados ainda, pois seu corpo experimentou muito do que escreveu, seja a respeito de genealogias, seja a respeito de prospecções conceituais de tempos além do seu. Ele era um ser de palavras.

Foucault criou sua própria trajetória pelo signo do rompimento.  Algo de sua história de vida pode colaborar na compreensão de sua produção intelectual: embora sua família fosse constituída de muitos médicos – pai, avô, bisavô -, ele rescindiu com a tradição familiar. Seu desejo era ser historiador. E assim o fez. Mas, mais que quebrar a tradição, fez fortes questionamentos à ciência médica e aos seus modos de funcionamento. Realizou graduação em filosofia e também se formou em psicologia patológica. Ao longo de sua carreira, pensou e repensou a ciência e, especialmente, a ciência dos cuidados humanos.

Entretanto, Foucault não se denominava filósofo, psicólogo ou historiador, como alguns o fazem. Ele se dizia arqueólogo – e, hoje sabemos, foi um arqueólogo de saberes. Esses mesmos que ele contestou, reverteu, problematizou. Saberes que, aliás, talvez não coubessem em nenhuma dessas ciências específicas. Sua crítica à racionalidade científica é constante: para ele, a ciência só existe em determinados sistemas históricos específicos e, portanto, não pode responder à universalidade, justamente por ser mutável de acordo com a época em que está circunscrita. A esse respeito, ele transfigurou a noção de história linear, ao propor que a história é como um emaranhado de percursos e movimentos.

Foucault ia, lia, via além: ele fazia eclipse nas idéias pré-concebidas até romper com elas. No entanto, não eram rompimentos que visassem tão puramente destruir: ao contrário, ele ardilosamente desconstruía saberes para fazer com os cacos, usando de perspicaz astúcia, outros novos possíveis saberes. Sua indocilidade em fazer desconstruções é apaixonante.

Aliás, a esse respeito, Foucault também contribui para pensarmos a psicologia. Ele não viveu para ver o rumo que tomou essa profissão, mas já o anunciava. Em alguma parte do que falou e escreveu, fez críticas vorazes (e como é bom ler um autor que estoura, ruge e vocifera!) aos rumos que a ciência como um todo vinha tomando. Seria mesmo a psicologia tão necessária, virtuosa e coerente? Não posso responder a esse questionamento que me fere tão agudamente, mas posso afirmar, com clareza, que reler Foucault me ajuda a formular tal pergunta e, ao menos, a buscar qualquer lucidez. Algumas releituras de seus textos auxiliam no processo de desorientação necessário para isso. Sim, porque tentar fazer qualquer tentativa de compreensão nesse sentido só é possível com muitos movimentos de desnortes. É sempre um desgaste. Mas, é sempre necessário.

Na atualidade, a psicologia tem vivido intensas transformações acerca de seu ensino e prática, principalmente no que concerne à quantidade, agilidade de instalação e qualidade dos cursos de graduação que se mantém país afora. Por que a psicologia interessou tanto à população em geral na última década? Por que parece que os meios de comunicação usam de maneira desmesurada os comentários desse especialista? Por que o alargamento do campo de atuação do psicólogo parece acontecer de modo tão veloz nos últimos anos?

As psicologias duras, pragmáticas e distantes da vida que a academia e o mercado muitas vezes exigem nos propõem caminhos afastados de qualquer pensamento problematizador. A mídia está repleta de aparições de psicólogos que se travestem de exemplos charmosos de como ser um bom profissional. Há uma grande leva de especialistas psis necessariamente blasés opinando com seu palavreado que se aproxima da ciência, mas não a alcança, sobre como-ser-um-bom-marido-como-ser-uma-boa-esposa em programas de auditório.

Foucault estava certo quando fez suas duras e perspicazes críticas à psicologia moderna. Estaria ele antevendo o futuro tortuoso dessa profissão que teve sua rápida ascensão no Brasil? Embora a ciência esteja vivendo uma transformação paradigmática que permite que ela seja revista e que a faz hoje mais borrada em seus limites e mais permissiva a saberes que anteriormente não eram considerados científicos, a maioria dos modos de se fazer psicologia ainda assim não são considerados ciência, andando na contramão, se distanciando de investigações que cuidam do humano e se aproximando da necessidade de produção de perfis adaptados à lógica do capital e ao estilo de vida “american way of life”. Psicólogos: demos um tiro no pé?

Ao escrever este texto e, ao mesmo tempo, pensar nos rumos que a profissão vem tomando, percebi o prazo estourando e nenhum respingo de resposta para tamanhas angústias. Mesmo com as releituras ao passar dos dias e com o apressado da hora da chegança do prazo final, eu olhava para o teclado do computador, o teclado do computador olhava para mim, uma pilha de livros acompanhava a troca de olhares, e o tic-tac do relógio me anunciava que o tempo – senhor de tudo – findava. Assim como a doença pelo HIV findou a vida de Michel Foucault em pleno ápice de sua produção e deixou a egoísta sensação de que ele poderia ter vivido e produzido só mais um pouquinho. Sobre esse fato, aliás, cabe registrar que, ao que parece, ele não tratou da doença que, naquela época, era quase completamente uma incógnita, tanto em seu aspecto de compreensão de evolução, quanto no de terapêutica. Desconhecimento? Posição política? Escolha ética? Estilo de vida? Não sabemos, mas imagino ter sido um ato de imensa coragem.

Lamentáveis e fatídicas experiências – sua morte aos 57 anos, os apertados prazos que cumprimos, o apego aos medidores de tempo que não nos permitem viver tão satisfatoriamente, as imagens rápidas e instantâneas que tentamos processar, são algumas da face mais dura da disciplina que Foucault tão bem arriscou pensar para questionar.

Numa noite de insônia por variados motivos e na ânsia/angústia de escrever sem ainda ter conseguido reviver Foucault em toda sua radicalidade, percebi vivamente que não era o autor que eu deveria reencontrar para produzir este texto, mas os diálogos que um dia travei com sua obra. Pensei que, quem sabe, os convidados a contribuir com esta série também pudessem ter tido bate-bocas e conversações afins como os que um dia eu também tive. Sim, porque muitos os que lêem Foucault vivem essa experiência. E então a tarefa se fez ainda mais complexa e arriscada, já que eu deveria apresentar não somente uma série, mas um contexto de diálogos dos mais variados autores com Michel Foucault. Sim, definitivamente, entrei numa enrascada. Portanto, já convencida de que dela não sairei ilesa, só posso mesmo seguir com a proposta a partir do que Foucault ressoou e continua ressoando em mim.

Lembro-me que, no primeiro ano do curso de psicologia, um professor, cujo nome não me recordo de prontidão, nos indicou “História da Loucura” como leitura de banheiro, no lugar das tradicionais revistas de corte e costura/fofocas de novelas/ políticas esquerdistas que muito provavelmente ornamentavam os toaletes das repúblicas estudantis dos alunos da área de humanas da época. Ele dizia que nada dava mais dor de barriga que “História da Loucura”. Balela. Demorou uns meses para que eu entendesse que talvez os livros foucaultianos não substituiriam essas literaturas, mas sim se somariam a todas elas, já que todas são afeitas à produção de tesão e de vida. Foucault é ciência pornográfica, aquela que escancara o corpo, que observa todos os buracos, que permite pensar outros usos para nossos poros, que produz conhecimento quando inscreve significações imaginárias nas problemáticas corporais, que pensa a clínica, que traz o tema da loucura – minha e sua – trancafiada em manicômios e/ou em gestos nossos de cada dia, que traduz em palavras o contentamento e descontentamento de sua época. Leituras de Foucault podem fazer viver outro corpo antes nunca vivido. Foucault é lindamente obsceno ao tornar públicas discussões antes sigilosamente escondidas nas salas de aula. No Collège de France, fez alguns dos seus muito freqüentados seminários, em que os alunos enchiam sua mesa de gravadores para tornar vivas suas palavras em outros momentos além daqueles. Sim, porque as palavras de Foucault não merecem apenas ser degustadas e digeridas, mas também ecoadas. E, mais que tudo, constantemente ruminadas.

Não escrevo especificamente sobre nenhuma de suas obras ou mesmo faço qualquer menção a alguma passagem especial porque não me apraz o gênero “a chata que conta o final do filme”. Deixarei aos leitores a prazerosa tarefa de descobrir a produção literária que a série reserva. A única observação que faço é referente ao desejo que, espero, a publicação dos próximos textos produza em vocês: o de ter contato(s) com as produções foucaultinas revisitadas por autores que se dispuseram a colaborar com as discussões. Pode ser para gostar ou desgostar. O importante é conhecer.

Há alguns anos, numa defesa de mestrado que assisti, um dos membros da banca referiu-se a Foucault como “carne de vaca”. Em minha terra, no interior assisense e de caipira paulista, tal expressão diz de algo que é tão comum que já perdeu a graça de ser falado, escrito, lido, escutado, tocado, vivido. Nego, nego e nego. Michel Foucault, que me perdoem os imersos em amarguras acadêmicas, é mais atual e imprescindível do que nunca. Suas críticas à subjetividade contemporânea batem forte no corpo de quem o lê. Não é possível conhecer sua obra, ou mesmo parte dela, e sair ileso. Transformar-se foucaultianamente é, para quem aceita o desafio, morrer para alguns preconceitos e viver para quaisquer outros conceitos que se produzam nessa relação leitor-texto. Dialogar com Foucault é fazer em si mesmo, como ele mesmo dizia, “estilo de vida”, ou seja, modos de produzir a existência condizentes com suas escolhas éticas, estéticas e políticas, fazendo da própria vida uma obra de arte. Genealogicamente e genialmente,na e pela vida que pulsa, pulsa, pulsa, pulsa, pulsa…

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