Cachorros não usam calças: a redescoberta do sentido da vida através do tabu

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“Cachorros Não Usam Calças” (2019), dirigido por Jukka-Pekka Valkeapää, é um filme finlandês que aborda temas de luto, descoberta pessoal e práticas BDSM (Bondage, Disciplina, Sadismo, Masoquismo). A trama segue Juha, um cirurgião cardíaco que perde sua esposa em um trágico acidente de afogamento. Anos após a perda, ele ainda está imerso em uma profunda apatia, incapaz de se conectar emocionalmente com o mundo ao seu redor. Sua vida muda ao conhecer Mona, uma dominatrix que o introduz ao universo do BDSM, levando-o a explorar novas formas de sentir e encontrar significado em sua existência. 

O filme retrata o BDSM não apenas como uma prática sexual, mas como um meio de exploração emocional e psicológica. Juha encontra nas sessões com Mona uma maneira de confrontar sua dor e vazio, utilizando a asfixia erótica como uma ponte para acessar uma experiencia de quase morte e, paradoxalmente, sentir-se vivo novamente. Essa jornada destaca o tabu em torno das práticas BDSM, mostrando-as sob uma luz complexa e humana, onde o sofrimento físico se entrelaça com a cura emocional.​

Podemos ver a imagem do tabu quando Juha apresenta marcas no pescoço no hospital em que trabalha, deixando seu colega de profissão preocupado com o crescente afastamento de Juha de sua ocupação profissional. Além disso, sua recusa em atender fora do horário, demonstrando uma aparente obsessão em não faltar às sessões com Mona, assim como marcas corporais cada vez mais frequentes, evidenciam como essas práticas começam a ocupar um espaço central em sua vida, afetando suas responsabilidades e relações pessoais.​ Esses elementos ressaltam a complexidade da jornada de Juha, que busca na dor física uma forma de lidar com sua dor emocional, desafiando normas sociais e profissionais ao se aprofundar no mundo do BDSM.

O encontro dessa experiência se intensifica a cada sessão, à medida que Juha se entrega mais profundamente às práticas de asfixia erótica conduzidas por Mona. Durante esses momentos, ele vivencia uma sensação de êxtase, onde sua mente parece romper com a realidade imediata e mergulhar em um estado limítrofe entre a vida e a morte. Nessas experiências, ele tem visões ou recordações vívidas de sua falecida esposa, como se, por breves instantes, pudesse estar novamente ao seu lado.

Mais do que uma experiência física extrema, esses momentos representam simbolicamente a capacidade de Juha de recuperar o sentido de sua existência, um sentido que se perdeu com a morte da esposa. A asfixia, nesse contexto, não é apenas uma forma de prazer, mas um mecanismo pelo qual ele reconstrói seu vínculo emocional e encontra uma maneira de ressignificar sua dor. Assim, paradoxalmente, ao flertar com a morte, Juha reencontra a vida – não no sentido convencional, mas em uma nova forma de existência, onde a dor física se torna um catalisador para a cura emocional.

O BDSM, portanto, se torna para ele mais do que uma prática sexual ou fetichista; é um veículo para acessar sentimentos reprimidos, um caminho de reconstrução psicológica e existencial. Ele não apenas revive sua perda, mas encontra uma nova maneira de dar sentido à sua vida, descobrindo que sua jornada de luto não precisa ser um ciclo interminável de sofrimento passivo, mas pode ser transformada em uma busca ativa por significado.

Já para Mona, a relação com Juha também representa uma descoberta significativa, marcando uma ruptura com sua abordagem profissional e emocional habitual. Acostumada a interações superficiais com seus clientes, onde a dominação é exercida de maneira estritamente performática e impessoal, ela se depara com alguém que não está apenas em busca de prazer momentâneo ou de uma experiência fetichista passageira. Juha, ao contrário da maioria de seus clientes, se entrega ao BDSM com uma intensidade emocional genuína, enxergando as sessões como um meio de acessar sua dor e encontrar um sentido para sua existência. Esse envolvimento transcende a dinâmica convencional entre dominadora e submisso, desafiando Mona a repensar seu próprio papel e os limites que estabelece em sua prática.

À medida que os encontros entre os dois se tornam mais frequentes e intensos, Mona começa a demonstrar sinais de um envolvimento emocional que vão além de sua postura profissional. Pequenos gestos, antes impensáveis dentro de sua rígida separação entre vida pessoal e trabalho, passam a revelar sua crescente afeição por Juha. Um exemplo marcante é o momento em que ela decide vestir o vestido que ganha de presente dele, um ato que sugere não apenas gratidão, mas uma aceitação simbólica do vínculo que se forma entre os dois. Esse gesto rompe com sua imagem de dominatrix inatingível, demonstrando que, de alguma forma, Juha também a afeta em um nível mais profundo.

Além disso, Mona começa a flexibilizar suas próprias regras ao atendê-lo em horários especiais, algo que ela normalmente não faria para nenhum outro cliente. Essa concessão indica que Juha já não é apenas um submisso comum dentro de seu universo, mas alguém que desperta nela um interesse e uma conexão autêntica. Essa aproximação emocional desafia Mona a lidar com sentimentos que talvez ela própria não esperasse vivenciar dentro desse contexto. Se antes ela controlava completamente a dinâmica das relações que estabelecia, agora se vê em um território desconhecido, onde a dominação e a entrega emocional se entrelaçam de maneira imprevisível.

A jornada de Juha em Cachorros Não Usam Calças pode ser analisada à luz da logoterapia de Viktor Frankl, que enfatiza a busca por sentido como força motriz da existência humana. Após a perda de sua esposa, Juha se torna emocionalmente apático, vivendo de forma mecânica e sem propósito. Seu envolvimento com Mona e o mundo do BDSM rompe com esse estado de anestesia, permitindo que ele resgate sua capacidade de sentir através da dor física, que paradoxalmente se torna um canal para sua reconstrução emocional. A experiência do BDSM deixa de ser apenas um fetiche e se transforma em uma ferramenta de ressignificação, onde Juha encontra um novo propósito e identidade. Em vez de ser consumido pelo luto, ele aprende a transformar seu sofrimento em um caminho de autodescoberta, refletindo a ideia central da logoterapia de que, mesmo na dor, é possível encontrar um sentido para continuar vivendo.

Paralelamente, a jornada de Mona pode ser compreendida sob a perspectiva da psicologia humanista de Carl Rogers, que valoriza a autenticidade e a autorrealização como elementos centrais do desenvolvimento humano. Ao se permitir envolver-se emocionalmente com Juha, Mona dá um passo em direção a uma relação mais autêntica consigo mesma, quebrando barreiras que antes pareciam intransponíveis. Sua conexão com Juha não se baseia apenas em um jogo de poder, mas se transforma em uma exploração mútua da vulnerabilidade e da necessidade de pertencimento. Dessa forma, a história de Mona não é apenas a de uma dominadora que encontra um submisso capaz de acompanhá-la, mas também a de uma mulher que, ao sair de sua zona de controle absoluto, descobre novas camadas de si mesma e do que significa se conectar verdadeiramente com outro ser humano.

“Cachorros Não Usam Calças” é uma narrativa poderosa sobre como indivíduos podem encontrar sentido e autenticidade em lugares inesperados, desafiando tabus e explorando os profundos recantos da psique humana.

Cachorros Não Usam Calças (Dogs Don’t Wear Pants):

Título original: Koirat eivät käytä housuja

Título em inglês: Dogs Don’t Wear Pants

Ano de lançamento: 2019

País de origem: Finlândia, Letônia

Direção: J-P Valkeapää

Roteiro: J-P Valkeapää, Juhana Lumme

Produção: Aleksi Bardy, Helen Vinogradov, Jani Pösö

Elenco principal: 

Pekka Strang como Juha

Krista Kosonen como Mona

Ilona Huhta como Elli

Jani Volanen como Pauli

Gênero: Drama, Romance, Thriller

 

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A vida não é linear: encontrando sentido nas mudanças

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Relato de intervenção grupal realizada por acadêmicas de Psicologia na Casa de Apoio Vera Lúcia

Nós, Dariana Duarte Silva, Gabriela Pessoa Sousa, Sayma Rebeca Ribeiro de Oliveira e Susane Costa Bringel, estagiárias do curso de Psicologia da Ulbra Palmas, através da disciplina Intervenção em Grupos, realizamos, entre os meses de março e abril de 2025, uma intervenção grupal na Casa de Apoio Vera Lúcia Pagani, localizada em Palmas-TO. Com o objetivo de promover um espaço de acolhimento e reflexão para os familiares dos pacientes internados, auxiliando-os no enfrentamento das incertezas, do luto e das mudanças de rotina, a partir de abordagens simbólicas e psicológicas que favoreçam a ressignificação da experiência vivida. Diante disso, vamos relatar a seguir como ocorreu essa experiência.

A atividade foi desenvolvida por meio de rodas de conversa presenciais, distribuídas ao longo de cinco semanas, como parte dos requisitos da disciplina de Intervenção em Grupo, sob a supervisão do professor Sonielson Luciano de Sousa. A proposta surgiu da necessidade de oferecer um espaço de escuta qualificada, acolhimento e reflexão aos usuários da instituição — composta por acompanhantes e pacientes em tratamento — que enfrentam, diariamente, os desafios emocionais associados ao contexto hospitalar. A intervenção teve como objetivo fortalecer vínculos, favorecer a autorreflexão e promover processos de ressignificação, por meio de práticas simbólicas, dinâmicas lúdicas e técnicas de autorregulação emocional.

O primeiro contato com a instituição ocorreu no dia 6 de março de 2025, via aplicativo WhatsApp, com a coordenadora da Casa de Apoio Vera Lúcia. Fomos recebidas de forma acolhedora e, prontamente, foi agendada uma reunião para pactuar como seriam realizados os encontros em formato de rodas de conversa. Após a definição do local e da disponibilidade da instituição, construímos o cronograma das atividades, considerando as características e necessidades do público atendido.

A Casa de Apoio Vera Lúcia acolhe pessoas provenientes do interior do Tocantins e de outros Estados da Região Norte que necessitam de atendimento nos hospitais públicos de Palmas. Trata-se de uma iniciativa do Governo do Estado que visa garantir segurança, conforto e proximidade entre os pacientes internados e seus familiares. A instituição oferece hospedagem, alimentação e suporte psicológico, pedagógico e social. Além disso, promove diversas atividades, como palestras, ações religiosas, contação de histórias e minicursos, incluindo oficinas de crochê e produção de bombons artesanais, proporcionando momentos de aprendizado e ocupação durante o período de permanência.

Compreender a missão e o alcance do serviço prestado pela Casa facilitou a construção de uma proposta de intervenção alinhada às demandas reais dos usuários. Dessa forma, definimos temas que contemplassem aspectos fundamentais para esse público, como a reflexão sobre a não linearidade da vida, a adaptação às mudanças, o desenvolvimento da resiliência e a sobrecarga emocional vivenciada por cuidadores, além da importância do autocuidado.

Reunião presencial com a Coordenação da Casa de Apoio Vera Lúcia Pagani

Dando continuidade ao processo de pactuação, no dia 10 de março de 2025, foi realizada uma reunião presencial com a coordenadora da Casa de Apoio Vera Lúcia Pagani. Na ocasião, as estagiárias apresentaram o Plano de Atividades, realizaram as devidas apresentações institucionais, esclarecendo sua vinculação ao curso de Psicologia da Ulbra Palmas, o contexto da disciplina de Intervenção em Grupo e o nome do professor responsável pela supervisão do projeto, Sonielson Luciano de Sousa. O encontro também possibilitou o reconhecimento do espaço físico da instituição e, em diálogo com a coordenação, foram definidos os dias e horários mais adequados para a realização das rodas de conversa com os usuários da Casa.

Ficou acordado que os encontros ocorreriam ao longo de cinco semanas consecutivas, sempre às terças-feiras, no horário das 17h30 às 18h30, nas seguintes datas: 25 de março, 2, 9, 16 e 23 de abril. Para as estagiárias, esse primeiro contato presencial foi, inicialmente, ansiogênico, tanto por se tratar de uma instituição até então desconhecida quanto pela responsabilidade de solicitar espaço para a execução de um projeto como representantes da Psicologia. No entanto, ao longo da reunião, a recepção acolhedora por parte da coordenadora proporcionou um ambiente de escuta, respeito e abertura, gerando tranquilidade e confiança para dar início às atividades. Tornou-se evidente, por meio de suas falas, a importância que a parceria com instituições de ensino superior representa para a Casa, fortalecendo o vínculo entre a prática profissional e a formação acadêmica.

Acadêmicas de Psicologia fazendo a visita técnica na Casa de Apoio Vera Lúcia no dia 10/03/2025

Organização dos encontros entre as estagiárias

Para a organização dos encontros, ficou acordado que os dois primeiros seriam planejados de forma remota, por meio de reuniões online, enquanto os três encontros seguintes seriam estruturados progressivamente, a partir das supervisões obrigatórias da disciplina de estágio. Os primeiros planejamentos demandaram mais tempo e dedicação, considerando que era a primeira experiência do grupo na elaboração conjunta de rodas de conversa. Contudo, à medida que os encontros se sucederam e a coesão entre as integrantes se fortaleceu, as etapas de planejamento passaram a ocorrer com maior fluidez, agilidade e sintonia.

Atendendo às diretrizes da disciplina de Intervenção em Grupo, foi definida uma estrutura base comum para todos os encontros, composta pelas seguintes etapas: acolhimento inicial e estabelecimento de rapport com os participantes; pactuação ética coletiva; apresentação do tema por meio de recursos dialógicos; estímulo à participação com técnicas lúdicas e simbólicas; encerramento com prática de relaxamento ou respiração guiada e, por fim, coleta de feedback dos participantes. A adoção dessa estrutura ofereceu segurança às estagiárias, permitindo que, mesmo diante de imprevistos ou adaptações necessárias durante a condução das atividades, houvesse um roteiro orientador que assegurava a coerência e a intencionalidade do processo grupal.

Primeiro encontro – o objeto da minha jornada

O primeiro encontro foi marcado por certo nervosismo inicial, tanto por ser a nossa estreia na condução da roda de conversa quanto pelas demandas logísticas envolvidas, como a organização do espaço, o convite aos participantes nos corredores e dormitórios, além da mobilização geral com o uso do sino para reunir o grupo. Contudo, à medida que o encontro se desenvolvia e nos aproximávamos das vivências compartilhadas, o processo tornou-se mais fluido e natural.

A atividade teve como objetivo fortalecer o vínculo grupal por meio da partilha simbólica de experiências. Após o momento de rapport e a pactuação ética, realizamos a dinâmica “O Objeto da Minha Jornada”, na qual os participantes foram convidados a refletir simbolicamente sobre suas trajetórias de vida. Utilizamos como recurso uma bolinha rosa de brinquedo, que se mostrou surpreendentemente potente como elemento simbólico, permitindo projeções de desejos e anseios. A partir das associações construídas em torno do objeto, a condução dialética se deu de forma profunda e espontânea. Apesar de, num primeiro momento, os participantes mostrarem-se receosos de apresentar seus desejos, ao ouvirem a fala de cada um, sentiram-se mais à vontade de compartilhar, trazendo a emoção ao falar e fazendo com que nós sentíssemos a mesma coisa. Também foi realizada uma breve prática de autorregulação emocional com foco no toque calmante, estimulando sensações de acolhimento e segurança. O encerramento reforçou o grupo como espaço de escuta, conexão e reconhecimento da individualidade.

Foi possível perceber, ainda, que o público atendido pela Casa de Apoio não é composto apenas por acompanhantes, mas também por pessoas em tratamento, o que ampliou a complexidade das histórias compartilhadas. Esse primeiro encontro, mais exploratório, permitiu que conhecêssemos melhor o grupo presente naquele momento e voltássemos o olhar para o cuidado emocional dessas pessoas.

Apesar da potência da experiência, enfrentamos desafios, como a necessidade de mediar as falas para garantir a participação de todos, e dificuldades com a acústica do espaço, agravadas por ruídos externos e pela fala mais baixa de participantes debilitados. Esses aspectos nos fizeram repensar a disposição física das cadeiras e a importância de criar condições mais adequadas de escuta para os próximos encontros.

1° Encontro na Casa de Apoio Vera Lúcia no dia 25/03/2025

Segundo encontro – o peso invisível: cuidando de quem cuida

No segundo encontro, o reconhecimento de alguns rostos já presentes na primeira roda contribuiu para um ambiente mais acolhedor, facilitando nossa atuação. No entanto, começou a se evidenciar o desafio de conduzir um grupo com composição aberta, uma vez que, a cada semana, havia participantes diferentes. Essa característica exigiu de nós flexibilidade e sensibilidade para adaptar as propostas ao grupo presente em cada encontro, tornando o rapport inicial uma etapa essencial e recorrente em todas as rodas.

A proposta dessa vez teve como foco central a sobrecarga emocional dos cuidadores, convidando os participantes a refletirem sobre os efeitos do cuidado contínuo e a importância do autocuidado para o equilíbrio psíquico e emocional. Durante a roda, provocamos reflexões sobre sentimentos frequentemente vivenciados nesse contexto, como culpa, cansaço, ansiedade e a dificuldade de colocar limites.

Como atividade central, realizamos a dinâmica “A Mala do Cuidador”, em que os participantes foram convidados a simbolizar os pesos que carregam, selecionando palavras e emojis representativos de suas emoções e “guardando-os” em uma mochila. Essa ação simbólica possibilitou um momento de alívio e identificação mútua, fortalecendo o senso de partilha coletiva e acolhimento. A vivência promoveu não apenas a expressão emocional, mas também o reconhecimento da necessidade de olhar para si, mesmo diante das exigências impostas pelo cuidado ao outro. 

Apesar dos desafios decorrentes da natureza de grupo aberto, também foi possível identificar oportunidades significativas ao longo dos encontros. Um dos aspectos mais marcantes foi a vivência da Humanidade Compartilhada, perceptível em todos os encontros. Os participantes puderam reconhecer, mesmo em meio a histórias de vida distintas, experiências emocionais semelhantes, o que favoreceu o fortalecimento do vínculo tanto entre eles quanto entre eles e nós, mediadoras do grupo.

Essa troca evidenciou o quanto aquelas narrativas nos atravessaram, ainda que não tivéssemos vivenciado situações semelhantes. Nesse sentido, percebemos que um dos maiores desafios não foi lidar com os improvisos exigidos por cada encontro, mas sim sustentar emocionalmente a escuta e o acolhimento diante de relatos tão tocantes. Ainda assim, o grupo de estágio se mostrou coeso e acolhedor, mantendo-se disponível para escutar com empatia e sensibilidade tudo o que era trazido à tona.

2° Encontro na Casa de Apoio Vera Lúcia no dia 01/04/2025

Terceiro encontro – a vida como um rio: mudanças e novos caminhos

No terceiro encontro, propusemos reflexões sobre a não linearidade da vida e a capacidade de adaptação diante das mudanças, utilizando a metáfora do rio como símbolo do fluxo contínuo da existência. Após o acolhimento inicial e a introdução do tema, realizamos uma roda de apresentação, na qual os participantes compartilharam seus nomes e relataram brevemente suas histórias de chegada à instituição.

A parte reflexiva do encontro contou com a leitura de uma narrativa simbólica sobre um rio que aprende a seguir seu curso mesmo diante de obstáculos, convidando o grupo a refletir sobre suas próprias trajetórias, curvas e pausas. Em seguida, realizamos a atividade “O Mapa do Meu Rio”, na qual os participantes desenharam, de forma simbólica, elementos marcantes de suas jornadas — como rochas (desafios enfrentados) e afluentes (pessoas significativas que contribuíram em seus caminhos). A partilha dos desenhos favoreceu a identificação entre os integrantes e possibilitou a ressignificação das experiências pessoais.

O principal desafio vivenciado neste encontro ocorreu durante a proposta de arteterapia, pois muitos participantes demonstraram insegurança em desenhar, alegando falta de habilidade artística. Para estimular o engajamento, nos envolvemos ativamente na atividade, desenhando junto ao grupo e compartilhando nossos próprios mapas simbólicos. Essa postura colaborativa contribuiu para o fortalecimento do vínculo e favoreceu a ampliação da noção de Humanidade Compartilhada, não apenas entre os participantes, mas também entre eles e nós, enquanto mediadoras do processo.

Outro aspecto que se evidenciou ao longo dos encontros foi a forte presença da religiosidade entre os participantes, que frequentemente recorriam à espiritualidade como recurso de enfrentamento diante da situação vivida. A fé apresentou-se como um elemento estruturante e de apoio psíquico, sendo constantemente mencionada como essencial nesse período de vulnerabilidade emocional.

Diante dessa realidade, alguns participantes solicitaram, espontaneamente, momentos de oração ao final das atividades. Considerando os limites éticos da nossa atuação como estagiárias de Psicologia, acolhemos essas demandas com sensibilidade e respeito, abrindo espaço para que os próprios membros do grupo conduzissem as orações, caso desejassem. Essa escolha respeitou a autonomia do grupo e reforçou o ambiente como um espaço legítimo de escuta, acolhimento e expressão de subjetividades.

3° Encontro na Casa de Apoio Vera Lúcia no dia 08/04/2025

Quarto encontro – o sentido oculto no cuidar: ressignificando a jornada

No quarto encontro, conduzimos a roda de conversa com o tema “O Sentido Oculto no Cuidar”, com o intuito de criar um espaço de escuta e ressignificação das vivências relacionadas ao ato de cuidar, a partir da perspectiva da logoterapia. Estruturamos o encontro em cinco momentos principais: acolhida, diálogo temático, técnicas reflexivas, vivência guiada e roda de feedback.

Iniciamos com o momento de rapport por meio da dinâmica “O que me sustenta”, onde cada participante respondeu à pergunta: “Quando o cuidado fica pesado, o que me ajuda a seguir em frente é…”. As respostas incluíram valores como amor, fé, família, propósito e até mesmo o silêncio. Esse momento permitiu a criação de um ambiente acolhedor e sensível, estabelecendo uma atmosfera de escuta genuína.

Em seguida, iniciamos o diálogo temático com as perguntas disparadoras: “O que faz seu cuidado valer a pena, mesmo nos dias difíceis?” e “Como você lida com a culpa ou o cansaço que surgem nessa jornada?”. As respostas emergiram de forma espontânea e afetiva, revelando relatos de exaustão, mas também de gratidão, resiliência e crescimento pessoal. Tornou-se evidente como o cuidado, embora muitas vezes extenuante, carrega também um sentido profundo que dá sustentação emocional aos participantes. Essa troca favoreceu o fortalecimento dos vínculos e promoveu a identificação entre os membros do grupo.

No momento das técnicas reflexivas, propusemos a atividade “Meu Símbolo de Força”, na qual cada participante foi convidado a desenhar algo que simbolizasse uma fonte de força em momentos difíceis. As produções incluíram representações como natureza, casa, fé, coração, entre outros. Durante a partilha, muitos relataram que esses símbolos já haviam os auxiliado em outras situações de dor. A atividade foi trabalhada sob a ótica logoterapêutica da liberdade de escolha, enfatizando que, mesmo diante do sofrimento, é possível escolher um referencial interno de apoio e sentido.

Na sequência, realizamos uma vivência de imaginação ativa com a figura do “compassivo imaginário”, convidando os participantes a visualizarem um lugar seguro e, dentro dele, a presença de uma figura acolhedora — que poderia ser uma pessoa, um animal, uma entidade simbólica ou até mesmo uma luz. A condução foi realizada em tom calmo e envolvente, e observamos expressões de relaxamento e entrega emocional. Ao final, incentivamos que essa imagem fosse mantida como um recurso interno acessível, fortalecendo o exercício da autocompaixão no cotidiano.

Encerramos o encontro com uma roda de feedback, em que cada participante foi convidado a expressar uma palavra ou gesto que representasse seu estado naquele momento. Termos como alívio, esperança, calma e força surgiram, sinalizando a potência afetiva da vivência. Reforçamos a mensagem de que, embora cada um esteja trilhando sua própria jornada, os desafios do cuidado nos aproximam enquanto seres humanos, e que encontrar sentido nas experiências pode transformar a dor em crescimento.

Durante a condução, enfrentamos um desafio importante relacionado à gestão da participação no grupo. Algumas pessoas se expressaram de forma excessiva, comprometendo o tempo e a participação equitativa dos demais. Tivemos dificuldade em intervir de maneira assertiva, buscando não sermos rudes ou invasivas. Essa situação nos gerou certa tensão interna, pois havia o desejo de garantir um espaço justo para todos, sem desvalorizar as falas de quem sentia necessidade de ser escutado. Essa experiência nos levou a refletir, posteriormente, em supervisão, sobre o papel da mediação e a importância de desenvolvermos estratégias para lidar com esse tipo de dinâmica de forma cuidadosa e ética.

Apesar dos desafios, a experiência foi profunda e significativa, permitindo que, por meio de recursos simbólicos e existenciais, os participantes se reconectassem com seus valores, encontrassem sustentação interna e saíssem do encontro com um novo olhar sobre sua caminhada.

4° Encontro na Casa de Apoio Vera Lúcia no dia 15/04/2025

Quinto encontro – cuidar de si também é cuidar do outro

O quinto e último encontro teve como foco o tema do autocuidado, buscando abrir um espaço de escuta, troca e reflexão sobre sua importância no cotidiano. Por se tratar de um grupo aberto, iniciamos com acolhimento aos novos participantes, reforçando combinados como a confidencialidade, o respeito mútuo e a escuta ativa, a fim de garantir um ambiente seguro e acolhedor.

A primeira dinâmica, “Presente de Autocuidado”, convidou os participantes a responderem: “Se você pudesse se presentear hoje com um autocuidado, qual seria?”. As respostas revelaram gestos simples e simbólicos. Em seguida, promovemos uma breve discussão sobre o que é autocuidado, abordando suas diferentes dimensões: alimentação, sono, atividade física, saúde pública (SUS) e prazer, representadas por membros da equipe com exemplos do cotidiano.

Na etapa seguinte, conduzimos uma conversa dialógica com as perguntas: “Qual área do autocuidado é mais difícil para você?” e “Como você lida com a culpa ou a falta de tempo para se cuidar?”. Os desafios mais citados foram sono, alimentação e prática de atividade física, revelando a complexidade de se cuidar em meio à rotina intensa.

Um dos momentos especiais do encontro foi o lanche coletivo, pensado para tornar o encerramento mais acolhedor. No início, os participantes se mostraram tímidos, mas, ao serem convidados individualmente, aceitaram com alegria, tornando o momento leve e afetivo.

Na parte prática, realizamos duas atividades: o “Mapa do Autocuidado”, onde os participantes marcaram o que já praticam e o que desejam incorporar em cinco áreas (comida, movimento, sono/descanso, saúde e prazer); e a “Receita de Autocuidado”, na qual cada pessoa compartilhou sugestões simbólicas de bem-estar, como tomar sol ou ouvir uma música relaxante, promovendo um compromisso coletivo com o cuidado de si.

Durante o encerramento, sentimos certa apreensão com o tempo, mas conseguimos finalizar com uma vivência breve de mindfulness, na qual cada pessoa escolheu uma atividade cotidiana para realizar com atenção plena. A roda de palavras finais trouxe sentimentos como leveza, motivação e gratidão, e reforçamos que o autocuidado não é luxo, mas uma forma de sustento emocional.

5° Encontro na Casa de Apoio Vera Lúcia no dia 22/04/2025

 

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Viktor Emil Frankl: uma biografia em busca de sentido

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Viktor Frankl nasceu em Viena (Áustria), no dia 26 de março de 1905, em berço judaico, sua família já contava com duas irmãs, seu pai era funcionário público, classe média alta, família vivia uma vida confortável até a chegada da Primeira Guerra Mundial, em 1914, que, assim como outras famílias judias mergulharam na pobreza e passaram depender de esmolas.

Aos 16 anos, enquanto fazia o ensino médio, em meados de 1920, Frankl se mostrava interessado nos estudos da Filosofia e Psicologia ministrou sua primeira palestra com o tema “O sentido da Vida” para o partido socialidade na Universidade Popular de Viena. Nessa mesma época, escreveu seu trabalho de conclusão de ensino médio, sobre a Psicologia do Pensamento Filosófico, publicado em 1923, nisso, começa a se corresponder com o famoso psicanalista Sigmund Freud que não só gosta muito do que lê, como o encoraja a continuar suas pesquisas e estudos.  

Em 1924, cursando o curso de medicina foi presidente do Partido Jovem Trabalhadores Comunistas, onde era membro ainda no ensino médio. Por seu envolvimento político, optou em ficar na Áustria mesmo com a invasão alemã na Segunda Guerra. Aos 19 (dezenove) anos, como estudante de medicina começa a estudar sobre casos de depressão e suicídio, com isso, publica seu primeiro artigo científico na revista International Journal of Individual Psychology. 

Fonte: encurtador.com.br/dopxF

Durante o seu egresso na Medicina desenvolvia lado a lado projetos como a prevenção ao suicídio para jovens estudantes e sempre ligando a filosofia e a psicologia, relacionando-os a vida e seus valores. Em 1926, em um congresso, fala pela primeira vez sobre Logoterapia, que segundo Frankl, seria a terapia focada em buscar o sentido da vida. Em seu livro “Em busca de Sentido” diz que: a logoterapia se concentra mais no futuro, ou seja, nos sentidos a serem realizados pelo paciente em seu futuro. (A logoterapia é, de fato, uma psicoterapia centrada no sentido.) Ao mesmo tempo a logoterapia tira do foco de atenção todas aquelas formações tipo círculo vicioso e mecanismos retro-alimentadores que desempenham papel tão importante na criação de neuroses. Assim é quebrado o autocentrismo (self center edness) típico do neurótico, ao invés de se fomentá-lo e reforçá-lo constantemente. Obviamente esta formulação simplifica demais as coisas; mesmo assim a logoterapia de fato confronta o paciente com o sentido de sua vida e o reorienta para o mesmo. E torná-lo consciente desse sentido pode contribuir em muito para a sua capacidade de superar a neurose (FRANKL, 1985, p. 68).

Para Viktor Frankl, o homem fica de forma centralizada, podendo ser interpretado como o resultado de um conjunto entre o corpóreo, o psíquico e o espiritual, tendo como impulso primário aquilo que chamou de “vontade de sentido”, ou seja, uma disposição a descobrir o sentido da vida, podendo ser encontrado em diversos campos como: a finalização de um trabalho/obra, no amor a si mesmo ou ao outro, na fé, enfim, sentidos diversos e singulares.

Sobre a Vontade de Sentindo, Frankl diz: a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, e não uma “racionalização secundária” de impulsos instintivos. Esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprido somente por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará sua própria vontade de sentido. Alguns autores sustentam que sentidos e valores são “nada mais que mecanismos de defesa, formações reativas e sublimações”. Mas, pelo que toca a mim, eu não estaria disposto a viver em função dos meus “mecanismos de defesa”. Nem tampouco estaria pronto a morrer simplesmente por amor às minhas “formações reativas”. O que acontece, porém, é que o ser humano é capaz de viver e até de morrer por seus ideais e valores! (FRANKL,1985, p. 69).

Fonte: encurtador.com.br/cfFY8

Viktor Frankl fala sobre a Frustração Existencial: a vontade de sentido também pode ser frustrada; neste caso a logoterapia fala de “frustração existencial”. O termo “existencial” pode ser usado de três maneiras: referindo-se (1) à existência em si mesma, isto é, ao modo especificamente humano de ser; (2) ao sentido da existência; (3) à busca por um sentido concreto na existência pessoal, ou seja, à vontade de sentido (FRANKL,1985, p. 70).

O sentido da vida é algo a ser descoberto por cada indivíduo com impulsos primários ao longo da sua jornada, buscando encontrar respostas a suas vivencias diárias e colocando significados norteadores profundos. A Logoteria tem como tarefa ou objetivo principal ajudar o paciente a encontrar sentido em sua vida.

Em 1930, Viktor Frankl começou a ser conhecido e reconhecido em toda Europa como um homem à frente do seu tempo com 25 anos, no corrente ano, resolve fazer residência em neurologia e psiquiatria, nisso, assume uma ala conhecida por pavilhão do suicídio num hospital psiquiátrico em Viena (entre 1933 e 1937), ajudando a prevenir casos de suicídio feminino.

Em 1938, atendia em seu consultório de neurologia e psiquiatria era reconhecido como o criador do novo método de tratamento terapêutico, baseado em preencher o vazio existencial, mas teve que fechar depois do exército nazista anexar a Áustria. Nessa época, tornou-se chefe do Vienna’s Rothschild Hospital e Salva milhares de judeus da morte recusando-se a recomendar eutanásia aos pacientes com doenças mentais.

Fonte: encurtador.com.br/egKU2

Tilly Grosser, recém esposa de Viktor Frankl é obrigada a abortar o seu primeiro filho pelas tropas nazistas. Em 1942, seus pais, irmãs, esposa e ele próprio são encaminhados aos campos de concentração Theresienstadt e Auschwitz. Morrem: o pai e a esposa de exaustão, a mãe enviada à câmara de gás. A irmã sobrevive e foi refugiada na Itália.

Em 1945, acaba a Segunda Guerra e Viktor é libertado após três anos de trabalho forçado e condições sub-humanas. No mesmo ano, retornou para Viena e se tornou o chefe do departamento de Neurologia da General Polyclinic Hospital, escreveu suas ideias no livro “Em Busca de Sentido” em nove dias e lança em 1946. Casou-se novamente, teve uma filha, obteve o título de doutor em filosofia, tornou-se professor na Universidade de Viena (na qual permaneceu até 1990) e em outras universidades americanas, fundou e presidiu a Sociedade Austríaca de Medicina Psicoterapêutica.

Em 1992 foi fundado um instituto em Viena que carrega o seu nome (The Viktor Frankl Institute), considerada a terceira escola vienense, depois de Sigmund Freud e Alfred Adler e recebeu mais de 25 títulos honorários pelas suas ideias inovadoras e legado eterno transmitido em suas obras: Um sentido para a vida: Psicoterapia e humanismo, A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia, entre outros.

Em 02 de setembro de 1997, faleceu aos 92 anos, sendo vítima de colapso cardíaco.

REFERÊNCIAS

AQUINO, T. A. V. Viktor Frankl: Para Além de suas memórias. Rev. abordagem gestalt. [online]. 2020, vol.26, n.2, pp. 232-240. ISSN 1809-6867. Disponível em: http://dx.doi.org/10.18065/2020v26n2.10. Acesso em: 22 de abril de 2021.

FRANKL. V. E. Em Busca de Sentido. Edição Norte Americana – de 1985. Disponível em: < https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/58/o/Em_Busca_de_Sentido_-_Viktor_Frankl.pdf>  Acesso em: 20 de abril de 2021.

OLIVEIRA, K. G. O sentido da vida, a religiosidade e os valores na cultura surda. (Dissertação de Mestrado). João Pessoa-PB, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/tede/4239/1/arquivototal.pdf Acesso em: 23 de abril de 2021.

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Quando uma mulher fala, é melhor ouvir

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A convite da idealizadora da série “A mulher não existe! O que significa ser mulher no Brasil na Pandemia?”, Carolina Vieira de Paula (acadêmica de Psicologia do Ceulp/Ulbra e estagiária do Portal (En)Cena), sinto uma urgência. Uma exclamação onde deveria haver um ponto me convoca a escrever sobre esse tema que tenho um verdadeiro apreço. Foi justamente esse sinal que me deu o tom de intensidade, de afeto e de ânimo para tentar me aproximar, através da escrita, do modo de sofrer singular da mulher brasileira na pandemia. Seguindo esse famoso aforisma lacaniano e, não sem o ponto de exclamação, vemos que algo excede às palavras desde o título dessa série tão importante que visa dar voz e fazer falar o sofrimento singular de cada uma.

O aforisma é conhecido, a novidade que se faz presente aqui é o ponto de exclamação que o excede, transborda e consegue dizer mais do que as palavras postas no título. De um ponto de exclamação que dá o tom de intensidade e de surpresa, ao ponto de exclamação com um tom imperativo, temos no meio disso até uma junção de um ?!, que pode expressar dúvida e surpresa, sem deixar de lado a intensidade. A intensidade que está presente na exclamação, é o que excede, é o que carrega de sentido sem muito dizer ou explicar.

A intensidade se aproxima do gozo (opaco e feminino) justo por exceder ao significante que tenta dar conta de pôr em palavras qualquer experiência ou afeto no mundo dos humanos. O tom carregado de intensidade também se faz presente nas palavras de tom imperativo, que nós da psicanalise costumamos chamá-las de superegóicas [1], como por exemplo uma noção de sofrer que está mais ou menos presente em grande parte das falas das mulheres entrevistadas nessa série, algo como “devo ser boa em todos os papéis, sem demonstrar fraqueza ou falha”. De surpresa à uma ordem de ferro imperativa, a intensidade deixa de ser aberta para o inesperado para tornar-se uma ordem, motivo de um sofrer excessivo para o sujeito submetido a ela. Será que suportar tudo, sem falhas, é o único lugar que resta para a mulher?

Fonte: encurtador.com.br/ryQ04

O título dessa série expressa o que Freud e, posteriormente Lacan, tentaram localizar de sofrimento específico e de singular no feminino, em cada mulher. Freud chamou de “enigma” para aquilo que ele não conseguia dizer sobre o feminino. Já Lacan criou o aforisma “A mulher não existe”, para tentar dizer do caráter impossível de generalizar e de definir o que é A mulher, no sentido de que é impossível definir um conjunto, um grupo ou um plural de mulheres. Vejo que ambos apostaram na ausência de uma definição universal, o que me faz pensar em um lugar vazio de definição. Dizer que A mulher não existe ao mesmo tempo em que aponta para a inexistência de uma definição universal da mulher, transmite a noção de que a mulher existe, cada uma, de forma singular.

Essa aposta de um lugar vazio contrasta com uma série de impropérios ditos sobre a natureza da mulher no decorrer da história da humanidade. Se fizermos uma pesquisa rápida não faltarão exemplos disso, como no livro Gênesis quando Deus afirma que a mulher induziu o homem a comer o fruto proibido e lança uma punição, dizendo: “Multiplicarei grandemente a tua dor e a tua conceição; com dor terás filhos; e o teu desejo será para o teu marido, e ele te dominará”. Para acrescentar, podemos revisar os ditos de alguns filósofos, como por exemplo Voltaire (sec. XVIII): “Uma mulher amavelmente estúpida é uma bendição do céu”; e também Hegel (sec. XIX): “A mulher pode, naturalmente, receber educação, porém, sua mente não é adequada às ciências mais elevadas, à filosofia e a algumas artes”.

A investigação clínica do sofrer feminino foi a forma de entrada da psicanálise e, desde então, essa práxis se reinventa de acordo com as mudanças da sociedade. De Freud a Lacan e, hoje com os psicanalistas de nossa época, o percurso que se faz no tratamento clinico é sempre uma aposta de conseguir dizer sobre o sofrimento de uma forma singular, de qualquer ser falante, independentemente de sua identidade de gênero. É que a psicanálise vai além da identidade, seja ela qual for. No fim de sua obra, Lacan consegue inclusive formalizar esse ponto ao dizer que o gozo feminino é o gozo como tal e o nomeia de gozo opaco em que todo sujeito, independente de seu genital, possui um gozo (ou modo de sofrer) da ordem do indizível. Isso significa dizer que toda tentativa de apreender uma experiencia através de um conceito tem o efeito de se perder sempre uma parcela da experiencia. O conceito nunca consegue definir totalmente uma experiência, e isso é o mesmo que pensar que toda palavra não consegue dizer de forma exata como um sujeito sofre ou que o significante não consegue dar conta do gozo por completo. Portando, o gozo feminino ou gozo opaco na psicanálise é um modo ser e/ou sofrer específico, sem palavras que o definam e que atravessa qualquer ser de linguagem independente de sua identidade sexual.

Fonte: encurtador.com.br/egjoV

A realidade que a situação atual nos impõe é de uma solidão forçada com um adicional de sofrimento, causado pela ausência de uma solução coletiva por parte de nossos governantes para enfrentar a Pandemia da Covid 19 e, por isso, o Brasil hoje ocupa o segundo lugar no ranking de número de mortes e de casos confirmados no mundo (OMS). Com nossa curva ascendente e sem uma proposta de enfrentamento a Covid 19, a questão levantada nessa série sobre o sofrer da mulher na pandemia tem uma importância ímpar, e a exclamação de A mulher não existe! comporta um grito e uma urgência em fazer-se ouvir.

Dar voz ao que não tem ou ao que insiste em calar-se, é uma aposta em fazer existir um sofrimento em palavras para fazer parte do mundo simbólico do qual está excluído. Fazer um esforço da escrita que consiga questionar e delimitar certo modo de sofrer específico de cada mulher brasileira durante a pandemia é uma aposta valiosa, afinal estamos investigando o modo de sofrimento intenso de cada uma: um sofrimento que aparece nas relações que a mulher estabelece com o mundo. O que é isso que faz a mulher suportar mais coisas? A força da mulher extrapola limites. O que excede os limites é àquilo que chamamos de gozo, pois é isso que extrapola os limites da linguagem. Por um lado, temos a coragem, que é uma característica típica de sujeitos que “não tem o que perder”, por outro lado isso pode apontar para o excesso: manter relações de sofrimento, manter relações excessivas de trabalho e o resultado disso é um mal-estar constante.

Me parece que a preocupação com a excelência vem da tentativa de reconhecimento por parte do outro, o que não é comum acontecer. Na tentativa a qualquer preço de não se haver com a própria solidão e com o próprio sofrimento, a mulher faz uma aposta pela via da parceria, por pior que ela seja. Há que saber perder, há que conseguir perder, mas perder o que? Talvez a fantasia de que a solidão possa ser resolvida com alguém.

@aloisam_ https://www.instagram.com/p/CMhhG05MqPE/?igshid=1kbxw749v859s

A artista Laís Freitas, em um post que fez na sua conta do Instagram (@aloisam_), consegue transmitir algo da solidão, tanto na pintura quanto na escritura, de uma maneira singular. Ela escreve: “Dia 31/jul/2020, pintei-me aos prantos em forma de preocupação e angústia de ver um coração que no futuro seria livre. Tentei me esconder em espadas de São Jorge e faces que não a minha, disfarçando o que eu sentia, para tentar consertar as coisas, com medo da minha previsão estar certa. Por estar acostumada a aguentar a fome e o excesso, me culpei por optar seguir sozinha pelo meu bem. Falei que o coração estava livre de você e que “ninguém pode pegar o que é seu”. Menti. Idealizando mais uma vez o sofrimento, vivendo uma ilusão que agora que encontrei um conforto em “cristalizou em mim a solidão” se desvinculou de mim.” A saída que cada uma encontra para lidar com a própria solidão é única e aqui estamos em um terreno que não cabe qualquer ensinamento.

Nota:
[1] “Qual é a essência do supereu? […] Qual é a precisão do supereu? Ele se origina precisamente nesse Pai original mais do que místico, nesse apelo como tal ao gozo puro, isto é, à não castração. Com efeito, que diz esse pai no declínio do Édipo? Ele diz o que o supereu diz. […] O que o supereu diz é: Goza!”. E acrescenta: “ É essa a ordem, a ordem impossível de satisfazer, e que está, como tal, na origem de tudo o que se elabora sob o termo “consciência moral”, por mais paradoxal que isso possa parecer” (Lacan, [1971] 2009. p. 166).

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Música do Silêncio: afetividade musical

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Segundo Erich Fromm, tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida. Esta ideia, também, constitui a linha central da obra de Viktor Frankl.

“O amor é a maravilhosa sinfonia de cada batida do coração.”

“Música do Silêncio” (2018), dirigido por Michael Radford, é um filme baseado na vida extraordinária do renomado cantor de música clássica e tenor Andrea Bocelli. Vindo de uma família muito afetiva da região italiana da Toscana, nasceu com glaucoma, que o deixou parcialmente cego. Posteriormente, levou uma bolada no rosto, que fez com que perdesse a visão por completo, durante uma partida de futebol.

 O filme retrata a infância de Bocelli, que sempre sentiu afinidade musical. É difícil pensar em um mundo sem a música, pois ela está sempre presente reforçando os nossos sentimentos. Bocelli fez da música sua única razão de viver e, segundo Erich Fromm (2000), as necessidades humanas são as que ajudam as pessoas a encontrarem respostas à sua existência e significam o desejo da integração com o mundo natural, compreendendo o modo que este se encaixa nele. Quando estava no hospital, Bocelli não conseguia lidar com o fato de que não enxergaria o mundo como a maioria das pessoas e sentiu-se frustrado, chegando a ter episódios de agressividade. Sua mãe, sem saber o que fazer, tentou manter-se carinhosa e determinada para ajudar o filho a se acalmar – a efetividade é, em todas as intervenções, poderosamente influenciada pela postura do paciente. Não mais tardando, a calmaria veio através do som musical do paciente do quarto ao lado.

As experiências e a percepção do mundo que nos rodeia seriam completamente impossíveis se nós não conseguíssemos recordar o que vemos, o que sentimos e de maneira geral, o que percebemos. Nascemos não apenas com a possibilidade de receber estímulos reforçadores do contexto social e do meio, mas também com a capacidade de aprender a usar as experiências vividas para melhorar os futuros repertórios comportamentais.

Segundo Erich Fromm (2000), tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida. Esta ideia, também, constitui a linha central da obra de Viktor Frankl. Bocelli não conseguia captar as sensações do mundo através da visão, logo, a sua percepção dependeria de outros estímulos e de seus quatro sentidos restantes: auditiva, tátil, olfativa e gustativa.

A sensação e a percepção possibilitam a existência dos demais sentidos, sendo possível criptografar pertinentes aspectos da energia química e física que nos envolve. A percepção refere-se ao modo como cada pessoa organiza e interpreta as suas sensações em relação ao seu contexto social, sendo um processo neurológico de transformação de estímulos simplesmente sensoriais em situações perspectivos conscientes. A sensação é um acontecimento que ocorre por consequência dos estímulos biológicos, físicos e químicos, ocasionado de fora para dentro do organismo, promovendo alterações nos órgãos receptores.

Fonte: encurtador.com.br/cjADZ

No filme, Borcelli compartilhar experiências e vivências e nos permite entrar um pouco no mundo dos deficientes visuais e as dificuldades dos cegos em um mundo de maioria não cegos. Mostra a interação social e o contexto familiar como reforçadores a qualquer diversidade. O filme nos instiga a pensar a respeito das diferenças existentes e no qual é importante aprendemos a respeitar e entender cada pessoa, com suas características e necessidades únicas e respeitar o ser humano dentro da sua subjetividade.  Em suma, o filme mostra que Bocelli aprendeu novos repertórios comportamentais diante dos problemas que lhe foram impostos no decorrer de sua vida, adaptando-se ao ambiente, superando as adversidades e desenvolvendo-se, uma vez que a deficiência visual poderia ser um limitador de comportamento.

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, V., M.; SANTOS, F.  H. ; BUENO, O. F. A. Neuropsicologia hoje. São Paulo: Artes Médicas, 2004. 454 p., il.

CATANIA, A. C. Aprendizagem: Comportamento, Linguagem E Cognição. Porto Alegre: Artmed, 1999.

FROMM, Erich. A arte de amar.Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

MOREIRA, M. B.; Medeiros, C.A. de. Princípios básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: ArtMed, 2007.

FICHA TÉCNICA DO FILME

Diretor: Michael Radford
Elenco:Toby Sebastian, Antonio Banderas, Jordi Mollà
Gênero: Biografia, Musical
País: Itália
Ano: 2018

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O Regresso: a longa jornada em busca de vingança

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Lançado em 2015, The Revenant (no original) é um filme de drama / thriller parcialmente baseado no livro de Michael Punke que conta a história real de Hugh Glass, sendo escrito e dirigido por Alejandro González Iñárritu (indicado ao Oscar por Birdman ou A Inesperada Virtude da Ignorância) e com a colaboração de Mark L. Smith (Temos Vagas). O longa recebeu vários prêmios e indicações como o Oscar de melhor ator para Leonardo DiCaprio, Oscar de Melhor Fotografia, Oscar de Melhor Diretor, Prêmio Globo de Ouro: Melhor Filme Dramático, entre outros prêmios.

O filme se passa durante o século XIX no período conhecido como “Marcha para o Oeste’’. Durante esse tempo, os americanos eram incentivados através da Lei de Terras ou Lei do Homestead de 1862, a migrarem em direção ao “far West” até então desconhecido que gerava várias fantasias (como o cowboy, o sheriff, os conflitos com os indígenas, bandidos e sequestradores, as linhas férreas e entre outros) e questionamentos por parte dos cidadãos da época.

Ao longo do filme, os espectadores são apresentados à Hugh Glass (Leonardo DiCaprio, de  O Lobo de Wall Street) um homem simples que aparenta  ter um bom relacionamento com os índios Pawnee sendo casado com uma índia com quem tem um filho chamado Hawk ( Forrest Goodluck, em seu primeiro longa). Após a morte da esposa, Glass e o filho trabalham como guias ao longo do território dos Arikaras no Rio Missouri  para a “ Companhia de Peles Montanhas Rochosas ’’ . No entanto , após uma caçada bem sucedida a equipe dirigida pelo capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson, de Ex-Machina: Instinto Artificial) sofre um ataque dos índios Arikaras em uma das cenas que apresenta maior ação durante o filme , além de ser o primeiro contato do público com os outros personagens.

Fonte: https://bit.ly/2WEFBSY

Após o incidente, o grupo foge pelo rio e contra a vontade de John  Fitzgerald (Tom Hardy , de Mad Max : Estrada da Fúria) abandonam o barco deixando escondido em algumas pedras as peles que conseguiram levar . Depois de algum tempo , Hugh se ausenta do acampamento para caçar, até que é surpreendido pelo ataque de uma ursa que estava com os dois filhotes ,protagonizando uma das cenas mais realistas e fortes da obra ( neste momento a câmera se posiciona próxima ao rosto de DiCaprio para dar a sensação ao espectador de estar “ dentro do filme”).

Logo após o ocorrido Glass é socorrido por Jim Bridger (Will Poulter , de Maze Runner : Correr ou Morrer ) e os outros ficando gravemente ferido . Dessa forma ,o capitão Henry oferece uma recompensa de US$ 100,00  para aqueles que cuidassem de Hugh e o levassem para o forte ou dar a ele um enterro digno. Bridger, Hawk e Fitzgerald ( que só aceita o tratado após a desistência da recompensa pelos outros ) decidem  ficar  para cuidar do ferido , no entanto John demonstra ser  cruel  ao assassinar Hawk na frente de Glass , que estava impossibilitado de se movimentar e falar , deixando-o a própria sorte após enganar Jim afirmando que os Arikaras se aproximavam.

É nesta parte que o público pode compreender as motivações que fazem Hugh Glass se levantar e iniciar uma longa jornada em busca de vingança pela morte do filho e do próprio abandono no estado em que se encontrava. Ele acaba enfrentando dificuldades relacionadas aos ferimentos e à Natureza, que ganha um grande destaque com belas imagens feitas sem recursos artificiais para a iluminação através das lentes do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki (Gravidade e Birdman) combinado com a bela e suave trilha sonora de Ryuichi Sakamoto (vencedor do Oscar com o longa O último imperador ) que se faz presente nos momentos certos , além da edição feita por Stephen Mirrione (Traffic) que consegue unir as personagens e a natureza sem se tornar algo muito artificial.

Enquanto Glass tenta se recuperar , Fitzgerald e Bridger percorrem o caminho até o forte (com o segundo apresentando vários remorsos ao longo do trajeto , incluindo conflitos com John) durante esse percurso o público consegue perceber que John Fitzgerald não é um “ vilão’’ comum , ele é apresentado como um homem com problemas, medos e receios tornando-se em algumas partes um indivíduo mais complexo do que o protagonista , já que seus objetivos não possuem tanta “clareza” como os de Glass ou outros personagens como o capitão Andrew Henry.

Fonte: https://bit.ly/2COjRMW

Outros personagens que apresentam um lado complexo no filme, são os indígenas que mostram os desafios e os conflitos que eles passam ao longo do enredo. Relações com a natureza e com os exploradores são frequentemente abordadas  como a busca de um chefe por sua filha, os vários vilarejos destruídos por guardas do governo ( inclusive é dessa maneira que a esposa de Glass é assassinada, ela e seu povo sofrem ataques dos guardas, sobrevivendo apenas Hugh e o filho ), há também uma cena onde uma mulher indígena é violentada por um explorador, porém o protagonista consegue ajuda-la enquanto foge com os cavalos deixando cair o cantil que mais tarde será de grande importância para o enredo .

Após a chegada de um explorador francês no forte, que pedia por socorro e comida, o grupo do capitão Henry faz uma descoberta decisiva encontrando o cantil de Glass junto ao francês indicando que ele estaria vivo, já que ele havia sido enterrado com o objeto em uma localidade distante do forte. É durante esse momento que, Fitzgerald foge assaltando o cofre de Andrew enquanto o grupo inicia uma expedição para encontrar o protagonista. Logo depois do relato sobre sua jornada, Hugh e henry se preparam para perseguir John e realizar suas vinganças, entretanto o capitão encontra o antagonista primeiro restando apenas um embate final entre Hugh Glass e John Fitzgerald.

O longa recebeu várias críticas positivas ressaltando a beleza dos cenários, que tiveram como locações para  as filmagens  o Canadá e a Argentina, a trilha sonora que mesmo nos momentos de maior tensão apresenta uma melodia calma e tranquila , o processo de maquiagem que recebeu vários elogios da crítica especializada e do público, além das performances dos atores recebendo destaque para Leonardo DiCaprio , pois na maior parte do tempo Glass devido o acidente não consegue falar ou se movimentar , sendo de grande importância os gestos e feições para a compreensão do estado de Hugh. Outro que merece destaque, é Tom Hardy que não apresenta “apenas um vilão” , mas um homem complexo cercado de medos , receios e desconfianças . A direção também apresenta  seus créditos,  se em Birdman  Iñárritu mostra uma jornada de sucesso que termina no esquecimento de um artista , em O Regresso ele conta uma história de superação, luta pela sobrevivência e desejo de vingança marcado por muito realismo.

Fonte: https://bit.ly/2htHfnQ

Entretanto, nem tudo é perfeito e o longa apresenta alguns detalhes que incomodaram tanto o público quanto a crítica, como o enredo ser considerado “simples de mais ’’, falta de desenvolvimento  de alguns personagens (como a relação de Glass e seu filho Hawk que muitos acreditaram ser “muito superficial’’), além de ser considerado cansativo (2h 36m) e perder o ritmo durante algumas partes do filme. O Regresso é sem dúvidas um belo filme a partir da visão estética possuindo belíssimas locações, grandes interpretações, excelente mistura entre direção e produção e embora possua seus pequenos defeitos é um bom filme para se assistir e apreciar os lindos cenários e a fotografia.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Fonte: https://bit.ly/2htHfnQ

O REGRESSO

Título Original: The Revenant
Direção: Alejandro González Iñárritu
Elenco: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Will Poulter, Forrest Goodluck;
Ano: 2015
País: EUA
Drama

REFERÊNCIAS:

https://www.planocritico.com/critica-o-regresso/

https://observatoriodocinema.bol.uol.com.br/criticas/2016/02/critica-o-regresso

www.adorocinema.com/filmes/filme-182266/criticas-adorocinema/

https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historia-america/marcha-para-oeste-nos-eua.htm

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Um senhor estagiário e o sentido do trabalho contemporâneo

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Algo que é observado em relação ao trabalho são as várias mudanças e o avanço das tecnologias, e o homem passa a ser transformado pelo processo desencadeado pelo trabalho, acarretando dificuldades em dar sentido a sua vida se não estiver em atividades laborais. Segundo Hannah Arendt (2004) “cada vez mais temos uma alma operária”.

Em uma sociedade capitalista que faz constante referência ao consumismo, o trabalho poderá tornar-se uma atividade com sentido. Pois a capitalização e a globalização da economia têm promovido enormes transformações no mundo do trabalho, surgindo novas formas de organização e fazendo com que o mesmo venha representar um valor importante para a sociedade contemporânea.

Fonte: http://zip.net/bftK1B

O filme “Um senhor estagiário” relata a vida de uma jovem chamada Jules Ostin, criadora de um bem sucedido site de vendas de roupas, que em pouco tempo de funcionamento já estava com 200 colaboradores na equipe. Ela leva uma vida muito atarefada, pois além das exigências do cargo e sua sobrecarga, ela é esposa e mãe, tendo que se desdobrar para conseguir estar presente em casa.

Sua empresa inicia um projeto de contratar idosos, em uma tentativa de coloca-los de volta ao mercado de trabalho; aqui entra em cena o personagem Ben, viúvo aposentado, que aos 70 anos se viu em uma vida monótona e tentava preencher seu vazio em várias outras formas e atividades de lazer, mas nenhuma com êxito, foi então que decidiu buscar uma vaga de estagiário que estava sendo oferecida, vendo ali a oportunidade de se reinventar, de voltar ao mercado de trabalho. Apesar das dificuldades encontradas com o uso das tecnologias, Ben precisava gravar um vídeo, e o seu ajudante nessa tarefa foi seu neto de nove anos de idade. Passou por várias entrevistas, até ser contratado pela empresa de Jules.

Ben era um homem que já possuía uma bagagem de conhecimento, tanto na área organizacional, como pessoal, sempre observava as demandas que surgiam na empresa, e buscava promover um equilíbrio entre os setores, e na jornada individual de cada um. O interessante é a harmonia gerada entre o conflito de gerações, e a experiência e o bom senso de Ben, que acaba sendo o personagem principal nesse enredo, mostrando o valor da amizade e do comprometimento com o trabalho.

Este trabalho tem como objetivo discorrer sobre o filme citado a cima, correlacionando-o com o sentido do trabalho na contemporaneidade.

Fazendo uma relação sobre o sentido do trabalho para Ben, pode-se observar que era visto como uma extensão da sua identidade, pois tentou de várias formas preencher a si mesmo com outras modalidades de atividades, mas não conseguia alcançar êxito naquilo que fazia. Portanto, esse sentido faz parte do ritmo aprendido no decorrer da sua vida e sua carreira profissional.

Para manter-se ativo, Ben procura a vaga para estagiário, mesmo com dificuldades com o uso de equipamentos tecnológicos, consegue se superar. E é essa angústia que tira o homem do cotidiano, comodismo e o redireciona ao encontro de si. A partir do momento em que ele entra na empresa e é contratado, é como se estivesse retomando a sua identidade que ele havia perdido devido a sua aposentadoria, podendo ser identificado na cena do filme onde ele coloca vários relógios para despertar, e o prazer que sente ao arrumar sua roupa de trabalho.

Fonte: http://zip.net/bptLGj

Por mais que ele enfrentasse o choque de gerações, ele acaba por conquistar os seus colegas de trabalho e se aproxima aos poucos de Jules, promovendo um equilíbrio na empresa. Mesmo enfrentando preconceito no início, não deixou de ser ele mesmo para se manter no local de trabalho.

Segundo Albornoz (2004) “o trabalho está na base de toda sociedade, estabelecendo as formas de relação entre indivíduos, entre as classes sociais, criando relações de poder e propriedade, determinando o ritmo cotidiano”. O trabalho é parte integrante do sujeito.

A palavra trabalho tem suas nuances em várias línguas e culturas, e também no cotidiano possui muito significado, como atividade em serviço, mas também podendo significar dificuldade e incômodo. Em nossa língua, a palavra trabalho vem do latim (tripalium) que era um instrumento feito de três paus aguçados, utilizados pelos agricultores no trato dos cereais. O que na maioria dos dicionários registra como instrumento de tortura.

Para Albornoz (2004) a forma de trabalho passa por três grandes estágios, o primeiro onde o homem complementa o trabalho da natureza, isto é, vive da colheita das frutas e da caça de animais e pesca. O segundo, o homem confirma ser sentido através do trabalho artesanal e agrícola, e por último a revolução industrial que surgiu com aplicação da ciência à produção através da expansão capitalista.

Hoje temos um modelo de trabalho completamente diversificado, no filme percebemos que é uma empresa totalmente do século XXI, que se utiliza da tecnologia a seu favor.

Podemos elencar alguns fatores apresentados no filme para o bem estar da empresa e dos colaboradores:

– A liderança de Jules que é a CEO (Chief Executive Officer), que em português significa Diretor Executivo da empresa, trata todos os colaboradores com respeito, os elogia, não tem medo de se redimir e buscar ser o exemplo para toda a equipe. Essa é a verdadeira comunicação interna, que retém e motiva funcionários;

– A comunicação da empresa de Jules é na horizontal, modelo mais aceito pelas equipes na atualidade, porém, são poucos gestores que conseguem lidar com esse modelo, aderindo a um modelo mais “tradicional” que a comunicação na vertical, que é aquela “eu mando e você obedece”. Maximiano (2000, p.284) nos traz que “muitas das vezes, a comunicação para baixo procura manter as pessoas informadas para que possam trabalhar direito” e tem a comunicação ascendente que é quando:

“Os subordinados dão informações sobre o andamento e problemas do trabalho aos superiores, de modo que estes possam decidir o que fazer. Mas a informação necessária é com frequência censurada ou não é transmitida, e às vezes com resultados desastrosos” (HAMPTON, 1992, p. 434).

Fonte: http://zip.net/bbtKVB

Porém corre o risco de haver uma filtragem providencial destas informações, com intuito de encobrir ou atenuar conflitos e problemas que precisam de resolução. Jules se utiliza da comunicação horizontal, pois a mesma está envolvida em todo o processo da empresa e dando voz a todos da organização. Pois todos trabalham no mesmo andar, ninguém tem seu próprio escritório, nem mesmo a CEO, e o mais importante e relevante para a empresa é o trabalho em equipe e a comunicação;

– Assertividade no processo organizacional é importante, pois ele visa muito a saúde da equipe sem trazer prejuízos para a empresa e Jules mostra que mesmo sendo a fundadora e CEO da empresa, ela participa ativa e efetivamente nos processos da organização, entendendo como tudo acontece na prática. E ela faz isso para vivenciar a experiência de aproximação real com o público, de falar pessoalmente com ele e ver os detalhes que podem ser trabalhados. Em um dos momentos do filme ela vai pessoalmente explicar como deve ser feita a embalagem adequada do produto. Ela organiza e fecha o pacote se preocupando com a experiência de compra do cliente. Outro ponto fundamental que é assertiva nos processos seletivos da empresa, sabendo identificar pessoas empáticas da equipe existente, para que a proatividade dos colaboradores não seja afetada;

– Proatividade, é o momento que Ben entra em cena e mesmo com suas dificuldades nos início não desiste e resolve dar uma viravolta quando ele fala “vamos fazer acontecer” e assim ele faz toda a diferença da empresa;

– Empatia, é diferente de ser simpático! É um sentimento além, é quando a pessoa se coloca no lugar do outro, ou seja, é uma compreensão, é saber respeitar e entender os sentimentos do próximo. O filme não trouxe jovens “bobos” que não sabem conversar pessoalmente. Trouxe uma nova geração da qual fazemos parte e temos orgulho de fazer parte dela. São pessoas antenadas, inteligentes e conectadas, que sabem colocar-se no lugar do outros e os ajudam em suas limitações. Vivem bem em meio a diversidade, respeitam os demais e são totalmente empáticos, por saberem se colocar no lugar do outro.

Conclui-se que o mercado de trabalho está cheio de desafios, a tecnologia tem proporcionado uma série de oportunidades de novos empreendimentos, porém é necessário vários fatores para que possa fazer a diferença entre os demais. E inovação, criatividade, comunicação, forma de liderança, proatividade, decisões assertivas, ambiente e condições de trabalho proporcionando qualidade de vida, enfim uma gama de critérios a serem realizados para obter um bom desenvolvimento quando o assunto é trabalho.

Fonte: http://zip.net/bptLGk

É importante destacar que não tem como definir o trabalho mais importante, pois depende do sentido que o indivíduo atribui ao trabalho, podemos relacionar alguns fatores importantes para o indivíduo no que diz respeito ao sentido para ele. Deve haver algo que motiva o sujeito para realização de determinada atividade, como também a satisfação, o sujeito deve estar satisfeito com o que faz.

Para Ben, o sentido do trabalho estava em ser útil para as outras pessoas, ou seja, a aposentadoria, a morte da sua esposa, trouxe um vazio no qual ele estava incomodado, então quando surgiu a proposta de estagiário Señior, ele foi em busca de um sentido para vida. Cabe ainda destacar o quanto Bem se tornou mais alegre e motivado, atribui a isso o fato de está no mercado de trabalho desenvolvendo o que aprendeu ao longo da vida, assim trazendo um sentido para viver.

REFERÊNCIAS:

ARENDT, H. A condição Humana. 10. Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

HAMPTON, D. R. Administração contemporânea. 3. ed. São Paulo: Makron Books do Brasil, 1992. 590 p.

MAXIMIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria geral da administração: da escola científica à competitividade na economia globalizada. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

VIEIRA, Diego Padoan. O que significa empatia e apatia. 2013. Disponível em: http://www.administradores.com.br/artigos/cotidiano/o-que-significa-empatia-e-apatia/73356/. Acessado em: 03/04/ 2017.

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Um Sonho de Liberdade: ser livre como sentido de vida

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Quem tem porquê viver pode suportar quase qualquer como.
Nietzsche

Fonte: http://migre.me/vFtak

Foi em meio aos horrores da Segunda Guerra Mundial, a partir da experiência em campos de concentração, que Viktor Emil Frankl, um judeu, faz emergir a Logoterapia, também chamada como psicologia do sentido, ou a Terceira Escola Vienense de Psicoterapia. Tal teoria fundamenta-se nos pressupostos humanístico-existenciais. A logoterapia é permeada pelo existencialismo cristão de Soren Aabye Kierkegaard (1813 -1855). Para este a existência precede a essência, esta afirmação salienta que o sujeito é um ser único e mestre dos seus atos e, por conseguinte, do seu destino. Este postulado é o cerne da angústia existencial, ou seja, ao se dar conta que o “Eu” é o próprio legislador da sua vida e ação, transportam o sujeito a um vazio de sentido (ALMEIDA, 2007).

Frankl visava compreender o ser humano em sua totalidade, o qual necessita de liberdade e é constituído pela capacidade de suportar o sofrimento, mesmo quando a vida parece não ter significado (RODRIGUES e BARROS, 2009). Como ressalta Moreira e Holanda (2010), a logoterapia concebe uma visão humana que se difere das demais concepções psicológicas de seu tempo, na medida em que propõe a compreensão da existência mediante fenômenos especificamente do ser humano e a identificação de sua dimensão noética ou espiritual.

Para Frankl (1984) a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, “esse sentido é exclusivo e específico, uma vez que precisa e pode ser cumprida somente por aquela determinada pessoa. Somente então esse sentido assume uma importância que satisfará sua própria vontade de sentido” (p.87). Esta busca de sentindo é individual e intransferível, e o sentido da vida é mutável, cada individuo deve buscar algo o satisfaça e o objeto de satisfação modifica-se conforme a perspectiva do sujeito e sua existência.

Um Sonho de Liberdade

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O longa metragem “Um Sonho de Liberdade” (The Shawshank Redemption, 1995), escrito e dirigido por Frank Darabont, usa como base a novela de Stephan King e narra a história de Andy Dusfresne (Tim Robbins). Nas primeiras cenas do filme o personagem descobre que está sendo traído pela esposa, esta e o amante são assassinados e Andy é condenado por duplo homicídio, crime o qual não cometeu.

Posteriormente, o personagem é encaminhado para a Penitenciária Estadual Shawshank para cumprir prisão perpétua. Já na entrada do presídio é possível vê a institucionalização do personagem, pois ao entrar, o sujeito perde sua identidade, isso fica visível no uniforme que lhe é dado, cuja função é de homogeneizar. Na prisão o indivíduo recebe um estigma, e a disciplina que lhe é aplicada tem a função de torná-lo dócil.

Como afirma Foucault (1999):

o corpo humano entra em numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica de poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas de rapidez e eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim, corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis” (FOUCAULT, 1999. p. 110).

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A partir disso, pode-se observar que uma vez institucionalizado e “docilizado”, o sujeito pode em algum momento, se acomodar com sua condição diante do sofrimento, encontra conforto neste sentimento e dá significado a sua dor. Afinal a vida é sofrimento, e sobreviver é encontrar significado na dor, e se de algum modo, a vida tem sentido, há propósito na dor e na morte (FRANKL, 1984). Dentro do universo cinematográfico do longa o sofrimento está dissociado do desejo de vida, torna-se sentido da mesma, o sujeito resigna-se e confortavelmente acomoda-se a realidade que o circunda.

Isso ocorre com Brooks, um idoso que se encontra preso há cinquenta anos na prisão de Shawshank; ao ser liberto, não consegue se desvincular do ambiente penitenciário e se adaptar à sociedade, pois, o cenário datado antes de sua prisão era mais estático e quando foi liberto, havia se modificado, tornando-se mais dinâmico. O mundo da prisão era estável, diferente do ambiente que se apresentava a ele naquele momento “a liberdade de agora era fictícia, pois permanecia preso as regra estabelecida aos detentos. Havia, portanto, assimilado a identidade dos prisioneiros” (MOTTA, 2011, p.1). Assim, o personagem idoso comete suicídio, pois prefere isso a encarar o desafio de se adaptar a uma nova vida, não conseguindo ressignificar e encontrar sentido de vida neste novo momento que iria experienciar.

O filme retrata o cerne dos conflitos do ser humano no contexto penitenciário. Além de todo o sofrimento ocasionado pela privação de liberdade, Andy ainda sofre violência sexual de outros presos, sendo que chega até a se tornar passivo diante dessa situação, uma vez que as reclamações e pedidos de ajuda não são ouvidos. Mesmo diante do supracitado, o protagonista demonstra uma civilidade, uma serenidade no agir divergindo dos comportamentos dos demais, como cita Red, personagem o qual nos narra a história.

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Na prisão têm se todos os reflexos do contexto cultural de forma mais acentuada, assim, nota-se aspectos de uma sociedade individualista ainda mais forte no presídio uma vez que, não se pode confiar nas pessoas, pois, ocorre uma luta pela sobrevivência. Embora isso seja parte do cotidiano desses sujeitos, Andy consegue estabelecer relações de amizade, como ocorre com Red. O espirito de comunidade também se apresenta no filme, pois, os encarcerados, buscam estratégias de sobrevivência, seja por troca de favores ou contrabandos de alguns objetos feitos por Red para tentar amenizar a vida na cadeia.

Andy consegue desenvolver até mesmo o altruísmo, o que na vida lá fora talvez não fosse possível visto que, o personagem conta em algum momento que sua mulher se queixava que não conseguia compreendê-lo, interpretá-lo, sempre introspectivo. Porém, quando privado de liberdade, começa a repensar o sentido de sua vida e de suas práticas, desse modo, o personagem utiliza-se de sua experiência como bancário para facilitar sua vida e de seus companheiros.

Em relação a isso, temos uma cena emocionante na qual Red consegue que ele e seus companheiros trabalhem na área externa do presidio, na impermeabilização do telhado.  O protagonista auxilia um guarda com seu imposto de renda, como recompensa solicita cerveja para seus companheiros, ao contemplar esse momento, os personagens sente como se tivesse retomado sua vida antes da prisão. Sem dúvidas, o personagem consegue manter sua motivação para sair daquele lugar, no caos, ele consegue redescobrir o sentido da vida, desenvolve estratégias e se utiliza de toda sua história e potencial criativo para conquistar a tão sonhada liberdade.

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Aproximação entre Viktor Frankl e Andy

Paiva (2009) aponta que a linguagem cinematográfica, em sua expressão, permite uma interação entre obra, autor e público, de modo que é possível alcançar uma abrangência intertextual, e ainda, a capacidade de olhar e interpretar o mundo sobre várias perspectivas. Assim, é possível recriar a vida, fato que se aproxima da filosofia, pois, o cinema revela as contradições da existência humana, mostrando seus conflitos e denunciando suas realidades.

A partir disso, percebe-se que o filme Um Sonho de Liberdade faz intertextualidade com a história do criador da logoterapia, Viktor Frankl, uma vez que assim como Frankl vivenciou os terrores de um campo de concentração nazista, o personagem do longa metragem passa por momentos angustiantes e é privado de liberdade por um crime que não cometeu.

Motta (2012) observa que a fotografia do filme nos mostra através das cores, uma alusão à Idade Medieval, período no qual os seres humanos viviam em conflito existencial, pairando entre o teocentrismo e o antropocentrismo; enquanto o primeiro estava ligado ao cristianismo, sendo que as pessoas pautavam-se nas leis bíblicas para controlar e docilizar os outros, o antropocentrismo configurava o desejo do ser humano se reafirmar, criar uma identidade e se fazer respeitar pelos outros.

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Nesse sentido, a história do criador da Logoterapia nos mostra esses paradoxos de existir e afirma que não há sentido apenas na beleza e gozo da vida, mas que também é possível encontrá-lo mediante experiências devastadoras, pois, mesmo que essas reservam apenas uma possibilidade de configurar a existência, a atitude a qual a pessoa se coloca em face à restrição forçada de fora sobre seu ser, pode produzir o sentido da vida (FRANKL, 1984, p. 63).

Como ressalta o autor:

Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento necessariamente o terá. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma, do mesmo modo que o destino e a morte. Aflição e morte fazem parte da existência como um todo. (FRANKL, 1984, p. 63).

Nota-se que ambos passam por momentos de profunda reflexão e busca do sentido da vida, sendo este a principal força motivadora do ser humano. Para tal, é imprescindível a vontade de sentido, nada é mais insubstituível – mesmo em circunstancias adversas, do que vivenciar o insight, isto é, compreender que sua vida tem sentido (PEREIRA, 2007).

Frankl (1984), quando retrata esses momentos de imersão em si mesmo, elucida que a tendência para a intimização percebida por ele em alguns prisioneiros, possibilita a mais viva percepção da arte ou da natureza uma vez que a intensidade desta experiência faz esquecer por completo o mundo que o cerca e todo o horror da situação.

Vemos então, que mesmo diante de uma tragédia, o ser humano pode re-significar sua existência através de um ajuste criativo. Ser saudável existencialmente não implica necessariamente em não experimentar sofrimento ou viver em um estado de constante tranquilidade; o que consiste em equilíbrio existencial é a coragem de assumir riscos e situações novas, ou seja, a capacidade de desenvolver estratégias para vivenciá-las da melhor forma possível (FORGHIERI, 1996).

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Forghieri (1996) ressalta que a coexistência de opostos é que nos dá o verdadeiro significado de cada um dos extremos que acreditamos ser contrastantes em nossa vida cotidiana, porém, esses polos constituem uma totalidade, assim, “se consigo sentir-me verdadeiramente alegre é porque já me tenho sentido profundamente triste; se consigo sentir plenamente a ternura de uma convivência amorosa é porque já conheço a angústia de minha solidão” (FORGHIERI, 1996, p. 103).

Assim, Frankl e Andy conseguem mesmo privado de liberdade, desenvolver estratégias para sobreviver naquele local. O primeiro, por ser médico, utilizava-se dos seus saberes para ajudar os enfermos, enquanto que o segundo teve experiências como bancárias e utiliza-se disso a seu favor para conseguir recursos para amenizar a vida na prisão, como por exemplo, a reforma da biblioteca.

O fluxo do existir e dos acontecimentos, vão modificando o sentido de existir, pois, o ser humano é mutável. O existir está repleto de incertezas, mesmo quando o sujeito tenta se apoiar em experiências do passado, pois, o presente é também abertura para o futuro e este é incerto (FORGHIERI, 1996).

Vale ressaltar, que ambos elaboram planos de fuga, o que afirma mais uma vez a tendência auto realizante do ser humano, ou seja, o desejo de sempre melhorar e ir além, pois está intrínseco ao sujeito a vontade de expansão, a busca pelo sentido da vida. Frankl tinha no amor pela esposa – a qual também estava presa em outro campo de concentração, a motivação para se manter vivo, e Andy, por sua vez, mesmo não tendo mais laços afetivos, consegue encontrar em si mesmo o sentido de viver.

Frankl, além de sobreviver ao horror dos campos de concentração, contribuir como logoterapeuta na busca de sentido das pessoas ao seu redor durante o cárcere, ainda deu sentido ao seu sofrimento e dor ao elaborar a sua teoria, negando o pessimismo e dizendo sim à vida, em todos os seus aspectos.

Um simbolismo muito forte presente no longa metragem, diz respeito à fuga do personagem , pois, no início, o interlocutor acredita que Andy é culpado, este passou por um túnel impuro e imundo- o que também é retratado pelas cores frias da fotografia do filme, e saiu do outro lado, puro e limpo para recomeçar uma nova vida (MOTTA, 2012).

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REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, J. M. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano III – Número III – janeiro a dezembro de 2007. Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/3_Edicao/Jorge%20Miranda%20de%20Almeida%20FILOSOFIA%20ok.pdf>. Acesso em: 28 de abril de 2016.

FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Porto Alegre, 1984.

FOUCAULT. M. Vigiar e Punir, Nascimento da Prisão. Ed. Vozes. Petrópolis, 1999.

FORGHIERI, Y. C. Saúde e adoecimento existencial: o paradoxo do equilíbrio psicológico. Revista Temas em Psicologia, vol.4 no.1 Ribeirão Preto, 1996.

MOTTA, C. M. M. Um Sonho de Liberdade – Análise Semântica. 2012. Disponível em:<http://leiturasinterdisciplinares.blogspot.com.br/2011/12/analise-do-filme-um-sonho-de-liberdade.html>. Aceso em: 28 de abril de 2016.

PEREIRA, I. S. A vontade de sentido na obra de Viktor Frankl. Psicologia, USP, Brasil, v. 18, n. 1, p. 125-136, 2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/pusp/v18n1/v18n1a07.pdf>. Acesso em: 8 de abril de 2016.

RODRIGUES, L. A. ; BARROS, L. A. Sobre o fundador da logoterapia Viktor Emil Frankl e sua contribuição à psicologia.  Revista Estudo, v. 36, n. 1/2, p. 11-31s, , Goiânia, 2009. Disponível em: <http://espiritualidadesentido.yolasite.com/resources/sobre%20o%20fundador%20da%20logoterapia.pdf>. Acesso em: 28 de abril de 2016.

PAIVA, C. M. S. C. Cinema e Filosofia: Uma Interlocução Possível – A ética, a cultura organizacional e a estética da violência nos filmes Clube da Luta e Tropa de Elite.  São Paulo, 2009. Disponível em: <http://portal.anhembi.br/wpcontent/uploads/dissertacoes/comunicacao/2009/dissertacao_celinamariasilvacastropaiva.pdf>. Acesso em: 05 de maio de 2016.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

UM SONHO DE LIBERDADE

Diretor: Frank Darabont
Elenco: Tim Robbins, Morgan Freeman, Bob Gunton, Clancy Brown;
País: EUA
Ano: 1995
Classificação: 16

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