Sessão de Terapia – Nando: impotência sexual como inibição

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Sessão de Terapia é uma série brasileira, um drama televisivo original da Globo Play, dirigida e estrelada por Selton Melo. A produção lançada em 2012, ilustra bem o que seria um consultório de psicanálise e acompanha a rotina de um analista e seus analisandos.

A série tem relevante valor pedagógico para os estudantes de psicologia e psicanálise pois as histórias descritas descrevem, muitas vezes, os abstratos e desafiadores conceitos e institutos da obra freudiana entre os quais: transferência; complexo de édipo; inibição sintoma e angústia.

No presente texto apresentaremos uma proposta de como o caso Nando, retratado na 4ª temporada da série, pode ser utilizado para facilitar a compreensão da inibição sexual em Freud.

Nando é um personagem complexo que traz ao telespectador diversos conteúdos relevantes para o estudo e o tratamento dos sofrimentos emocionais na atualidade.

O analisando/paciente é apresentado como sendo um executivo de multinacional, muito bem-sucedido na carreira, que vem apresentando um curioso problema de disfunção erétil, impotência sexual, que por meses o impedira de manter relações sexuais com sua esposa Maria Lúcia.

Para esclarecer a queixa ilustrada, a série indica que as dificuldades de ereção estariam limitadas à específica relação com a esposa, apontando que Nando haveria afastado sintomas físicos após consulta a um urologista, bem como, que este estava apto para outras formas de satisfação sexual (masturbação e até sexo com outras mulheres).

Fonte: encurtador.com.br/cpCH6

Não havendo causas físicas, ou patológicas, coube a ele buscar apoio profissional para um possível sofrimento psicológico que levava a uma limitação na sua função sexual.

O caso Nando ilustra o conceito freudiano de inibição e, ainda, a distinção proposta pelo autor entre inibição, sintoma e angústia no seu texto de 1926.

Ao propor a psicanálise como cura pela fala, Freud, tinha a linguagem como instrumento e a livre associação como metodologia. Para o autor, deste modo, era relevante indicar as distinções conceituais entre significantes próximos que pudessem gerar confusão acerca de fenômenos parecidos, porém distintos.

Deste modo, a teoria freudiana trata a inibição como a restrição de uma função do corpo, mas que não significa necessariamente algo patológico. Deixando os conteúdos patológicos ligados ao conceito de sintoma (FREUD, p.14).

No texto de 1926, Freud esclarece que “a função sexual está sujeita a muitos transtornos, a maioria dos quais tem o caráter de inibições simples”. (FREUD, p.14). Estas inibições são classificadas como impotência psíquica e, no homem, seria possível identificar os seguintes estágios, além dos distúrbios de natureza perversa ou fetichista:

O afastamento da libido no início do processo (desprazer psíquico), a ausência da preparação física (falta de ereção), a abreviação do ato (ejaculatio praecox), que também pode ser descrita como sintoma, a interrupção do mesmo antes do desfecho natural (ausência de ejaculação), a não ocorrência do efeito psíquico (da sensação de prazer do orgasmo) (FREUD, p.14).

Fonte: encurtador.com.br/bcfFI

O pai da psicanálise inova ao apontar a ligação entre a inibição, falha da função e a angústia, sofrimento emocional de ordem inconsciente. Para ele, “várias inibições são claramente renúncias à função, pois o exercício desta produziria angústia”.

No seu texto, Freud nota que procedimentos bastante diversos podem perturbar a função, inclusive a função sexual e destaca dentre eles: o afastamento da libido; a piora no cumprimento da função; a dificuldade desta pelo desvio para outras metas; sua prevenção através de medidas de segurança; sua interrupção mediante o desenvolvimento da angústia, quando seu começo não pode mais ser impedido; e, por fim, uma reação a posteriori, que protesta e busca desfazer o acontecido, se a função foi mesmo realizada (FREUD, p.16).

No caso do personagem Nando, em Sessão de Terapia, o desenrolar dos episódios leva a audiência a constatar que uma causa inconsciente para a queixa inicial. A mudança de status de Maria Lúcia no contexto do casamento, que deixou de ocupar o ideal de esposa e mãe submissa muito associada à memória que Nando tinha da própria mãe dele, passando a ganhar mais do que ele, tornando-se uma palestrante e escritora famosa internacionalmente e, ainda, respeitada militante pelo direito das pessoas negras, haveria dado causa a um desejo inconsciente de não fazer sexo com ela e, com isso puni-la, além de ter provocado crise de masculinidade.

Durante as 6 sessões programadas para o personagem, o público vai acompanhando os esforços do analista de promover espaços de fala e livre associação que oportunizassem a Nando reconhecer sua angústia de ser superado por sua esposa em termos profissionais e ressignificar sua posição de masculino construída à luz dos exemplos obtidos ao observar a relação conjugal dos pais na infância, para, com isso, recuperar a funcionalidade plena da sua atividade sexual.

Por fim, vale destacar a relevância deste personagem para os estudos da influência de questões raciais na prática da psicologia e psicanálise. Isso porque, Nando é um homem negro cuja angústia passa pela necessidade de ressignificar o que é ser homem, revisando conceitos machistas, e o que é ser negro, revisando a reverberação inconsciente de experiências de racismo na psique do sujeito e, na construção da sua expressão de masculinidade.

Fonte: encurtador.com.br/cpCH6

FICHA TÉCNICA

Sessão de Terapia

Ano produção: 2012
Dirigido por: Selton Melo
Gênero: Drama

Referência:

FREUD, Sigmund. Obras Completas Volume 17, Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma ilusão e outros textos. (1926/1929). Tradução Paulo Cesar de Souza. 1ª Edição. Companhia das Letras. 2014.

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Caso pequeno Hans – Sintoma ou Inibição?

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A inibição é considerada um processo relativo às funções do ego, e isso não é necessariamente algo patológico,logo, podemos dar o nome de uma função a uma restrição normal da mesma. Ao contrário do sintoma que apresenta essa conotação relacionada a doença, o que define assim a diferença entre sintoma e inibição. O sintoma é um “fenômeno subjetivo que constitui, para a psicanálise, não o sinal de uma doença mas a expressão de um conflito inconsciente” (Meira, 2004, p.1 apud Chemama, p.203). É algo mais complexo, ele pode se manifestar em ações indesejadas e que acabam gerando angústia ou desprazer, podendo afetar o indivíduo durante toda a vida.

No caso do pequeno Hans, Freud explica que a criança possui conflitos psíquicos, as relações do processo de recalcamento e da castração, auxiliaram na aquisição de sua fobia. A incapacidade de sair de casa para outros ambientes externos, é uma demonstração de inibição. Já o medo de Hans, em ser mordido por cavalos, é uma demonstração do sintoma fóbico.

Fonte: encurtador.com.br/qzFV6

Dessarte, a autora traz um axioma sobre a forma como a Psicanálise discute o sintoma, o que é basicamente um conceito, sob as evidências da linha teórica de Freud, expressamente argumentado através do caso da fobia do pequeno Hans. Assim, segundo escreveu Meira (2004), Freud evidencia que o sintoma é tecido pelos processos de deslocamento e condensação, sendo a escolha do cavalo um traço decorrente das brincadeiras de Hans com o pai e ao mesmo tempo relacionado à pulsão reprimida de hostilidade contra este.

Logo, há uma enfatização sobre o fato de o deslocamento refere-se ao processo metonímico, enquanto a condensação se refere ao processo metafórico.

Dessa forma, o artigo também faz entender-se a conceituação de sintoma sob a ótica da teoria Lacaniana, como sendo linha metafórica e subjetivante, seja como formação clínica ou estrutural. Por isso, cabe ao indivíduo estabelecer um caminho para guiá-lo para uma existência que coexiste harmonicamente com seus sintomas. Com a dor, seu motor criativo, transbordando, descobrimos os sintomas psicopatológicos e, diante dela, a clínica se mostra como possibilidade de intervenção. Não fazendo com que o sintoma desapareça, mas dando lugar à palavra, uma vez que a própria Psicanálise atribui poder terapêutico às palavras, chamando essa prática de associação livre.

Referências

Inibição, sintoma e Angústia – S.Freud – Obras Completas, Ed. Biblioteca Nueva, Espanha, 1973.

Análise da Fobia de uma criança de quatro anos – S.Freud Obras Completas, Ed. Biblioteca Nueva, Espanha, 1973.

MAIA, Aline Borba; MEDEIROS, Cynthia Pereira de; FONTES, Flávio. O conceito de sintoma na psicanálise: uma introdução. Estilos clin.,  São Paulo ,  v. 17, n. 1, p. 44-61, jun.  2012 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-71282012000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  04  jun.  2021.

MEIRA, Ana Marta. Reflexões sobre o sintoma na psicanálise. Disponível em: https://www.ufrgs.br/psicopatologia/anamartameira.pdf. Acesso em: 04 jun. 2021.

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Freud: sobre o início do tratamento

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A seguir, algumas recomendações do pai da psicanálise concernente ao início do tratamento.

1ª: Aceitar o paciente, a princípio, provisoriamente, por período de uma ou duas semanas. Seria uma sondagem, a fim de conhecer o caso e decidir se ele é apropriado para a psicanálise. Longos debates preliminares têm consequências desvantajosas, como o paciente encontrar o médico com uma atitude transferencial já estabelecida e que o médico deve, em primeiro lugar, revelar lentamente, em vez de ter a oportunidade de observar o crescimento e desenvolvimento desde o início.

2ª: Evitar ao máximo possível encarregar-se do tratamento de pessoas com quem esteja em termos de amizade ou laços sociais, ou entre suas famílias. Se isso inevitavelmente acontecer, laços podem ser rompidos, há de se fazer o sacrifício.

3ª: Tempo e dinheiro. Ceder uma hora determinada a cada paciente, a qual pertence a ele que é responsável por ela.

Dizer ao paciente que a psicanálise é sempre questão de longos períodos, de meio ano ou de anos inteiros – de períodos maiores do que o paciente espera.

Não obrigar os pacientes a continuar o tratamento por um certo período, permitir a cada qual interrompê-lo quando quiser. Mas não esconder que, se o tratamento é interrompido após somente um pequeno trabalho ter sido feito, ele não será bem-sucedido, e poderá facilmente, como uma operação inacabada, deixá-lo em estado insatisfatório. Há lentidão com que se realizam as mudanças profundas na mente, atemporalidade dos processos inconscientes.

Fonte: encurtador.com.br/uxHWZ

Sobre dinheiro, tratar com a mesma franqueza natural com que deseja educar nas questões relativas à vida sexual do paciente, rejeitando falsa vergonha, dizendo voluntariamente o preço em que avalia seu tempo. Não acumular grandes somas de dinheiros, mas solicitar pagamentos a intervalos regulares bastante curtos – mensalmente, talvez. Abster-se de fornecer tratamentos gratuitos e não fazer exceções em favor de colegas ou suas famílias.

4ª: Fazer com que o paciente se deite num divã, enquanto o analista se senta atrás dele, fora de sua vista. Motivo pessoal: Não suportar ser encarado fixamente por outras pessoas durante oito horas (ou mais) por dia. Visto que, enquanto escuta o paciente, o analista também se entrega à corrente de seus pensamentos inconscientes; evitar que expressões faciais deem ao paciente material para interpretação ou influenciem-no no que conta.

5ª: O material com que se inicia o tratamento é, em geral, indiferente – a história de vida do paciente, ou a história de sua doença, ou suas lembranças de infância. O paciente é livre para escolher em que ponto começará.

6ª: Se, no decorrer da análise, o paciente necessitar temporariamente de algum outro tratamento médico ou especializado, é muito mais sensato chamar um colega não analista do que fornecer esse outro tratamento.

7ª: Se, na primeira ocasião, o paciente, alegando não conseguir pensar em nada para dizer, solicitar que o psicanalista lhe diga sobre o que falar, não atender esse pedido. Afirmar energética e repetidamente ao paciente que é impossível que não lhe ocorra ideia alguma ao início, e que o que se acha em pauta é uma resistência contra a análise.

8ª: Começar a fazer a comunicação com o paciente, ou revelar-lhe o significado oculto das ideias que lhes ocorrem, e iniciá-lo nos postulados e procedimentos técnicos da análise, somente após uma transferência eficaz ter-se estabelecido no paciente, um rapport apropriado com ele. Demonstrar interesse sério nele, cuidadosamente dissipando resistências que vêm à tona no início e evitar certos equívocos, então, o paciente por si só fará uma ligação transferencial e vinculará o psicanalista a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição.

9ª: Evitar a vaidade e falta de reflexão de, com o mais breve conhecimento sobre o analisando, dar um diagnóstico-relâmpago.

Referência:

SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO (NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE I) (1913).

Artigo originalmente publicado no site <https://comunidadepsi.com/>

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“The Alienist”: você entraria na mente de um assassino?

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Não é raro encontrar boas séries de época (Downton Abbey que o diga). Entretanto, a maioria das produções são romantizadas,  e remetem à ideia de que os anos passados foram, se não agradáveis, dignos de admiração. A série The Alienist, produzida pela Paramount e disponibilizada pela Netflix, apresenta boas doses desse sentimento saudosista. Todavia, não mascara a violência e perversidade, características sem dúvidas presentes na condição humana.

A série apresenta a história do alienista (de acordo com a série, uma pessoa que tratava de outras que estavam alienadas [afastadas] de sua verdadeira natureza), Laszlo Kreizler (interpretado por Daniel Brühl). Este, contatado pelo comissário da polícia de New York, começa a seguir as pistas de um assassino em série, traçando seu perfil psicológico. Em sua busca, ele é auxiliado pelo ilustrador John Moore (interpretado por Luke Evans) e por Sarah Howard (Dakota Fanning).

Fonte: https://goo.gl/ngbs67

Ambientada no final dos anos 1800, é visível a mudança que a chegada do século XX parece proporcionar. Sarah é a primeira mulher a trabalhar para a polícia de New York (ainda que ela lembre constantemente de ser apenas uma datilógrafa), há bordéis exclusivos para a prática de “sodomia” (embora esta não seja uma prática tão moderna assim), há um movimento crescente das mulheres pelo direito ao voto e as práticas de investigação criminal estão avançando (vide a demonstração dos irmãos detetives sobre a importância das digitais em cenas de crimes).

É neste cenário que um assassino em série escolhe suas vítimas (meninos que se prostituem) e as abate em um ritual macabro. O alienista, Laszlo, inteligente e ardiloso, junto a John e Sarah, conduzem as investigações necessárias para entender como funciona a mente do assassino e assim, capturá-lo. A eles se juntam outros personagens secundários, que possuem a incrível qualidade de somar ao roteiro a dose certa de inquietação que um bom thriller psicológico deve causar.

A receita da série é um padrão já visto em outras produções do mesmo gênero e é bem aproveitada. Entretanto, o diferencial se dá pela construção complexa dos personagens, todos eles com motivos críveis e palpáveis para serem quem são. Isto é notável pela atuação dos meninos que se prostituem, suas conversas que denotam o passado difícil e o presente insustentável e seus olhares que escondem mais do que o espectador jamais verá.

Fonte: https://goo.gl/mhdBnQ

A representação da New York do século XIX é tão real que imediatamente imediatamente envolve quem assiste. É uma cidade chuvosa, populosa, encantadora para uns (os ricos e influentes), insuportável para outros (difícil ficar inerte diante das cenas em que as crianças se prostituem em meio ao frio e sujeira), e que fervilha em direção ao futuro, carregando as promessas e medos de que a existência humana é capaz.

A despeito disso, a série perde em retratar mais firmemente as teorias psicanalistas de que o protagonista supostamente compartilha. Há um ganho inegável nas cenas esparçadas entre os episódios, que mostram um pouco da sua prática (uma mocinha que não para de se masturbar, um adolescente que mata os animais dos vizinhos, uma antiga cliente que apresentava uma sexualidade doentia), entretanto, no fio principal, o de descobrir a mente do assassino, a série perde por não retratar mais fielmente os elementos que deixariam clara a influencia psicanalista.

Fonte: https://goo.gl/p9gAEh

Há também furos no roteiro, embora não tão grandes, mas certamente visíveis, que, felizmente, são compensados por uma atuação excelente. Outro ponto a favor da série, são os diálogos que enriquecem os personagens secundários e proporcionam ao telespectador um questionamento a respeito de si mesmo.

Uma série plausível, com certeza recomendável e que agregará ao telespectador, se não o interesse pela “mente” humana, com certeza o questionamento de como o ser humano se torna quem é,  e porque faz o que faz; além da inquietação por perceber que assassinos em série são muito mais próximos de “pessoas normais” do que se pode imaginar.

Ficha técnica

Título: The Alienist

Ano produção: 2018

Classificação indicativa: + 16

Gênero: Drama, Policial

Temporadas: 1ª com 1o episódios (renovada para a 2ª)

País de Origem:  Estados Unidos

Produção: Cary Fukunaga, Eric Roth, Hossein Amini, Rosalie Swedlin, Steve Golin

Roteiro: Caleb Carr, Cary Fukunaga, Hossein Amini

Elenco: Dakota Fanning, Daniel Brühl, Luke Evans, Brian Geraghty, Corey Johnson, Douglas Smith, Ezra Fieremans, Kingston Taylor, Q’orianka Kilcher, Robert Wisdom, Ted Levine

Baseada no romance policial “The Alienist” (Caleb Carr) 

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