CAOS 2022 – Palestra de abertura aborda o trabalho plataformizado e sua implicação nos sujeitos

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Como previsto na programação do CAOS – Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia, na última terça-feira (22), ocorreu a grandiosa palestra de abertura sob o tema “Trabalho Plataformizado e a devastação dos sujeitos”. Pontualmente, às 19h30, a profissional Lêda Gonçalves de Freitas iniciou sua fala voltada para os ouvintes presentes no auditório central da instituição. 

Apesar de ter realizado a palestra de forma remota, a brilhante profissional Lêda, conseguiu prender a atenção do público presente e trazer ensinamentos verdadeiramente relevantes.  Fugindo do que talvez fosse esperado, não fez uso de slides; simplesmente usou o poder da fala de uma maneira extremamente coerente, o que facilitou a transmissão do conteúdo e do conhecimento, bem como impulsionou a troca, diálogos, reflexões e questionamentos.

Foi possível expandir o conhecimento acerca do panorama global no que diz respeito ao sistema capitalista e seu funcionamento atual; das formas de trabalho; da força e presença da tecnologia no contexto laboral: do impacto que tais mudanças geram nos sujeitos inseridos; do modo que as pessoas percebem seus papéis. 

Seguindo a lógica apresentada em sua exposição, percebe-se que nos dias de hoje, seguimos um modelo neoliberal nas mais diversas relações (econômicas, sociais, culturais), que dita o sentir, o pensar e agir, instilando a cultura do capital, visando sempre o lucro; modelo este que está inserido nessa nova concepção capitalista, que implica em novas formas de exploração com grande capacidade de gerar mais competitividade e também sofrimento psíquico.

Divulgação/CAOS

Como exemplo, foi citado o salto tecnológico e os trabalhos plataformizados, aqueles que as pessoas trabalham por mediação de plataformas/aplicativos, sem nutrir vínculos, sem espaço para comunicação e socialização, estando disponíveis a qualquer momento, não existindo um contato palpável e concreto com a empresa em questão, sendo assim, considerado um trabalho isolado, atingido por uma alta concorrência e precarização. 

Já no âmbito da educação, alterações também surgiram: as universidades se tornam organizações, e não mais instituições carregadas de valores e princípios; percebe-se também um crescimento de disciplinas e ensinamentos repassados através de ferramentas virtuais, à distância.

No decorrer da palestra, então, ficou explícito que consequências sociais e econômicas nascem nessa dinâmica do trabalho, facilitando a incidência da desigualdade, acentuando o desemprego, criando-se um sentimento de liberdade e aumentando o poder de exploração do neoliberalismo. O sujeito passa a ser empreendedor de si, almejando o lucro e o alto desempenho, o coletivo é deixado de lado, a luta é de caráter individual na busca incessante por capital.

Portanto, esse processo, amplifica o surgimento de estresse, doenças mentais, etc. A exploração vem de dentro, é interna de cada sujeito, e o senso de liberdade é ilusório, pois agora o controle é sutil, quase imperceptível, advindo das plataformas em si. 

Por essa razão, a parte final da palestra abarcou as maneiras de evitar sucumbir-se, para ir contra a lógica adoecedora: devemos incorporar novas filosofias, estimular a imaginação, o pensar, em harmonia com o coletivo e natureza, alimentar questionamentos e criticar a onda de acumulação que parece nos mover, da mesma forma que devemos ter consciência dos nossos desejos e não permitir que os mecanismos tecnológicos extraiam nossas forças vitais, é primordial resgatar encontros potentes que nos preenchem de conhecimento e favoreçam a saúde mental, criando laços reais de confiança. 

No fim da palestra o público teve a oportunidade de fazer perguntas e expor pensamentos e agradecimentos; a profissional respondeu cada um indo mais à fundo nas ponderações levantadas. Sendo assim, foi uma palestra motivadora que trouxe um conhecimento atrelado à realidade que vivemos e intensamente profunda que manteve acesa a atenção das pessoas presentes até a sua conclusão.

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(En)Cena entrevista a psicóloga Lêda Gonçalves de Freitas

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No dia 22/11 o CAOS/2022 irá contar com a psicóloga Leda Gonçalves de Freitas.

A edição do CAOS de 2022 contará de diversas apresentações, dentre estas, teremos a ilustre presença da psicóloga com currículo internacional, Lêda Gonçalves de Freitas, Pós-doutora em Psicossociologia pelo Conservatoire National de Arts et Métiers (CNAM), em Paris. Doutora em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Universidade de Brasília (UnB). Vice-coordenadora do Grupo de Trabalho: “Trabalho, Subjetividade e Práticas Clínicas” da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). Docente do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). Sua palestra terá como foco o tema Trabalho Plataformizados e a devastação dos sujeitos.

Em entrevista concedida ao portal (En)Cena, a palestrante respondeu algumas perguntas sobre sua participação no evento.

En (Cena) – No Brasil, como tem sido recebida esta modalidade, quais os riscos psicológicos que acompanham um trabalho plataformizado?

De acordo com o IPEA (2021), no Brasil há em torno de 1,5 milhão de pessoas que trabalham no transporte de pessoas e na entrega de mercadorias, sendo que, a maioria 61,2% é de motoristas de aplicativo ou taxistas. Esses trabalhadores são contratados sem qualquer vínculo empregatício e atuam como trabalhadores autônomos. Pesquisa realizada pelo nosso Laboratório de Pesquisa “Trabalho, sofrimento e ação” com motoristas e entregador-ciclista revelou que a carga horária de trabalho chega a mais de 10hs por dia e 6 dias por semana. Os rendimentos são baixos e é preciso trabalhar muito para compensar os gastos com a manutenção do transporte, gasolina e a sobrevivência. Ademais, todo o controle do trabalho é feito pelos algoritmos dos aplicativos. Os motoristas não controlam o percentual que fica para o aplicativo. Além disso, ficam expostos tão desigualmente. Muitos trabalhadores gostariam de ter trabalho formalizado e em melhores condições.

En (Cena) – Dentro destas plataformas de serviço, seria possível afirmar que há uma forte violação às condições psicológicas laborais em prol da satisfação do cliente?

O trabalho tem entre tantas funções, o equilíbrio psíquico do sujeito que trabalha, pois, o trabalho é encontro com outros e é realização pessoal pela utilidade da tarefa realizada. Nas pesquisas, os trabalhadores sentem satisfação em levar um alimento para uma pessoa idosa, transportar alguém que necessita de cuidados, então, há sentimento de utilidade. Por outro lado, a pressão de um patrão que ninguém conhece, os algoritmos, pois precisam estar logados, fazer um determinado número de corridas para continuarem no aplicativo, mais o controle do trabalho precarizado fazem com os trabalhadores tenham sentimentos de não-valor. Assim, há tristezas e preocupações em ganhar vida por meio desses aplicativos.

En (Cena) – Tudo são martírios nesta modalidade? A sociedade em geral deveria fazer uma “mea culpa” sobre a adesão destes serviços ou tal situação deve ser limitada aos debates políticos e acadêmicos?

O contexto do capitalismo contemporâneo é de muita valorização desses aplicativos. Como não há reflexão sobre essa lógica da plataformização do trabalho, não vejo estrutura cognitiva para se fazer “mea culpa”. Seria importante, se estivéssemos num país com democracia plena, que refletissem sobre os efeitos psíquicos de uma sociedade consumida pela lógica de um capitalismo plataformizado. Esse debate deveria estar em nosso cotidiano  com vista a pensar a saúde mental contemporânea.

En (Cena) – Existe alguma sugestão para evitar os desgastes psicológicos brutais que essa modalidade laboral pode causar?

Penso que, para não ter um cansaço permanente de telas, ansiedades e até depressões, seria importante, quem trabalha com esses aplicativos estabelecer horários de distanciamento, além de, participar de escutas do sofrimento no trabalho com o objetivo de compreender os efeitos desse mundo do trabalho na saúde mental.

En (Cena) – Brindar as jovens mentes nestes congressos é algo único, seu tema é extremamente relevante socialmente, pois discute uma das vertentes do futuro do mercado de trabalho, e, portanto, essencial para a sociedade. Como psicóloga, em sua opinião, quais seriam as contribuições que um profissional que atue com ênfase em psicologia organizacional poderia contribuir para o aperfeiçoamento desta modalidade laboral?

Eu não sou psicóloga, sou doutora em psicologia organizacional e do trabalho. Neste lugar de pesquisadora que atua com pesquisa-intervenção, penso que as contribuições dos profissionais, primeiro, entender esse novo mundo do trabalho tão precário que favorece as intensas desigualdades sociais. Segundo, ao atuar em gestão de pessoas, proporcionar espaços de escuta dos trabalhadores para que, por meio do falar e sentir, construam estratégias de ação para minimizar as dificuldades no trabalho. 

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