Cachorros não usam calças: a redescoberta do sentido da vida através do tabu

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“Cachorros Não Usam Calças” (2019), dirigido por Jukka-Pekka Valkeapää, é um filme finlandês que aborda temas de luto, descoberta pessoal e práticas BDSM (Bondage, Disciplina, Sadismo, Masoquismo). A trama segue Juha, um cirurgião cardíaco que perde sua esposa em um trágico acidente de afogamento. Anos após a perda, ele ainda está imerso em uma profunda apatia, incapaz de se conectar emocionalmente com o mundo ao seu redor. Sua vida muda ao conhecer Mona, uma dominatrix que o introduz ao universo do BDSM, levando-o a explorar novas formas de sentir e encontrar significado em sua existência. 

O filme retrata o BDSM não apenas como uma prática sexual, mas como um meio de exploração emocional e psicológica. Juha encontra nas sessões com Mona uma maneira de confrontar sua dor e vazio, utilizando a asfixia erótica como uma ponte para acessar uma experiencia de quase morte e, paradoxalmente, sentir-se vivo novamente. Essa jornada destaca o tabu em torno das práticas BDSM, mostrando-as sob uma luz complexa e humana, onde o sofrimento físico se entrelaça com a cura emocional.​

Podemos ver a imagem do tabu quando Juha apresenta marcas no pescoço no hospital em que trabalha, deixando seu colega de profissão preocupado com o crescente afastamento de Juha de sua ocupação profissional. Além disso, sua recusa em atender fora do horário, demonstrando uma aparente obsessão em não faltar às sessões com Mona, assim como marcas corporais cada vez mais frequentes, evidenciam como essas práticas começam a ocupar um espaço central em sua vida, afetando suas responsabilidades e relações pessoais.​ Esses elementos ressaltam a complexidade da jornada de Juha, que busca na dor física uma forma de lidar com sua dor emocional, desafiando normas sociais e profissionais ao se aprofundar no mundo do BDSM.

O encontro dessa experiência se intensifica a cada sessão, à medida que Juha se entrega mais profundamente às práticas de asfixia erótica conduzidas por Mona. Durante esses momentos, ele vivencia uma sensação de êxtase, onde sua mente parece romper com a realidade imediata e mergulhar em um estado limítrofe entre a vida e a morte. Nessas experiências, ele tem visões ou recordações vívidas de sua falecida esposa, como se, por breves instantes, pudesse estar novamente ao seu lado.

Mais do que uma experiência física extrema, esses momentos representam simbolicamente a capacidade de Juha de recuperar o sentido de sua existência, um sentido que se perdeu com a morte da esposa. A asfixia, nesse contexto, não é apenas uma forma de prazer, mas um mecanismo pelo qual ele reconstrói seu vínculo emocional e encontra uma maneira de ressignificar sua dor. Assim, paradoxalmente, ao flertar com a morte, Juha reencontra a vida – não no sentido convencional, mas em uma nova forma de existência, onde a dor física se torna um catalisador para a cura emocional.

O BDSM, portanto, se torna para ele mais do que uma prática sexual ou fetichista; é um veículo para acessar sentimentos reprimidos, um caminho de reconstrução psicológica e existencial. Ele não apenas revive sua perda, mas encontra uma nova maneira de dar sentido à sua vida, descobrindo que sua jornada de luto não precisa ser um ciclo interminável de sofrimento passivo, mas pode ser transformada em uma busca ativa por significado.

Já para Mona, a relação com Juha também representa uma descoberta significativa, marcando uma ruptura com sua abordagem profissional e emocional habitual. Acostumada a interações superficiais com seus clientes, onde a dominação é exercida de maneira estritamente performática e impessoal, ela se depara com alguém que não está apenas em busca de prazer momentâneo ou de uma experiência fetichista passageira. Juha, ao contrário da maioria de seus clientes, se entrega ao BDSM com uma intensidade emocional genuína, enxergando as sessões como um meio de acessar sua dor e encontrar um sentido para sua existência. Esse envolvimento transcende a dinâmica convencional entre dominadora e submisso, desafiando Mona a repensar seu próprio papel e os limites que estabelece em sua prática.

À medida que os encontros entre os dois se tornam mais frequentes e intensos, Mona começa a demonstrar sinais de um envolvimento emocional que vão além de sua postura profissional. Pequenos gestos, antes impensáveis dentro de sua rígida separação entre vida pessoal e trabalho, passam a revelar sua crescente afeição por Juha. Um exemplo marcante é o momento em que ela decide vestir o vestido que ganha de presente dele, um ato que sugere não apenas gratidão, mas uma aceitação simbólica do vínculo que se forma entre os dois. Esse gesto rompe com sua imagem de dominatrix inatingível, demonstrando que, de alguma forma, Juha também a afeta em um nível mais profundo.

Além disso, Mona começa a flexibilizar suas próprias regras ao atendê-lo em horários especiais, algo que ela normalmente não faria para nenhum outro cliente. Essa concessão indica que Juha já não é apenas um submisso comum dentro de seu universo, mas alguém que desperta nela um interesse e uma conexão autêntica. Essa aproximação emocional desafia Mona a lidar com sentimentos que talvez ela própria não esperasse vivenciar dentro desse contexto. Se antes ela controlava completamente a dinâmica das relações que estabelecia, agora se vê em um território desconhecido, onde a dominação e a entrega emocional se entrelaçam de maneira imprevisível.

A jornada de Juha em Cachorros Não Usam Calças pode ser analisada à luz da logoterapia de Viktor Frankl, que enfatiza a busca por sentido como força motriz da existência humana. Após a perda de sua esposa, Juha se torna emocionalmente apático, vivendo de forma mecânica e sem propósito. Seu envolvimento com Mona e o mundo do BDSM rompe com esse estado de anestesia, permitindo que ele resgate sua capacidade de sentir através da dor física, que paradoxalmente se torna um canal para sua reconstrução emocional. A experiência do BDSM deixa de ser apenas um fetiche e se transforma em uma ferramenta de ressignificação, onde Juha encontra um novo propósito e identidade. Em vez de ser consumido pelo luto, ele aprende a transformar seu sofrimento em um caminho de autodescoberta, refletindo a ideia central da logoterapia de que, mesmo na dor, é possível encontrar um sentido para continuar vivendo.

Paralelamente, a jornada de Mona pode ser compreendida sob a perspectiva da psicologia humanista de Carl Rogers, que valoriza a autenticidade e a autorrealização como elementos centrais do desenvolvimento humano. Ao se permitir envolver-se emocionalmente com Juha, Mona dá um passo em direção a uma relação mais autêntica consigo mesma, quebrando barreiras que antes pareciam intransponíveis. Sua conexão com Juha não se baseia apenas em um jogo de poder, mas se transforma em uma exploração mútua da vulnerabilidade e da necessidade de pertencimento. Dessa forma, a história de Mona não é apenas a de uma dominadora que encontra um submisso capaz de acompanhá-la, mas também a de uma mulher que, ao sair de sua zona de controle absoluto, descobre novas camadas de si mesma e do que significa se conectar verdadeiramente com outro ser humano.

“Cachorros Não Usam Calças” é uma narrativa poderosa sobre como indivíduos podem encontrar sentido e autenticidade em lugares inesperados, desafiando tabus e explorando os profundos recantos da psique humana.

Cachorros Não Usam Calças (Dogs Don’t Wear Pants):

Título original: Koirat eivät käytä housuja

Título em inglês: Dogs Don’t Wear Pants

Ano de lançamento: 2019

País de origem: Finlândia, Letônia

Direção: J-P Valkeapää

Roteiro: J-P Valkeapää, Juhana Lumme

Produção: Aleksi Bardy, Helen Vinogradov, Jani Pösö

Elenco principal: 

Pekka Strang como Juha

Krista Kosonen como Mona

Ilona Huhta como Elli

Jani Volanen como Pauli

Gênero: Drama, Romance, Thriller

 

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Setembro amarelo e o tabu com o tema

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Mesmo com campanhas como o “Setembro Amarelo” que têm como alvo a prevenção, falar de suicídio ainda é um tabu. Entretanto, é necessário expor o tema para que as pessoas fiquem atentas a qualquer sinal que possa surgir em alguém próximo a fim de prevenir que o pior aconteça.

O suicídio está presente em todas as classes sociais e pode acometer qualquer pessoa. Esse ano ainda temos a pandemia da Covid-19. O problema em si não desencadeia ondas de suicídios, mas o isolamento social, o afastamento das pessoas que poderiam perceber algum risco, sim. Além disso, a presença de sofrimento e adoecimento psíquico prévios como a dependência química e quadros depressivos ou melancólicos, deixam essas pessoas mais vulneráveis com o distanciamento.

Pessoas em risco de atentar contra a vida podem exibir alguns sinais que, para a maioria das pessoas, podem parecer irrelevantes. Um especialista em saúde mental conseguiria ler os sinais e sintomas que apontam para um risco aumentado e que não se reduzem à tristeza ou depressão.

Fonte: encurtador.com.br/evCHW

Pessoas próximas podem ser de grande ajuda num primeiro momento localizando a necessidade de socorro. Porém, o acolhimento, o carinho e o suporte leigos não são suficientes para a resolução de crises. É indicado que fiquem atentos aos sinais sutis e a encaminhem para um especialista que possa efetivamente ajudar aquele que sofre. Psicólogos e psicanalistas são profissionais de saúde mental preparados para o tratamento desses quadros.

É muito importante levar a sério o lamento, a expressão de dor de quem nos cerca. Aquela breve conversa pode ser o único e último pedido de ajuda. Caso você perceba algum indício de que há algo errado, ampare e direcione imediatamente para um profissional de saúde mental. Não duvide de pequenas queixas, pois a vida pode estar apenas por um fio.

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Com que critério definimos o que é a loucura?

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Quem nunca teve medo da loucura que atire a primeira pedra. Mas, afinal, o que é loucura? Eu sempre me questionei, desde pequena, e a cada questionamento mais medo eu tinha. Logo, cresci com um receio exagerado de ficar louca. Hoje como estagiária de psicologia em uma unidade de saúde mental contarei um pouco da minha experiência. Mas você deve estar se questionando ‘como uma pessoa que diz ter tanto medo da loucura escolhe logo tal área de atuação?! Esta pessoa deve ser louca!’. E na verdade talvez eu seja.

No meu primeiro contato com um paciente em crise e totalmente embotado eu senti todos os sintomas de ansiedade. Tive taquicardia, falta de ar, dormência no corpo, ânsia de vômito e tontura. Isto por que eu fiquei em contato por no máximo 5 minutos com a pessoa, mas pareceram 5 horas. Durante este ocorrido eu pensava a todo momento ‘O que eu estou fazendo aqui, eu só posso ser louca, vou surtar e logo eu que estarei internada neste local’. Caro leitor, a minha vontade era de sair correndo, e o ditado ‘se ficar o bicho pega e se correr o bicho come’ nunca me fez tanto sentido. Isto por que se eu ficasse em contato com o paciente eu poderia surtar, mas se eu saísse correndo eu já não estaria surtada?!

Fonte: encurtador.com.br/qwFP5

As minhas 3 primeiras semanas foram as mais difíceis, pois eu internalizava alguns sintomas dos pacientes. E a cada dia o medo aumentava e até então eu já estava a me ‘diagnosticar’ com TAB – Transtorno Afetivo Bipolar, esquizofrenia etc. Pesadelos eram constantes, o medo de enlouquecer parecia me controlar, eu já não tinha mais vontade de estar no meu ambiente de estágio, era masoquismo. Até que, depois de muitos questionamentos e estudo, eu parei de negar tanto a loucura, e hoje tenho prazer em ir ao meu ambiente de estágio e a cada paciente que atendo eu percebo o quão estreito é o limiar entre a loucura e a sanidade mental, e deve ser por isto que ela amedronta tantos. Afinal, qualquer um pode surtar a qualquer momento.

A loucura seria alguém adoecido? Mas o que é saúde? Canguilhem (1943) diz que estabelecer uma norma para o que se é doença e o que se é saúde é uma utopia do ideal, isto por que o ideal levaria a perspectiva do perfeccionismo, e a perfeição não existe. Ou seja, é um ideal inalcançável. O autor complementa que se existe a doença, é por que primeiro existiu um doente, e este mesmo se queixou de algo que o incomodava.

Levando para um olhar psicanalítico, Freud (1976) diz que um sujeito saudável é aquele que tem a capacidade de se ajustar ao meio. Diante disto, um sujeito acometido por algum sintoma considerado doença pode se ajustar a mesma e viver tranquilamente. Poderia então um esquizofrênico e paranoico se ajustar aos seus sintomas e viver de acordo com os critérios de pureza da sociedade em que vive? Um exemplo é o matemático John Forbes Nash que ganhou o Nobel de matemática. O gênio afirmou que acreditava em aliens e que estes lhe deram uma missão de salvar o mundo. Forbes declarou: “As minhas ideias sobrenaturais vieram da mesma maneira que as matemáticas. Por isso, decidi levar as duas igualmente a sério”.

John-Forbes-Nash
Fonte: encurtador.com.br/pIW02

Mas o que é normal e o que é anormal? Canguilhem (1943) afirma que normalizar seria impor uma exigência a uma existência. O anormal, do ponto de vista lógico, deve ser posterior à definição do normal, designando a negação deste. E complementa que a ausência de normalidade não constitui o anormal. Isto por que o patológico também seria normal, já que a doença está inclusa na experiência do ser vivo.

Isto me gerou outro questionamento: ‘A bíblia foi escrita por quem?’. Pelo próprio Jesus e por apóstolos usados por Deus, e estes mesmos declararam que Jesus os havia enviado para cumprir uma missão. Atualmente existem religiões em que se pode falar com mortos e que se tem diversas práticas sobrenaturais. E lhes pergunto: De acordo com o CID 20, não seriam estas pessoas esquizofrênicas? Por que multidões acreditam e respeitam os ditos apóstolos que nem mesmo conheceram e os toma como enviados de Deus, e atualmente a população zomba de pessoas que dizem terem recebido uma missão do próprio Jesus Cristo?

Em 2017 o jovem Bruno Borges, de 24 anos escreveu 14 livros escritos à mão. O jovem tinha em seu quarto um quadro em que era tocado por um extraterrestre e o mesmo falava para a mãe que estava escrevendo 14 livros que iriam mudar a humanidade de forma positiva. Nas redes sociais alguns hipotetizavam que ele seria a reencarnação do filósofo Giordano Bruno, já outros acreditavam que ele seria louco. E você, o que acha? Qual a diferença dos enviados com missões sobrenaturais de época em relação aos atuais?

Fonte: encurtador.com.br/fswy6

Canguilhem (1943) afirma que o estado patológico também é uma forma de viver. E assim como Freud, o sociólogo acredita que saúde é a capacidade de adaptar-se ao meio. O que seria o normal então? Para Canguilhem “o normal é viver num meio onde flutuações e novos acontecimentos são possíveis” (p.188). Logo, conceituar um ´´ideal normal“ acontece por meio da estatística. Sendo assim, o conceito de normal é singular e depende da concepção, ressignificação e tolerância de cada um, pois o todo faz parte da estatística, mas a maioria de cada pesquisa é vista como a ideal.

Bauman (1998) diz que aquele que não se adequa ao critério de pureza, o ideal social, é impuro. Logo a sociedade, na maioria das vezes, julga que a impureza corrompe o ideal social. O que ajuda a explicar o porquê da existência de manicômios. É uma maneira, aceita socialmente, de elimina-los como sinônimos da desordem. O sociólogo afirma:

A pureza é um ideal, uma visão da condição que ainda precisa ser criada, ou da que precisa ser diligentemente protegida contra as disparidades genuínas ou imaginadas. Sem essa visão, tampouco o conceito de pureza faz sentido, nem a distinção entre pureza pode ser sensivelmente delineada. (BAUMAN ,1998, pp.13-14)

Desta forma, o que desvia da linha da ideal causa medo, assim como o desconhecido. Você já se questionou que o porquê dos vestibulares de Medicina, Direito e Psicologia são tão disputados? Eu me atrevo a dizer que é por que o médico detém de certa forma o poder da vida, o advogado o poder da persuasão, o psicólogo o poder sobre a mente. São formas de ter o saber para ter o controle sobre o outro, mas tudo em nome da ciência. Ao meu ver o homem sempre gostou de ter o controle, tenta formular uma teoria para tudo, pois o inexplicável é angustiante, logo não é controlável, medido e explicado. É como se tivesse um estranho no meio. Para Bauman (1999, p.64), “o estranho é um membro… da família dos indefiníveis…”.

Fonte: encurtador.com.br/oUWX5

Como já foi supracitado, para afirmar a existência de determinada doença, primeiro precisou existir o doente. Ou seja, cada doença existente foi estranha um dia. Segundo Bauman (1998, p.27):

[…] cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de estranhos e os produz de sua própria maneira, inimitável. Se os estranhos são as pessoas que não se encaixam no mapa cognitivo, moral ou estético do mundo – num desses mapas, em dois ou em todos três; se eles, portanto, por sua simples presença, deixam turvo o que deve ser transparente, confuso o que deve ser uma coerente receita para a ação, e impedem a satisfação de ser totalmente satisfatória; se eles poluem a alegria com a angústia (…) se, em outras palavras, eles obscurecem e tornam tênues as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas; se, tendo feito tudo isso, geram a incerteza, que por sua vez dá origem ao mal-estar de se sentir perdido – então cada sociedade produz esses estranhos.

Seria então a loucura plástica, em que muda com o tempo e depende das necessidades de cada comunidade, sociedade ou país? Antes a depressão era vista como loucura, era um tabu. Hoje em dia a visão tem mudado, isto por que muitas pessoas são acometidas pela mesma. Desta forma o social uniu forças e  técnicas de se ajustar ao meio são formalizadas. É até comum se ouvir: ´´quem nunca teve depressão?“. Há 13 anos  eu ouvia frequentemente que psicólogos eram para loucos, e hoje já ouço que psicólogos são justamente para quem não quer enlouquecer. 

Diante do que foi exposto, não quero anular a existência das doenças, muito pelo contrário, quero abrir um leque de reflexões sobre ´´nossas certezas“ em julgar que uma pessoa acometida por alguma psicopatologia deva ou não viver em sociedade. E sigo a me questionar o que é loucura, e se algum dia a esquizofrenia e o TAB acometerão tantas pessoas quanto a depressão, e dessa forma será aceita socialmente. Afinal, quem é estranho, a maioria ou a minoria? Sendo assim, seguimos ´´descobrindo novas loucuras“ e normalizando outras? Eis a questão. 

Fonte: encurtador.com.br/gmDN8

Referências

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pósmodernidade. – Rio de Janeiro, RJ:Jorge Zahar Editor, 1998.

F20-F29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes. Encontrado em < http?//www.datasus.gov.br/cid10/V2008/WebHelp/f20_f29.htm > acessado em 01/05/2019

FULGÊNCIO, C., G1 AC — Rio Branco. Jovem deixou 14 livros escritos à mão e criptografados antes de sumir, diz mãe. Encontrado em < https://g1.globo.com/ac/acre/noticia/jovem-deixou-14-livros-escritos-a-mao-e-criptografados-antes-de-sumir-diz-mae.ghtml > acessado em 01/05/2019.

FREUD, S. O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago; 1976. 

JULIO, R.A. A linha entre loucura e genialidade é mais tênue do que se imaginava. Encontrado em < https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2014/10/linha-entre-loucura-e-genialidade-e-mais-tenue-do-que-se-imaginava.html > acessado em 01/05/2019.

SERPA, O. (2003). Indivíduo, organismo e doença: a atualidade de “o normal e o patológico” de Georges Canguilhem. Psicologia Clínica, 15(1),121-135.

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Quem deve falar sobre sexualidade com os filhos: pais ou escolas?

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Afinal, quem deve falar sobre sexualidade com os filhos: pais ou escola? Falar sobre sexualidade sempre envolveu alguns tabus, sentimentos de vergonha e preconceito. Diante disso, há um temor inevitável, principalmente por parte dos pais, quando percebem que seus “bebezinhos” já não são mais crianças, mas também não são adultos. Ocorre uma dúvida frequente acerca do que falar e como falar sobre sexo e a quem cabe esse papel, se é aos pais ou a escola.

Fonte: http://zip.net/bytJB4

 

A melhor solução para esse dilema é o trabalho em equipe, ou seja, pais e escola unidos na educação sexual das crianças e adolescentes. O que não pode ocorrer é a inversão de valores de uma família no campo escolar, pois assim a escola estaria invadindo um espaço que não é seu. Desse modo, ficaria para a escola o papel de ensinar as crianças e adolescentes sobre o papel da sexualidade, incluindo o ato sexual e as relações afetivas e as consequências de tais ações, ensinando métodos preventivos contra doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Já para a família, caberia a transmissão dos valores, o que varia de uma para a outra, para a criança ou adolescente.

 O problema que ocorre nessa pós modernidade é que, com os adultos super envolvidos no trabalho a maior parte do tempo, a escola que antes só possuía o papel de ensinar, passou a ter o papel de educar também. Talvez seja nisso que muitos pais se confundem e acreditam que a escola deve transmitir tudo para seus filhos, inclusive valores e princípios. Porém, muitos desses mesmos pais não apoiam a educação sexual nas escolas, o que é muito contraditório. A educação sexual precisa ser passada nas escolas, com acompanhamento dos pais, pois estes podem passar informações corretas acerca do assunto, uma vez que o fácil acesso a informação é algo evidente hoje. Então, para evitar informações distorcidas, a melhor maneira é ensinar em um espaço de aprendizagem, não só disciplinar, mas para a vida.

Fonte: http://zip.net/bftH5n

 

Aceitar esse tipo de ensino escolar é um passo para desmistificar um pouco esse assunto que gera tantos calafrios. É contribuir para que a sexualidade não seja mais algo banalizado e ridicularizado, como ocorre muitas vezes, principalmente entre adolescentes desinformados. É contribuir para a formação de adultos mais sensibilizados ao toque, ao amor, as relações íntimas, fazendo de cada momento algo especial, valorizando a si mesmo e as pessoas com quem irá se envolver ao longo da vida.

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Ninfomaníaca I : quando o sexo vira uma obsessão

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Sexo, prazer e fetiches. Ainda que estejamos em uma nova era, das tecnologias avançadas e da livre expressão artística, estes temas ainda são tratados como tabu por muitas pessoas e, é claro, reprovados por olhos que condenam e deixam de lado qualquer que seja a naturalidade das coisas. Sim, porque não há nada mais natural do que o Sexo.

Um filme que apresenta o título “Ninfomaníaca” (Nynpohomanic) já demonstra que não há nada a esconder, portanto não existem razões para o espectador esperar por algo simples, suave e maleável, ainda mais quando se trata de um longa dirigido por Lars von Trier, responsável por filmes completamente perturbadores.

Lars von Trier não economiza nas emoções e provocações.  Suas obras cinematográficas são providas das mais inquietas emoções humanas, exploram fantasias dementes capazes de provocar uma inquietude sem tamanho a quem o assiste. Além de tudo, von Trier traz uma imagem distorcida da personalidade humana, trabalha a fundo como a imagem do ser humano pode ser mais obscura que se pode imaginar, adota um gênero de tortura psicológica e física, destrói conceitos simplistas, eleva a complexidade humana. Expõe inúmeros temas que a sociedade faz questão de manter oculto. Através de von Trier chegamos ao fanatismo religioso, a mutilação do corpo, a perversão nua e crua, a destruição do amor e a luxúria do corpo.

Trier é, acima de tudo, um ser sem filtro. Capaz de provocar os mais diversos sentimentos nas pessoas, porque seus filmes são, de fato, nada convencionais. Ninfomaníaca segue à risca as características que transformam os filmes de Trier em obras assustadoramente fascinantes, assim como Anticristo, produzido em 2009.

Ressalto aqui que, para demonstrar a grandiosidade desse autor, quando questionado sobre a violência exposta em Anticristo, Trier respondeu com total sinceridade e realismo “Simplesmente achei que seria errado não mostrar. Sou um cineasta que acredita que devemos colocar na tela tudo o que pensamos. Sei que é doloroso ver, mas esse filme tem muito a ver com essas dores.”Deixando claro, a quem quer que seja, que seus filmes passam longe do gênero imaginário e que sua principal função é expor as entranhas humanas que escondem sentimentos e emoções que merecem serem exploradas e trabalhadas.

Então encontramos uma mulher jogada ao chão, completamente desnorteada, maltratada, carregando um imenso fardo de culpa. A mulher é Joe (Charlotte Gainsburg) que, quando socorrida por Seligman (Stellan Skarsgärd), se apresenta como um ser humano indigno de pena, um ser egoísta e perverso, “sou uma pessoa ruim”. Deitada sobre uma cama, Joe discorre lentamente sobre sua vida, desde a tenra infância até, possivelmente, aquele momento em que foi encontrada em um beco, pelo judaíco, aparentemente apreensivo, mas ao longo da trama apresenta uma personalidade no mínimo contraditória.

É importante ressaltar que Ninfomaníaca é dividido em duas partes, logo, não se pode esperar um final ou algo que explique o porquê de Joe ter sido abandonada em um beco e porque essa mulher se encontra cheia de hematomas e remorso. Ainda assim, trata-se de uma história comovente e densa, tanto pelo tema abordado quanto como a forma que o tema foi abordado. De antemão, o filme traz inúmeras cenas de sexo e nudez explicita e que por vezes isso traz um tom apelativo ao filme. São cenas carregadas e ricas em detalhes – sexo oral, penetração, excitação, masturbação -, mas é justamente através delas que se pode chegar a uma ideia do que a protagonista esperava, sobre o que ela tanto buscava; a busca incansável de sentir algo, de sentir-se completa. Seja lá o que seria esse “algo” e esse “completo” que Joe esperava.

Joe conta para Seligman de como descobriu o prazer. De como, quando criança (10 anos), descobriu que poderia ter uma sensação sublime ao deitar no chão e esfregar-se contra ele. De como decidiu perder sua virgindade (16 anos) e o que aconteceu logo após descobrir o sexo. Conhecemos então a jovem e inocente Joe (Stacy Martin), com uma expressão impenetrável e indecifrável. Logo depois a imagem de um ser egoísta e cruel toma o lugar da imagem de moça inocente – a viagem de trem, sexo no banheiro, um pacote de chocolate como troféu – Dar-se, então, o início da longa, prazerosa e tortuosa jornada de Joe. Apesar das histórias insólitas, Seligman não demonstra nenhum julgamento e faz comparações entre o sexo e atividades comuns – pescaria.

Destaco aqui que a cena de Joe deitada na cama contando sua história e Seligman ouvindo – hora dando pontuações, hora fazendo intervenções – nos remete a ideia de um setting terapêutico, onde Joe está num divã e demanda sua queixa e Seligman é o terapeuta, que busca formas de compreender os problemas e inquietações da mulher.

Ao iniciar suas narrativas para Seligman, e para nós, Joe traz à tona os detalhes de suas intimidades, passa a deixar claramente que são informações pessoais, embora imundas e que a torna um ser repugnante – segundo a própria personagem -. Joel parece confessar um crime, ou um segredo. Não dá nomes, apenas iniciais, aos seus amantes ou cúmplices. As cenas são minuciosamente descritas, o que as tornam cada vez mais proibitivas, mais profundas.

Quando narra seus comportamentos, suas aventuras sexuais e seus dramas existenciais, Joe conta com sinceridade e devoção o que provocava seu prazer em cada um de seus atos. O que cada um, dos seus inúmeros parceiros, tinha ou fazia que a excitava. É então que obtemos dois pontos cruciais ao longo dessa narrativa:

Temos, primeiramente, a visão de Joe sobre a sua própria história. Cheia de podridão humana, de sexo sujo, depravado e desonesto. Trata-se de uma vida mundana, sexo pútrido e carregado de sentimentos egoístas. Ela se autodiagnosticou como “ninfomaníaca”, aquela que buscava prazer, que só se preocupava com a própria satisfação e que não se afetava com os danos causados por seu vício.

Por outro lado temos a visão de Seligman, que não a vê como detentora de um desejo fétido e mortal, mas como algo positivo. Uma característica singular que não a isenta da normalidade, que não a difere dos outros seres. Seligman, acima de tudo, busca maneiras de reverter a visão pessimista de Joe.

Agora o público tem duas visões diferentes e algumas questões: o que o sexo traz de ruim e o que ele traz de bom? Quando o sexo deixa de ser algo natural e passa a ser patológico? A busca desenfreada pelo prazer e satisfação pode ser considerada, como Joe encara, como algo doentio?

Segundo a literatura psiquiátrica, a Ninfomania é um transtorno sexual compulsivo, trata-se da disfunção onde a mulher sente uma vontade incontrolável de manter relação sexual. O transtorno compulsivo sexual atinge tanto homens quanto mulheres, no entanto, o termo “ninfomania” é atribuído somente ao público feminino, nos homens o transtorno é chamado de Satiríase. Tal transtorno também é chamado de transtorno do desejo sexual hiperativo, compulsão sexual, hipersexualidade ou apetite sexual hiperativo. Mas, apesar da variedade de nomes dado a esse fenômeno sexual, o que determina se a mulher é ou não uma ninfomaníaca não é apenas o excesso do desejo sexual mas sim a falta de controle sobre o desejo.

Mas Joe possui Transtorno Sexual Compulsivo? Como se trata da história parcial de Joe não se pode afirmar com clareza se ela é ou não portadora desse transtorno. No entanto, com observações diante de sua narrativa, chega-se à conclusão que ela é uma ninfomaníaca, de fato. Uma vez que ela usa o sexo diante de várias razões: fuga, culpa, castigo, autoconhecimento, satisfação, número excessivo de parceiros, entre outros.

Joel afirma que quando jovem o sexo era usado como uma arma aniquiladora, criada para exterminar o amor, reduzir esse sentimento a nada. Com o tempo ela trata o sexo como fuga, com o ato sexual ela esquece suas dores, suas tristezas, ao final dele ela desmonta em lágrimas, a dor está de volta. Mas, acima de tudo, o sexo é o complemento, é através dele que ela se sente preenchida e completa.

De acordo com a psiquiatria para que uma mulher seja diagnóstica como ninfomaníaca, um conjunto de comportamentos deve ser enquadrado ao ato sexual compulsivo, porém, ainda não existe um consenso sobre o tipo de transtorno e classificação correta sobre o que acarreta esse transtorno. Alguns estudiosos dizem que o transtorno obsessivo-compulsivo de caráter sexual está associado a outros transtornos de personalidade, como bordeline e/ou histrionismo, é considerado também como um tipo de vicio, assim como drogas, álcool e jogos.

Existem alguns comportamentos que descrevem um possível transtorno compulsivo sexual. Sendo eles;

  • Fantasias sexuais de forma recorrente e intensa;
  • As fantasias ou os impulsos sexuais ocorrem com frequência, sem controle;
  • As fantasias atrapalham na concentração; nas atividades; no trabalho; estudo; convívio social;
  • Há sofrimento causado nas relações interpessoais;
  • Masturbação Excessiva;
  • Relação sexual com um ou diversos parceiros;
  • Compulsão por diversos relacionamentos afetivos;
  • Uso abusivo de pornografia e sites eróticos.

Joe, em uma de suas histórias, conta como precisou manusear sua agenda de encontros, como cada parceiro tinha sua hora e até mesmo como decidiu escolher a forma de tratá-los. Sem coração, sem afeto, sem amor. Joe é também uma verdadeira atriz, comove seus parceiros, manipula um por um, de forma sádica. Os faz sentir-se bem, amados e idolatrados ou, ás vezes, odiados e rebaixados, mas sem, de fato, possuir tais sentimentos e opiniões. É apenas um jogo, só há um vencedor, ela.

Ao longo da história um sentimento de contradição nos acomete. Joe diz, algumas vezes, que não sentiu remorso por nenhum dos danos que provocou aos outros, não se sentiu mal, não sentiu nada. Ao passo de que, ao contar os fatos, suas expressões são de quem se castiga impiedosamente por cada ato cometido, alguém que carrega a culpa da destruição do mundo – o mundo de pessoas alheias à ela-. Alguém que diz inúmeras vezes “eu sou um ser humano ruim”.  Esse sentimento contraditório percorre até o final da primeira parte de Ninfomaníaca, o que torna a trama ainda mais perturbadora. “O que essa mulher quer passar, realmente?”.

Joel é um ser que simboliza o vazio existencial, alguém sem vísceras sentimentais, sua busca incansável por um complemento humano a leva para um mundo obscuro, sem regras e pudores. O corpo excitado quando criança, escolher o primeiro parceiro por causa de suas mãos fortes, aceitar participar de uma viagem promíscua que a faz construir o conceito de “homem-objeto”, a confissão de se sentir molhada diante de um fato familiar, torna Joe cada vez mais difícil de decifrar.

O amor também se encontra nas inquietações de Joe, embora tão pouco. A questão fundamental que von Trier traz ao filme, será que é possível que alguém tão carnal, desprovida de sentimentos, pode sentir o amor? Poucas vezes a protagonista parece se embebedar de amores. Com exceção da devoção ao pai, apenas uma única vez Joe demonstrou ter sentimentos românticos por outra pessoa. A mulher imunda de hematomas continua vazia.

As analogias, também, são um ponto forte do filme. Trier trabalhou perfeitamente nesse quesito. Não existem exageros. O sexo aqui foi comparado as coisas mais simples e poéticas que podemos conhecer.

  • O Sexo e a Pesca

Os homens são os peixes – vocês as iscas.

  • O Sexo e as Fórmulas Logarítmicas
  • O Sexo e a Música – música matemática de Bach

Johann Sebastian Bach foi um dos primeiros músicos a perceber que separando as notas musicais de determinadas maneiras era possível produzir sons mais ou menos agradáveis. Passou, então, a experimentar e aplicar acordes em suas composições de piano, órgão e cravo (CLIKEAPRENDA, 2012 s/p).

Todas as contradições exploradas no decorrer da trama também banham o final da primeira parte de Ninfomaníaca. Joe agora nos conta sobre seus três amantes preferidos, enquanto as cenas que se reproduzem na imaginação de Seligman são expostas. Uma cena se intercala na outra, várias cenas, do início do filme ao momento atual da história, também se misturam. É êxtase. A cena mais intima que o público poderia esperar e, portanto, a mais incompreensível. Demasiadamente perturbadora.

Diria eu que este é um filme para os amantes da psicanálise. Um retrato fiel das explicações de Freud sobre a personalidade e a sexualidade.

  • Joe e o Complexo de Édipo – “meu pai sempre foi o legal, minha mãe sempre a ruim”
  • Joe e a Fixação – sexo
  • Joe e Fetichismo – mãos fortes
  • Joe e as Regras – transgressões e cumprimento de suas leis
  • Joe e a Perversão
  • Joe e o Sentimento – amor, desejo, emoção, afeto

Ou, em uma outra visão, Lars von Trier quer falar sobre o Amor, em suas diferentes formas? Por que não? Em uma das cenas Joe diz que o amor é apenas uma luxúria com um acréscimo de ciúmes, nas seguintes, mostra como se distanciou definitivamente desse sentimento. Seria esse um filme que demonstra a destruição do amor? O sexo seria um rival desse sentimento?

Lars Von Trier, na minha opinião, usa o sexo como recurso estético para justificar a destruição do amor e do sentimentalismo. Aliás, esse filme fala sobre amor. De uma maneira bem singular, Lars Von Trier constrói cinco capítulos em que nós observamos a protagonista Joe (Charlotte Gainsbourg) vencer todo o tipo de amor: conjugal, carnal, paterno (FARIAS, W. 2014, s/p)

Das mil maneiras que o filme pode ser interpretado assim como as incontáveis sensações que ele nos desperta, é crucial a neutralidade de julgamentos e entender que trata-se de uma obra incompleta, o final impactante mas pouco compreensível não representa a conclusão da situação de Joe. Existe, na verdade, uma única constatação: Joe ainda está vazia.

SAIBA MAIS:

http://www.saudesublime.com/ninfomaniaca/

FARIAS Willian. Análise do filme Ninfomaníaca em: http://trailertododia.com/dissecamos-todos-os-capitulos-de-ninfomaniaca-e-descobrimos-que-o-filme-fala-de-amor/

FICHA TÉCNICA:

NINFOMANÍACA

Direção: Lars von Trier
Elenco Principal: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgard, Satcy Martin, Shia La Beouf, Uma Thurman
Gênero: Erótico, Drama
Países: Dinamarca, Alemanha, Bélgica, França
Ano: 2014

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