O filme O Gênio Indomável conta a história de Will Hunting, um jovem brilhante que trabalha como faxineiro em um instituto de tecnologia. Will é um gênio da matemática, dotado de memória fotográfica, mas leva uma vida marcada por dificuldades e traumas do passado.
Em determinado momento, o professor Gerald Lambeau, que leciona no instituto, propõe um desafio matemático aos seus alunos, mas ninguém consegue resolvê-lo. Enquanto limpava o corredor, Will resolve o problema com facilidade. Ao perceber o talento do jovem faxineiro, o professor Lambeau decide ajudar Will a desenvolver suas habilidades matemáticas e enfrentar suas dificuldades pessoais.
Após se envolver em uma briga, Will é preso. Para evitar a prisão, ele concorda em cumprir algumas condições, incluindo sessões de terapia. Embora inicialmente resistente ao processo, aos poucos, ele começa a se abrir e a superar barreiras emocionais que o impediam de avançar. Como parte do acordo, Will passa por diversos terapeutas, mas é apenas com Sean Maguire que ele realmente estabelece uma relação de confiança e se permite enfrentar seus traumas.
Enquanto lida com suas questões emocionais, Will conhece e se apaixona por Skylar, uma estudante de medicina em Harvard. Essa relação faz com que ele perceba ainda mais a necessidade de se desenvolver emocionalmente para alcançar uma vida plena e construir um relacionamento saudável. Apesar de Skylar também se apaixonar por ele, Will enfrenta dificuldades em aceitar esse sentimento, devido aos traumas que carrega.
Com o apoio dos amigos, especialmente de Chuckie, seu melhor amigo, Will passa a acreditar em seu potencial e a enxergar que pode ter uma vida melhor. Ele começa a aceitar seu passado traumático e percebe a importância de tomar decisões que definirão seu futuro. A jornada de amadurecimento e superação de Will o leva a buscar uma vida mais feliz e satisfatória. No fim, ele decide deixar Boston e seguir para a Califórnia, onde Skylar está estudando, em busca de seu grande amor. Will deixa uma carta para Sean Maguire, agradecendo pelo apoio e informando sua decisão de partir em busca de uma nova vida.
Gênio Indomável aborda de forma profunda questões psicológicas e emocionais, destacando o desenvolvimento pessoal e o impacto dos traumas do passado. Lançado em uma época em que o debate sobre equilíbrio emocional ganhava força na sociedade, o filme também explora a humildade de Will e a importância da educação e das oportunidades para todos, independentemente de sua origem social. Além de mostrar o talento matemático de Will, o filme enfatiza seu crescimento emocional e pessoal.
Premiações
O Gênio Indomável venceu o Oscar em 1998 nas categorias de Melhor Roteiro Original e Melhor Ator Coadjuvante (Robin Williams). Foi indicado nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor (Gus Van Sant), Melhor Ator (Matt Damon) e Melhor Atriz Coadjuvante (Minnie Driver). Com um orçamento modesto de 10 milhões de dólares, o filme arrecadou mais de 225 milhões nas bilheteiras mundiais. Algumas cenas foram gravadas em locações reais, como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e a Universidade de Harvard.
Steven Universo (ou Steven Universe, nos Estados Unidos) é uma série animada norte americana produzida por Rebecca Sugar para o canal televisivo por assinatura Cartoon Network. Você pode conferir mais sobre o desenho neste link:
No episódio “Alone at Sea”, ou “Sozinhos no Mar” em português, temos uma abordagem sobre relacionamentos abusivos e a dificuldade em seguir em frente em decorrência de traumas. Tudo isso retratada de uma maneira muito delicada para o público.
Sinopse: Steven, Greg e Lapis Lazuli fazem uma viagem de barco para o mar e encontram-se em águas perigosas.
O episódio começa com Steven levando Lapis Lazuli, sua amiga, para uma viagem de barco pelo mar com seu pai, Greg. Steven diz que, embora Lapis tenha passado por uma experiência traumática, onde ficou presa em uma fusão por meses, a água faz parte de quem ela é e ela não deveria ofuscar o quanto ela gosta dela.
Em um breve resumo: meses atrás, Lapis Lazuli, para poder salvar Steven, se fundiu com uma inimiga (Jasper) e a prendeu no mar, não permitindo que a fusão se desfizesse durante meses. A experiência foi extremamente traumática para Lapis, que se encontrava em uma constante luta para não deixar Jasper desfazer a fusão e escapar. Na série, as fusões são retratadas como um relacionamento, onde ambas as partes precisam estar de acordo para funcionar, o que não foi o caso da fusão de Lapis com Jasper, onde as duas passaram meses presas no caos dessa fusão, levando a uma experiência traumática para ambas.
Jasper e Lapis, presas no interior da fusão
Voltando ao episódio, Lapis reforça que não foi apenas uma experiência traumática, dando a entender que foi pior que isso, mas Steven insiste em leva-la para essa viagem, de modo a ver o lado bom de não estar mais passando por isso, e, embora Lapis diga que acha que não mereça, irá tentar.
Durante a viagem, Lapis e Steven se divertem bastante, jogam conversa fora, tentam pescar e admiram a paisagem, mas Lapis constantemente olha para o oceano com uma vista triste e começa a se sentir pra baixo. Mais tarde, alguma coisa bate no barco causa um tremendo barulho, e antes que eles pudessem saber o que era, ocorre outra batida que acaba prejudicando o motor do barco, fazendo com que Greg desça ao motor para saber o que aconteceu.
Enquanto isso, Steven pede desculpas pela viagem estar fracassando, mas Lapis diz que é culpa dela por não conseguir aproveitar a viagem por constantemente pensar sobre a fusão com Jasper e a constante batalha que enfrentou durante os meses que isso durou.
Steven diz que ela não precisa mais se preocupar com isso, pois Lapis não precisa mais estar com Jasper nessa fusão, mas para sua surpresa Lapis diz que sente falta dela. Steven não entende e comenta o quanto Jasper era horrível para ela, mas Lapis diz chama a si mesma de terrível e diz o quanto é culpada por tudo de ruim que aconteceu com ela desde que chegou à Terra, ao mesmo tempo em que grita com Steven questionando se ela estava errada.
O barco bate violentamente em alguma coisa novamente, e então algo começa a subir nele. De repente, Jasper aparece dizendo “finalmente, achei que nunca conseguiria te encontrar novamente”, com uma expressão insana. Lapis questiona se Jasper estava os seguindo, mas Jasper a corrige, dizendo que na verdade era Lapis que estava a procurando. Steven tenta interferir com seu escudo, protegendo Lapis, mas Jasper começa a rir dizendo que Steven está apontando o escudo na direção errada, que era a Lapis que ele deveria temer.
Lapis diz que isso não é verdade, mas Jasper a confronta e diz que sabe do que ela realmente é capaz de fazer. Jasper diz que achava que ela era bruta, mas que agora vê como Lapis é um monstro. Jasper tira Steven do caminho e antes que Lapis pudesse ajuda-lo, Jasper agarra seu braço e ajoelha, pedindo para que se fundissem novamente.
Jasper explica como fundidas as duas eram maiores, mais fortes e podiam até voar. Steven alerta Lapis para não a ouvir. Lapis diz o quanto ela realmente foi horrível para Jasper, odiando-a e descontando toda a raiva nela e na fusão. Jasper começa a implorar, dizendo que Lapis a mudou, que ela é a única capaz “aguentá-la” e que juntas elas seriam imparáveis.
Lapis olha para Steven, que estava esperando que ela fizesse a escolha certa, e diz não. Lapis diz que nunca mais quer sentir o que sentiu quando estavam juntas, mandando Jasper ir embora. Jasper fica furiosa e culpa Steven pela rejeição de Lapis. Ela vai em direção a ele para destruí-lo, mas Lapis usa seus poderes para mandar Jasper pra muito longe, de volta ao oceano.
O barco começa a afundar e Lapis leva Steven e Greg voando. Steven diz o quanto está feliz por ela ter feito a escolha certa e ter derrotado Jasper. O episódio acaba com Lapis concordando e eles vão embora, aliviados.
Este episódio faz diversas referências a traumas e relacionamentos abusivos na vida real.
Lapis se sente culpada por tudo de ruim que aconteceu a ela desde que chegou a Terra, chegando a dizer que não merece coisas boas ou ser feliz.
Quando confrontada por Steven, que diz o óbvio ao mencionar quão horrível era a fusão das duas, algo que no desenho foi sempre retratado como relacionamento, Lapis diz que na verdade sente falta daquilo, mostrando como é difícil para pessoas que se encontram em relacionamentos abusivos se desapegarem ou enxergarem o que estão passando.
Jasper ajoelha e diz que mudou, colocando-se em uma posição de vulnerabilidade e arrependimento, dizendo que é a única capaz de aguentá-la, fazendo uma chantagem emocional, que depois claramente se mostra falsa quando a mesma tenta atacar Steven, culpabilizando-o, sendo uma referência a como pessoas abusivas culpam as outras pessoas e fatores externos para se livrarem da culpa.
Embora Jasper seja a vilã no desenho, o episódio aborda como ambas as pessoas nesse tipo de relacionamento podem ser abusivas umas com as outras, mostrando Lapis como um dos fatores que também contribuiu para que isso acontecesse.
A dificuldade de Lapis para aproveitar a viagem e os momentos bons com Steven mostra a dificuldade que as pessoas que passaram por esse tipo de trauma possuem para conseguir seguir em frente, mesmo quando não estão mais vivendo aquilo, ao mesmo tempo em que se sentem culpadas ou não conseguem ter uma perspectiva diferente e melhor para o futuro.
Ainda assim é possível seguir em frente.
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My Shy Boss: chefes também podem ser introvertidos?
“Por que você observa secretamente as pessoas por trás? Por que nunca está na frente delas? É porque você não consegue? Achei que você desprezasse as pessoas. Será que talvez você… tenha medo delas?” (Chae Ro Woon).
Não é de hoje que as pessoas introvertidas sofrem por não poderem ou não conseguirem expressar seus sentimentos ou pensamentos, mas o que seria uma pessoa com essas características? São pessoas que se comportam de maneira mais restrita, não se manifestam tanto quanto outras, geralmente são mais calmas, quietas e não gostam de falar sobre seus sentimentos. Também gostam de fazer auto análises, dando ênfase a seus sentimentos e pensamentos diante de situações vividas, mas muitas vezes preferem não manifestar o que se passa na sua cabeça.
Até certo ponto isso pode não ser nenhum problema, mas quando tais comportamentos e pensamentos começam a trazer conflitos para as pessoas, pode-se dizer que elas podem desenvolver o transtorno de ansiedade chamado de fobia social. No DSM-IV-TR (APA, 2002), é expressado que a fobia social se caracteriza por um medo acentuado e persistente de uma ou mais situações sociais ou de desempenho. As pessoas com sintomas de fobia social podem ter receio de agir e que isso possa trazer humilhação, constrangimento ou sentimentos de frustração, e a exposição a um contexto social aversivo pode provocar respostas ansiogênicas intensas, sendo capaz de gerar um ataque de pânico. Assim indivíduos com tais características evitam estas situações ou as suportam com intenso sofrimento.
Para D’El Rey e Pacini (2006), a fobia social se expressa de modo significativa interferindo nas rotinas de trabalho, acadêmicas e sociais e/ou sofrimento acentuado por ter a fobia. O medo social na grande maioria das vezes está associado às situações de desempenho, como falar em público, as interações sociais do dia-a-dia, como ir a uma festa, uma entrevista de emprego, etc (FURMARK, ET AL., 2000; STEIN, TORGRUD, WALKER, 2000). As pessoas diagnosticadas como fóbicas sociais apresentam uma hipersensibilidade a críticas, mantêm uma avaliação negativa a respeito de si mesma, sentimentos de inferioridade, e apresentam grande dificuldade em serem assertivas (LAMBERG, 1998; STOPA, CLARK, 1993).
Fonte: encurtador.com.br/kBST1
O Dorama Coreano “My Shy Boss” retrata a história de Eun Hwan Gi, o CEO de uma grande empresa de relações públicas na Coreia do Sul. Ele é um rapaz muito inteligente, consegue ter boas ideias em seu ramo, porém ele não consegue falar em público, todas suas propostas são executadas por seu melhor amigo, que também cuida das comunicações com imprensa e com todos os funcionários. Assim, Eun Hwan fica apenas nos bastidores, observando tudo o que acontece nas sombras. Ao contrário de nosso chefe tímido, temos a personagem Chae Ro Woon, uma mulher muito extrovertida, animada e bastante comunicativa, seu sonho é ser uma grande atriz, mas um evento desencadeado na empresa de Eun Hwan faz com que ela mude seus planos e comece a trabalhar lá.
Os dois não se conhecem pessoalmente, mas ambos têm uma conexão como um fato traumatizante, Eun Hwan se aproxima primeiro de Chae Ro por culpa e acompanha seus passos mesmo distante, ele tenta falar com ela em diversas ocasiões, mas sua timidez e seu medo lhe coíbem. Já ela tenta se aproximar para desvendar a identidade de um suposto chefe que maltrata os funcionários, no entanto eis um desafio: Como se aproximar de alguém pouco acessível, que foge de tudo e de todos?
Aos poucos todos na empresa começam a conhecer o chefe tímido, é proposto pelo presidente dela que uma nova equipe seja montada a “Silent Monster” (uma referência a forma como os funcionários chamavam o chefe) e que o CEO enfim possa enfrentar seus medos. Ao se deparar com os desafios de fazer esse novo grupo dar certo, Eun Hwan enfrenta seus medo e traumas do passado, começa a deixar seus funcionários se aproximarem dele, além de deixar que seus pensamentos e sentimentos sejam expressados para o mundo exterior.
Fonte: encurtador.com.br/mtDU9
Modelos mais antigos de explicação da fobia social se focalizaram no condicionamento clássico e postularam que uma experiência traumática, como um embaraço momentâneo em uma situação social, poderia ser responsável pelo início da fobia (ÖST, HUGDAHL, 1981). No drama é visto que o personagem principal sempre era inibido por seu pai, que esperava mais de seu herdeiro e em um episódio na faculdade quando ele queria se declarar para uma garota, ela levou uma grande plateia, para ele aquilo era para “humilha-lo e rejeita-lo”, o que o levou a fugir de situações sociais que exigissem demonstração de afeto.
O preconceito acerca das pessoas é algo ainda a ser enfrentado, especulações, falatórios magoam e impedem com que os indivíduos se abram para o mundo, que eles possam se expressar de modo genuíno e sem julgamentos. Nesse dorama é possível perceber o desenvolvimento dos personagens, eles aos poucos começam a ressignificar questões passadas, que antes não havia entendimentos. Chae Ro como todos na obra tinha uma visão deturpada de seu chefe, chegando a pensar que uma pessoa assim não deveria liderar e ainda mais se importar com seus funcionários e com a empresa.
No fim, eles se permitem conhecer um ao outro sem preconceito, os dois se aproximam e desvendam a verdade sobre o passado. Um drama divertido, com comédia, romance, fofo, muito fofo e que trata questões complicadas como suicídio e depressão. Do qual os personagens são convidados a repensarem suas vidas, a forma como tem lidado com ela e se abrindo a novas oportunidades de relacionamentos com os outros e com eles mesmos.
FICHA TÉCNICA
Fonte: encurtador.com.br/pAU58
Título original: My shy boss Direção: Song Hyun Wook Duração: 960 minutos, 16 episódios Classificação: 16 anos Ano: 2017 País: Coreia do Sul Gênero: Comédia, Drama, Romance Onde assistir: Netflix
Referências
APA. DSM-IV-TR: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. , 4ª ed. rev .Porto Alegre: Artmed. 2002.
D’ EL REY, G. J. F; PACINI, C. A. Terapia cognitivo-comportamental da fobia social: modelos e técnicas. Psicol. estud. vol.11 no.2 Maringá May/Aug. 2006.
FURMARK, T. et al. Social phobia subtypes in the general population revealed by cluster analysis. Psychological Medicine, 30(6), 1335-1344. 2000.
LAMBERG, L. Social phobia: Not just another name for shyness. Journal of American Medical Academy, 280(8), 685-686. 1998.
ÖST, L. G.; HUGDAHL, K. Acquisition of phobias and anxiety responses patterns in clinical patients. Behaviour Research and Therapy, 16(3), 439-447. 1981.
STEIN, M. B.; TORGRUD, L. J.; WALKER, J. R. Social phobia symptoms, subtypes and severity. Archives of General Psychiatry, 57(9), 1046-1052. 2000.
STOPA, L.; CLARK, D. M. Cognitive process in social phobia. Behaviour Research and Therapy, 31(2), 255-267. 1993
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“Por lugares incríveis”: uma proposta de intervenção com adolescentes
“Por Lugares Incríveis” é um filme de drama romântico adolescente americano de 2020, dirigido por Brett Haley, a partir de um roteiro de Jennifer Niven e Liz Hannah. É apresentada a história de dois adolescentes, Violet Markey e Theodore Finch, ambos possuem transtornos mentais porém se diferenciam com a forma de lidar com os mesmos.
Sabe-se que a adolescência é um marco onde ocorrem mudanças biológicas e psicológicas. De acordo com Einsenstein (2005) a adolescência é a transição da infância para a vida adulta, onde o sujeito passa por desenvolvimentos físicos, mentais, emocionais, sexuais e sociais, nos quais o indivíduo se esforça para conseguir alcançar as expectativas culturais. Além de passar por todas essas mudanças que a adolescência exige, Violet precisa aprender a viver com o luto da morte de sua irmã e Theodore, que vive altos e baixos, possui traumas e episódios depressivos. Os dois, por fim, acabam se unindo para fazer um trabalho de escola, na qual vivem momentos bons e engatam um relacionamento.
O filme “Por lugares incríveis” vai além de um típico filme para adolescentes pois retrata uma dura realidade vivida entre os jovens do século XXI. “Aliás, por baixo da aparência de normalidade dos adolescentes de Indiana, há bulimia, automutilação e aqueles transtornos cheios de letrinhas (TDAH, TOC, TOD), ‘tratados’ com Ritalina e drogas tarja-preta”. (FARIA, 2020).
Fonte: encurtador.com.br/bjX23
Tudo isso implica muito na forma como os adolescentes reagem ao mundo e na formação de suas personalidades. É importante mencionar que nessa fase é onde o adolescente constrói encontros e relações, onde questiona valores e começa a construir seus projetos de vida. Nesse processo de desenvolvimento é onde o adolescente busca sua individualidade e autonomia, e é onde começa os conflitos, não é mais criança, e se ver a frente de uma série de descobertas, problemas e escolhas.
A Revista de Psicologia da UNESP (2013) levantou dados em que afirmam que um dos principais problemas enfrentados na fase da adolescência é “dificuldade no âmbito escolar decorrente de problemas da aprendizagem e/ou de comportamento, transtornos alimentares, mau comportamento, depressão, insegurança, retração, problemas de relacionamento familiar, falta de higiene pessoal, hetero e auto agressão, comportamentos antissociais, como furtos, mentiras, uso de drogas, comportamento sexual exacerbado.”
Sobre o filme, a narrativa gira em torno da adolescente Violet, que vive um momento de depressão, devido o trauma que sofreu sobre a morte de sua irmã em um acidente de carro. Enfrenta a depressão se isolando do mundo e de seus amigos da escola. Também conta a história de Finch, um garoto egocêntrico, problemático e inteligente. O mesmo também tem uma vida difícil e marcada por histórias que o perturbam até sua vida atual.
Fonte: encurtador.com.br/BHSZ5
Segundo Zimerman (2008), “o natural no adolescente é a existência de dúvidas existenciais e ideológicas…” . Nessa fase da vida, há muitas queixas e dúvidas sobre, por exemplo, se estão traçando um caminho correto. Isso se mostra muito presente na vida dos dois personagens. Várias queixas, dúvidas sobre o morrer e o viver assombram a vida desses dois adolescentes.
Diante desses desafios vividos na adolescência, os programas de atenção aos adolescentes são voltados para essas problemáticas vividas por eles. “As intervenções podem ter melhores resultados para os adolescentes quando os aspectos afetivos, cognitivos e sociais são inter-relacionados e as informações repassadas de maneira abrangente.”(Minto, Elaine; Pedro, Cristiane; col. 2006).
É importante trabalhar os problemas com os adolescentes, abrindo possibilidades para que eles possam ter condições e habilidades de trabalhar os desafios que lhe são impostos no decorrer da vida. “As habilidades de vida sugeridas pela OMS são: autoconhecimento, relacionamento interpessoal, empatia, lidar com os sentimentos, lidar com o estresse, comunicação eficaz, pensamento crítico, pensamento criativo, tomada de decisão e resolução de problemas” (WHO, 1997).
Fonte: encurtador.com.br/krA29
Segundo Minto e Col, 2006 essas habilidades permitem que:
“os adolescentes relatam aumento da capacidade de reflexão em situações de resolução de problemas, melhora dos relacionamentos interpessoais e da comunicação, da qualidade de vida física e mental… Acredita-se que a descrição detalhada das estratégias empregadas para a apresentação e discussão de cada uma das habilidades de vida poderá auxiliar os psicólogos ou profissionais que tenham interesse em implementar programas de saúde integral para os adolescentes, fornecendo-lhes um modelo bem-sucedido.”
Essas habilidades podem servir de base para que profissionais possam trabalhar com adolescentes, promovendo assim uma mudança de vida dos indivíduos que passam por momentos delicados no decorrer da vida e não sabem como lidar.
FICHA TÉCNICA
Título Original: All the Bright Places Direção:Brett Haley Elenco: Elle Fanning, Justice Smith, Alexandra Shipp Ano: 2020 País: Estados Unidos da América Gênero: Drama, Romance
REFERÊNCIAS
EISENSTEIN, Evelyn. Adolescência: definições, conceitos e critérios. Adolescência e Saúde, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, p. 1-1, jun./2005.
FARIA, Ângela. Filme ‘Por lugares incríveis’ faz um tocante retrato da adolescência. Estado de Minas. Cultura. 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/cultura/2020/03/28/interna_cultura,1133274/filme-por-lugares-incriveis-faz-um-tocante-retrato-da-adolescencia.shtml. Acesso em 14 de julho de 2020.
ZIMERMAN, D. E. Manual de técnica psicanalítica. Porto Alegre : Artmed, 2008
VERCESE F. A; SEI M.B; BRAGA C. M. L; A demanda por psicoterapia na adolescência: a visão dos pais e dos filhos . Revista de Psicologia da UNESP 12(2), 2013.
MINTO, Elaine Cristina; PEDRO, Cristiane Pereira e col. Ensino de habilidades de vida na escola: uma experiência com adolescentes. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 3, p. 561-568, set./dez. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pe/v11n3/v11n3a11. Acesso em 14 de julho de 2020.
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Spin Out: a beleza de um esporte e o estigma de um transtorno mental
Patinar é como respirar. Nem imagino não patinar. E, se eu paro, sinto que estou me afogando. (Kat Baker)
Ser um atleta profissional exige muitos sacrifícios. Uma rotina diária de treinos intensos, motivação e espírito esportivo é só algumas das exigências para se alcançar a glória no esporte. Sem levar em conta cada perda ou sofrimento suportado pelo atleta, os telespectadores como os próprios atletas não exigem menos que a medalha de ouro, além do mais é preciso que o espetáculo valha cada tempo gasto assistindo a performance e a perfeição de cada movimento marcam esportes como a patinação artística no gelo.
Spinning Out é uma série que trata deste tema de modo espetacular, além de mostrar a luta árdua de jovens atletas para se consolidar na patinação no gelo, ela fala sobre a saúde mental do desportista. Se tratando de um esporte que exige grandes habilidades artísticas, beleza e perfeição em cada movimento é o que chama atenção nesse jogo e um transtorno mental pode ser considerado a “imperfeição” que o competidor não quer trazer à tona.
A série conta a história de Kat Baker, uma patinadora artística de alto nível que pensa em abandonar a carreira, após um evento traumatizante. Kat passa a temer patinar como antes, evita efetuar manobras arriscadas como saltos triplos; além de ter tido sequelas físicas ela também passa a ter grande sofrimento mental, como episódios de automutilação e flash backs do acontecido.
Não conseguindo superar seus medos, Kat recebe uma nova oportunidade de fazer o que mais ama, na patinação. É então convidada para ser parceira de um talentoso patinador. Com o tempo a protagonista passa a ter mais confiança em si mesma e a entender seus problemas, porém isso faz com que seus segredos venham à tona e ela acaba expondo que possui o Transtorno Afetivo Bipolar.
O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é um transtorno de humor, considerado crônico, caracterizado por episódios agudos e recorrentes de alteração patológica de humor, podendo persistir por semanas ou meses, fazendo assim com que os pacientes não possam prever seu próprio estado emocional, já que a pessoa pode passar de um estado depressivo de extrema apatia para um estado de mania com extrema exaltação, daí o transtorno ser denominado de bipolar (BIN, et al, 2014, p. 143).
Na série é visto claramente os episódios da patinadora, especialmente quando para de tomar a medicação. Contudo, Kat sofre não apenas pelo estigma de ter uma doença mental em um meio preconceituoso; sua relação com a mãe é péssima e um dos motivos disso acontecer é porque a mãe tem o mesmo transtorno e teve que abandonar sua carreira quando jovem. Isso pode ser explicado por razões genéticas, cujos fatores epigenéticos exprimem que as mulheres têm mais tendência a desenvolver o transtorno do que os homens, um dos elementos que comprovam essa teoria é o Imprinting.
Imprinting refere-se a um padrão de herança não-Mendeliana em que a transmissão do fenótipo depende da origem parental do alelo associado à doença (MICHELON, VALLADA, 2004). Observa-se que pacientes bipolares possuem com maior frequência mães afetadas do que pais afetados e mais ancestrais maternos afetados que ancestrais paternos (WINOKUR, REICH, 1970). A série explora a relação conturbada de mãe e filha, com os altos e baixos de ser viver com um transtorno mental.
Em paralelo com a trama da série é possível perceber que há muitos esportes, cuja exigência é mais do que as habilidades dos atletas, como perfeição dentro e fora do ambiente competitivo. Fazendo com que os indivíduos sofram tentando esconder suas dificuldades, a fim de mostrar apenas o que a sociedade considera agradável. Na série a personagem principal tenta esconder sua condição por medo de ser julgada incapaz de atuar dentro do esporte, fazendo com que não desfrute de modo pleno todo o seu potencial e não se sinta bem consigo mesma.
Para Mazzaia & Souza (2017), o bem-estar das pessoas que tem esse transtorno pode ser prejudicado devido às próprias características da doença, porque, nas fases de mania e hipomania, os sintomas de felicidade e confiança, estão disfarçados pela sensação de poder e capacidade que proporcionam. O que é perceptível quando a personagem decide parar o uso do remédio para patinar melhor e se deixa levar pelos sinais de seu problema mental.
Outro ponto abordado na série é a pressão da família, o abuso e a exposição do atleta para não perder e nem abandonar as competições. Isto é visto na melhor amiga de Kat, a patinadora Jenn Yu, cuja lesão no quadril lhe faz levar seu corpo e mente ao limite da dor, tentando muitas vezes anestesiar com fármacos, na tentativa de não se submeter ao fracasso diante de toda a família.
Além da intolerância em relação a saúde mental, a série mostrar outras formas que o esporte erra ao submeter o atleta ao estado de excelência. A treinadora da dupla e campeã olímpica Dasha Fedorova treinava em uma época que pessoas do mesmo sexo em hipótese alguma poderiam se relacionar. Tal afronta poderia leva-la a abusos ainda maiores e por medo teve que esconder seus sentimentos. Já Marcus, é um jovem rapaz negro que gosta do esqui no gelo, esporte predominantemente executado por brancos e dessa forma tem problemas por causa de sua cor. Por fim, temos Justin o parceiro de Kat, cujo desempenho é associado apenas ao grande investimento do pai em sua carreira, não acreditando em si mesmo, acaba deixando de apoiar Kat no seu momento mais difícil, estando sofrendo por não saber lidar com a dificuldade de sua companheira.
FICHA TÉCNICA:
SPIN OUT
Título original: Spinning Out Direção: Elizabeth Allen Rosenbaum, Jon Amiel, Matt Hastings; Elenco Kaya Scodelario, Evan Roderick, January Jones, Amanda Zhou; País: EUA Ano: 2020 Gênero: Drama.
REFERÊNCIAS:
BIN, et al. (2014). Significados dos episódios maníacos para pacientes com transtorno bipolar em remissão: Um estudo qualitativo. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 63(2), 142-148. doi: 10.1590/0047-2085000000018.
MAZZAIA, M. C.; SOUZA, M. A. Adesão ao tratamento no Transtorno Afetivo Bipolar: percepção do usuário e do profissional de saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Porto, n. 17, p. 34-42, jun. 2017.
MICHELON, L.; VALLADA. H. Genética do transtorno bipolar. Rev. Bras. Psiquiatr. Vol.26 suppl.3 São Paulo Oct. 2004.
WINOKUR, G.; REICH, T. Two genetic factors in manic-depressive disease. Compr Psychiatry. 1970;11(2):93-9.
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O que é violência obstétrica e como se defender na justiça
Depois da mulher esperar nove meses, vem o tão aguardado momento de ter o bebê. Porém, o sonho pode se tornar pesadelo, principalmente, por conta de maus tratos físicos, verbais, psicológicos, ou até mesmo a negligência, vindos dos profissionais da saúde que seriam, em tese, responsáveis pelos bons cuidados durante a gestação, parto ou o pós-parto. Essas práticas são chamadas de violências obstétricas.
Segundo a psicóloga Raquel Mello, há mulheres que são submetidas a rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos ou seus desejos. Há casos de enfermeiros e médicos que fazem ameaças, chacotas, omitem informações relevantes. “Há gestantes que, infelizmente, são obrigadas a passar por procedimentos sem sua autorização ou contra sua vontade”.
Mello alerta que quando uma mulher enfrenta tal situação traumática, pode desenvolver com maior risco de quadros depressivos, transtornos de ansiedade, fobias, compulsão alimentar, distúrbios do sono entre outros. “O dano psicológico pode demorar muito tempo para sanar. Vai depender muito de cada mulher e da intensidade que foi o impacto psicológico”.
Fonte: encurtador.com.br/pBJ13
– O suporte emocional será fundamental para a recuperação, que terá uma base muito forte na família. Os parentes precisam apoiar muito a mulher em suas demandas durante a gestação e procurar os cuidados de especialistas responsáveis – ressalta.
Para a advogada Thaisa Beiriz, do escritório Trotta e Beiriz Advocacia, umas das principais razões da violência obstétrica é a ausência de atualização por parte dos médicos, pois muitos são resistentes a mudar as práticas que aprenderam na época da faculdade, bem como estudar a medicina baseada em evidências cientificas.
– Hoje, a medicina com base em evidências é muito utilizada, já que todos os procedimentos analisados passam por extenso estudo pelos especialistas, sempre visando a qualidade da saúde do paciente – comenta.
A advogada lembra que outro problema observado é a falta de humanização e empatia dos profissionais da saúde com as gestantes. Ela diz que os casos mais comuns envolvem negar atendimento ou impor dificuldade para que a gestante receba os serviços a que tem direito, ou quando os profissionais realizam práticas e intervenções desnecessárias e violentas. “Há médicos que forçam a saída do bebê empurrando a barriga da mãe, até mesmo subindo em cima delas, para acelerar o processo”.
Fonte: encurtador.com.br/oKNS8
– Esse procedimento é chamado de Manobra de Kristeller, já banido pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa manobra é agressiva e consiste em pressionar a parte superior do útero para facilitar e acelerar a saída do bebê, podendo causar várias lesões graves – explica.
Ela lembra ainda que há casos que envolvem comentários ofensivos e humilhantes à gestante, inferiorizando-a por sua raça, idade, condição socioeconômica ou número de filhos. “Em outras situações, o profissional causa na mulher sentimentos de medo, abandono, insegurança e instabilidade emocional”.
Como defesa, Thaisa ressalta que a família e a gestante precisam estar atentas para qualquer indício de má conduta médica. Caso suspeite de algo, a primeira coisa a se fazer é se cercar do maior número de provas possíveis, dentre elas, requerer cópia do prontuário médico no hospital. “Não deixe de procurar um profissional qualificado para buscar seus direitos na justiça para ser indenizada pelos danos sofridos”.
– Também não deixe de denunciar o médico no Conselho Regional de Medicina, no Ministério Público, para o Disque-Saúde, no número 136. Faça ainda uma reclamação na ouvidoria do hospital. Caso seja um hospital particular, a denúncia pode ser feita na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Quando não nos calamos, impedimos que mais uma família se torne vítima dessa prática – conclui.
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Identidade: a neuropsicologia e o Transtorno Dissociativo de Identidade
Identidade (Identity, 2003), filme dirigido por James Mangold, baseado no romance de Agatha Christie, Ten Little Niggers, desenvolve seu enredo em um motel de rodovia no qual dez pessoas se abrigam durante uma forte tempestade e, misteriosamente, começam a ser assassinadas tendo um número como elo perturbador entre eles. O que parecia desgraça coletiva se revelou uma trama sinistra de suspense e emoções fortes envolvendo a IDENTIDADE patológica de um homem que provoca a imaginação ao mostrar as várias faces da dor.
A busca pela gênese da violência é tema recorrente, não se chegando a uma resposta ainda que pesquisas apontem para fatores biológicos e, para citar algumas, os processos disfuncionais nas regiões sobcortial e cortical, além de lesões morfológicas de certos centros cerebrais, particularmente o sistema límbico, lobos temporais e frontais que se destacam no presente estudo. A maior parte do lobo frontal está reunida sob o termo “funções executivas”, designando o lobo frontal como responsável por controlar antecipadamente as ações de planejamento, seleção de respostas, inibição, atenção no acompanhamento enquanto a ação se desenrola, verificando o resultado posterior. O resultado do funcionamento normal das funções executivas permite ao sujeito instrumentalizar, neurologicamente, o processamento de suas ações através da memória operacional, parte da cognição que o leva a análise, planejamento, tendo presente as consequências do que vai fazer. Caso contrário, fica à mercê da satisfação imediata por lhe faltar a atuação dessa função.
Transtorno Dissociativo de Identidade
De acordo com Junior, Negro e Louzã (1999, s/p) os Transtornos Dissociativos, apresentam como características centrais o “distúrbio das funções integradas de consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente”. No caso do personagem principal, o Transtorno é Dissociativo de Identidade (TDI), que segundo o DSM V (p. 292) tem como característica essencial “a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou a experiência de possessão”. É o que se passa com o protagonista da trama, que exibe personalidades distintas, com sexos opostos, faixas etárias diversificadas, apesar de histórias de vida com traços semelhantes, no caso, a data de aniversário e o nome que faz apologia a cidades americanas.
Segundo Freud (1910, 1909/1996, p. 35 apud Faria, 2008) “num mesmo indivíduo são possíveis vários agrupamentos mentais que podem ficar mais ou menos independentes entre si, sem que um ‘nada saiba’ do outro”. Isso era bastante perceptível no filme, uma vez que mesmo uma personalidade sendo assassinada a outra continuava ilesa e sem consciência de quem era o verdadeiro assassino. A morte das pessoas/personalidades se dá pelo fato do condenado estar submetido a um tratamento psiquiátrico que visa destruir as personalidades secundárias e isolar a personalidade primária, que no geral apresenta aspectos contrastantes com as ideacionais.
Ono e Yamashiro (s/d) apontam a relação causal entre patologia e um evento traumático, no qual o sujeito não vê mais solução além de “abandonar” sua mente, para preservá-la. Os autores falam ainda, que crianças utilizam muito esse mecanismo a fim de se defenderem contra a dor física e emocional, o que consta também no DSM V (p. 294), que diz que o TDI “está associado a experiências devastadoras, eventos traumáticos e/ou abuso ocorrido na infância”. Podemos, mais uma vez, perceber um vínculo entre a história pessoal do paciente/protagonista e a patologia atual, uma vez que ele foi abandonado por sua mãe em um hotel, quando criança, sendo essa uma experiência extremamente dolorosa e que possivelmente desencadeou o transtorno.
Quando a alternância dos estados de personalidade não é percebida diretamente, dois conjuntos de sintomas auxiliam no diagnóstico sendo eles “alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias ações e amnésias dissociativas recorrentes” (DSM V, p. 292 e 293). No longo metragem o personagem não apresentava recordações acerca de suas outras personalidades. Percebendo-se, portanto, a alteração na memória de curto prazo. Para Gonçalves (2014) a consolidação temporal da memória de curto prazo é composta pelo hipocampo, amígdala, o giro para-hipocampal e pelo córtex entorrinal, em seguida as informações são encaminhas para áreas de associação do neocórtex parietal e temporal.
Em paralelo com o descrito a cima, a película demonstra as diferentes identidades interagindo entre si através das personagens: Policial Rhodes (Ray Liotta), Ed Dakota (John Cusack), motorista particular de uma artista Caroline Suzanne; um casal em viagem, Ginny e Lou; Robert Maine o prisioneiro escoltado e uma família com filho. Ainda sobre memória de curto prazo , vê-se que o hipocampo “intervém no reconhecimento de determinado estímulo, configuração de estímulos, ambiente ou situação, se são novos ou não, e, portanto, se merecem ou não ser memorizados” (GRAY (1982, apud Gonçalves, 2014, s/p). Já a amígdala, para Gonçalves (2014) tem participação nos processos de seleção, e como consequência, sua função é de modular a consolidação da memória em situações estressantes.
Vermetten et al (2006) apresenta em seu estudo a relação direta do volume hipocampal e amigdalar com o TDI, esses autores examinaram o volume do hipocampo e da amígdala em pacientes com TDI. O transtorno tem sido associado com a história da terre infância, e traumas ocorridos nesse período. Como resultado o volume hipocampal foi 19,2% menor e a amígdala foi 31,6% menor em pacientes com TDI, comparado com sujeitos saudáveis (sem o diagnóstico). A relação desses volumes foi significativamente diferente entre os grupos como exemplifica o gráfico 1.
Gráfico 1 – Volume hipocampal e amigdalar em pacientes com TDI comparado com sujeitos saudáveis
Alguns neurotransmissores também podem contribuir para o processo de memorização, exemplo deste, é a substância P que pode reforçar ou prejudicar a memória, isso dependerá do local onde ela se encontra, destaca Gonçalves (2014). Vermetten et al (2006) apresenta um estudo de Riscoll et al. (2003), o qual afirma que neurotransmissores como o glutamato e a serotonina poderiam ter efeitos no volume do hipocampo e da amígdala.
O Glutamato é o neurotransmissor mais abundante e excitatório no cérebro e atua também no desenvolvimento neural, na plasticidade sináptica, no aprendizado, na memória, na epilepsia, na isquemia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão. Ele também possui mecanismos que fazem parte da base fisiológica de processos comportamentais como cognição e memória. Além disso, pode funcionar como toxina poderosa capaz de produzir doenças neurodegenerativas quando em elevadas concentrações (Alzheimer, Esclerose Lateral Amiotrófica, Parkinson, e Doença de Huntington) e quando em baixas concentrações pode levar a esquizofrenia (VALLITI; SOBRINHO, 2014).
Já a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica. Assim como Vermetten, Sancar (1999) comenta que está determinado que o estado de extremo estresse (também presente no TDI) está relacionado com aumento na produção de neurotransmissores como norepinefrina (noradrenalina), dopamina e serotonina.
Fonte: http://zip.net/bktJ1n
Nesse sentido a noradrenalina, também conhecida como norepinefrina, é definida como o hormônio precursor da adrenalina ou como o neurotransmissor que aumenta a pressão sanguínea através da vasoconstrição periférica generalizada. Também é usada no sistema de alerta e na memória. Ela é liberada em resposta a modificações no meio e em resposta a stress, e ajuda na organização de respostas a estes desafios. O desequilíbrio entre ela e outras substâncias pode causar diversas doenças como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), depressão, ansiedade e recuperação após lesão cerebral traumática (SCHERER, 2008; ANDRADE et al, 2003).
A dopamina, por sua vez, faz parte da família das catecolaminas de neurotransmissores, juntamente com a norepinefrina e epinefrina. Trata-se de um inibidor e possui diferentes funções em diferentes, dependendo de sua localização. Junto com a endorfina é responsável pelo sentimento de euforia, é capaz de acalmar a dor e aumentar o prazer. Esse neurotransmissor é essencial para execução de movimentos suaves e controlados e sua falta é a causa da doença de Parkinson, a qual faz a pessoa perder a habilidade de controlar seus movimentos (Andrade et al, 2003).
E a Serotonina, segundo Andrade et al (2003), é o hormônio e o neurotransmissor envolvido principalmente na excitação de órgãos e constrição de vasos sanguíneos. Suas principais funções envolvem o estímulo dos batimentos cardíacos, o início do sono e a luta contra a depressão (as drogas que tratam de depressão preocupam-se em elevar os níveis de serotonina no cérebro). Esta também regula a luz durante o sono, uma vez que é a precursora do hormônio melatonina e é indicada como uma das causadoras dos transtornos de humor, pois é um inibidor da conduta e modulador da atividade psíquica.
Fonte: http://zip.net/bqtKYq
Além destes, outro neurotransmissor importante é o hipotálamo, que atua em praticamente todos os processos comportamentais humanos, entre eles a alimentação, comportamento sexual, sono, regulação da temperatura corporal, comportamento emocional e movimentos corporais. Além disso, vale ressaltar a importância do hipotálamo no controle da produção de diversos hormônios do corpo, por meio de sua interação com a hipófise, apontam Kolb e Whishaw (2002). De acordo com Meneses (2006) o hipotálamo é responsável por controlar e harmonizar funções metabólicas, endócrinas e viscerais, agindo como uma interface entre meio externo e o meio interno. Além de exercer controle sobre a produção de diversos hormônios do corpo, por meio de interação com a hipófise.
O longa metragem Identidade expõe ao telespectador contemporâneo a realidade vivenciada pela pessoa que é acometida pelo TDI. A realidade fictícia permito o espectador vivenciar a conturbada experiência subjetiva do TDI. Esse transtorno está no grupo daqueles que, por enquanto, não há pesquisas conclusas; no sentido que não se tem comum acordo quanto sua etiologia e ainda seu tratamento. O tratamento para tal desordem é feito de forma sintomatológica e a busca de minimizar os prejuízos, por exemplo, tratar o estresse e a depressão, fatores que já se sabe estarem ligados na manutenção do TDI (NATHAN e GORMAN, 2002). Dessa forma, o filme provoca ao profissional da saúde a necessidade de compreender os transtornos em seus fatores biopsicossociais.
REFERÊNCIAS:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (Arlington). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 948 p.
Driscoll I, Hamilton DA, Petropoulos H, Yeo RA, Brooks WM, Baumgartner RN, Sutherland RJ. The aging hippocampus: cognitive, biochemical and structural findings. Cereb Cortex.2003;13:1344–1351.
ANDRADE, R. V. SILVA, A. F. MOREIRA, F. N. SANTOS, H. P. DANTAS, H. F ; ALMEIDA, I. F. LOBO, L. P. NASCIMENTO, M. A. .Atuação dos Neurotransmissores na Depressão. Revista das Ciências Farmacêuticas, Brasília, v1. nº 1, 2003.
FARIA, M. A.. O Teste de Pfister e o transtorno dissociativo de identidade. 2008. Disponível em: <http://migre.me/wGEp0>. Acesso em: 18 de Março de 2016.
IDENTIDADE. Direção de James Mangold. Produção de Cathy Konrad. Roteiro: Michael Cooney. Música: Alan Silvestri. 2003. (91 min.), son., color. Legendado.
JUNIOR; NEGRO; LOUZÃ. Dissociação e transtornos dissociativos: modelos teóricos, 1999. Disponível em: http://migre.me/wGEjR Acesso em: 17 de Março de 2016.
KOLB, Bryan; WHISHAW, Ian Q. Neurociência do Comportamento. Barueri: Editora Manole Ltda, 2002.
MENESES, M. S. Neuroanatomia Aplicada. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2006
NATHAN, P. E.; GORMAN, J. M.. A guide to treatments that worl. 2. ed. New York: Oxford University Press, 2002. 680 p. Disponível em: <http://migre.me/wGEm8>. Acesso em: 19 mar. 2016.
ONO, M. K.; YAMASHIRO, F. M. Múltiplas personalidades: o distúrbio dissociativo da identidade. Disponível em: <http://migre.me/wGEmm>. Acesso em: 18 de Março de 2016.
SANCAR, F. Exploring Multiple Personality Disorder. 1999. Disponível em: <http://migre.me/wGEoe>. Acesso em: 13 mar. 2016.
SCHERER, E. A. Estudo de Neurotransmissores Relacionados à depressão e psicose em amostras de cérebro humano de pacientes submetidos á cirurgia por epilepsia de lobo frontal. Ribeirão Preto, 2008. 117 f. Tese (Doutorado em Ciências Médicas) – Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.
VALLITI, L. G. SOBRINHO, J. A. Mecanismo de Ação do Glutamato no Sistema Nervoso Central e a relação com Doenças Neurodegenerativas. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria. 2014.Disponível em: <http://migre.me/wGEkDf>. Acesso em: 15 mar 2016.
VERMETTEN, E. et al. Hippocampal and Amygdalar Volumes in Dissociative Identity Disorder. The American Journal Of Psychiatry. Rockville, p. 630-636. 4 abr. 2006.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
IDENTIDADE
Diretor: James Mangold Elenco: John Cusack, Ray Liotta, Amanda Peet, Alfred Molina; País: USA
Ano: 2003 Classificação: 16
O que seria do mundo sem os revolucionários, capazes de viver e morrer por uma causa?
Que força move uma revolução se não uma grande paixão?
E o que é a paixão senão uma grande ilusão?
Paixão e ilusão, a partir da psicanálise, são fenômenos indissociáveis e radicalmente ligados ao narcisismo primário.[1]
Em Capitão Fantástico, Ben (Viggo Mortensen) e Leslie (Trin Miller) não apenas se apaixonaram, mas decidiram viver uma realidade alternativa, criando seu próprio mundo ideal. Acreditaram que era possível e o fizeram. A história não revela muito do passado de Ben, mas Leslie deixou uma carreira jurídica bem sucedida e seguiu com marido e os filhos para viver uma experiência única, conforme descreveu em uma carta para a mãe:
“O que eu e Ben criamos aqui pode ser único em toda a existência humana. Criamos o Paraíso fora da República de Platão. Nossos filhos serão reis filósofos. Isso me deixa tão indescritivelmente feliz. Eu vou melhorar aqui, sei que vou, porque somos definidos por nossas ações, não palavras.”
Na floresta, longe do contato com a cultura dominante, eles criam os filhos, estabelecem regras e limites próprios, com rituais de passagem, divisão de tarefas, disciplina rígida, educação de alta qualidade direcionada pelos pais, e muita liberdade de expressão. A família é a busca do sonho utópico relatado por Platão em sua obra A República[2], onde as paixões são controladas, o egoísmo superado e as pessoas agem racionalmente.
A racionalização, aliás, se mostra como o principal mecanismo de defesa dos membros quando os sofrimentos aparecem. É através dela se explica a vida e a morte e se lida com qualquer dificuldade. Mas esse mecanismo mostra falhas quando a realidade externa começa a se impor e toda a dinâmica de funcionamento, até aquele momento voltada para dentro, para o núcleo familiar, precisa se adaptar às relações exteriores. As crianças foram criadas para serem fortes física e emocionalmente, e preparadas intelectualmente para qualquer situação. Entretanto, fora da proteção do lar, situações triviais começam a expor as fragilidades desse sistema e trazer à tona conflitos internos.
É através dos traumas, das dores e perdas que, passo a passo, a realidade vai se impondo no seio daquela família utópica. A felicidade vivida até então se mostra muito mais um sonho dos pais projetado nos filhos, ou conforme a história vai revelando, muito mais o sonho de um homem sobre seu mundo ideal que encontrou na bipolaridade de sua parceira a possibilidade desrealização.
O posicionamento de Ben revela uma personalidade narcisista, com filhos que se tornam uma extensão dos seus sonhos e de suas crenças. Através de seus próprios dispositivos, Ben e Leslie acreditam estar criando humanos perfeitos em um mundo especialmente formatado para eles, mas na verdade tudo é voltado apenas para si mesmos, realidade com a qual Ben se depara ao “provocar” o acidente de uma filha.
Durante toda a sequencia de acontecimentos percebemos como as crises são importantes para nos confrontar com nossos erros, mesmo quando o mundo parece estar perfeito. Esta perfeição aliás só existe na cabeça de Ben, desde o início é possível perceber na personalidade de cada filho, alguns traços que podem se mostrar problemáticos para o futuro daquela estrutura familiar.
Um dos adolescentes é revoltado com o pai e a mãe, questiona seus valores e demonstra muita agressividade, algo que se explica no decorrer da história. O mais velho, que parece ter internalizado mais as influências de Ben, vive um conflito interno entre satisfazer os desejos do pai ou se lançar para o mundo. Zaja, uma das menores, demonstra frieza frente a qualquer situação, não parece demonstrar muitas emoções, gosta de desossar animais e expor seus troféus.
Capitão Fantástico é, enfim, um enredo que questiona da sociedade capitalista às utopias libertárias, num confronto constante entre realidades e ilusões que se entrelaçam permanentemente. O filme expõe a dualidade entre o autoritarismo e a liberdade, o bom e o ruim e tantas outras presentes no mundo interno e externo de cada um.
Uma história que exibe as contradições internas individuais, familiares, sociológicas e filosóficas, mostrando que nada é perfeito, nem totalmente ruim, mas que tudo o que acreditamos precisa ser questionado. Mostrando ainda como todas as dores, perdas, crises ou conflitos são necessários para que as transformações ocorram e nos aproximemos do equilíbrio.
REFERÊNCIAS:
[1] ROCHA, Zeferino. O papel da ilusão na psicanálise Freudiana.Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 15, n. 2, p. 259-271, Dez. 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 Fev. 2017.
[2] PLATÃO. A república. São Paulo, Martin Claret.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
CAPITÃO FANTÁSTICO
Diretor: Matt Ross Elenco: Viggo Mortensen, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Basso País: EUA Ano:2016 Classificação: 14
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Closet Monster: sob a óptica das teorias psicodinâmicas
O Monstro no Armário (Closet Monster) é um filme canadense, escrito e dirigido por Stephen Dunn, lançado em 2016. Marcado pelo simbolismo do começo ao fim, o título pode ser confundido com o da animação Monster House (2006). Trata-se de um drama sobre um adolescente que passou por eventos potencialmente traumáticos na infância e que, na sua atual fase, faz descobertas sobre sua homossexualidade. Desse modo, este texto objetiva uma análise do filme de acordo com as teorias psicodinâmicas.
O longa inicia com Oscar (Jack Fulton) na infância, numa família nuclear e sendo filho único. Ele e o pai cultivam uma cumplicidade recheada de criatividade e fantasias, tanto nas brincadeiras quanto nos sonhos que este o presenteava todas as noites. Até dado momento, Oscar aparenta ser uma criança de cotidiano e família comum, mas logo acontecem situações que o abalam de forma veemente.
Primeiramente, inicia-se o processo de separação entre os pais. Tudo ocorre de forma rápida e confusa. Os mesmos o presenteiam com um hamster como uma atitude compensatória após anunciarem a separação. É possível notar o descaso e falta de empatia dos pais quanto ao aspectos emocionais e psicológicos da criança nessa situação. Agindo de forma egoísta e discutindo continuamente, caracterizam-se numa relação parental conflituosa. Neste contexto, Raposo et al. (2010, p.31) ressalta que:
Relações parentais conflituosas, quando acontece o emaranhamento dos problemas conjugais na relação parental, têm não só efeitos diretos no funcionamento psicológico da criança, mas também efeitos indiretos, dado que interfere na qualidade do comportamento parental.
Nisso, a mãe vai embora de casa, repetindo o seu “sinto muito” (sua frase recorrente em situações difíceis) mesmo diante às tentativas do filho de impedi-la. E esse demonstra o medo do abandono (materno).
Logo em seguida, com apenas oito anos, ele presencia um grupo de garotos da sua escola agredindo brutalmente outro estudante, que teve uma barra de ferro introduzida em seu ânus. Sem entender tal atrocidade e ao ver a notícia na TV que o mesmo ficaria paralisado da cintura para baixo, o protagonista questiona o pai sobre o que teria motivado tal ato, contando-lhe o que tinha visto. “Ele é gay”, respondeu. Desse modo, a resposta do pai associada ao conteúdo presenciado provoca-lhe um trauma psicológico na infância que o perseguirá na seguinte fase da vida, a adolescência.
Em vista disso, pode-se considerar que os eventos vividos por Oscar na infância foram situações potencialmente traumáticas (ZAVARONI, 2015), as quais são compostas de circunstâncias perturbadoras que expõem a criança a significantes perdas, podendo requerer ou suscitar (re)arranjos vivenciais relevantes. O Vocabulário Contemporâneo de Psicanálise (ZIMERMAN, 2008, p.419) define que o trauma “[…] está mais diretamente ligado a acontecimentos externos reais, que sobrepujam a capacidade do ego de poder processar a angústia e a dor psíquica que eles lhe provocam”. E ainda, estende-se a essa conjuntura a circunstância de que o trauma repercutido no psiquismo da criança é simétrico ao seu estado de indefesa precoce. Melhor dizendo, é de grande efeito e doloroso.
Stephen Dunn (2016) transparece na sua obra o peso que os caminhos da sexualidade (dicotomia: homossexualidade e heterossexualidade) possuem numa sociedade fálica. Concomitantemente às cenas de Oscar cortando seu cabelo, que estava com um tamanho inadequado para um menino, é apresentado um cenário onde seu pai mostra-se uma figura máscula em vigor cortando madeira para construir uma casa na árvore para ele, o seu querido filho. Assim, uma criança ainda que no seu pouco entendimento sobre sexualidade, de fato percebe que não pode fugir dos padrões da heteronormatividade, pois poderá ser punido, como foi o garoto que era gay.
Ainda, é válido lembrar que o filme retrata Oscar como uma criança sem amigos e o hamster que ganhou de presente torna-se sua melhor amiga, seu nome é Buffy como a própria se intitula. (Sim, isto mesmo! Durante todo o filme ela dialoga com Oscar). Nas primeiras cenas do filme é apresentado Oscar como um bebê e logo em seguida alguns hamsters recém-nascidos. (Novamente uma característica simbólica). Mais à frente, na adolescência do garoto, ela o explica “Sou o seu espírito animal!”, o que remete a possibilidade do jovem está conversando consigo mesmo, ou seja, está tendo uma alucinação auditiva. No que tange este tema, Maurício Aranha (2004) levanta que:
Conforme a teoria desenvolvida ao longo da obra de Carl G. Jung, na doença mental o inconsciente começa a sobrepor-se à consciência, de tal modo que se rompem as barreiras de contenção do inconsciente e as alucinações apresentam claramente à consciência uma parte do conteúdo ali depositado, o qual passa para seu domínio. Assim sendo, as alucinações (assim como os delírios) não surgiriam de processos conscientes, mas sim, inconscientes, cujos fragmentos brotariam na consciência tal qual no sonho, ou seja, dissociados.
A transição da infância para adolescência de Oscar (a esta altura interpretado por Connor Jessup) é apresentada de relance, ele passa dos oito aos 18 anos. Possui, agora, uma nova amiga (humana), Gemma (Sofia Banzhaf), que juntos compartilham o interesse peculiar por maquiagem de cinema e ela é a modelo que incorpora as produções do amigo. É por meio de fotografias do seu trabalho que Oscar tenta ingressar na faculdade em Nova York. O psicanalista Alfredo Jerusalinsky (2004, p.56), em sua obra “Adolescência e Contemporaneidade”, discorre que a palavra adolescência remete a adoecimento; ao sofrimento típico da perda de proteção indispensável, pois alude à transição entre a proteção (da vida infantil) e à exposição (da vida adulta).
Além disso, o enredo explicita que a relação de amizade entre pai e filho é rompida, já adolescente o protagonista passa a visualizar o pai como um “monstro”, uma pessoa que sempre afasta aqueles que os amam e que ele não quer se tornar parecido. No que concerne à psicologia do desenvolvimento, Aberastury e Knobel (1981, s/p) teorizam sobre o comportamento do adolescente que “sua hostilidade frente aos pais e ao mundo em geral se manifesta na sua desconfiança, na ideia de não ser compreendido, na sua rejeição da realidade, situação que podem ser ratificadas ou não pela própria realidade”.
O ápice da vida de Oscar acontece quando ele tem uma paixão de verão, que em grande parte da obra transparece ser platônica, mais conhecida no vocabulário contemporâneo dos adolescentes como crush. É no ambiente de trabalho que conhece Wilder (Aliocha Schneider). Este, além de despertar sentimentos e desejos em Oscar e constantemente provocá-lo sexualmente (com frases), lhe proporciona a possibilidade de ter novas experiências e novas perspectivas.
Há um momento no filme em que Wilder desconstrói a fantasia de Oscar em relação a Buffy, mostrando-o que ela não é fêmea, na verdade trata-se de um hamster macho. Fica evidente o escroto do animal. Mesmo assim, ‘o hamster’ continua com uma voz de fêmea e diz que está numa crise de gênero, depois de tal notícia. Nessa conjuntura, Buffy é utilizada como uma porta-voz dos conteúdos inconscientes do personagem, remetendo à teoria junguiana acerca da alucinação supratranscrita em Marcelo Aranha (2004). Ao modo que, externamente, ele é um garoto introvertido que possui desejos homossexuais reprimidos e sente-se desassistido pelos pais, principalmente pela mãe que possui um novo grupo familiar, que ele não consegue integrar-se.
Num ímpeto de fúria, durante uma discussão com o seu pai, este não aceita que o filho vá à uma festa gay. Mauricio Knobel (1981, s/p) adverte a angústia provocada nos pais quando se deparam com os primeiros traços de conduta genital dos filhos na adolescência. Oscar chuta o pai para dentro do seu armário, que ainda contém roupas de sua mãe, e vai à festa de Wilder com ânsia de novas sensações. Partindo de tal fato surge o questionamento: seria este o monstro no armário, o seu pai? A figura masculina regida pela heteronormatividade que o impedia de se mostrar como realmente era?
Quanto à monstruosidade…
Para começar, o que é um monstro? Já a etimologia da palavra nos reserva uma surpresa um tanto ou quanto assustadora: monstro vem de mostrar. O monstro é o que se mostra, o que se aponta, o que se aponta com o dedo, o que se mostra nas feiras, etc. E quanto mais monstruosa é uma criatura, mais exibida deve ser. (Tournier, 1986. p.15).
Não! O monstro no armário de Oscar, assim como o simbolismo usado na definição de Tournier, nada mais é do que a não aceitação da sua própria sexualidade, sempre negada e reprimida, que se opõe à figura dos seus semelhantes e necessita expor-se. Ademais, esta não aceitação associa-se ao trauma, cujo é incessantemente alimentado por alucinações, em que uma barra de ferro tenta diversas vezes sair de si mesmo.
Nesse contexto, Aranha (2004, p.38) afirma que os valores culturais atribuídos às relações e os acontecimentos podem atuar de modo significativo na percepção sobre um determinado objeto. Tal como a barra de ferro, neste caso. E acrescenta que a organização perceptual na maioria das vezes espelha os fatores pessoais daquele que está percebendo, como suas necessidades, emoções, atitudes e valores (ibidem, p. 39). Portanto, é justificável que tais alucinações sinestésicas de Oscar relacionavam-se com o evento traumático ocorrido na infância e com sua constelação de afetos e desejos sexuais característicos de sua personalidade e da adolescência.
Finalmente, durante mais uma crise colérica e alucinógena, seu pai havia matado sua hamster. Oscar consegue tirar a barra de ferro da sua barriga e com as mãos ensanguentadas (fazendo com que o expectador também participe da alucinação) quase agride novamente o pai. É o momento de extravasamento da raiva e da inquietação contidas nele. De tal modo, infere-se que mesmo numa atitude violenta ele mostra ao pai que já detém a força de um adulto, tanto quanto este possuiu outrora, e que já passou da fase em que precisava de proteção. Retomando o conceito supracitado sobre adolescência de Jerusalinsky (2004), agora pode proteger-se sozinho, expondo-se como um adulto.
Ainda, observa-se que ao fim da trama Oscar está concluindo a passagem da adolescência para a fase adulta. Ele consegue se despedir do seu ‘animal espiritual’, Buffy, isto é, simbolicamente representa seu ego infantil. E começa uma vida acadêmica longe dos pais. Ao deparar-se com sua nova realidade rememora o pai quando lhe dava sonhos na infância. Porém, nesta situação, em seu pensamento, ao pedir um sonho de presente, o próprio lhe diz: “Está um pouco tarde para isso. É hora de começar a fazer seus próprios sonhos. Pode ter tudo que quiser neste mundo. Só feche os olhos”. Nisto, ele desperta e enxerga sua realidade atual: a vida adulta, na qual terá autonomia para criar e realizar seus objetivos, deixando seus pais orgulhosos.
Nesse ínterim, o enredo do filme não elucida se Oscar consentiu ao seu monstro no armário ou não, em outras palavras, se continuou negando ou se aceitou sua homossexualidade. O telespectador, alicerçado na sua percepção, torna-se livre para chegar às suas próprias conclusões.
REFERÊNCIAS:
ARANHA, Maurício. Etiologia das alucinações. Ciênc. cogn., Rio de Janeiro , v. 2, p. 36-41, jul. 2004. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-58212004000200004&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 27 de janeiro de 2017.
ABERASTURY, A., & KNOBEL, M. Adolescência normal. Porto Alegre: Artmed, 1981.
JERUSALINSKY, Alfredo Nestor. Adolescência e Contemporaneidade. In Conselho regional de Psicologia 7ª Região. Conversando sobre Adolescência e Contemporaneidade. Porto Alegre: Libretos, 2004.
KNOBEL, M. A Síndrome da adolescência normal. In A., ABERASTURY & M., KNOBEL Adolescência Normal. Porto Alegre: Artmed, 1981.
RAPOSO, Hélder Silva et al. Ajustamento da criança à separação ou divórcio dos pais. Rev. psiquiatr. clín., São Paulo , v. 38, n. 1, p. 29-33, 2011 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832011000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 29 de janeiro de 2017.
TOURNIER, Michel. O Rei dos Álamos. Lisboa: Dom quixote, 1986.
ZAVARONI, Dione de Medeiros Lula; VIANA, Terezinha Camargo. Trauma e Infância: Considerações sobre uma Vivência de Situações Potencialmente Traumáticas. Psic .: Teor. E Pesq., Brasília, v. 31, n. 3, p. 331-338, setembro de 2015. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-37722015000300331&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 24 de janeiro de 2017.
ZIMERMAN, David. Vocabulário contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
CLOSET MONSTER
Direção e Roteiro: Stephen Dunn Elenco: Connor Jessup, Jack Fulton, Joanne Kelly, Aaron Abrams; País: Canadá Gênero: Drama Duração: 1h30