Sexualidade, sexo, identidade de gênero e orientação sexual: a construção do sujeito social e sua subjetividade

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A sexualidade é, sem dúvida, uma construção. Construção de valores “modernos”, de condutas éticas, de um processo contínuo da percepção de quem somos em condições históricas, culturais e de inter-relações específicas.

Embora muita gente os confunda, esses termos definem aspectos bem distintos de uma mesma pessoa. O sexo do corpo (gênero e fisiologia), a identidade de gênero (quem eu sou na sociedade), e a orientação sexual (condição biossocial). Há muito tempo a questão da sexualidade deixou de ver apenas o que é masculino e feminino, e passou a entender o que de fato se é, a busca pela realização dos desejos e a necessidade de ser livre.

A sexualidade é, sem dúvida, uma construção. Construção de valores “modernos”, de condutas éticas, de um processo contínuo da percepção de quem somos em condições históricas, culturais e de inter-relações específicas, portanto, contextualizadas localmente. (GEERTZ, 2000).

A sexualidade faz parte da personalidade do indivíduo. É um aspecto do ser humano que não pode ser separado dos outros aspectos da vida, pois influencia a forma como se relacionam, com o que as atrai, qual objeto de seu desejo, sentimentos, pensamentos, interações e ações, portanto, diz respeito a saúde física e mental.

Fonte: encurtador.com.br/iAPV0

Muitas pessoas acham que ao falar de sexualidade estamos falando de sexo. Mas é importante entender que o sexo está ligado aos órgãos genitais, ou também ao ato sexual. Enquanto que sexualidade vai além disso, é um modo de ser, de sentir, de manifestar, é a forma como vamos ao encontro do outro, a intimidade, o afeto. É tudo aquilo que somos capazes de sentir e expressar. Os sujeitos podem exercer sua sexualidade de diferentes formas, eles podem “viver seus desejos e prazeres corporais” de muitos modos (WEEKS, APUD BRITZMAN, 1996).

Podemos considerar que a sexualidade não é fixa e imutável. Ela é influenciada pelo modo como as pessoas desenvolvem suas relações interpessoais. Somos seres em contínuo processo de transformação, ou seja, somos inconstantes, pois, nossas necessidades e desejos mudam. A sexualidade não se confunde com um instinto. Nem com um objeto (parceiro), nem com um objetivo (unir dois órgãos genitais). Ela é poliforma, polivalente, ultrapassa a necessidade fisiológica e tem a ver com a simbolização do desejo (CHAUÍ, 1991, P.15).

Tudo que vivemos e sentimos acontece no nosso corpo, portanto, não é possível separar a sexualidade do corpo ou pensar no corpo sem considerar a sexualidade. Ao redor dos nossos corpos, estão os modos como percebemos, sentimos, entendemos, nos relacionamos. Isso significa dizer que a sexualidade vai muito além de fatores físicos. É caracterizada por aquilo que é subjetivo, próprio, único. É a busca pela realização dos desejos, que pode se transformar ao longo dos anos, dependendo da experiência que a pessoa se permite vivenciar, ou seja, a sexualidade está sempre aberta a novas formas de significação.

Fonte: encurtador.com.br/bKOPU

“O sexo biológico é um termo utilizado para definir o que é homem, mulher, e intersexual, baseado em características orgânicas como cromossomos e genitais. Ou seja, biologicamente nasce meninas ou meninos, em função de um órgão sexual” (LUIZ ANTONIO GUERRA, 2014). O sexo biológico é apenas a parte física da identidade de uma pessoa, que pode encontrar diferentes posturas psicológicas.

Sexo faz referência somente às características biológicas de cada indivíduo, como órgãos, hormônios e cromossomos. Sendo assim, a fêmea possui vagina, ovários e cromossomos XX; o macho possui pênis, testículos e cromossomos XY; já o intersexo (o que por muito tempo tinha o nome de hermafrodita) possui uma combinação dos dois anteriores. (CRISTIANO ROSA, 2016).

Quando falamos em sexo biológico, temos que pensá-lo como a presença de órgãos reprodutivos no corpo orgânico, conhecidos por pênis, vagina ou ambos. Porém, é importante frisar que essa marca biológica que compõe esse corpo não necessariamente irá definir a identidade afetivo-sexual. O sexo biológico é um fator inato, ou seja, pertence ao ser desde o seu nascimento, independente do gênero que o indivíduo possa vir a se identificar mais tarde.

Fonte: encurtador.com.br/gyPZ2

Identidade de gênero é a experiência subjetiva de uma pessoa a respeito de si mesma e das suas relações com outros gêneros. A pessoa se reconhece como feminino ou masculino, independente do sexo biológico ou da orientação sexual. É se identificar com determinados valores, condutas e posturas sociais, ou seja, é como ela se percebe.

Gênero é algo constituído ao longo da vida, e não é estabelecido no nascimento. Alguém pode se identificar com o gênero homem ou mulher que é dado ao nascer (então é cis) ou não (então é trans). Em outras palavras, gênero é a maneira com que você se enxerga, a interpretação que você tem de si mesmo, em sua cabeça e pensamento. (CRISTIANO ROSA, 2016).

A pessoa pode nascer com um determinado sexo biológico, porém, se identificar com outro. Geralmente sentem que seu corpo não está adequado à forma como pensam, e querem adequá-lo à imagem de gênero que têm de si. Isso se dá de várias formas, desde uso de roupas, passando por tratamentos hormonais, até procedimentos cirúrgicos, ou seja, a pessoa pode se identificar com o sexo biológico de seu nascimento, ou não, e isso necessariamente não irá definir sua orientação sexual.

Fonte: encurtador.com.br/hprCH

Cisgênero abrange as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento, e transgênero abrange o grupo diversificado de pessoas que não se identificam, em graus diferentes, com comportamentos e/ou papéis esperados do gênero que lhes foi determinado quando de seu nascimento (JAQUELINE GOMES DE JESUS, 2012).

A orientação sexual de uma pessoa indica por quais gêneros ela sente-se atraída. Seja física, romântica e/ou emocionalmente, diz respeito a preferência do desejo afetivo e sexual. Algumas pessoas dão-se conta dos seus sentimentos muito cedo, outras não. Mas apesar de tudo, estes sentimentos podem mudar ao longo da vida.

Toda pessoa, além do sexo, tem uma orientação íntima que define seus interesses, um impulso que configura sua atração sexual. Esse é o aspecto psicológico que complementa o sexo, possibilitando à pessoa estabelecer quais são suas preferências nas relações sexuais e sentimentais. Isso é o que define a orientação sexual da pessoa, que pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual. Para alguns especialistas, apesar de não haver consenso, ser assexual também é uma orientação sexual. (MUNDO PSICOLOGOS, 2016).

Fonte: encurtador.com.br/bnosK

A orientação sexual refere-se ao tipo de atração que temos por outras pessoas. Sendo assim, alguém pode se interessar por pessoas do mesmo sexo (homossexual), do sexo diferente (heterossexual), dos dois sexos (bissexual), ou também pode não se interessar por ninguém (assexual). Essa atração afetivossexual por alguém é uma vivência interna relativa à sexualidade. Portanto, é diferente do senso pessoal de pertencer a algum gênero.

Esses tipos de atrações citadas não define todas as possíveis orientações sexuais. Apenas as mais comuns, pois existe uma infinidade de possibilidades para se sentir atraído. A orientação sexual existe num continuum que varia desde a homossexualidade exclusiva até a heterossexualidade exclusiva, passando pelas diversas formas de bissexualidade. (BRASIL, 2004, p. 29).

Portanto, compreende-se que a sexualidade é um dos pontos centrais na identidade do ser humano, que se manifesta através da emoção e da afetividade. É o modo como cada indivíduo vivencia suas experiências, que se tornam únicas. A sexualidade fundamenta os cuidados corporais e as relações de gênero, além de fundamentar também a busca do amor e do contato mais pleno com o outro.

Compreender a sexualidade em seu processo de contínua transformação é a condição necessária para identificar as diversas formas de vivenciar a subjetividade, no qual permite que cada indivíduo tenha uma forma única e particular de ser e sentir. Em muitos aspectos isso tem relação com aquilo que se aprende ao longo da vida, e uma das coisas que as pessoas aprendem é significar sentimentos e comportamentos.

REFERÊNCIAS

GUERRA, Luiz Antônio. Sexo, Gênero e Sexualidade. Disponível em: <https://www.infoescola.com/sociologia/sexo-genero-e-sexualidade/>. Acesso em: 20 mai. 2019.

JESUS, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos. 2012. Disponível em: <https://www.sertao.ufg.br/up/16/o/ORIENTA%C3%87%C3%95ES_SOBRE_IDENTIDADE_DE_G%C3%8ANERO__CONCEITOS_E_TERMOS_-_2%C2%AA_Edi%C3%A7%C3%A3o.pdf?1355331649>. Acesso em 20 mai. 2019.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação. 2003. Disponível em: <https://bibliotecaonlinedahisfj.files.wordpress.com/2015/03/genero-sexualidade-e-educacao-guacira-lopes-louro.pdf>. Acesso em: 27 mai. 2019.

MUNDO PSICÓLOGOS. Diferenças entre sexo, orientação sexual, e gênero. 2016. Disponível em: <https://br.mundopsicologos.com/artigos/diferencas-entre-sexo-orientacao-sexual-e-genero>. Acesso em: 20 mai. 2019.

ROSA, Cristiano. Questão de gênero. 2016. Disponível em: <https://www.jornalnh.com.br/_conteudo/2016/08/blogs/cotidiano/questao_de_genero/371790-genero-x-sexo-biologico.html>. Acesso em 20 mai. 2019.

SENEM, Cleiton José; CARAMAMASCHI, Sandro. Concepção de sexo e sexualidade no ocidente: Origem, História e Atualidade. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/barbaroi/issue/download/492/69>.  Acesso em: 25 mai. 2019.

SILVA, Ariana Kelly Leandra Silva da. Diversidade sexual e de gênero: a construção do sujeito social. Universidade Federal do Pará (UFPA). Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912013000100003, 2013>. Acesso em: 20 mai. 2019.

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O descaso da mídia e a cultura do estupro

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As agressões sexuais acontecem em qualquer lugar, em qualquer classe social, e com pessoas de qualquer idade. Assim, os agressores podem ser qualquer um e ainda podem estar mais próximos das vítimas do que se imagina. Podem ser os pais, os vizinhos, amigos e os próprios parceiros.

Frases como “Se não quer que mexa, que não saia de roupa curta”, ou “Não dá pra evitar, sou homem” são comuns e constantes em ambientes de convivência social. Essa terceirização da culpa leva a sociedade a penalizar as próprias vítimas das agressões sofridas, como se os agressores não fossem responsáveis pelos próprios atos e sim induzidos pelas vítimas. Quando se diz sobre a violência com penetração à força há uma repetição do discurso. Essa transferência de culpa corrobora com uma cultura que nega o direito ao direito ao próprio corpo.

A inércia social diante do estupro e agressões com a mulher se dá pela naturalização do machismo em uma sociedade patriarcal. A naturalização do estupro se percebe quando as pessoas ficam horrorizadas a priori e em pouco tempo se esquecem do que aconteceu. Isso se deve também a forma como a notícia é passada. Um exemplo é que nas grandes mídias não há debates sobre estupro, apenas pronunciamentos de notícias. Essa superficialidade com a qual o estupro é tratado é a mesma de como é lembrado. Em manchetes de jornais o comum é ler “Homem suspeito de estuprar mulher” ou “mulher estuprada em tal lugar”, mas não se debate os assuntos que permeiam o estupro, tornando a informação dotada de uma ignorância não crítica sobre o que realmente é a violência contra a mulher. Esse tipo de notícia demostra a violência apenas como fatos e consequências: uma penetração não consensual- uma mulher abusada para estatísticas. Ou ainda que o homem e o estuprador não coexistem com slogans como “Homens de verdade não estupram”, é esse um fato que não foge aos meandros do machismo, que ultrapassam a agressão física e adentram o nosso cotidiano.

Entitlementé um termo utilizado para descrever o sentimento de homens sobre mulher, no sentido de se sentirem donos das mesmas. É uma relação desequilibrada de poder e é fruto de uma outra expressão: “cultura do estupro”. Essa cultura é a forma como normalizamos a violência sexual. Seu reflexo está nas estatísticas, apenas 2% dos acusados de estupro são levados a condenação. Essa não penalização dos acusados começa na denúncia, quando o alvo de investigação é a vítima e não o estuprador. Isso acontece por meio da tentativa indiscriminada de deslegitimação da denúncia através da sexualidade feminina, e de questionamentos do tipo: “Onde ela estava?”; “Que roupa usava?” e “Qual a postura da mulher? Nos casos de estupro realizados pelo companheiro, a ousadia do dizer não é o que se usa pra deslegitimar a acusação. Pois se entende natural a “obrigação” da servidão sexual da mulher em um relacionamento. A mídia trata estupro como casos isolados, uma tragédia. No entanto, deve-se ter um horror perante esse terrorismo machista e cotidiano.

Utilizando as mídias informais tem-se levantado campanhas como a “Make your move” que chama à responsabilidade também as pessoas que cercam a vítima em potencial. Quantas mulheres passam por agressões físicas, verbais e psicológicas sem poder identificar que estavam sofrendo uma violência não aceita e nem natural. Muitas vezes se sentindo culpadas, pois se identificam com alguma situação que socialmente é interpretada como propícia ao estupro, logo, como se as mulheres estivessem buscando por isso.

Combater a cultura do estupro requer, antes de tudo, percebê-la. E não é fácil, porque também nos mostra como falhamos no passado. A lei sobre estupro sofreu alteração em 2009, antes só era considerado estupro a penetração. Agora, segundo o artigo 213, se alguém for constrangido mediante violência ou ameaça grave, a ter conjunção carnal já é considerado estupro. O artigo 215 também considera estupro casos que tenham conjunção carnal ou prática de atos libidinosos com uma pessoa que não manifeste vontade.

Há algum tempo em um programa de TV um diretor de teatro fez uma “brincadeira” com Nicole Bahls em que passava a mão por baixo do vestido dela. A reação da dançarina revelou desconforto e exibiu nas redes sociais comentários sexista e opressores, pois ela usava vestido curto na ocasião. De acordo com a lei atual temos na ação do diretor um caso de estupro. Mas pelas mídias foi considerado apenas uma brincadeira, não dando atenção ao caso.

Ora a mídia trata como brincadeira, ora trata com desprezo. Em 2012, 8 integrantes da banda New Hit foram acusados de estuprar duas fãs, adolescentes, que haviam entrado no ônibus para pedir autógrafo e tirar fotos. O caso só foi noticiado por mídias informais, no entanto, ignorado pela grande mídia. No Brasil a cultura do estupro foi noticiada como piada por comediantes que dizem que homem quando estupra mulher feia não merece cadeia e sim um abraço (Programa CQC – Emissora Band – Rafinha Bastos).

Camisinhas estão em campanhas como “fórmula do amor” que equivale a embebedar a mulher para conseguir sexo sem resistência. Em outro comercial da Nova Schin um grupo de amigos bebem na praia quando um deles, ao observar as mulheres, pergunta pros outros: “Já pensou se a gente fosse invisível?”. Daí surge a encenação com latinhas de cervejas flutuando e que os homens invisíveis ficam passando a mão no corpo das mulheres no mar.  Por fim os homens invisíveis entram num vestiário feminino e as mulheres saem correndo aterrorizadas. Há ainda a naturalização do estupro em várias novelas que relatam cenas em que mulheres são o tempo todo assediadas ou estupradas por seus companheiros.

A responsabilidade dos meios midiáticos não se isenta de promover a naturalização do estupro, mas pelo contrário, reforçam isso constantemente usando um marketing machista que regra comportamentos e que determina as penalidades.  No entanto, é necessário reconhecer a cultura do estupro divulgada e se opor a ela, questionando as grandes mídias e exigindo reparações e promoção de discussões que anseiem pela liberdade e o fim da opressão e violência.

Saiba mais:

http://www.cemhomens.com/tag/cultura-do-estupro/

http://culturadoestupro.blogspot.com.br/

http://www.diariodocentrodomundo.com.br/eu-nao-mereco-ser-estuprada-um-artigo-da-criadora-do-movimento/


Nota:

O texto teve a orientação do Prof. Dr. Ricardo Furtado Rodrigues

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