“Um marido fiel” – até aonde o amor pode chegar?

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O filme “um marido fiel”, classificado como sendo um drama e suspense, envolve a vida de uma família e um triângulo amoroso. Protagonizado pelos atores, como cônjuges,  Christian (Dar Salim) e Leonora (Sonja Richter), os quais vivem uma vida perfeita, especialmente porque o filho, o qual nascera com uma doença rara e grave, agora aos 17 anos, está curado.

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Em nome do amor, os nubentes juram amor e lealdade para toda a vida, cujo vínculo é pré-estabelecido, um contrato inconsciente. A partir desse vínculo, permite-se o pertencimento de um na vida do outro, a descontinuidade do “eu” para a construção e continuidade entre os “eus”, os cônjuges. São desejos distintos, os quais, se apropriam mutuamente para compartilhar os Egos, agora jungidos.  No estilo do velho jargão, “duas almas em um só corpo ”. O vínculo matrimonial funciona como um pacto, sendo ele quem estrutura e reforça os acordos.

Leonora, uma típica dona de casa, violonista de sucesso que abandonara sua carreira para cuidar do filho e, dedica-se à família, esposa e mãe dedicada. Seu ninho familiar estava perfeito, marido bem sucedido e o filho curado. Tudo em perfeita harmonia.

Christian, o cônjuge varão, um engenheiro, bem sucedido, dono/ sócio com um amigo de uma construtora, onde conhece a arquiteta Xênia (Sus Wilkins), e iniciam um relacionamento extraconjugal. A amante exige que o engenheiro separe da esposa para ficarem juntos. Eivado pelo sentimento sensual, ele confirma que executará o pedido.

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Leonora, sente seu castelo ameaçado, a ameaça da ruptura do pacto e o sentimento afeiçoado ao imaginário da pessoa amada, está sob ameaça de ruir.

Em uma madrugada o esposo recebe uma mensagem, ela pergunta-lhe quem está enviando-lhe mensagem àquela hora, o esposo disfarça e diz ser um amigo. Contudo, o recebimento das mensagens continua. Irritada, Leonora, pede para que ele mostre- lhe as mensagens, no que ele recusa.  A partir desse episódio, ela tem acesso ao celular do esposo e verifica as mensagens, descobrindo que estava mentido, e vivendo um pseudo romance e passa a investiga-lo.

As desconfianças e evidências tornam-se reais, o que eram olhares furtivos em busca de respostas, concretizam suas suspeitas. Durante uma festa da empresa de Christian, em comemoração por um contrato de grande valor, Leonara, segue- o, e flagra -o em conúbio carnal, com a arquiteta Xenia (Sus Wilkins), começa o seu pesadelo e sua obsessão em afastar a mulher que está ameaçando sua família.

Ser abandonada, trocada por outra mulher, não está nos planos de Leonora, principalmente depois de tanta dedicação. Inadmissível, uma vez que, ela desistiu de tudo que lhe era próprio, inclusive de sua carreira, por ele e para dedicar-se e cuidar do filho do casal.  Inicia-se uma pressão para a manutenção do esposo do seu lado, uma realidade experienciada, geralmente pelos casais, a necessidade do ser em estar em um vínculo para constituir-se sua própria identidade como sujeito, a necessidade de juntos para toda a vida.

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Contudo, existe uma linha tênue entre amor e ódio, não raro, esse último sobressai durante uma traição, quando o amor não é mais correspondido e/ou a ameaça de sua desconstrução, a pessoa traída entra em colapso psicológico.

Nesse diapasão, Leonora, eivada pelo sentimento de posse e no desespero da ruptura e o distanciamento de seu objeto de desejo, passa a nutrir pensamentos obsessivos de como destruir o romance extraconjugal, colocando em prática seu plano, para garantir a indissolubilidade do casamento. E, no emaranhado de sentimento de rejeição, abandono e ingratidão do marido, adentra no universo da dependência emocional, e transforma suas emoções em obsessão.

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Diante da materialidade comprovada da traição e a confissão do marido, Leonora, inicia um processo de pressão e ameaças ao esposo, manifestando a intenção em revelar segredos obscuros, uma fraude fiscal que alavancou a empresa. Para ela, é uma luta contra o tempo para preservação de sua família e, vale qualquer artimanha.

O esposo, de igual forma obsessiva e perdido em suas fantasias e, na eminencia em ter expostos seus segredos e a sua imagem arranhada perante à sociedade e à sua amante, bem como, a possibilidade em afastar-se dela, arquiteta a morte de sua esposa, sendo ele o executor do plano, assassinar a mulher em um atropelamento. Seu plano falhou e ele atropela outra mulher da vizinhança. O amor que no pretérito era gozo, passa a ser tormento, ultrapassando a linha da normalidade e razoabilidade.

O objeto de desejo de outrora, trona-se abjeto, indesejado. Agora a satisfação é pela liberdade de não estar, o distanciamento corporal e sentimental.

Leonora, descobre que o marido queria matá-la, e passam a viverem em um ambiente de insegurança psicológica, sem saber quem seria o vitorioso no processo em voga. Individualmente, cada um passa a buscar seus fins para estarem com seu amor.

O marido passa a investigar o passado da esposa e descobre que há suspeitas que ela assassinou o namorado que veio a traí-la. Diante dessa informação, passa também a chantagear a esposa.

As ameaças recíprocas entre os cônjuges, cada um em seu imaginário doentio, em virtude da possível perda de seu desiderato, passa a arquitetar os meios de eliminar os empecilhos que os impedem ou limitam seus gozos.

Partindo do princípio que a relação de objeto é o motor e a matriz do vínculo, melhor unir ao inimigo para sobreviver, e assim, a esposa, atrai, seduz e convence o marido, e expõe todo o plano para assassinar a amante, única forma dela viver livre de tal ameaça.

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O marido parecia indiferente, só ouvia. Há pressupostos que ele estava contemporizando, e no momento oportuno, sairia para não voltar.

Leonora, é a mentora intelectual do crime e, com traços de psicopatia, ordena ao marido que vá à casa da amante, na madrugada e mate-a, tendo o cuidado de  deixar evidências de um arrombamento da casa e morte da mulher.

Contudo o marido segue o plano, porém não consegue executa-lo, a esposa vai até à casa e os vê juntos, preserva seu objeto de desejo e assassina a amante, os dois tornam-se cumplices, talvez o esposo receoso que poderia ser a próxima vítima,  colocaram os restos mortais em uma fogueira, tradição dos dinamarqueses, simbolizando a queima de bruxas, preparada na casa do casal, assim,  nas investigações não encontrariam o corpo.

Nas investigações, a polícia depara com um roubo na casa de Xenia, e esta desapareceu.  Embora, sendo o suspeito principal pelo desaparecimento da amante, por sê-la, funcionária  de sua empresa e fora descoberto que eram amantes, Christian, consegue sair ileso, pelos modus operandi  engendrado por Leonora, livrando-o da condenação criminal.

Após as comemorações, Leonora  e Christian, viajam para um lugar distante com o intuito de desvencilharem dos últimos resquícios da amante e, jogam os ossos em um lago, onde, por certo, nunca serão encontrados. Agora, entrelaçados pelo amor obsessivo dela e pelos liames de um crime. Como contrariar Leonora  e não ser-lhe fiel?

Pode-se dizer , seja Leonora, a vilã do filme, entretanto, em uma análise perfunctória,  não há como defini-la como uma psicopata, possui traços compatíveis à psicopatia, tais, como falta de remorso, egocêntrica, manipuladora, sem empatia, a presença do pensamento binário, tudo ou nada, sem meio termo. Falta a evidência familiar de como fora educada, sua infância e vida conjugal de seus genitores para traçar seu perfil psicológico.

Corroborando neste sentido, Sigmund Freud, diz: “As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde.”

FICHA TÉCNICA DO FILME

FILME: Um marido fiel  (Loving Adults)

PRODUTOR:  Marcella Linstad Dichmann

PRODUTOR EXECUTIVO: Lars Bjørn Hansen

ELENCO: Dar Salim, Sonja Richter, Sus Wilkins

 

REFERÊNCIAS

Artigo- Uma Leitura Psicanalítica do Laço Conjugal– Lídia Levy de Alvarenga.

Bate-papo/ “Psicanálise de Casal e Família“, de Rosely Pennacchi e Sonia Thorstensen.

Filme “Um marido fiel  (Loving Adults)– Drama suspense”. NETFLIX.

VARELA, Emílio- Curso de Psicanálise Integrada- Contribuição da Pedagogia e da Psiquiatria. 2016

YouTube- Albangela, C. Machado fala sobre a psicanálise no tratamento dos casais.

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Toda a sua História: somos capazes de lidar com nossas memórias?

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Black Mirror, uma série britânica criada por Charlie Brooker, traz a cada nova temporada reflexões sobre avanços da sociedade moderna e seus efeitos no cotidiano dos sujeitos mostrando um futuro não muito longínquo.

Buscando uma visão não tão distante do ponto no qual nos encontramos pela diversidade tecnológica que dispomos, o terceiro episódio da primeira temporada, traz uma amostra de tais tecnologias expondo um implante chamado “Grão”, usado na intenção de possibilitar o controle total de memórias a cada um de seus usuários, permitindo-os a reprodução das mesmas através de seus olhos, ou até a projeção em televisões.

Fonte: https://goo.gl/TZqi4r

Fazendo uma analogia visando o contexto da literatura brasileira, a história de Liam e Fi, pode ser observada com os mesmos olhos de Dom Casmurro, uma obra de Machado de Assis, publicada em 1899, na qual toda a trama se desenvolve a partir do questionamento “Capitu traiu ou não Bentinho?”, trazendo certo suspense para o enredo.

Liam (TobyKebbel) é um advogado em emergência, que dá início ao episódio em uma entrevista de emprego. Casado com Fi (Jodie Whittaker), Liam começa a desconfiar da esposa após um encontro de antigos amigos no qual nota certa tensão entre ela e Jonas (Tom Cullen), comportamentos estranhos e determinada omissão de informações por parte de ambos. Obcecado por descobrir qual o tipo de relacionamento existente entre os dois, Liam começa a repassar incansáveis vezes suas memórias sobre a noite passada e confronta sua esposa de uma maneira incessante.

Freud em 1895 postula reflexões sobre os chamados mecanismos de defesa, pelos quais o Ego frente às exigências das demais instâncias psíquicas, Id e Superego, se manifesta de forma a proteger o sujeito de conteúdos que para si sejam potenciais vias de adoecimento. O recalcamento, um dos mais antigos mecanismos, tem como função principal a eliminação de partes inteiras da vida afetiva e relacional profunda do indivíduo. Bergeret (2006) define o recalcamento como um processo ativo, destinado a guardar fora da consciência as representações inaceitáveis para a pessoa.

Fonte: https://goo.gl/1gKWrG

Este episódio da série em especial, traz reflexões sobre as limitações mentais do ser humano e até que ponto o total controle de seus pensamentos, emoções e memórias podem ser considerados saudáveis e sobre o possível distanciamento dessa condição no processo de saúde e doença. Liam, se torna obsessivo em relação a análise de todas as situações vividas por ele, trazendo desconforto ao mesmo de tal maneira, que todas as situações, que possivelmente para todos seriam ignoradas ou menos significativas, para Liam acabavam em pontos de intermináveis discussões. Não obstante o fato da real traição da esposa, a grande reflexão proposta aqui é sobre o uso excessivo do dispositivo, não sobre a ocasião da traição.

Os mecanismos de defesa psicanalíticos na maioria das vezes têm como função principal o alivio de tensão psíquica do ser humano, servindo como via de escape para problemas de pouca (ou maior) importância, possibilitando certa “qualidade de vida” ao sujeito em hipótese. Após incansáveis análises aos fatos ocorridos, Liam chega à conclusão de que realmente ocorrera o ato de infidelidade, entra em conflito com Fi e sai de casa deixando esposa e filha, removendo por conta própria ao final o Grão.

Levando em consideração aspectos ainda não citados, todas as pessoas que por motivos diversos não se utilizavam desta tecnologia, eram tidos como estranhos no meio social, se relacionando a posicionamentos políticos pouco convencionais, divergentes dos meios de vida vigentes. Zygmunt Bauman(2003), sociólogo polonês, trata em sua obra Modernidade Líquida sobre temas como estes, o movimento da sociedade em convergência com o avanço da tecnologia e reflexões sobre o desenvolvimento do ser humano em relação a ela. Como última reflexão, deixo este trecho do livro, que de alguma maneira reflete o que foi discutido aqui.

Fonte: https://goo.gl/TFLTAL

Os adolescentes equipados com confessionários eletrônicos portáteis são apenas aprendizes treinando e treinados na arte de viver numa sociedade confessional – uma sociedade notória por eliminar a fronteira que antes separava o privado e o público, por transformar o ato de expor publicamente o privado numa virtude e num dever público […] (BAUMAN, 2003).

REFERÊNCIAS:

Bergeret, J. O problema das defesas. In: Bergeret, J. …[et al.]. Psicopatologia: teoria e clínica. Porto Alegre: Artmed, 2006.

Freud, Sigmund. (1915). O Recalcamento. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

 

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