Um lugar silencioso: as relações familiares vão além do que é dito

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Sem poder se valer da comunicação verbal, o espectador precisa ir além e observar as ações dos personagens, as expressões faciais, os conflitos não verbalizados, mas completamente tangíveis.

Assistir “Um lugar Silencioso” (A quiet place) é inquietante. O filme consegue criar um ambiente de grande tensão, no qual o espectador une-se aos personagens, sempre à espera de “algo”. O efeito se dá porque a história do filme é a seguinte: uma família do meio-oeste, nos Estados Unidos da América, tenta sobreviver em um mundo distópico, onde criaturas mortais conseguem perseguir e capturar quem faça ruídos.

O cenário é vazio, silencioso, os lugares estão abandonados, mas o filme não se preocupa em explicar detalhadamente o que houve. O espectador mais atento conseguirá entender brevemente o que houve: manchetes de jornais antigos falam sobre a queda de um “meteoro” no México, e após isso, o surgimento dessas criaturas que identificam o barulho e atacam e matam sem piedade quem o emitiu.

Ao espectador, então, é ofertado esse cenário:

**********alerta de spoiler**********

Sem maiores explicações, nos vemos, desde a primeira cena, percebendo a imensa importância do silêncio. A família anda nas pontas dos pés, falando a linguagem dos sinais (a filha mais velha é surda, e eles estão habituados a se comunicar assim) e segurando a respiração quando a criança mais nova quase derruba um objeto.

Somente nos créditos finais descobrimos os nomes dos integrantes da família, e durante o decorrer do filme, nos habituamos a pensar neles como “a mãe, o pai, a filha mais velha, o irmão do meio” e há apenas uma cena em que temos contato com outra pessoa, além da família.

Fonte: encurtador.com.br/DIQ12

Sem poder se valer da comunicação verbal, o espectador precisa ir além e observar as ações dos personagens, as expressões faciais, os conflitos não verbalizados, mas completamente tangíveis. O espectador precisa olhar para as relações familiares e compreender as angústias que vão muito além do medo externo que as criaturas (supõe-se que sejam alienígenas) representam.

Vemo-nos, então, diante de uma família tradicional, que em outro contexto até seria estereotipada, com um pai um pouco frio e distante, que sempre sai para resolver as coisas no mundo lá fora, a mãe calorosa e esmerada “dona de casa”, a filha mais velha “rebelde sem causa” e o filho mais novo “medroso” e hesitante.  Há culpa, medo, raiva, ressentimentos, mas também cumplicidade, respeito e encorajamento mútuo.

A família Abbott tenta sobreviver aos seus dramas internos, e isso aproxima o espectador, que se reconhece nos conflitos e nas pequenas felicidades que eles compartilham. A expressividade do elenco é, felizmente, uma das responsáveis para que o filme consiga retratar toda sua grandiosidade.

O casal possui uma conexão forte e uma relação segura, onde há afetividade, respeito e confiança. O pai, apesar de em raras vezes demonstrar afeto aos filhos, está sempre procurando formas de prolongar a vida da família, faz viagens para procurar mantimentos e constrói a maior parte dos aparatos de segurança.

A característica mais marcante da filha mais velha é a raiva contida, que explode algumas vezes. Ela é uma adolescente surda, e o pai passa inúmeras horas tentando criar um aparelho auditivo para ela, pois como não tem noção dos sons que emite, ela pode representar maiores perigos para a família. Os aparelhos auditivos não funcionam e chega um momento em que ela não quer mais continuar tentando. Além disso, ela se sente culpada por um evento que traumatizou a família. Ninguém fala sobre isso (nem em ASL – American Sign Language) e ela tem certeza de que não é amada pelos pais, o que a leva a se isolar com frequência.

O menino mais novo é apenas uma criança. Não aparenta ter mais de 10 anos de idade, é apegado à irmã mais velha e à mãe, sofrendo quando o pai o faz sair de casa para buscar mantimentos. Há outro conflito aí, visto que a irmã mais velha se esforça para que o pai a leve, mas ele a ignora. O menino, mesmo com todos os seus medos, é o responsável por sinalizar sobre o conflito latente da família para o pai.

Fonte: encurtador.com.br/djqI1

A mãe está grávida. Isso é o mais gritante sobre ela. Como parir nesse mundo silencioso? O espectador se angustia mais e mais à medida que se aproxima o parto. Além disso, a mãe se dedica a cuidar da casa e dos filhos e a apoiar o marido. Ela é delicada, mas também se mostra forte, e são delas as cenas mais angustiantes e expressivas.

O filme acerta ao focar nas relações, sempre permeadas do silencio ensurdecedor, do qual o espectador certamente partilhará. O drama decorre, principalmente, dessas relações, e o aparecimento das criaturas tem a medida certa de horror e suspense.

Indo na contramão dos filmes atuais onde os sons são sempre presentes e quase sempre espalhafatosos, “Um lugar silencioso” aposta no que não é dito (nem sinalizado) e acerta ao conseguir fazer o espectador se sentir quase parte da família. Outro grandessíssimo acerto é a contratação de uma atriz surda (Millicent Simmonds) para o elenco, que não deixa a desejar em nenhuma cena, atuando como Regan Abbott, a filha adolescente do casal.

Por fim, o filme, que pretende ser de terror, acaba por prender o espectador mais pelas relações estabelecidas entre os personagens do que pelo cenário assustador lá fora. Isso não significa que o mundo apocalíptico da trama não assuste. Assusta e amedronta, mas, convida o espectador a compreender que nossos maiores dilemas estão nas relações pessoais e que para algumas famílias isso pode ser mais complicado do que qualquer problema externo.

Apesar de silencioso, o filme ecoa durante algum tempo após o termino, num convite para que reflitamos sobre a importância do que dizemos e deixamos de dizer, e como isso afeta diretamente as nossas relações (sobretudo familiares).

FICHA TÉCNICA :

UM LUGAR SILENCIOSO

Título original: A Quiet Place
Direção: John Krasinski
Elenco: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds,  Noah Jupe;
Ano: 2018
País: Estados Unidos da América
Gênero: Drama,Terror

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“Por que a análise feminista sobre gênero é silenciada” é tema de encontro do Grupo de Estudos Feministas

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O debate é aberto ao público e ocorre no dia 12 de novembro, às 17h, na sala 203, no Ceulp

Acontece na segunda-feira, dia 12 de novembro de 2018, o encontro do Grupo de Estudos Feministas com o tema “Por que a análise feminista sobre gênero é silenciada”, das 17h às 18h, na sala 203, no Ceulp/Ulbra. O debate é aberto ao público e será conduzido pelas acadêmicas Monique Carvalho (Psicologia/Ceulp) e Thainá Ferreira (Filosofia/UFT).

Saiba mais

O Grupo de Estudos Feministas, iniciativa do curso de Psicologia do Ceulp, com orientação da Profa. Me. Cristina Filipakis, procura situar a luta feminista e sua história nos mais diversos contextos objetivando discutir temas que perpassam de maneira transversal as perspectivas e vivências das histórias de diferentes mulheres.

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Esplendor é um filme que toca pelos silêncios

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“Existem momentos na vida da gente, em que as palavras perdem o sentido ou parecem inúteis, e por mais que a gente pense numa forma de empregá-las elas parecem não servir. Então, a gente não diz, apenas sente.”

Sigmund Freud

Parece que, para algumas pessoas, é necessário passar por uma desconstrução conceitual, para que possam alcançar uma proximidade de algo que esteja mais conectado a um sentir-se vivo. E, por esse tipo de processo ou, da perda daquilo que se tem como visível, daquilo que o olhar capturou, é que se poderia usufruir de um necessário processo de individuação.

Assim como outros filmes da diretora Naomi Kawase, “Esplendor” é repleto de imagens muito sensíveis e repleta de muitos sois, conseguindo levar o espectador a imaginação sem trechos de muitas conversas entre seus personagens. De modo irônico ou proposital a diretora consegue mostrar o significado do sentido, subjetivação e ressignificação do simbólico e da linguagem para o espectador, que é exatamente tudo o que os personagens cegos de sua obra vivenciam no filme através de audiodescrição.

Fonte: https://goo.gl/8fDwmz

Perder aquilo que se diz “mais amar” poderia ser então uma possibilidade de reorganização interior. Reestabelecer uma ordem perdida, uma ordem primária, que se daria antes de qualquer tipo de criação e nomenclatura de imagens. Um período anterior ao excedente destas que passaram a se reproduzir de forma incessante, sem equilíbrio algum e, o que é pior, controladas por algo que está fora.

O filme mostra Misako, uma jovem audiodescritora responsável por traduzir os filmes para deficientes visuais, incluindo o fotografo Masaya Nakamori que possui visão parcial e entra em conflito com Misako. A partir daí, os dois passam a se aproximar e a jovem enfrenta traumas de seu passado após se deparar com fotografias na casa de Nakamori, o que fará com que ela assim como ele tenha que ressignificar a constelação significante presente em sua vida, enquanto paralelamente o fotógrafo tem de criar estratégias de enfrentamento para o novo cenário, que inclui a cegueira.

Trata-se de um daqueles filmes em que somos absorvidos pela tela branca que, aos poucos, vai se transformando, se distorcendo por meio de luzes coloridas, na representação de figuras e fissuras, próprias de uma vida humana. Nakamori, seu personagem principal, um fotógrafo que está perdendo a visão, nos incomoda. Provavelmente pelo fato de que não concebemos a ideia de ficarmos por muito tempo sem um parâmetro imagético exterior, mesmo que de forma confusa.

Jacques Lacan propõe que como somos sujeitos de linguagem toda estrutura de ser está sempre aberta a possibilidades. Outras, de subjetivação, desde que o individuo entre em processo de abertura para o Outro. A construção do Eu segundo Lacan, ocorre à imagem do semelhante e primeiramente da imagem que é devolvida pelo espelho, sendo este o meu eu. A partir desta compreensão pensamos que tudo o que outrora um sujeito como ele foi, ele foi devido a linguagem empregada pelas instituições de poder, o meio social vigente, as pessoas que lhe rodeavam, o trabalho, a família, o desejo do semelhante, as constituições dos dispositivos mais próximos à ele de modo geral. Mudando de modo radical a sua condição biológica (no caso, a visão), um processo volumoso para o qual se volta esse indivíduo que também se modifica, transformando o seu Eu em um Outro. Um Outro do qual ele não tem certeza de quem será e como será. O que sem sombra de dúvidas gera muitas crises no indivíduo.

Fonte: https://goo.gl/8nPRaa

Apenas o fato de saber que o personagem é um fotógrafo e que está perdendo sua visão poderá nos levar a uma série de digressões, pois com sua vertiginosa perda da visão ele é lançado em um cenário do vazio, da ausência das cores. Foi por meio de uma vida passada em torno de imagens, reais ou idealizadas, e, tendo seu trabalho carregado de reconhecimento, que ele e os outros passaram o localizar-se no mundo. As imagens parecem que se tornaram absolutas em sua forma de entender e de construir os significados.

Algo que chama muita atenção nas narrativas do filme, é que na vida de Nakamori o seu trabalho de fotógrafo foi o seu objeto de investimento (o gozo), podendo ser notado quando diz que a sua câmera é o seu coração e pelas diversas fotografias espalhadas por sua casa. Nessa perspectiva, pensando em Lacan que trabalha com uma visão também antropológica, podemos pensar que Nakamori vem tornando-se então um indivíduo em crise de identidade devido à impossibilidade de fotografar – logo um sujeito desinvestido.  Sujeito que advém em sua separação simbólica do Outro. Um Outro que até pouco tempo atrás, enquanto tinha toda a sua visão, era ele mesmo.

No entanto, a grande tacada genial do filme dar-se por mostrar o quanto nós humanos produzimos nossa identidade por reflexo. Sendo através deste reflexo, que sei quem sou, e em um jogo narcisista, vamos nos constituindo a partir de fora. Nakamori a todo instante mostra-se bastante resistente às interpretações de Misako e chega a ser ríspido com ela, retirando-se dos encontros de audiodescrições do qual participava. As cenas que se sucedem adiante levam o espectador a sentir/imaginar que ele vê a importância da descrição paciente e serena que Misako lhe proporcionava, tornando-o mais aberto ao seu encontro com ela.

Nakamori segue um caminho para a construção das relações com a jovem, passando então a ficar aberto a uma nova estrutura de sujeito, esvaziando-se do seu antigo discurso de “aquela câmera é o meu coração” através de um ato simbólico que é retratada em meio a uma bela paisagem frente ao mar no qual joga a sua câmera para muito longe e em seguida beija Misako. A cena fazendo paralelo a visão Lacaniana até lembra sua velha afirmação feita aos seus discípulos de que inconsciente se revela nos vazios dos discursos.

Fonte: https://bit.ly/2HL6Ymm

O drama passa em uma atmosfera de sombras e de tons de uma luz própria do crepúsculo vespertino. Nuances de alaranjado dão uma cor às despedidas. Mas, ao mesmo tempo tudo vai se construindo como uma promessa, algo que pode ser engendrado naquele espaço entre a luz e a escuridão. Talvez seja exatamente o que representa a personagem de Misako, a mulher jovem que narra filmes para pessoas cegas. Mas, suas palavras parecem não dizer muito em um mundo em que imagens são construídas totalmente descompromissadas com as referências externas. É como se, para aqueles cegos, essas referências visuais fossem dadas de dentro, o que poderia justificar as falhas sentidas nas suas descrições auditivas. O que parece “visível” nessa história, que trata de cegueira, é esse descompasso entre a imagem visível e sua narrativa. Pois aqui, no mundo dos videntes, parece que construímos uma série de simulacros para distorcer imagens, em função de uma adequação a definições preconcebidas, ou idealizadas.

Enfim, esse filme parece representar um processo de passagem estranho, pois se dá como o contrário daquilo que é experimentado fisicamente pelo seu personagem principal, que sofre a difícil perda de seu pretenso controle e poder do olhar. No entanto, é como que em uma outra instância, ele se permitisse ver algo que até então era evitado, como um ir em direção da luz, o que nos leva a observar com mais atenção ao título original do filme que está em francês, Vers la lumière, que pode ser traduzido como “para a luz”. Eis aí um filme em que com os personagens podemos nos experimentar em um campo sensitivo mais amplo, além de nos possibilitar a beleza da poética de suas imagens.

Fonte: https://bit.ly/2l5SJQb

FICHA TÉCNICA: 

Diretor: Naomi Kawase
Elenco:
 Ayame Misaki, Masatoshi Nagase, Tatsuya Fuji;
Gênero: Romance/Drama
Ano: 
2017

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Estudo de Caso: a fenomenologia-existencial e o silêncio em adolescentes

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O presente trabalho objetiva apresentar as formas com as quais o psicoterapeuta que atua na abordagem fenomenológico-existencial pode lidar com a dificuldade de expressão verbal do adolescente em processo terapêutico, ou seja, o silêncio, onde nem mesmo contato visual é estabelecido. Compreendendo assim, por meio dos pressupostos teóricos fenomenológico-existenciais humanistas, no que consiste a utilização da empatia, congruência, a aceitação positiva incondicional, de como podemos acolher a maneira de ser-existir, que o adolescente encontrou de se mostrar para o mundo, compreendendo seu embotamento e retraimento como uma forma de expressar seus conflitos e experiências existenciais.

A fenomenologia-existencial surge como a terceira força dentro da psicologia é basicamente influenciada pelos pensamentos filosóficos visando, portanto, abordar o fenômeno como ele se apresenta, ou seja, o sujeito em sua atual experiência vivencial, diante de suas dificuldades e conflitos (ARAÚJO, 2010).

A fenomenologia é a ciência que procura abordar o fenômeno, aquilo que se manifesta por si mesmo. Ela tem a intenção de abordá-lo, interrogá-lo, procurando descrevê-lo e tentando captar sua essência. Ela estuda o fenômeno tal qual ele se apresenta a consciência. O método fenomenológico consiste numa descrição sistemática dos fenômenos até chegar a sua essência, ao ponto final e irredutível da percepção” (ARAÚJO, 2010, p. 2).

Torna-se necessário para o psicoterapeuta existencial, saber reconhecer que cada ciclo da vida acarreta suas dificuldades, para que assim a psicoterapia possa atender com total competência não apenas as queixas explícitas do seu cliente, mas sim acolhê-lo em sua completude existencial. Ou seja, o foco da psicoterapia existencial seja que o cliente experimente sua existência como real, tornando-se apto para suas potencialidades e assim saber agir sobre elas (GOMES; CASTRO, 2010).

Fonte: http://zip.net/bntL4V

Partindo dessa breve introdução nos atentaremos a descrever sobre o caso clínico de adolescente de 14 (quatorze) anos com dificuldades em verbalizar tanto em processo terapêutico como fora dele, tendo características estabelecidas de dificuldades de locomoção, rigidez, embotamento afetivo. Também descrevemos sobre o papel do terapeuta em sua abordagem fenomenológico-existencial, a postura clínica diante do silêncio em psicoterapia, considerando a adolescência como um período de crises e que muitas vezes podem se tornar patológico.

Método

O trabalho se desenvolveu em uma clínica-escola de Psicologia em uma universidade na cidade de Palmas – TO, iniciando no mês de agosto e se prolongando até o mês de outubro, no ano de 2016. Foram realizadas seis sessões de psicoterapia individual com duração de 50 (cinquenta) minutos cada, onde seguem a abordagem teórica embasada na técnica não diretiva das correntes fenomenológico-existenciais, que por sua vez são supervisionadas semanalmente.

Fonte: http://zip.net/bftNsz

A não diretividade utilizada nessa corrente teórica psicológica baseia-se no sentido de que o cliente tem direito sobre suas escolhas, sejam elas compatíveis ou não com a do profissional que lhe acompanha (AGUIAR, 2005). Para dar melhores condições ao atendimento foram utilizados de recursos lúdicos como jogos, papeis, canetas, lápis de cor, alguns tipos de brinquedos (família terapêutica, carrinhos), como meio de estabelecer contato/comunicação com o adolescente.

Apresentação do Caso

Adolescente, P.V (nome fictício), do sexo masculino, 14 anos e estudante, reside com os pais e mais três irmãos, configurando-se como uma família humilde e de baixa escolaridade. A mãe e a avó do adolescente procuraram o serviço psicológico na clínica-escola, pois segundo relato de acolhimento de ambas há cerca de oito meses o garoto apresenta comportamentos inadequados. Segundo a mãe, desde pequeno P.V sempre foi quieto e calado, porém nos últimos meses seu silêncio e apatia vêm deixando a família preocupada.

Ainda segundo relato da mãe, antes de se instaurar o quadro de queixas atuais, o adolescente era muito irritadiço, agressivo e ansioso, demonstrando-se desta forma sendo agressivo com os familiares, a partir desses comportamentos que a mãe resolve procurar ajuda profissional.

No ambiente escolar também existe queixas quanto ao seu comportamento, professoras relatam a pouca interação com o restante da classe, só verbaliza quando lhe é questionado algo, poucas vezes faz as atividades espontaneamente, porém não apresenta nenhum déficit de aprendizagem que seja relevante, considerando a situação em que o adolescente se encontra.

Atualmente o adolescente poucas vezes verbaliza em ambiente familiar, sempre se mantém de cabeça baixa, não manifesta nenhum contato visual, físico e afetivo com qualquer outra pessoa, em alguns momentos ocorre a diminuição do apetite, preferindo manter-se isolado de todos.

Anteriormente a ida ao psicólogo, P.V foi levado ao médico, devido às manifestações físicas de quadros prolongados de constipação intestinal, recusa a alimentação e dores no corpo. Diante do grau apresentado de abatimento físico e psíquico do adolescente, logo foi encaminhado ao atendimento psiquiátrico para averiguar outras demandas, como o quadro severo de embotamento, retraimento e não verbalização. Atualmente está utilizando o medicamento rispiridona prescrito pelo psiquiatra com o intuito de auxiliar em seu tratamento e que segundo a mãe, a medicação traz uma melhora no seu estado de ânimo, deixando um pouco mais acessível.

Já em acompanhamento psicológico, P.V está sendo trazido pela mãe, uma vez por semana para a psicoterapia individual. O adolescente comportou-se de maneira rígida, apática, com dificuldades de locomoção, sem verbalização e sem contato visual. As poucas vezes que se obteve algum contato com o garoto, foi por meio de perguntas diretas, onde ele respondia apenas gesticulando a cabeça com “sim” ou “não”. O tratamento tem como objetivo inicial, a compreensão de tal silêncio e embotamento como forma de se apresentar ao mundo e como isso pode está sendo visto como forma de enfrentar vida, e assim auxiliar por meio dos recursos não diretivos a sua melhoria, tanto psíquica como física.

Fonte: http://zip.net/bntNCY

Após alguns atendimentos com P.V sem muitas evoluções significativas, a mãe foi chamada novamente para uma sessão, tendo como objetivo conhecer o ambiente familiar e o atual contexto que o adolescente se encontra. A mãe relatou brevemente sobre o desenvolvimento do filho fazendo sempre uma comparação com os demais filhos, que se segundo ela se desenvolveram normalmente.

A responsável narrou também sobre a sua própria história de vida, contanto sobre episódios de violência doméstica por parte de seu padrasto quando ela – a mãe – ainda era adolescente. Conta ainda sobre seu casamento com o pai de P.V e o período que ele ficou fora de casa, relatando como um período complicado de sua vida. Ao falar sobre o marido, o pai de P.V, a mãe não se delonga muito em ressaltar sua participação na vida do filho adolescente, narrando com certo desconforto sobre a relação dos dois, e descreve que desde que P.V tem demonstrado tais comportamentos o pai se afastou bastante do filho.

Após o atendimento com a mãe ter sido enfatizado nos aspectos familiares, P.V teve duas faltas consecutivas, a primeira justificada pela mãe, devido problemas no trabalho, a segunda sem nenhuma satisfação. A estagiária retornou as ligações em busca de compreender tais faltas, porém não conseguiu contato com os responsáveis. Diante dos fatos e seguindo regras da clínica-escola, o cliente foi desligado do serviço psicológico tendo alcançado apenas seis encontros com a psicóloga estagiária.

A clínica fenomenológica-existencial e o atendimento com adolescentes

A formação em Psicologia Clínica perpassa por muitas inseguranças e modificações para lançarmos o nosso olhar sobre o outro, sabemos que muitas vezes o senso comum vê a atuação clínica como algo curativo, que pode proporcionar a diminuição total do sofrimento do sujeito e que coloca o terapeuta em uma posição onipotente. Sabe-se que não é bem assim, e para evitar tais pensamentos enquanto profissionais, especificamente da perspectiva existencial, deve-se dedicar a compreender o adoecimento e o sofrimento de cada sujeito, não lhes assegurando uma cura, mas uma tomada de consciência sobre sua real existência.

A clínica psicológica dentro dessa abordagem existencial propõe a respeitar todas as experiências do cliente e a sua autonomia para dar novo sentido a sua história de vida, sendo que para isso, o terapeuta deve ir além do ouvir as palavras ditas, utilizando-se da escuta ativa e empática para chegar ao significado contextual e simbólico do que está sendo dito pelo cliente. Para tornar mais sintetizado, o terapeuta se coloca em uma postura de facilitador das expressões de seu cliente, para isso não se utilizando da interpretação, mas sim, da compreensão existencial imediata do cliente (GOMES; CASTRO, 2010).

Sabe-se que em psicoterapia a maior ferramenta de trabalho é a fala, porém quando não possuímos essa atitude do cliente deve-se notar que a comunicação não é apenas verbal, podendo ser expressa também de um modo não-verbal onde o “falar” pode se ter um sentido mais amplo, em apenas “comportar-se”.

Mesmo se terapeuta e paciente iniciam a terapia pela fala, muitas mensagens são transmitidas de forma não verbal ao longo do processo, e cada um, paciente como terapeuta, aprende a “ler” e interpretar a linguagem silenciosa do outro no diálogo terapêutico. (FIGUEIREDO, 2005, p.32).

Miranda e Freire (2012), em seu artigo sobre comunicação terapêutica, nos traz um pensamento do próprio Rogers, que em seu livro “Tornar-se Pessoa” (1961-1997), relata seu entendimento sobre as maneiras de se comunicar, nos dizendo que, normalmente uma pessoa desajustada possui muitas dificuldades em falar, pois rompeu a comunicação consigo mesmo sendo, portanto o resultado disso o prejuízo com a comunicação com os outros.

Com base nos fundamentos teóricos sobre fenomenologia-existencial, considera-se que existencialmente a fase da adolescência e puberdade se configura em um modo de existe totalmente desconfortável. As cobranças familiares, sociais dentro desse processo acarretam diversas formas de sofrimento ao sujeito em transição, tanto no que se refere ao corpo físico, sua maneira de comportar e pensar, ou seja, percebe-se um verdadeiro conflito existencial (FERREIRA; ANASTÁCIO, 2012).

Fonte: http://zip.net/bltM22

É importante ressaltar antes de tudo que a adolescência por si só já se caracteriza como uma fase crítica e complexa no desenvolvimento humano, pois exige do sujeito que não é mais criança e ainda também não se reconhece como adulto, algumas atitudes, decisões, escolhas muito severas e até mesmo definitivas. Por isso torna-se necessário um contato mais sensível, sem cobranças e imposições para que o tratamento seja bem aceito pelo cliente (MIRANDA, 2012).

A falta de compreensão dessa fase do ciclo vital pode deixar as condições existenciais ainda mais densas e insuportáveis, fazendo com o jovem se feche completamente para o mundo exterior, silenciando seu sofrimento de maneira patológica. Tomamos uma definição de Silva et.al (2011), onde a autora considera as teorias de Piaget sobre o desenvolvimento humano, nos relatando que a adolescência é uma fase que se manifesta logo após a infância e antecede a juventude, momento de total insegurança, instabilidade e questionamentos. Caracterizando-se por uma intensa busca de si mesmo, encontrando-se constantemente com crises e contradições, além disso, os familiares, amigos e até mesmo a sociedade se prejudica com tal situação.

De alguma maneira a palavra adolescência nos remete a uma forma de adoecer e de sofrer, podemos confirmar tal pensamento tomando as ideias de Jerusalinsky (2004) quando ele fala sobre adolescência e contemporaneidade, relatando que o sofrimento pela falta da proteção da infância passa a se tornar uma exposição, exposição essa que por sua vez causa sofrimento e sentimentos de desamparo e angústia.

Diante de tais sentimentos nessa fase, é que de alguma forma o sofrimento psíquico vai se instalando de forma gradual, em nosso estudo de caso especificamente observamos uma maneira de se mostrar para um mundo em que o silêncio foi única saída para tais sensações de exposição.

O quadro de embotamento e o silêncio pode ser um comportamento apresentado por muitas pessoas com o intuito de fugirem do mundo externo e de suas experiências. Sabemos que o ser humano é afetivo e que precisa dessas manifestações para conviver de maneira saudável. Partindo-se da conceituação de afetividade descrita por Ballone (2005), para compreender melhor a sua importância. Portanto afetividade é como uma energia capaz de impulsionar o indivíduo para a vida, como uma energia psíquica dirigida ao relacionamento do ser com sua vida, como o humor necessário para valoração das vivências.

Quando essa energia já não é mais suficiente, nos deparamos muitas vezes com quadros graves de doenças psicológicas como a depressão, ou seja, a falta de vontade de enfrentar a vida é maior do que vontade de expressar seus conflitos e problemáticas a serem melhoradas. É por meio do se manter calado que sujeito, neste caso o adolescente, vai “enfrentando” as vicissitudes do seu processo de desenvolvimento (JERUSALINSKY, 2004).

O silêncio psicoterapêutico como manifestação do sofrimento

É recorrente ouvir-se falar sobre como o silêncio em psicoterapia se torna um momento angustiante, principalmente para o terapeuta em formação, que está em processo de estágio e que diante disso muitas vezes acredita não estar fazendo um bom trabalho. Como terapeutas existenciais entende-se o quão importante é a fala no processo de trabalho terapêutico, porém em alguns casos deparamos com a ausência dessa manifestação verbal e a partir daí temos uma nova forma de entrar em contato com o fenômeno, ou seja, por meio da compreensão empática dos comportamentos não verbais.

É preciso salientar que o terapeuta deve examinar e apreender a linguagem verbal e não verbal do cliente, sempre baseado no contexto. Nas palavras de Erthal (1995), o silêncio, a imobilidade ou qualquer outra forma de renúncia já em si uma comunicação” (ALMEIDA; NETO, 2012). De frente a tal dificuldade é necessário um olhar mais compreensivo do que interpretativo, e dar consciência ao cliente sobre essa experiência de se calar. Fazemos isso por meio de intervenções mais assertivas, ou seja, fazer com o que o cliente perceba os seus comportamentos, sinalizando para ele suas condutas e a sua forma de comunicação não verbal.

No caso clínico descrito nesse trabalho, o adolescente se recusa não apenas a se expressar, a sua recusa esta estabelecida também diante dos contatos afetivos e sociais, na sua alimentação, no seu modo de andar. Torna-se complexo para esse sujeito, colocar para fora, de modo literal, todas suas manifestações, a sua forma de existir consiste em está totalmente voltado para dentro, onde o mundo exterior não é aceito.

Fonte: http://zip.net/bjtNsS

Em busca dessa compreensão utilizamos do conceito da redução fenomenológica, ou seja, entrar em contato com o que é observado no fenômeno de maneira limpa, sem se utilizar de qualquer juízo de valor (époche), para dar significado às experiências do cliente (HOLANDA, 1997). Nesse sentindo a redução é observar o fenômeno do silêncio e apreender para além do não é dito, é considerar que sua totalidade existencial que vai além de uma hipótese diagnóstica e interpretativa e sim lançando um olhar para o sujeito integral que está em terapia.

Outra característica expressa por esse adolescente está em estabelecida por meio de um embotamento severo, onde o contato afetivo e social está sendo negado pelo sujeito, suas experiências estão se voltando para um mundo interno, impossibilitando o acesso do terapeuta por meio da fala. Tornando-se apenas possível estabelecer o contato e possível vínculo, por meio de perguntas diretas e objetivas, sendo correspondidas com “sim” ou “não” expresso por movimentos com a cabeça. Mediante isso, o papel do terapeuta é assinalar para o cliente que essa foi a maneira encontrada para lidar com o vazio.

Enquanto psicólogos clínicos existenciais, devemos compreender que cada sujeito vê grandes obstáculos em sua existência, cabendo a nós auxiliá-los a enxergar a vida como algo possível e real, fazendo isso por meio da tomada de consciência. E que em alguns momentos o calar-se não é um ato de covardia, mas sim de luta, muitas vezes contra si mesmo. Portanto, cabe a nós como profissionais aprendermos a lidar com o nosso próprio silêncio para que o processo terapêutico se torne um espaço em que possamos ouvir para além do que é dito, um espaço de acolhida, mesmo que a princípio não seja manifestado nenhuma fala.

Considerações Finais

Partindo das considerações expostas sobre o caso clínico, do papel do terapeuta que utiliza da abordagem fenomenológica-existencial diante do silêncio manifestado em psicoterapia, nos resta compreender que em qualquer problemática encontrada dentro da terapia existencial, torna-se necessário a aceitação do sujeito como ele se apresenta no momento imediato, ou seja, no aqui-e-agora, acolhendo o seu modo de se expressar pelo silêncio.

Fonte: http://zip.net/bttPcL

Com relação ao desligamento do caso torna-se importante pensar que não se trata de uma falha ou incapacidade do terapeuta em se vincular ao cliente ou vise e versa, em muitos casos a não adesão ao tratamento – principalmente em caso de menores de idade – a dificuldade de aceitar uma intervenção profissional parte dos pais ou responsáveis. Diante disso cabe ao terapeuta considerar as circunstâncias e entender que a percepção fundamental sobre o tratamento cabe ao cliente e não ao profissional, a escolha e responsabilidade sobre a terapia e dele e não nossa (AGUIAR, 2005).

O psicólogo tomando o seu papel de facilitador tem como função dar luz à consciência do cliente, dando meios para que a sua existência tome forma e sentindo, possibilitando uma nova perspectiva de ser e principalmente exaltando as suas potencialidades diante dos conflitos existenciais. Para que isso seja efetivado se torna necessário uma postura ativa e empática, compreendendo o contexto simbólico do que esta sendo expresso pelos comportamentos e pela forma que o cliente encontrou de ser no mundo.

REFERÊNCIAS:

AGUIAR, Luciana. Gestalt- Terapia com crianças: teoria e prática. São Paulo: Summus. 2005.

ALMEIDA, Elce Queiroz; NETO, Raquel. A clínica fenomenológica-existencial. Blog da Newton Paiva: Revista de Psicologia. Belo Horizonte, p. 1-2, 2012. Disponível em: < http://blog.newtonpaiva.br/psicologia/wp-content/uploads/2012/08/pdf-e2-13.pdf>. Acesso em: 20 setembro 2016.

ARAÚJO, Ariana Maria Leite. O diagnóstico na abordagem fenomenológica-existencial. Revista IGT na Rede. v.7, n.13,p. 316-323, 2010. Disponível em: <www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=1678&article=289&mode=pdf>. Acesso em: 19 setembro 2016.

BALLONE, José Geraldo. Alterações da Afetividade. In: Psiqweb. 2005. Disponível em: <http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=128>. Acesso em: 20 setembro 2016.

FERREIRA, Luciana Neves; ANASTÁCIO, Fernando Dório. Adolescência e algumas questões existenciais. Revista de Psicologia. Belo Horizonte. p. 39-41, 2012. Disponível em: http://blog.newtonpaiva.br/psicologia/wp-content/uploads/2012/06/pdf-e3-10.pdf. Acesso em 30 nov 2016.

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Afeto: potencial minimizador de suicídio

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Quando se quer entender as causas que levam a pessoa a cometer suicídio, é necessário analisar o estado emocional em que o indivíduo se encontrava antes de praticar tal ato. Ao analisar a pessoa, conseguimos identificar alguns aspectos que podem ter levado ao suicídio como: a solidão, a baixa autoestima e a não aceitação nos padrões da sociedade. A maioria desses aspectos é silencioso – nos quais serão abordados com mais ênfase ao longo do trabalho, juntamente com outros fatores que desencadeiam o suicídio. Quem está em volta só percebe quando tem um contato próximo com a vítima. O silêncio só ocorre no meio externo, internamente a pessoa está com pensamentos constantes e doentios, que muitas vezes levam a fazer o ato.

Segundo Émile Durkheim (1897, p. 360): “A tristeza não é inerente às coisas; ela não nos vem do mundo e pelo simples fato de o pensarmos. Ela é o produto de nosso próprio pensamento. Somos nós que a criamos integralmente, mas para isso é preciso que nosso pensamento seja anormal.” A solidão é um dos males que tem feito muitas pessoas desistirem de viver. A falta do afeto, dos amigos e da própria família leva muitos a tirarem suas vidas, para se livrarem do isolamento de alguma forma. Estas pessoas muitas vezes não estão só, elas podem estar rodeadas de amigos e parentes, entretanto, mesmo assim se sentem só e isoladas interiormente. Esse afastamento, sistematicamente nem notado, causa um estado de profunda tristeza, pois a pessoa só consegue enxergar seu estado de miséria. Durkheim explica esse estado de isolamento no seu livro O Suicídio (1897, p.358):

Quando, portanto, a consciência se individualiza além de um certo ponto, quando se separa muito radicalmente dos outros seres, homens ou coisas, ela já não se comunica com as próprias fontes em que normalmente deveriam se alimentar e não tem nada a mais que possa se aplicar. Produzindo o vazio em torno dela, produziu o vazio em si mesma e nada mais lhe resta sobre o que refletir a não ser sua própria miséria.

A solidão faz com que a pessoa viva um vazio intenso, além disso, ela ainda sofre com os padrões da sociedade, que muitas vezes são inalcançáveis, gerando nela uma baixa autoestima. Os indivíduos vivem fundamentados em diversos padrões, muitas vezes nem percebidos, a maioria da população não consegue seguir essas exigências, mas por causa da grande influência da mídia, a maioria acredita ser essencial buscar viver guiado por esses aspectos, nos quais as guiam de uma forma sutil. Essas exigências, que são muitas vezes não são alcançadas, provocam nas pessoas um sentimento de fracasso, gerando consequentemente uma baixa autoestima.

Fonte: http://zip.net/bntLwL

Como afirma Durkheim (1897, p. 322): “[…] Mas então suas próprias exigências tornam impossível satisfazê-las. As ambições superexcitadas vão sempre além dos resultados obtidos, sejam eles quais forem, pois elas não são advertidas de que não devem avançar mais. Nada as contenta, portanto, e toda essa agitação alimenta a si mesma, perpetuamente, sem conseguir saciar-se […]”.

Em toda e qualquer idade se vê o sofrimento por causa disso, porque para a maioria das pessoas o sentir-se bem significa ser aceito na comunidade, e a não aceitação gera um mal-estar. Qual seria a forma para diminuir a solidão, e estabilizar a autoestima das pessoas, sendo que a maioria sofre de alguma forma com esses aspectos, uns mais e outros menos? A resposta seria: O afeto. Porque através dele o indivíduo consegue se sentir acolhido, mais amparado, amado e aceito, gerando assim laços fortes que ajudam a diminuir esse mal estar que leva ao suicídio.

A importância da Sociedade na Minimização do Suicídio 

É fácil notar que o ser humano não nasceu para viver isolado. Buscamos constantemente, até mesmo inconscientemente, nos sentir pertencentes a algum meio. Segundo o livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, estar integrado a um meio íntimo e amoroso é fundamental para a nossa sobrevivência, pois por um lado pode evitar um ato suicida e por outro pode fortalecer nossa saúde física e psicológica.

Fonte: http://zip.net/bdtLZf

A sociedade em si tem um papel importantíssimo na minimização do suicídio. Por exemplo, umas das pesquisas mais importantes sobre o suicídio foi realizada pelo sociólogo Durkheim, no qual fala que a decisão de tirar a própria vida, sempre teria um fundamento social: “[…] a pesquisa de Durkheim o levou a concluir que o principal fator que afetava o índice de suicídios era o grau de interação social dos grupos. Verificou que o nível de integração de um indivíduo a um grupo determinava a maior ou menor probabilidade de esse indivíduo cometer suicídio”  (ORNISH, 1998, p. 31).

Ou seja, quando as pessoas se sentem amadas e aceitas por um grupo, elas têm menos chances de cometer suicídio, apesar desse não ser o único fator. Logo, pesquisas exibidas no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, M.D, comparam pessoas que têm pouco ou nenhum envolvimento com a família, grupo de amizade sólido, até mesmo envolvimento em comunidades ou seitas religiosas, enfim, a sociedade em si, com pessoas que têm muito envolvimento com o corpo social e perceberam que os indivíduos que continham muita interação eram os mais saudáveis psicologicamente e fisicamente mesmo que estes se preocupassem menos com a saúde do que aqueles que tinham pouco envolvimento, mas praticavam exercícios físicos.

Portanto, podemos perceber que ter uma boa relação com o meio no qual estamos inseridos, implica diretamente na saúde física e psicológica e se o nosso físico e psicológico estão fortalecidos é mais difícil adquirir um quadro depressivo no qual no futuro poderia desencadear no suicídio. Concluindo, uma boa relação afetiva com o âmbito social pode evitar um impulso kamikaze.

Fonte: http://zip.net/bltKZK

Porém, se a anulação à sociedade pode gerar um mal-estar, a socialização demasiada também pode causar o mesmo efeito. Segundo o sociólogo Émile Durkheim no seu livro O Suicídio, quando o indivíduo está totalmente integrado à sociedade ele poderia tirar a própria vida em benefício de alguém ou de alguma crença, como, por exemplo, os mártires da igreja católica. Para esse tipo de suicídio Durkheim deu o nome de altruísta, no qual também definiu suas características: detém o sentimento de dever cumprido, entusiasmo místico e coragem tranquila. Eis os dois lados da sociedade e sua influência sobre o ato do suicídio e como o a importância do afeto como minimizador do atentado à própria vida.

A Importância da Família do Afeto 

Uma base familiar sólida, com vínculo afetivo é de extrema importância para o desenvolvimento saudável do psíquico/emocional. Quando a criança não possui, ou seja, não recebe esta referência, a tendência de se tornar um adulto inseguro, carente e dependente de uma ligação afetiva, faz que com que ela crie vínculos superficiais, a fim de se defender de futuras decepções. Outro ponto relevante é a forma como o adulto trata a criança, os gestos, às expressões sobre como ela é, isso, se concretiza, podendo assim analisar sua personalidade. Esse cuidado é fundamental, pois o comportamento na infância repercutirá na vida adulta desse ser. Assim como diz Dean Ornish: ‘’[…] os pais são geralmente a fonte mais importante de amor, apoio social e intimidade em nossa vida’’ (ORNISH, 1998, p. 45).

Fonte: http://zip.net/bttL9B

Em se tratando da adolescência onde essa fase é cheia de conflitos, transformações biológicas, psicológicas e sociais, a família deve estar totalmente atenta, a fim de lidar com as inseguranças desse adolescente que se vê cheio de cobranças diante as tantas mudanças. De acordo com Dean Ornish: ‘’[…] o apoio emocional pode proporcionar uma sensação de finalidade, significado e de pertencer ao mundo que vive. Onde se encontra o importante papel da família.’’ (ORNISH, 1998, p. 35).

A fase adulta é onde a busca da realização profissional, formação da família, a chegada dos filhos e a independência financeira traz importantes responsabilidades, o que muda completamente a vida do ser humano, onde a maturidade emocional deve estar em perfeita harmonia. Ou seja, ‘’[…] se sua experiência familiar foi repleta de amor e carinho, você tem maior probabilidade de ser aberto em seus relacionamentos atuais’’ (ORNISH, 1998, p. 45).

Enfim, a família pode ajudar o depressivo, buscando ter um relacionamento íntimo e recíproco, ou seja, lhe dando carinho, respeito, proporcionando incentivos, permitir que o deprimido dialogue a respeito da vontade de tirar a própria vida e principalmente ser empático e responder com amor a essa conversa, ao ponto da pessoa se sentir acolhida, segura e amada. Não existem dúvidas de que a família deve buscar conhecimento sobre o assunto, se preparar, para então ajudar e dar o apoio necessário, porém, mais que isso é preciso estar atento ao comportamento do parente, estar disposto a se envolver e incentivar o deprimido para que o mesmo não abandone o tratamento. Outro fator relevante é buscar ajuda em grupos de apoio, onde todos abordarão sobre o mesmo assunto, no qual irá contribuir para o entendimento da depressão.

Fonte: http://zip.net/bbtLlw

Por fim, ‘’ […] depende de vários fatores, principalmente da forma como cada um de nós enfrenta o problema, o nível de informação de que dispomos (nós familiares e amigos) para lidar com ele, e as redes de assistência disponíveis’’ (TRIGUEIRO, 2000, p. 70). O fato é que varias hipóteses podem ser levantadas, porém nenhuma delas se pode generalizar, visto que cada ser humano tem suas particularidades quando o assunto é suicídio, e o mais importante não subestimar e nem menosprezar as atitudes suicida e o comportamento desse familiar.

A Solidão

A vida solitária passa a ser um problema quando causa sofrimento na pessoa, e esta começa a se isolar da sociedade entrando, em um quadro depressivo, pois, ela carrega consigo uma sensação de desesperança e incapacidade de sentir prazer e vontade, ou seja, nada vale a pena, nem mesmo a vida. ‘’Sou eu que preciso de ajuda ou o mundo se tornou mesmo um lugar estranho, sem graça?’’ (TRIGUEIRO, 2000, p.63).

Fonte: http://zip.net/bttL9C

Como visto no tópico sobre a importância da sociedade; estar totalmente ou parcialmente afastado da comunidade pode gerar um mal-estar na saúde e no psicológico das pessoas. Pesquisas expostas no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish mostram claramente este argumento à respeito da saúde: ‘’Por exemplo, há mais de quarenta anos, observou-se que os índices mais altos de tuberculose são registrados em pessoas isoladas, com pouco apoio social, mesmo quando moram em bairros ricos’’(ORNISH, 1998, p. 38). Se o isolamento causa este tipo de doença física na pessoa, pode-se imaginar o que se causa no psicológico também. Por este motivo que é tão fácil uma pessoa apartada da sociedade, por vontade própria, cometer suicídio. O que se sabe é que depressão não tratada leva o indivíduo ao suicídio, pois quem sofre com esta doença acha que se matando irá acabar também como o seu sofrimento.

O apoio familiar é de suma importância, ao ponto de ser um bom ouvinte sem julgar sem querer dar conselhos ou opiniões, buscar conhecer esse sofrimento, levar em consideração tudo que se ouve, estar disponível a ajudar fazendo a ver o quão importante ela e sem fazer comparações, buscar ver a situação do ponto de vista que causa tanto sofrimento. ‘’Também reconhecida como transtorno do humor, a depressão se manifesta de diferentes maneiras ou graus de intensidade. Se imaginarmos uma alma de ferro que se desgasta de dor e enferrujam com a depressão leve, então a depressão severa e o assustador colapso de uma estrutura inteira” (TRIGUEIRO, 2000, p. 71).

Fonte: http://zip.net/bltKZL

O ser humano tem a necessidade de se sentir pertencente a algum grupo e necessita ver na sua vida alguma razão para a sua existência, isso faz com que nós experimentamos o bem estar. A solidão se agrava quando o indivíduo não tem essa perspectiva de que é importante e de que sua vida tem algum valor para a sociedade em geral, como afirma Émile Durkheim:

 […] é necessário que, não apenas de quando em quando, mas a cada instante de sua vida, o indivíduo possa perceber que o que ele faz tem um objetivo. Para que sua existência não lhe pareça vã, é preciso que ele a veja de modo constante, servir a um fim que lhe diga respeito imediatamente. Mas isso só é possível desde que um meio social mais simples e menos extenso o envolva de mais perto e ofereça um fim mais próximo à sua atividade (DURKHEIM, 2000, p. 489).

A solidão pode ser vivida mesmo a pessoa estando no meio da multidão, por isso o afeto desde a infância é algo extremamente necessário, a família precisa dar apoio desde as primeiras horas de vida até a velhice, para assim evitar futuros problemas emocionais que na maioria acarretam suicídio.

O Egoísmo

A primeira vez que um ser humano se juntou ao outro foi a partir da necessidade de procriação, e com isso o número da população foi crescendo aos poucos, tudo era feito em conjunto desde caçar, se alimentar, se proteger, entre outros aspectos que fizeram que a raça humana se perpetuasse. A sociedade aos poucos foi mudando e sempre que havia união entre as pessoas algo mudava no mundo.

Aquele velho ditado que diz que a união faz a força realmente tem muito sentido, desde revoluções a terríveis guerras, mesmo sendo algo tão destrutivo. Mas algo está mudando na vida das pessoas, uma peça chave está mudando todo conceito de unidade: o egoísmo. Na pós-modernidade o tempo acelerado tem feito as pessoas focarem mais em si, formando assim uma sociedade mais egoísta. Como exibido no livro Amor e Sobrevivência de Dean Ornish, a atenção, o amor, a dedicação muda muita coisa, podendo prevenir doenças e até mesmo o suicídio, que é o principal foco desse trabalho.

Fonte: http://zip.net/bgtLp6

O egoísmo tem mudado muitos aspectos pelo mundo, no qual altera inúmeras realidades, como diminuição do numero de natalidade, maiores casos de depressão, doenças cardíacas, aumentou os casos de suicídio, e a realidade de cada lugar do mundo mesmo que por muitas vezes sendo diferente, tem a mesma consequência. Quando o nós saiu de cena e entrou apenas o eu, é perceptível a mudança em um contexto geral. A individualidade, ou seja, não conseguem interagir mais socialmente, não interagindo com a família, amigos, entre outros grupos sociais existentes, não sentem mais aceitos no mundo, e surgem pensamentos melancólicos, como ninguém me aceita, ninguém gosta de mim, ninguém me entende, entre outros pensamentos negativos que vão deixando a pessoa cada vez mais pra baixo, chegando ao extremo de tirar própria vida.

Considerações Finais

O que fazer para mudar isso, como acabar com egoísmo e o suicídio, como perceber que uma pessoa precisa ser amada e aceita pela sociedade e pela família sem direcionar essa resposta levando a culpa para o governo ou para órgãos responsáveis? Não tirando de lado alguns erros causados pelos mesmos, mas a principal mudança precisa partir do eu para chegar ao nós. Se tirássemos as vendas dos olhos, seria bem possível ver que matamos pessoas, não diretamente, mas moralmente, por conta de agressões verbais, nas quais podem causar inúmeros problemas.

O amor seria uma forma de curar o mundo, pois o amor teria que começar principalmente no indivíduo, que seria o amor próprio, e depois ir para um todo, se assim fosse, os índices de suicídio diminuiriam de uma boa parte, pois nem tudo é causado por um único agente, como foi exposto neste trabalho, tem vários casos e fatores nos quais são muito subjetivas as causalidades que levam uma pessoa a tirar a própria vida. Entretanto, se tivesse união de verdade entre as pessoas, não seria por falta de amor que as pessoas morreriam no mundo.

Fonte: http://zip.net/bptL4K

Vale apena pensar se o que eu faço contribui apenas pra mim, ou pode ajudar uma pessoa, como dizia Newton em uma de suas leis tudo que fazemos tem uma consequência, então vale apena investir em coisas que ajudem a todos, às vezes conseguimos aquilo que queremos ajudando o outro, e muitas vezes mesmo querendo receber um abraço, dando um abraço em quem precisa mais de você é que se recebe a recompensa. “A percepção do amor… pode vir a ser um preventivo central biopsicossocial-espiritual, reduzindo o impacto negativo dos agentes estressantes e patogênicos e reforçando a função imunológica e a cura” (ORNISH, 1998, p. 40).

Nota: Ensaio elaborado como parte das atividades da disciplina de Filosofia do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, sob supervisão do prof. Sonielson Sousa.

REFERÊNCIAS:

DURKHEIM, Émile. O suicídio: estudo de sociologia. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 513 p., il.

MENDES, André Trigueiro. Viver é a melhor opção. 3. ed. São Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno, 2017. 190 p., il.

ORNISH, Dean. Amor & sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 263 p., il.

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O quiproquó de Hannibal Lecter em “O Silêncio dos Inocentes”

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“Você me diz o que quero saber
e eu digo a você o que quer saber”

Hannibal Lecter

 

O personagem Hannibal Lecter, criado por James Harris já apareceu numa série de livros do escritor norte-americano, a saber: Domingo Negro (1975), Dragão Vermelho (1981), O Silêncio dos Inocentes (1988), Hannibal (1999) e Hannibal, A Origem do Mal (2006). Nesta plêiade de romances, acompanhamos a construção, desenvolvimento e desdobramentos da complexa e imensurável argúcia e sapiência da mente do médico e psiquiatra lituânio, naturalizado estadunidense, que também tem como principal característica seu insano gosto pela antropofagia, de preferência dos seus próprios pacientes que não apresentam melhoria ao longo das sessões de tratamento.

Neste texto será feita uma forma de análise dualística, pois, poucas vezes, com felicidade rara, a obra fílmica e literária, dialogaram tanto uma com a outra em seus conteúdos, enredos, personagens e ambientes com harmonia, autonomias particulares e respeito mútuo. Portanto, vez ou outra serão trazidos à tona tanto elementos do filme dirigido por Jonathan Demme em 1991, como a obra original homônima lançada por Thomas Harris em 1988.

Jodie Foster e Anthony Hopkins arrebataram ambos os prêmios de melhor atriz e melhor ator, na premiação do Oscar de 1992, por suas atuações como Clarice Starling e Hannibal Lecter respectivamente na adaptação de Harris, e outras premiações divididas em categorias como melhor direção, melhor filme estrangeiro, adaptação de roteiro, mixagem de som, trilha sonora, edição, dentre outros.

No filme Lecter aparece por meros 18 minutos, num total de quase duas horas de projeção, e, do mesmo modo, no livro menos de uma dezena dos sessenta e um capítulos são dedicados ao doutor canibal. Esta característica da exposição da personagem central, do romance e do suspense, mostra de maneira explícita a capacidade possuída por Lecter de prender tanto o leitor como o espectador em seus olhares, trejeitos, falas, manifestações e interações com os demais integrantes da trama.

Por outro lado, no que diz respeito à Clarice Starling, o seu cotidiano, emoções, reações, pensamentos, reações e situações também são mostradas aos poucos, principalmente no romance. A exposição dos pensamentos, muitas vezes em reações de indecisão, contrariedade ou insegurança, é passada com friso por Harris, e, infelizmente, no filme por haver uma clara diferença na representação etária da estagiária do FBI por Foster, estes elementos, que fortalecem o enredo do livro, acabam se perdendo, mas sem um prejuízo considerável a despeito da força das imagens alcançado por Demme.

A personagem que mais sofreu alteração na comparativa entre o filme e o livro foi Jack Crawford, já que na referência fílmica possui um ar muito mais amigável e aprazível que o cinzento, introspectivo e metódico original de Harris. Mas, este detalhe não diminui a relevância e originalidade da versão fílmica da estória, pelo contrário, contribui para individualizá-la ainda mais, mesmo perante sua fonte inspiradora, no romance de James Harris.

Imago Oximóron

Vemos em Clarice a herança de personagens femininas que quebraram barreiras no cinema de grande porte, em searas como o suspense, terror, aventura e ação, como Ellen Ripley (da tetralogia Alien, interpretada por Sigourney Weaver), Sarah Hardin (The Lost World, 1995 de Michael Crichton) e Amelia Donaghy em The Bone Collector de Jeffery Deaver. Em todas estas histórias a protagonista feminina precisa enfrentar desafios inconcebíveis, colocando-a em ampla situação de enfrentamento com suas limitações, medos e perspectivas de superação para tais desafios de tão grande alcance, sempre com uma representação, de alguma maneira, figurativa à um monstro ou algo desta natureza.

Em dado momento, num dos raros e profundos diálogos com o Dr. Lecter, Clarice Starling tenta perfilar as características do assassinode jovens mulheres conhecido como Bufallo Bill, já que esta foi a missão delegada à ela pelo seu superior Jack Crawford. E, mesmo sabendo de muito mais informações do que aquelas selecionadas em transparecer ao FBI, Lecter entrega pistas para Starling, a fim de que esta consiga chegar ao feitor dos esfolamentos e feminicídio sozinha.

A metáfora utilizada por Lecter para definir Bill se dá pelo termo imago, comum à psicanálise e depreciada pelo doutor, mas de muita utilidade na compreensão do que é ou do porque do comportamento tão peculiar de Buffalo Bill. Conforme segue, nas palavras do próprio Dr. Lecter à Starling, imago: “É um termo da falecida religião da psicanálise. Imago é uma imagem dos pais enterrada no inconsciente desde a infância e cercada de infantil afeto. A palavra vem das imagens de seus ancestrais feitas de cera que os romanos antigos carregavam em procissões fúnebres” (Dr. Lecter, 1989, p. 144).

E, no auge de sua atitude ministerial, o Dr. Lecter não se mostra muito afeito a explicar para a recruta os detalhes a que esta não consegue alcançar, ou desmembrar, exibindo parte de sua arrogância e prepotência perante tais atitudes, inevitavelmente imaturas, de Starling: “Quando você mostra essa estranha inteligência contextual, eu perdoo sua geração por não saber ler, Clarice. O Imperador aconselha a simplicidade. Princípios primários. Sobre cada coisa particular pergunte: o que ela é em si mesma, em sua própria constituição? Qual é sua natureza casual?” (Dr. Lecter, 1989, 150).

Em relação ao termo oximoro, este não aparece em ambas as obras, mas pode ser modulado como complementação ao de imago. O verbete oximoro vem do grego ?ξ?μωρον e significa algo que, em si, abarca um paradoxo em manifestação e definição – o clássico soneto sobre o amor de Luís Vaz de Camões é o melhor exemplo de oximoro em língua portuguesa. O encaixe de tal expressão se relaciona com a de imago, como sugerida pelo Dr. Lecter, pelo fato do assassino transexual Buffalo Bill desejar ser aquilo que não pode, ou seja, uma mulher (vide a cena em que encarna este desejo ao som de Goodbye Horses em dado momento do filme), e, encontra na esfoladura de jovens mulheres uma sádica alternativa em realizar este desejo impossível, no processo de “costura” destas peles para se transformar naquilo que não conseguira ser, em nascimento ou maturidade: uma mulher.

Portanto, não é de se surpreender que o símbolo ao qual as obras fílmica e literária utilizam como remetente à Búfallo Bill seja a emblemática mariposa asiática também conhecida como cabeça da morte (Acherontia styx), por seu singular sinal em formato de caveira no dorso na fase adulta. Conforme explica Dr. Lecter, o calvário do feminicida se consuma em seu eterno estágio psicológico de pupa, rejeitando sua condição inicial, masculina, sem jamais poder chegar ao ponto que almeja e deseja em sua psicose, tornar-se uma mulher, como as jovens a quem caça impiedosamente.

O aprendiz profano de Delfos

Aníbal, o grande rei cartaginês, viveu em meados do século III a.c, sendo considerado um dos maiores déspotas e estrategistas militares da antiguidade. Não por coincidência este é o nome dado por Harris ao seu personagem principal, conferindo-lhe ainda mais vigor, supremacia, intimidação e poder. Na ficção proposta, o Dr. Lecter nasceu na Lituânia, vindo a se refugiar com seus pais na América, após os conflitos da segunda Grande Guerra, tanto por parte de pai, de origem báltica, como de mãe, de ascendência italiana, havia ascendência de famílias tradicionais, o que ajuda a reforçar em grande medida a pomba e trejeitos sofisticados – ao menos sem contar com suas práticas antropofágicas – do Dr. Lecter.

Por traz da personalidade monstruosa, da fala metálica e dos olhos vítreos de Hannibal Lecter se esconde uma mente, que, para além de sua loucura, possui um dos intelectos mais impressionantes da literatura e do cinema. Assim o fascínio causado pela inteligência do mais ilustre paciente do Hospital de Insanidade Criminal de Baltimore, possui sua justificativa, mesmo emanando o seu poder ao fitar as pessoas ao redor.

O Dr. Lecter se torna, portanto, objeto de estudo, curiosidade, pavor e admiração por todos que o cercam, até mesmo do FBI, que solicita sua ajuda em casos especiais, de difícil resolução, como a caçada à Bufallo Bill. Assim como na mitologia helênica, a residência do arauto é circundada de uma mística peculiar, aumentando ainda mais o símbolo por detrás do homem. Como exemplo a isto há as prosaicas descrições de Harris a respeito do covil de Lecter em suas sessões com Starling:

A cela do Dr. Lecter ficava bem separada das outras, de frente para um armário embutido, e era especial também sob outros aspectos. A parte da frente era composta por barras, mas por trás das barras, a uma distância maior que o alcance de um braço humano, havia uma segunda barreira, uma forte rede de náilon estendendo-se do chão ao teto e de parede a parede. […] Por um rápido momento teve a impressão de que o olhar dele produzia um zumbido, mas o que ela ouvia era a pulsação do seu próprio sangue (HARRIS, 1989, p. 20).

E, em outro momento são ressaltados outros aspectos, que juntos, singularizam ainda mais todos invólucros simbólicos da monstruosidade do psiquiatra, acrescendo a angústia para com aqueles dispostos defronte da cela que habita, exalando o poderio de sua intimidação muitas vezes sem ao menos mencionar uma palavra sequer: “Os cheiros da galeria dos presos violentos pareciam mais intensos na semi-escuridão, um aparelho de TV ligado sem som no corredor lançava a sombra de Starling nas barras da cela do Dr. Lecter” (HARRIS, 1989, p. 55).

Crawford é o interessado maior nas informações proféticas de Delfos, e como “oferenda” aos deuses escolhe o seu  mais astuto e valioso “cordeiro” corporificado na persona de Clarice Starling. O que o chefe de homicídios do FBI não esperava acontecer era o surgimento de uma inesperada e perigosíssima afinidade por parte do monstro oracular para com seu cordeiro, situação esta aprofundada no delongar da estória contada nos filmes e livros de James Harris.

E há, ora de modo explícito ora mais implícito, uma relação de mentor e aprendiz entre as dualidades da obra, seja entre Bufallo Bill e Hannibal Lecter, como Clarice Starling Jack Crawford, e, numa amplitude maior de interpretação, devido à jornada estabelecida, entre Starling, e Lecter, resultando em sua também transformação ao final dos eventos vividos pela recruta do FBI. Nas palavras do filósofo Friedrich Nietzsche em sua obra Além do Bem e do Mal aforismo 146: “Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você” (NIETZSCHE, 2001, p. 79), pois é enfrentando um monstro e o abismo de sua condição nadificante que Clarice desvela suas próprias estruturas morais, éticas, o fosso abismático de seus medos, lembranças e mais profundos temores inefáveis, ou seja, a revelação do seu próprio monstro interior.

E também Hannibal utiliza o “?ν ο?δα ?τι ο?δ?ν ο?δα” (Só sei que nada sei), como estratégia inicial para extrair sempre os primeiros sinais, olhares, feições, estado de espírito, cheiro, movimentos, vestimentas, interações societais, e finalmente as palavras, para, enfim, adicionar suas próprias manifestações dialógicas em posição de domínio e condução perante aquele que se coloca em sua frente. Neste processo, Dr. Lecter finca em sua presa o auto-questionamento como primeiro ponto de partida para o diálogo, como um arauto da caverna de Delfos, esperando as próximas assertivas, para, a partir de então, prosseguir em seu intento de uma verdadeira “genealogia” psíquica, em direção do conhecimento de si. Por sinal, este é processo registrado no arco do livro/filme em relação à Clarice Starling, tendo como base suas “sessões” com o psiquiatra canibal.

Dentro de sua cela reforçada com barras especiais e uma espessa tela de vidro e náilon (com modificações entre o filme e o livro), o Dr. Lecter potencializa ainda mais a sua retórica, num exercício exímio e minucioso da maiêutica socrática, a partir da qual estabelece o ciclo do seu “quiproquó”, trocando informações pessoais do interlocutor com outras que ele mesmo possua, como, por exemplo, a respeito de outros criminosos, assassinos, casos não resolvidos pela polícia e que precisam da consultoria de um especialista no assunto, dentre outros.

O Dr. Lecter faz uso, em todos os encontros do método socrático, ou seja, por meio de sua hábil e inconfundível capacidade de articulação verbal induz Clarice a revelá-lo as contradições em sues dizeres e pensamentos. A partir destas exposições o psiquiatra consegue desvelar e analisar seu interlocutor, desnudando-o em seus valores e concepções, de modo a, ao final de tal processo, retirar uma conclusão possível no derradeiro momento, entregando-a também no formato de entredizeres e metáforas. E, como réplica a esta postura emerge o quiproquó, sugerido pelo Dr. e mantido por Starling, nos limites de suas habilidades retóricas frente à inibidora figura de Lecter.

O jogo de câmera e o trabalho de edição são impecáveis na representação destes momentos, fazendo com que o espectador sinta a profundidade do olhar Hopkins em sua personificação sobrenatural do antropófago, ao mesmo tempo em que Foster – que admitiu sentir um medo inicial de seu parceiro de cena nestas tomadas específicas – consegue passar a fragilidade, não física, mas psíquica de sua personagem todas as vezes em que se encontrava interagindo com Hannibal.

Logicamente, neste ciclo ao fundo do conhecer-se (“γνωθι σεαυτ?ν” do grego que significa conhece-te a ti mesmo) o detentor do estandarte da luz no mundo das penumbras – como na caverna platônica – não mede esforços, prejuízos ou sequelas naqueles que desejam seguir em frente na escolha da desconstrução construtiva, a qual Starling se submete no momento em que troca as primeiras palavras com Hannibal no hospício. E este caminho é trilhado por ela até o último momento, tanto na captura de Bill, na fuga de Lecter ou na resolução reticente da trama.

Mas, Hannibal Lecter saboreia sua habilidade retórica e dialógica, literalmente destruindo os embasamentos identitários de seus “pacientes” até o ponto em que estes rendem-se aos flagelos de sua psique esfarelada no sopé soberano do doutor, em seu deleite em oferecer seu mote refratário, seja pelo medo, respeito, desespero, asco ou pusilanimidade que fazem nascer em cada indivíduo que o desafia, enfrenta ou simplesmente aceita o pedido de troca casualístca de orações aparentemente sem sentido, mas, com andar e findar destinados ao seu encontro abismático.

A permanência do ruído

A força de Starling é suscitada como circunstancial tanto no filme como livro, e as situações pelas quais a protagonista perpassa em sua jornada evidenciam isto. Muitos são os momentos, por exemplo, em que a recruta do departamento de comportamento de polícia se vê cercada de homens, muitos dos quais com patentes superiores à sua, no FBI, como também a quantidade considerável de investidas sexuais que recebe, de igual modo, do sexo oposto. Interessante notar, que, em nenhum momento, tais atitudes são direcionadas à ela pelo Dr. Lecter, cabendo a este muito mais uma relação de angústia, temeridade e diálogo, durante todo o desenvolvimento da trama.

E também Crawford e Gumb (o Bufallo Bill), de maneira muito sagaz por parte do escritor e diretor das obras, não são postos como contraponto sexual de Starling, cabendo tal papel, e ainda de forma quase satírica à Frederick Chilton, diretor do hospital psiquiátrico visitado por Clarice, ridicularizado em diferentes momentos, seja por Starling, Crawford e pelo próprio Dr. Lecter.

Em todas estas situações Clarice se impõe seja dialogicamente ou fisicamente – como no momento que vai buscar as evidências de um assassinato num galpão abandonado, sozinha e sem reforços. E, de forma mais clara, os embates retóricos na relação Starling-Lecter emana ainda mais o poderio de enfretamento que a jovem policial possui, pois, em nenhum momento, recua, nega ou teme de suas obrigações e funções na caçada a Bufallo Bill e trato com Hannibal Lecter.

Agora, voltemos aos cordeiros, que dão título ao original inglês do livro e filme. Trata-se de uma mensagem representativa e interpretativa dos temores joviais de Starling, já que remetem a uma experiência em sua infância, ao tentar salvar os cordeiros em sua fatídica destinação na fazenda de seus tios. E os cordeiros aguardam a seleção e envio à morte com uma produção incessante de ruídos de horror, parecendo saber de seu desfecho.

A jovem Clarice iria ficar marcada por toda vida com tal cena, guardando para si a busca interior pela quietude dos inocentes, que nunca chegara, até o momento do encontro com a representação humana – ao menos para ela – do mal em si, ou nas palavras do próprio ente (Lecter) um mero acontecimento, pelos caprichos da causalidade possibilitando seu nascituro, mesmo sendo seu propósito retirar a vida alheia e saborear suas vísceras.

Ao se deparar com a encarnação do Nêmesis, segundo suas próprias palavras, Clarice Starling não apenas coloca em xeque sua estabilidade emocional e integridade física, num patamar superior ela alcança o questionamento sobre suas próprias bases existências, em abalos contínuos nas suas convicções, formação profissional e diretiva em sua relação incomum com o Dr. Lecter. Em suma, Starling obtém o vislumbre do nada, além do  bem e do mal, no imperativo da causalidade como desvelamento moral e ético na pseudo obrigação do propósito, finalidade ou teleologia:

Lecter – Nada aconteceu comigo, policial Starling. Eu aconteci. Você não pode reduzir-me a um jogo de influências. Vocês trocaram o bem e o mal pelo behaviorismo, policial Starling. Puseram todo mundo vestindo fraldas morais – nada mais é culpa de ninguém. Olhe para mim, policial Starling. Você pode afirmar que eu sou o mal? Eu sou o mal, policial Starling?
Starling – Penso que o senhor foi destrutivo. Para mim é a mesma coisa.
Lecter – O mal é, portanto, destrutivo? Então as tempestades são o mal, se tudo é tão simples. E temos o fogo, e temos o granizo. As companhias de seguro listam-nos todos como “Atos da Providência”.
Starling – A deliberação…
Lecter – Eu coleciono desabamentos de igrejas, por distração. Você viu o último, na Sicília? Maravilhoso! A fachada caiu sobre sessenta e cinco avós numa missa especial. Isso foi um mal? Se Ele está lá em cima, Ele adora isso, policial Starling. Febre tifoide e cisnes, ambos têm a mesma origem.
Starling – Eu não posso explicar-lhe, doutor, mas conheço alguém que pode.
Lecter – fê-la calar levantando a mão. A mão tinha um belo formato e o dedo repetia-se de um modo perfeito. Era a forma mais rara de polidactilia. (HARRIS, 1989, p. 26).

Este diálogo, presente no livro e, infelizmente não representado no filme, pode ser considerado uma das melhores passagens da obra de Harris. Nestas linhas vemos o posicionamento pueril de Starling, ao passo que Dr. Lecter expõe de maneira profunda como ele próprio se define, para além das superficiais tentativas de análises da jovem policial, ao tentar rotulá-lo em seus padrões morais, éticos e culturais, não admitindo, como sugere o próprio doutor, a não presença de um fundo de justificativa para suas motivações, ações e reações, estando todas estas fundadas para além do bem e do mal – ao menos no que se refere ao julgamento humano comum –, em uma consciência nadificante, refletida em si mesma no imperativo da causalidade para sua ocorrência.

No arrebol das obras cabe ao Dr. Lecter procurar mais uma vez sua mais recente pupila se esta tivera alcançado, enfim, a quietude dos cordeiros que assolava seu ser, seu sonhos e cotidiano diariamente. Afinal de contas, em seu quiproquó ambos haviam trocado informações sobre comportamentos, algumas informações de maior importância e, porque não, uma afinidade tão estranha a ambos como para os outros que os circundavam, seja no hospício ou em outros lugares nos quais a relação entre Starling e Lecter havia toma ciência.

Atualmente está em transmissão a série Hannibal pela emissora NBC, sendo o protagonista interpretado por Mads Dittmann Mikkelsen num exímio trabalho de acúmulo e aperfeiçoamento tanto do original no romance como das representações do psiquiatra canibal pela sétima arte.Ressalta-se que, no caso as série, o foco imagético está na exploração dos rituais, intimidade e atributos intelectuais do Dr. Lecter, ao mesmo tempo em que apresenta um apelo e apuro visuais muito bem trabalhados.

Há uma dialética do humano com o além-humano, na relação entre Starling e Lecter, pois, enquanto esta ainda, por vezes debilmente, procura ajustar-se aos preceitos morais, éticos e culturais que a cerca, por parte do antropófago nada há antes e nada haverá após a temporalidade de sua existência, não se apegando, embasando ou justificando sua entidade, seja na imanência ou transcendência, de modo a fundar-se no nada e na causalidade seu julgamento, independente da forma como a sociedade o veja, aceite ou rejeite, na constituição de um dos mais assustadores psicopatas, assassinos e penetrantes personagens já criados.

“I’ve seen the sky, just begin to fall
And you say, all things pass, into the night
And I say, oh no sir, I must say you’re wrong, I must disagree, oh no sir, I must say you’re wrong
Won’t you listen to me?
Good-bye horses, I’m flying over you”

“Goodbye Horses” (Q Lazzarus)

FICHA TÉCNICA

O SILÊNCIO DOS INOCENTES

Direção: Jonathan Demme
País de Origem: EUA
Antecessor: Red Dragon
Continuação: Hannibal
Música composta por: Howard Shore
Ano: 1991

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