“A Sociedade da Neve” – a resiliência como uma questão de políticas públicas

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O filme “A sociedade da Neve” foi lançado em dezembro de 2023 e chegou ao Brasil em janeiro de 2024. Indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional, é inspirado em uma história real e baseado no livro de Pablo Vierci. Possui um enredo marcante, uma luta por sobrevivência que pode ser vista como uma “tragédia” e/ou como um “milagre”. Em 1972, um voo vindo do Uruguai, fretado para levar uma equipe de rugby ao Chile, colide com uma geleira nos Andes e a partir de então os sobreviventes começam uma luta pela vida. 

Em meio a uma situação atípica, o filme enfatiza a forma como foi a luta pela superação da adversidade e sobrevivência após o desastre. O filme ilustra a resiliência como capacidade basilar, apoiada em um contexto de união grupal, onde os personagens trabalharam em equipe para conseguirem sobreviver e buscar resgate. 

Na trama, os sobreviventes decidem se alimentar da carne de pessoas que morreram para se manterem vivos. Assim, a sociedade recém formada passa por um momento de “crise”, aspectos relevantes se apresentam como, crenças, valores e identidade, gerando resistência e conflito de interesse.

No filme, os personagens Numa e Marcelo assumem papéis de liderança, tomam as iniciativas e buscam estratégias de enfrentamento. Em dado momento os personagens Nando e Roberto unem forças para irem atrás de ajuda, quando enfim conseguem. Assim, é perceptível a importância da rede de apoio e fica explícito que em um processo de enfrentamento de adversidades uma hora a pessoa ajuda outrora é ajudada, o que evidencia os benefícios da cooperação.

                                                                                                                                                                fonte: Netflix

Considerando o viés de que ao longo da vida podemos enfrentar crises humanitárias, desastres naturais e surtos de doenças, a resiliência se torna uma habilidade que precisa ser trabalhada pelas políticas públicas, é uma questão que deve ser desenvolvida dentro dos sistemas de saúde para as equipes que atuam nessa área.  As organizações de saúde podem desenvolver ações de educação permanente com enfoque na resolução de problemas, promoção da capacidade reflexiva, treinamentos comportamentais, melhoria da qualidade de vida no trabalho, entre outras (JATOBÁ & CARVALHO, 2022). 

Segundo Angst (2009) a resiliência não é adquirida, e sim aprendida de diversas formas, sendo uma delas a realização de programas voltados a diferentes populações. Assim, existem fatores de proteção e fatores de risco que estão diretamente relacionados ao desenvolvimento de comportamento resiliente que podem ser trabalhados principalmente na infância e adolescência. 

A importância da ênfase no desenvolvimento da estimulação da resiliência se dá pelo fato da maneira como cada pessoa lida com eventos adversos e traumas. Considera-se que quanto melhor a forma de enfrentamento, há mais possibilidades de minimização dos danos sofridos, o que pode corroborar para uma melhor qualidade de vida e saúde mental.  A resiliência se dá a partir da interação entre a vulnerabilidade e a proteção, determinada por atributos individuais, familiares e sociais, num processo dinâmico, que deve ser desenvolvido e estimulado (SANTOS et al. 2020). 

O autor enfatiza as dificuldades da sociedade, assim, podemos fazer alusão a complexidade que é para as políticas públicas e para  o SUS, se portar como um sistema resiliente frente a eventos extraordinários, onde precisa ser levado em consideração questões de diversidade cultural, vulnerabilidade social, determinantes sociais, papel do governo, poder estatal, entre outros. Um sistema com o nível de complexidade do SUS só terá seu potencial para a resiliência adequadamente representado se for por um arcabouço de indicadores capaz de agregar seus aspectos estruturais e funcionais (JATOBÁ & CARVALHO, 2022). 

Por fim, o filme é de relevância visto que aborda temas que dizem respeito a questões políticas e sociais. Às vezes pode ser algo que passa despercebido, mas em algum momento da vida precisaremos ser resilientes, e esta se mostra como uma habilidade desenvolvida não só em uma perspectiva individual, mas em sociedade. 

Referências

ANGST, R. PSICOLOGIA E RESILIÊNCIA: Uma revisão de literatura. Psicologia Argumento, [S. l.], v. 27, n. 58, p. 253–260, 2017. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/psicologiaargumento/article/view/20225. Acesso em: 19 abr. 2024.

JATOBÁ, A.; CARVALHO, P. V. R. de. Resiliência em saúde pública: preceitos, conceitos, desafios e perspectivas. Saúde em Debate, [S. l.], v. 46, n. especial 8 dez, p. 130–140, 2023. Disponível em: https://www.saudeemdebate.org.br/sed/article/view/7878. Acesso em: 17 abr. 2024.

Santos, LKP, Souza, MVO, Santana, CC. Ações para o fortalecimento da resiliência em adolescentes.. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2019/Mar). [Citado em 17/04/2024].  Disponível em:

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Outros jeitos de usar a boca: a(s) voz(es) de uma mulher

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É um livro de poemas sobre a sobrevivência. Sobre a experiência de violência, o abuso, o amor, a perda e a feminilidade. Obra poética de Rupi Kaur que leva os leitores numa jornada pelos momentos mais amargos da vida e encontra uma maneira de retirar doçura deles.

“Outros jeitos de usar a boca” (título original: “Milk and honey”) é uma obra poética que aborda o tema da sobrevivência, explorando experiências de violência, abuso, amor, perda e feminilidade. Dividido em quatro partes distintas, cada uma desempenha um papel único ao lidar com diferentes formas de dor e curar mágoas. O livro leva o leitor por uma jornada pelos momentos mais amargos da vida, transformando-os em delicadas expressões. Inicialmente publicado de maneira independente pela poeta, artista plástica e performer canadense de origem indiana, Rupi Kaur, que também é responsável pelas ilustrações presentes na obra, o livro emergiu como um fenômeno notável no gênero nos Estados Unidos, ultrapassando a marca de 1 milhão de cópias vendidas.

Assim, a escolha do título em português, nada parecido com o original, relaciona-se ao conteúdo dos versos, numa escrita feminista, que questiona o sistema patriarcal, os recortes de gênero e, assim, a urgência da voz feminina.

A obra é dividida em: “a dor”, “o amor”, “a ruptura” e “a cura”. Através de suas vivências e descobertas, Kaur transmite uma mensagem clara e objetiva sobre as diferentes formas de abusos sexuais que muitas mulheres continuam vivenciando no cotidiano. E, para além disso, seus poemas pensam em alternativas de enfrentamento desses abusos, uma ressignificação da narrativa e da construção de uma posição social fortalecida para a mulher. Essa divisão do livro apresenta etapas que o corpo sofre como se fosse algo necessário para se alcançar um nível de consciência sobre si, possibilitando formas libertadoras de expressar-se.

Outros jeitos de usar a boca é um livro que nasce na dor:

“toda vez que você

diz pra sua filha

que grita com ela

por amor

você a ensina a confundir

raiva com carinho

o que parece uma boa ideia

até que ela cresce

confiando em homens violentos

porque eles são tão parecidos

com você

– aos pais que têm filhas”

 

                                               Fonte: pinterest.com

Além da escrita propriamente dita, muitos dos poemas são acompanhados de ilustrações da própria autora, o que amplifica a experiência de leitura.

 

Como as poesias de Outros Jeitos de Usar a Boca são estruturadas em versos livres, há, mesmo numa temática dura, uma fluidez que os percorre. Ademais, como se pode observar no segmento acima, a autora raramente usa pontuações ou letras maiúsculas, o que ela explica:

Quando comecei a escrever poesia, eu conseguia ler e entender minha língua materna (punjabi), mas ainda não tinha desenvolvido as habilidades necessárias para escrever poesia nela. Punjabi é escrito na escrita Shahmukhi ou Gurmukhi. Na escrita Gurmukhi, não há letras maiúsculas ou minúsculas. As letras são tratadas da mesma forma. Gosto dessa simplicidade. É simétrico e direto. Também sinto que há um nível de igualdade que essa visualidade traz ao trabalho. Uma representação visual do que quero ver mais no mundo: igualdade. A única pontuação que existe na escrita Gurmukhi é um ponto final – representado pelo seguinte símbolo: | Então, para simbolizar e preservar esses pequenos detalhes da minha língua materna, eu os inscrevo no meu trabalho. Sem distinção de casos e apenas períodos. Uma manifestação visual e uma ode à minha identidade como mulher diaspórica Punjabi Sikh. Trata-se menos de quebrar as regras do inglês (embora isso seja muito divertido), mas mais de vincular minha própria história e herança ao meu trabalho.” (Kaur, Rupi)

A autora destaca a figura feminina questionando as disparidades de gênero não apenas no âmbito emocional, mas também no tratamento dispensado a homens e mulheres. A violência contra a mulher é abordada de maneira franca, enquanto muitos poemas exploram abertamente a sexualidade feminina, reivindicando o direito da mulher à sua sensualidade que não deve jamais existir para nos subjugar ou diminuir. Em essência, o livro é uma ode à resistência, realçando a força das mulheres. Como se pode contemplar no seguinte poema retirado da parte “O amor”:

“quando minha mãe estava grávida

do segundo filho eu tinha quatro anos

apontei para sua barriga inchada sem saber como

minha mãe tinha ficado tão grande em tão pouco tempo

meu pai me ergueu com braços de tronco de árvore e

disse que nesta terra a coisa mais próxima de deus

é o corpo de uma mulher é de onde a vida vem

e ouvir um homem adulto dizer algo

tão poderoso com tão pouca idade

fez com que eu visse o universo inteiro

repousando aos pés da minha mãe”

                                                                      Fonte: pinterest.com

Os traços de Kaur são leves e, muitas vezes, bastante simples, mas extremamente expressivos.

Já na terceira e penúltima parte do livro, Rupi habilmente passa ao leitor a sensação de ruptura: os altos e baixos, o ódio e amargura intrínsecos a um amor que ainda não se esvaiu. Expõe o que fica depois que o outro vai embora, assim como pode-se observar no trecho a seguir.

“eu não sei o que é viver uma vida equilibrada

quando fico triste

eu não choro eu derramo

quando eu fico feliz

eu não sorrio eu brilho

quando eu fico com raiva

eu não grito eu ardo

a vantagem de sentir os extremos é que

quando eu amo eu dou asas

mas isso talvez não seja

uma coisa tão boa porque

eles sempre vão embora

e você precisa ver

quando quebram meu coração

eu não sofro

eu estilhaço”

                                              Fonte: pinterest.com

 

Uma leitura em que se têm acesso ao íntimo da autora, e, por meio deste, aproxima quem lê de suas próprias emoções.

Por fim, em sua última parte, sendo muito bem intitulada “A cura”, traz um ar de fôlego para o leitor, com poemas voltados para busca pelo amor-próprio.

“se você vê beleza aqui

não significa

que há beleza em mim

significa que há beleza enraizada

tão fundo em você

que é impossível

não ver

beleza em tudo”

FICHA TÉCNICA

  • Título: Outros jeitos de usar a boca
  • Título Original: Milk and Honey
  • Autor(a): Rupi Kaur
  • Tradução: Ana Guadalupe
  • Editora: Planeta
  • Número de páginas: 208
  • Ano de publicação: 2017
  • Gênero: Poema;

Referências

 

KAUR, Rupi. Outros jeitos de usar a boca. São Paulo: Plane

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Bravura e sobrevivência – (En)Cena entrevista a advogada Flávia Paulo

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“Mesmo antes da pandemia, o Brasil já era o 5º país do mundo no índice de feminicídios [1], há anos figura entre os piores em termos de desigualdade de renda e é considerado o país que mais mata pessoas LGBTQI+ [2]. Após a pandemia esses índices irão demonstrar cenários complicados para nós mulheres”.
Flávia Paulo

Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de Campinas aponta que a população LGBTQI+ se sentem mais vulneráveis ao desemprego e à depressão por causa da pandemia. Segundo dados do Núcleo de Gênero e Diversidade – NUGEN [3], divulgados em 2020, dos dez mil brasileiros entrevistados 44% das lésbicas; 34% dos gays; 47% das pessoas bissexuais e pansexuais; e 42% das transexuais temem sofrer algum problema de saúde mental durante a pandemia do novo coronavírus.

O estudo revela ainda que 21,6% dos LGBTs entrevistados estão desempregados enquanto que o índice total no Brasil é de 12,2%, segundo o IBGE.

Neste contexto, a revista (En)Cena entrevista a advogada, militante ativista do movimento lésbico e usuária ativa das redes sociais Flávia Paulo aponta sua perspectiva sobre os desafios de ser mulher, LGBTQI+, atuar como jurista e ter sucesso profissional no Brasil da pandemia. Destaca, ainda, os impactos positivos de saber a hora de parar, desligar-se do trabalho e manter uma vida pessoal equilibrada para manter saúde mental e reinventar formas de sobrevivência no pós-pandemia.

Flávio Paulo. Foto – Arquivo pessoal

(En)Cena – Considerando o seu lugar de fala, de mulher, advogada, ativista do movimento lésbico e usuária ativa das redes sociais: o que é ser mulher no Brasil, durante a pandemia da COVID 19?

Flávia Paulo – As limitações dentro desse padrão no qual faço parte, são evidentemente sentidas no cotidiano. Para ser mulher neste contexto precisamos encarar de frente e com muita bravura todas as limitações que são impostas a nós. A pandemia gerada pelo novo Corona vírus intensificou todas as crises que já faziam parte das realidades aqui no Brasil. Um dos temas que a covid-19 trouxe à tona para a sociedade brasileira foi a dimensão da divisão sexual do trabalho em relação ao trabalho não-pago realizado no interior das famílias. No cenário brasileiro, a crise sanitária se soma à crise de governança, resultando num pandemônio que produz mais precariedades e violências contra as classes minoritárias. A voz da mulher merece ter além de espaço, força, pois nada adianta os disfarces de oitivas seguidos de engavetamento de suas ideias e pensamentos. As redes sociais estão cada vez mais sendo utilizadas para demonstrar essas realidades. Utilizo as minhas redes sociais para o fim comercial e também para a criação da minha persona, mulher, lésbica, advogada e independente para que com isso eu consiga gerar sentimentos de acolhimento para aquelas que se sentem muitas vezes desestimuladas a serem quem elas querem ser ou se sentem indiferentes e possam ter coragem de assumir uma vida livre ou pelo menos tentar.

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(En)Cena – Como a saúde mental (sentimentos e emoções) das mulheres interfere em tomadas de decisões acertadas ou equivocadas em termos de direito?

Flávia Paulo – Acredito que seja de forma individual, pois temos mulheres técnicas nas quais nada ou quase nada interfere suas emoções e sentimentos nas tomadas de decisões, como temos também em contrapartida mulheres que se deixam levar por sentimentos e emoções que acabam influenciando em decisões que deveriam ser tomadas apenas por critérios técnicos. Mas entendo, que seja algo mais relacionado à capacidade humana do que a distinção entre gêneros. Conheço homens, advogados, juristas, extremamente emocionais e que se deixam ser influenciados a ponto de tomarem decisões técnicas baseadas em sentimentos. Já recebi decisões judiciais baseadas claramente em sentimentos pois não se enquadram no código de processo civil, no direito material e sim na mais pura opinião pessoal do magistrado.

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(En)Cena – Quais estratégias você indica para que as mulheres mantenham saúde mental no curso de um processo judicial?

Flávia Paulo – O que você faz quando desliga o seu computador é um fator que irá determinar se terá saúde mental ou não. Com o computador aberto, sofrendo as pressões tanto de clientes, como de colegas e magistrados, eu entendo ser muito improvável que a mulher consiga ter saúde mental. Me refiro a máquina (computador) pois estamos em pandemia, e a advocacia hoje acontece de forma virtual, na máquina. E desligar a máquina e tentar ter sua vida pessoal longe dela, eu vejo como primordial para uma saúde equilibrada, caso contrário você será consumida aos poucos. Mas a máquina pode ser estendida a qualquer tipo de objeto ou pessoas que te liguem ao seu trabalho. Ter sua vida pessoal é primordial.

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(En)Cena –  Na sua opinião, qual seria o caminho para as mulheres no pós-pandemia?

Flávia Paulo – Importante destacar que na história, toda crise social atingiu com mais intensidade as mulheres e isso será sentido no mundo pós-pandemia. Isto porque esse impacto é maior nas mulheres e isso está ligado ao machismo estrutural. A sobrecarga e acúmulo de funções, a carga mental invisível. Isso tudo terá uma consequência nos próximos anos que será perceptível. É preciso, ainda, contextualizar que mesmo antes da pandemia, o Brasil já era o 5º país do mundo no índice de feminicídios, há anos figura entre os piores em termos de desigualdade de renda e é considerado o país que mais mata pessoas LGBTQI+. Após a pandemia esses índices irão demonstrar cenários complicados para nós mulheres. Essa polarização de mulheres contra homens, feministas contra não feministas, isso tudo já está muito mais ativado agora no cenário epidêmico e terá graves consequências contra os direitos das mulheres e contra sua própria dignidade, o que será externamente sentido quando a pandemia não for mais o foco e a sociedade entender o que as mulheres tiveram que se submeter durante a pandemia. E como nos ensinou Angela Davis: “Precisamos nos esforçar para erguer-nos enquanto subimos”. E com isso as mulheres mais uma vez terão que reinventar formas de sobrevivência.

Figura 5pixbay

Notas:

[1] Mapa da Violência de 2015, organizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

[2]Observatório de assassinatos trans.  https://exame.com/brasil/pelo-12o-ano-consecutivo-brasil-e-pais-que-mais-mata-transexuais-no-mundo/

[3]https://wp.ufpel.edu.br/nugen/2020/09/02/pesquisa-da-ufmg-e-unicamp-aponta-que-populacao-lgbt-esta-mais-vulneravel-ao-desemprego-e-a-depressao-por-causa-da-pandemia/

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Expectativa de vida dos tocantinenses aumenta 3 meses e chega a 74,2 anos em 2019

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O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta quinta-feira, 26, as Tábuas Completas de Mortalidade para o ano de 2019. Conforme a projeção, a expectativa de vida ao nascer da população tocantinense ficou em 74,2 anos, abaixo da média nacional (76,6 anos), mas um acréscimo de 3 meses em relação ao valor estimado para o ano de 2018 (73,9 anos). Para a população masculina o aumento foi de 2 meses passando de 71,0 para 71,2, em 2019. Já para as mulheres o ganho foi um pouco maior, em 2018 a esperança de vida ao nascer era de 77,2 anos se elevando para 77,5 anos no ano passado. Com isso, a longevidade feminina no estado é, em média, 6,3 anos acima da dos homens.

As Tábuas de Mortalidade são provenientes da projeção oficial da população do Brasil para o período 2010-2060, que além de permitir que se conheçam os níveis e padrões de mortalidade da população brasileira, tem sido utilizada como um dos parâmetros necessários na determinação do chamado fator previdenciário para o cálculo dos valores relativos às aposentadorias dos trabalhadores que estão sob o Regime Geral de Previdência Social.

Considerando o cenário nacional, para ambos os sexos, a maior esperança de vida ao nascer pertenceu ao Estado de Santa Catarina, 79,9 anos, 3,3 anos acima da média nacional de 76,6 anos. Logo em seguida, Espírito Santo, São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Minas Gerais com valores iguais ou acima de 78,0 anos. No outro extremo temos o Estado do Maranhão, com esperança de vida ao nascer de 71,4 anos, e Piauí, com 71,6 anos.

Fonte: encurtador.com.br/apsX0

Para os homens e as mulheres as maiores expectativas de vida ao nascer também pertenceram ao Estado de Santa Catarina, 76,7 e 83,2 anos, respectivamente, uma diferença de 6,5 anos em favor das mulheres. No caso dos homens, a menor expectativa de vida foi encontrada no Piauí (67,3 anos) e das mulheres, em Roraima (75,1 anos).

Considerando somente as Unidades da Federação da Região Norte, Tocantins registrou a segunda maior expectativa de vida da população feminina (77,5 anos), perdendo apenas para o Acre (78,4 anos), e a terceira maior da população masculina (71,2 anos), pois Acre (71,6 anos) e Amapá (72,2 anos) ocuparam as primeiras posições. Já para ambos os sexos, o estado apresentou a terceira maior esperança de vida ao nascer (74,2 anos).

Mortalidade infantil

A mortalidade das crianças menores de 1 ano é um importante indicador da condição de vida socioeconômica de uma região. A probabilidade de um recém-nascido não completar o primeiro ano de vida no Tocantins foi de 14,5 para cada 1.000 nascidos vivos. Comparada a 2018 (14,9 por mil), a taxa ficou praticamente inalterada.

A menor taxa de mortalidade infantil em 2019 foi encontrada no estado do Espírito Santo, 7,8 óbitos de crianças menores de 1 ano para cada 1.000 nascidos vivos, e a maior pertenceu ao Estado do Amapá, 22,6 por mil. No Brasil, a taxa de mortalidade infantil para ambos os sexos foi de 11,9 por mil.

Idosos

No Tocantins, o valor da expectativa de vida dos idosos, ou seja, de 60 ou 65 anos, foi de 21,6 e 17,9 anos, respectivamente, isto quer dizer que o indivíduo aos sessenta e sessenta e cinco anos viveria em média 81,6 e 82,9 anos, no estado, respectivamente. Caso fosse do sexo masculino viveria em média 80,3 e 81,8 anos, já do sexo feminino 83 e 84,1 anos.

O Espírito Santo também foi o estado que registrou o maior valor da expectativa de vida nestas idades para ambos os sexos (24,4 e 20,5 anos respectivamente). No outro extremo temos Rondônia que apresentou as mais baixas expectativas de vida aos 60 e 65 anos (19,7 e 16,2 anos respectivamente).

Fonte: encurtador.com.br/apsX0

Palmas, 26 de novembro de 2020

Unidade Estadual do IBGE no Tocantins

Supervisão de Disseminação de Informações.

Mais informações no link: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9126-tabuas-completas-de-mortalidade.html?edicao=29492&t=resultados

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Casamento contemporâneo: convívio entre individualidade e conjugalidade

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Em “Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade”, a autora Terezinha Féres-Carneiro aponta para a complexidade dos relacionamentos conjugais e da lógica do um ser dois e dois ser um. Segundo ela, a maior dificuldade em se tornar casal está no fato de serem dois indivíduos, duas perspectivas de mundo, duas histórias de vida, dois projetos de vida, duas identidades diferentes. Na relação amorosa, esses dois sujeitos se deparam com uma identidade de casal, um projeto de vida de casal, uma história de casal, perdendo um pouco da individualidade de cada um.

Fonte: http://zip.net/bxtJW4

 

O casamento sempre foi, antes de mais nada, um vínculo criado entre duas famílias com o intuito de garantirem a própria proteção, ao se tornarem mais fortes e unindo os bens considerados essenciais para a sobrevivência. Com isso, Levi-Strauss aponta que a proibição do incesto estava mais para uma regra de ceder a mãe, a irmã ou a filha para outrem, sendo esse um aspecto da formação e organização das sociedades humanas. Antes, como o casamento era um meio para manter a existência humana, seja pela união de famílias, seja pela procriação, era visto que o amor e o prazer estavam desvinculados dessa instância da vida dos sujeitos, sendo esse amor e prazer encontrados em uma vida extraconjugal. Logo, percebe-se que a fidelidade não era um quesito notável.

Porém, um novo modelo de casamento surge no Ocidente, repercutindo até os dias atuais.  É o casamento por amor, onde ambos os envolvidos precisam amar-se para dar esse grande passo. Também apresenta-se o amor-paixão, em que o erotismo entra na dinâmica  conjugal, sendo agora o casamento um espaço parao exercício do amor e do prazer. Então, a fidelidade conjugal passa a ser uma atitude esperada pelos casados. Por fim, a autora enfatiza a dificuldade do relacionamento conjugal contemporâneo, época em que as individualidades se fazem com forte presença. Assim, o casamento tornou-se mais um modo de satisfação de cada cônjuge do que a satisfação dos desejos em comum do casal. Dessa forma, a relação só se manterá enquanto ela estiver atendendo as necessidades individuais de cada um.

Fonte: http://zip.net/bmtHYk

 

Portanto, percebe-se que o casamento, hoje, está sob o livre arbítrio dos sujeitos, podendo eles escolherem com quem e se desejam realmente se casarem. É espaço para o amor e o prazer, mas continua sendo também espaço de proteção dos envolvidos. O fato é que, se escolher entrar nessa dinâmica, é necessário deixar um pouco de lado o individualismo, contribuindo assim para a manutenção da relação conjugal.

REFERÊNCIAS: 

CARNEIRO, F.  T. Casamento contemporâneo: o difícil convívio da individualidade com a conjugalidade. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 22.07.98.

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Flor do Deserto: o dia que mudou a vida de Waris Dirie

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Nascida numa família nômade no deserto da Somália em 1965, a modelo de renome internacional, fundadora de uma organização que leva o seu nome e embaixadora da ONU na luta contra a prática de mutilação genital feminina, Waris Dirie que significa Flor do Deserto tem sua vida narrada no livro e filme chamado Flor do Deserto. Uma história de muita dor, sofrimento, fome, determinação e luta por sobrevivência.

Mutilada aos cinco anos, em uma situação de pudor e dor: “Senti, depois, minha carne, meu órgão genital ser cortado. Eu podia ouvir o ruído da lâmina cega entrando e saindo da minha pele. Quando penso, sinceramente, não consigo acreditar que isso acontecera comigo. (…) “Por favor, meu Deus, faça isso terminar logo”. E ele fez, pois desmaiei.” (apud Fachin, 2012) Ela fugiu aos treze de um casamento arranjado pelos pais e atravessou o deserto rumo a Mogadíscio e depois para Londres em busca de uma vida melhor.

Waris Dirie (Liya Kebede) e Marylin (Sally Hawkins).
Waris Dirie (Liya Kebede) e Marylin (Sally Hawkins).

A prática é difundida culturalmente até hoje, de acordo com os dados da ONU, esse tipo de intervenção ainda acontece em 30 países espalhados por três continentes. Estimativas indicam que 200 milhões de mulheres e meninas teriam sido vítimas dessa forma de mutilação. A organização tem uma campanha contra a prática, que considera prejudicial à saúde da mulher e uma violação dos direitos humanos (Sanchez, 2010).

Nas ruas de Londres encontra uma mulher chamada Marylin que logo se torna sua colega de quarto, e com ajuda dela passa a trabalhar como faxineira em uma lanchonete. Certa vez Waris se deparou com uma cena de sexo e descobre que sua amiga não era “cortada”, tal cena remete a uma reflexão, pois houve um diálogo entre ambas (de culturas diferentes) que é visível a presença do respeito e da tolerância abrindo mão do etnocentrismo.

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Logo em seu ambiente de trabalho conheceu um fotógrafo famoso Terence Donovan que já observava a sua beleza, convidou para fazer fotos e a lançou no mundo como modelo. Waries usou sua fama como objeto para tornar a prática da mutilação genital feminina conhecida no mundo todo, e difundir a ideia de que essa cultura precisa ser erradicada através do seu discurso que chegou até a ONU.

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Waries deu voz a uma prática que viola os direitos humanos e traz riscos de vida, a mesma retrata indignação em uma entrevista ao G1: “É uma vergonha que uma tortura bárbara, cruel e inútil continue a existir no século XXI”. Dirie diz que sempre sentiu que aquilo não estava certo e quando se tornou uma ‘supermodelo’ pode começar a luta contra a prática. (Sanchez, 2010) Exemplo de revolução e determinação que marca a história de pessoas que lutaram pelos direitos das mulheres.

REFERÊNCIAS:

Sanchez,G. ‘É impossível descrever a dor’, diz modelo sobre circuncisão feminina. G1, São Paulo, 03 de jul. de 2010. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2010/07/e-impossivel-descrever-dor-diz-modelo-sobre-circuncisao-feminina.html>. Acesso em: 08 de mar. de 2017.

Fachin, M. G. “Flor do Deserto”- Ponderações sobre arte, direitos humanos e cultura. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, Curitiba, 2012. Disponível em: <http://revistas.unibrasil.com.br/cadernosdireito/index.php/direito/article/view/811>. Acesso em: 08 de mar. de 2017.

ONUBR. Em dia internacional, ONU pede mais esforços pelo fim da mutilação genital feminina. ONUBR Nações Unidas no Brasil, 06 de fev. de 2017. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/em-dia-internacional-onu-pede-mais-esforcos-pelo-fim-da-mutilacao-genital-feminina/>. Acesso em: 08 de mar. de 2017.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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FLOR DO DESERTO

Diretor: Sherry Hormann
Elenco: Liya Kebede, Sally Hawkins, Timothy Spall, Anthony Mackie
Ano: 2009
País: EUA
Classificação: 14

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As aventuras de Pi: uma transição em busca de si mesmo

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Com onze indicações ao Oscar:

melhor filme, diretor (Ang Lee), roteiro adaptado, fotografia, edição, trilha sonora original, canção original, efeitos visuais, edição de som, mixagem de som, design de produção

Imagine-se no meio do oceano pacifico, em um bote salva vidas na companhia de um tigre, sem água potável e comida. Tudo o que você tem é a infinidade do oceano pela frente, e mais nada.

Imaginou?

Se prepare, isso é o mais perto que você vai conseguir chegar da experiência vivida por  Pi Patel (Suraj Sharma) após escapar com vida do naufrágio  onde perdeu toda sua família.

Pretendo não tecer uma narrativa muito aprofundada, nem detalhista do desenrolar da trama ou dos principais acontecimentos do filme, a fim de não frustrar quem ainda não o viu. Tão pouco proponho uma leitura baseado na luta pela sobrevivência e no encontro com o divino, outros aspectos do filme mais debatidos pela crítica. Em minha visão, As aventura de Pi é, além de tudo isso, a viagem do personagem principal em busca de si mesmo.

As aventuras de Pi (Life of Pi), é o nome do longa baseado no romance de Yann Martel com mesmo nome, publicado em 2001. A narrativa conta a história de um jovem indiano que se vê obrigado a deixar sua terra e partir para o Canadá. A Família de Pi tem um zoológico em Pondicherry, na Índia, mas está sem dinheiro para manter os animas. Sem apoio financeiro do município, o pai de Pi tem a ideia de levar a família para o Canadá, onde pretende vender os animais e começarem um nova vida.

Piscine Molitor (nome verdadeiro de Pi Patel) se torna um personagem principal cativante, já nas primeira cenas. A empatia com o personagem é instantânea, em todos os seus aspectos. Sua fé particular e inabalável do talvez seja um pontos mais marcantes da trama. Também é curioso o fato de ele não oscilar em sua devoção entre as três religiões que, a priori, seriam distintas – hinduísmo, cristianismo e islamismo – em nenhum momento.

O jovem Pi parece sempre estar em busca de um equilíbrio interior. E não mede esforços em provar suas ideias. O ambiente familiar de Pi sempre foi propício para isso, seu pai muito cético, era ateu e sempre estimulou o perfil corajoso e inquieto do filho. Sua mãe também sempre apoiou a fé do garoto, e via nela uma ponte com seus antepassados.

A notícia da mudança para o Canadá não foi bem recebida por Pi, que estava começando a construir sua vida em Pondicherry. Ele tinha acabado de conhecer seu primeiro e grande amor. Abandonar tudo o que havia construído até então na Índia e migrar para uma nova vida em uma terra desconhecida parecia loucura para o jovem, mas ele acabou se rendendo à vontade de seu pai. Pi e sua família partiram para o Canadá em um navio, transportando também os animais do zoológico. E começa a jornada do rapaz indiano de nome estranho, em busca do autoconhecimento.

Durante a viagem, em meio a uma tempestade, acontece o naufrágio. Pi é o único sobrevivente, e assiste impotente o navio afundando no meio do oceano pacifico, levando consigo sua família e tudo o que eles tinham. Quando amanhece ,o rapaz está um bote salva vidas, rodeado de água e na companhia de uma orangotango (suco de laranja), uma zebra, uma hiena e um tigre-de-bengala (Richard Parker).

Em meio aos diversos acontecimentos, a hiena ataca e mata a zebra que já estava ferida, em seguida a orangotango também morre vítima da hiena, esta, por sua vez, é assassinada pelo tigre. A partir desse evento, Pi e o tigre passam a lutar pela sobrevivência individualmente, ocupando o mesmo espaço.

Para se livrar dos ataques do predador, Pi constrói uma espécie de jangada com os coletes salva vidas e os remos do bote, mantendo uma distância segura do tigre. O mais impressionante em toda a trama são os embates entre ambos que, de inimigos, com o passar do tempo, se tornam amigos e cúmplices. É só quando aceita o tigre Richard Parker como uma fera, respeitando os instintos do animal, que Pi consegue estabelecer uma relação segura para ambos.

Os dois se tornam um só, ajudando-se mutuamente em vários momentos decisivos para a sobrevivência de ambos, como quando, sem alimento, o barco é atacado por um cardume de peixes voadores, e Richard Parker divide com Pi o peixe que ele havia capturado. Eles entendem que para escapar daquela situação, mas que tudo, eles precisariam um do outro. O próprio Pi, em um determinado momento do filme assume que sem Richard Parker ele não teria sobrevivido tanto tempo a deriva. Sua luta para sobreviver ao animal, o manteve vivo no Pacífico.

Em várias cenas o céu se confunde com o oceano. Entre golfinhos, baleias, tubarões e várias tempestades, os dois permanecem firmes, almejando encontrar uma saída para aquela situação. Frente a frente com o tigre, ele consegue ver seus olhos refletidos no do animal, como se os dois fossem apenas um.

Quando já não restavam mais esperanças e a morte se torna certa, eles atracaram em uma ilha flutuante paradisíaca. Um lugar, sem precedentes, com água potável e alimento abundante para ambos viverem ali pelo resto de suas vidas. Mas, graças ao tigre, Pi percebe que o lugar escondia mais segredos que encantos. Ao encontrar um dente em uma flor na copa da árvore em que dormia, o rapaz percebeu que a ilha cobrava à noite, o que de bom grado oferecia durante o dia.

Ao amanhecer, de volta ao bote, Pi chama por seu amigo Richard Parker e o dois voltam junto para o seio oceano em busca de terra firme. Passa-se mais algum tempo, surge um navio no horizonte, mas eles não conseguem serem vistos, depois de outra forte tempestade, quando o rapaz já havia desistido da vida, ele acorda em uma praia na costa do México. Fraco, caído na areia, Pi assiste a  seu amigo, Richard Parker, correndo para dentro da vegetação sem olhar para trás.

Ao ser resgatado por um grupo de pescadores e contar sua história, Pi recebe a visita de alguns agentes da seguradora do navio que não acreditam em sua teoria mirabolante de como teria sobrevivido tantos meses, no meio do oceano, sem preparo algum, na companhia de um tigre-de-bengala. Eles exigem que Pi lhes conte uma história não fantasiosa.

O indiano então conta uma versão da história onde teriam sobrevivido ele, sua mãe, o cozinheiro do navio e um marinheiro. O cozinheiro era um homem de motivos duvidosos e acabou matando o marinheiro que já estava ferido, a fim de conseguir alimento para a tripulação do bote. A vítima seguinte do cozinheiro teria sido sua mãe, tomado pela fúria de ver sua mãe sendo morta, Pi se revolta contra o cozinheiro e acaba o matando. Nessa versão da história, a mãe seria a orangotango, o marinheiro a zebra, o cozinheiro a hiena e o próprio Pi o tigre-de-bengala.

Não há como afirmar qual das histórias contadas é a verdadeira e qual é a falsa. Se tomarmos a segunda como verdadeira, podemos analisar toda a literalidade da viagem de Pi como uma transição em busca de si mesmo. Só quando ele aceita a natureza de seu companheiro interior, o tigre na figura de uma fera instintiva, e passa a conviver seguramente com os aspectos positivos e negativos de sua personalidade, ele encontra saída segura para a situação em que está imerso, chegando à terra firme.

O meio do oceano, onde o céu e a água se encontram, pode ser compreendido como um plano atemporal, onde passado, presente e futuro se encontraram e se conectam. Esse plano denota o local de confronto, onde o jovem espera pacientemente por sua transição, que exige tempo e, em determinados momentos, se torna conflituosa. Nos diversos momentos em que ele está cara a cara com o tigre, e enxerga seu reflexo nos olhos da fera, Pi enxerga a si mesmo, se percebe. Ele próprio começa a racionalizar e entende que, sem enfrentar o tigre, não poderia ter sobrevivido.  A ilha flutuante parece ser o ultimo estágio dessa passagem.

Nesse ponto ele precisa decidir entre aceitar uma nova vida, sem sua família e seu lar – único território conhecido – ou ficar naquele local e perecer. Quando parte da ilha, sem direção alguma, Pi luta bravamente contra o oceano, obstinado a encontrar salvação. Ao acordar na praia, tendo passado por toda aquela situação, Pi é um novo homem. E demonstra esse novo caráter e maturidade, ao conversar com o escritor, contando a ele toda sua história e aceitando conscientemente suas perdas. Segundo o próprio Pi, uma lição aprendida de tudo isso é que a vida também é feita de perdas e que devemos aprender a abrir mão das coisas, para podermos seguir em frente.

Independente de fantasia ou verdade, por mais que tenham sido criadas, ambas as histórias são reais. Fica a critério de o telespectador escolher para si aquela com a qual mais se identifica, se inspirando na viagem de Pi, espelhando-se no personagem, em busca do seu autoconhecimento.


FICHA TÉCNICA DO FILME

AS AVENTURAS DE PI

Diretor: Ang Lee
Elenco: Tobey Maguire, Irrfan Khan, Gérard Depardieu, Suraj Sharma, Adil Hussain, Ayush Tandon
Produção: Ang Lee, Gil Netter, David Womark
Roteiro: David Magee, baseado na novela Yann Martel
Fotografia: Claudio Miranda
Trilha Sonora: Mychael Danna
Duração: 129 min.
Ano: 2012
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Fox Film
Estúdio: Fox 2000 Pictures / Rhythm and Hues
Classificação: Livre

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procurando nemo

Análise das contingências do filme “Procurando Nemo” e sua utilização no setting terapêutico

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“Procurando Nemo” conta a história de dois peixes-palhaço, Marlin e Nemo, pai e filho. O início da história apresenta a base de sustentação de muitas das motivações e medos dos personagens principais, pois a Coral (o peixe-mãe de Nemo) morre ao tentar proteger seus filhotes. Marlin estava junto, mas não conseguiu proteger Coral, nem as crias. Somente uma ova sobreviveu ao ataque. Nemo, o sobrevivente, além de ser criado apenas pelo pai, nasceu com uma das nadadeiras diferenciadas (era bem menor que o normal). Agregando esse fato à questão de ser o sobrevivente de uma tragédia, eis o cenário ideal para uma criação superprotetora e insegura. No primeiro dia de escola, Nemo – ao discutir com seu pai – vai em direção ao alto-mar e é capturado por um mergulhador. Daí inicia-se a jornada do pai a procura do filho.

Nessa jornada, Marlin conta com a ajuda de um peixe chamado Dory, uma criatura otimista, engraçada e com sérios problemas de memória. Enquanto isso, Nemo passa a viver em um aquário no consultório do dentista que o capturou. Nesse aquário faz novos amigos e estes tentam lhe ajudar a voltar para o pai e a se livrar da sobrinha do dentista (uma criança mimada que costuma matar seus pobres peixes). O desafio, o ato de bravura, a dor, a perda, a necessidade de superação, a amizade e o amor entre pais e filhos formam a tônica que fizeram desse filme um sucesso de público e crítica. Com “Procurando Nemo”, a Pixar ganhou o Oscar de melhor animação e fez um conto belíssimo sobre as buscas que travamos dentro do oceano de significados que compõe cada um de nós.

As contingências encontradas no filme e que podem ser relevantes em um contexto clínico serão dispostas a partir da contingência de Três Termos:

S —  R  –>  S, onde:

• S indica estímulos ambientais.
• S antes do R – ambiente antes da ação.
• R indica resposta (ou comportamento).
• O traço, uma probabilidade de a resposta ocorrer.
• A seta uma certeza que haverá conseqüência.
• S depois da seta – o ambiente depois da ação.

As contingências apresentadas acima podem ser usadas em diversos contextos clínicos, a saber:

– Suponhamos uma situação em que os pais enviam o filho para a terapia por acreditarem que a criança não tem limites. Depois das entrevistas realizadas, de alguns encontros com a criança e seus pais, a psicóloga entende que a criança está apenas realizando ações relativa a sua idade e o que ocorre é que os pais em questão são muito protetores, pois já perderam um filho em um trágico acidente. Como tal situação envolve uma criança cujos pais estão reforçando a incidência de um comportamento rebelde justamente por não darem espaço à criança de vivenciar coisas comuns a sua idade, é interessante que a psicóloga – em um dos encontros – convide os pais para participar do processo e mostrar o filme para eles e a criança.  A analogia para tal situação do filme é clara, nesse aspecto é até interessante que não haja maiores explicações por parte da psicóloga. Mas que, a partir da exposição do filme, sejam trazidas à tona certas variáveis de controle que possam ser usadas para uma mudança do comportamento tanto dos pais, quanto da criança.

– A vida cotidiana de pessoas extremamente desconfiadas não deve ser das melhores, pois se há uma desconfiança extrema, então todas as decisões tendem a cair sobre a própria pessoa, já que estas não confiam no outro o suficiente para compartilhar certos aspectos da vida. Um ponto interessante do filme é a amizade que surge entre Marvin e Dory mesmo sendo tão diferentes. Tal diferença até contribui para que eles possam vencer os desafios que lhes são apresentados. Nesse contexto, a cena em que Marvin tem que deixar uma difícil decisão nas mãos de Dory é emblemática, pois ali ele prova que, finalmente, confiou nela. A ideia que fica é a de que a busca dos dois é um trabalho em equipe, uma jornada conjunta. Tal ideia pode ser muito bem utilizada no setting terapêutico.

– Um ponto divertido no filme, ainda que quase trágico, é a luta dos três tubarões contra o desejo de comer peixe. Ali é mostrada o quão complexa é a fuga do que se acredita ser “sua real natureza”. Talvez o pior tipo de preconceito seja aquele que a pessoa carrega dentro de si por achar que está presa a um tipo de comportamento ou a um estereótipo. Compreender que a maior luta que se trava não é com o outro, mas sim consigo mesmo, é um desafio extremo. As variáveis necessárias para a mudança de comportamento, consideradas em função de um dado ambiente, têm que provocar o entendimento da contingência pelo próprio indivíduo. Ou seja, muitas consequências negativas não são percebidas pelas pessoas, é como se as respostas das quais essas se derivaram não tivessem um link entre si ou, melhor, que tais links não fossem claros para o indivíduo que os provocou.

– Muito interessante também a questão de relacionarem o Marlin a um comediante em potencial por ele ser um peixe-palhaço. Essa passagem do filme é uma maneira lúdica de mostrar à criança questões relativas a determinados preconceitos, por exemplo, de credo, classe social etc. Não precisamos ser simplesmente aquilo que nosso contexto histórico-social nos impõe, pois apesar de ser histórico e social, o indivíduo também é reflexo de suas contingências, do comportamento que tem no tempo presente. E isso é algo que deve ser considerado em qualquer análise comportamental, ou seja, que a força de um passado não pode ser fator decisivo para engessar o presente e subtrair o futuro.

De uma forma geral, essas situações apresentadas corroboram com a ideia de que filmes podem ser usados para o entendimento de contingências. Mesmo histórias lúdicas ou metafóricas podem, em um dado nível, contribuir muito para que o indivíduo entenda certas operações capazes de estabelecer determinados comportamentos. Ao invés do terapeuta apontar diretamente tais conseqüências que advém de determinados comportamentos do sujeito, é mais apropriado promover a descoberta disso pela própria pessoa. Essa descoberta pode ser construída a partir de várias situações e, nesse ínterim, a história de um filme ou de um livro pode ser uma delas.

REFERÊNCIAS:

OLIVA, V. H. S.; VIANNA, A.; NETO, F. L.. Cinematerapia como intervenção psicoterápica:características, aplicações e identificação de técnicas cognitivo-comportamentais. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol37/n3/138.htm. Último acesso: 27/06/2010.

SKINNER, B, F. O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix, 1978.

VANDENBERGHE, Luc. A Análise Funcional. In: M. Z. S. Brandão; F. C. S. Conte; F. S. Brandão; Y. K. Ingberman; V. L. M. Silva; S. M. Oliani. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição. Contingências e Metacontingências: Contextos Sócio-verbais e o Comportamento do Terapeuta. 1 ed. Santo André, SP: ESETec, 2004, v. 13, p. 62-71.

 

FICHA TÉCNICA DO FILME:

PROCURANDO NEMO

Título original: Finding Nemo
Diretoção: Andrew Stanton, Lee Unkrich
Roteiro: Andrew Stanton, Bob Peterson, David Reynolds
Ano: 2003
País: EUA/ Austrália
Gênero: Animação

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