Spin Out: a beleza de um esporte e o estigma de um transtorno mental

Patinar é como respirar. Nem imagino não patinar. E, se eu paro, sinto que estou me afogando.
(Kat Baker)

Ser um atleta profissional exige muitos sacrifícios. Uma rotina diária de treinos intensos, motivação e espírito esportivo é só algumas das exigências para se alcançar a glória no esporte. Sem levar em conta cada perda ou sofrimento suportado pelo atleta, os telespectadores como os próprios atletas não exigem menos que a medalha de ouro, além do mais é preciso que o espetáculo valha cada tempo gasto assistindo a performance e a perfeição de cada movimento marcam esportes como a patinação artística no gelo.

Spinning Out é uma série que trata deste tema de modo espetacular, além de mostrar a luta árdua de jovens atletas para se consolidar na patinação no gelo, ela fala sobre a saúde mental do desportista. Se tratando de um esporte que exige grandes habilidades artísticas, beleza e perfeição em cada movimento é o que chama atenção nesse jogo e um transtorno mental pode ser considerado a “imperfeição” que o competidor não quer trazer à tona.

 A série conta a história de Kat Baker, uma patinadora artística de alto nível que pensa em abandonar a carreira, após um evento traumatizante. Kat passa a temer patinar como antes, evita efetuar manobras arriscadas como saltos triplos; além de ter tido sequelas físicas ela também passa a ter grande sofrimento mental, como episódios de automutilação e flash backs do acontecido.

Não conseguindo superar seus medos, Kat recebe uma nova oportunidade de fazer o que mais ama, na patinação. É então convidada para ser parceira de um talentoso patinador. Com o tempo a protagonista passa a ter mais confiança em si mesma e a entender seus problemas, porém isso faz com que seus segredos venham à tona e ela acaba expondo que possui o Transtorno Afetivo Bipolar.

O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) é um transtorno de humor, considerado crônico, caracterizado por episódios agudos e recorrentes de alteração patológica de humor, podendo persistir por semanas ou meses, fazendo assim com que os pacientes não possam prever seu próprio estado emocional, já que a pessoa pode passar de um estado depressivo de extrema apatia para um estado de mania com extrema exaltação, daí o transtorno ser denominado de bipolar (BIN, et al, 2014, p. 143).

Na série é visto claramente os episódios da patinadora, especialmente quando para de tomar a medicação. Contudo, Kat sofre não apenas pelo estigma de ter uma doença mental em um meio preconceituoso; sua relação com a mãe é péssima e um dos motivos disso acontecer é porque a mãe tem o mesmo transtorno e teve que abandonar sua carreira quando jovem. Isso pode ser explicado por razões genéticas, cujos fatores epigenéticos exprimem que as mulheres têm mais tendência a desenvolver o transtorno do que os homens, um dos elementos que comprovam essa teoria é o Imprinting.

Imprinting refere-se a um padrão de herança não-Mendeliana em que a transmissão do fenótipo depende da origem parental do alelo associado à doença (MICHELON, VALLADA, 2004). Observa-se que pacientes bipolares possuem com maior frequência mães afetadas do que pais afetados e mais ancestrais maternos afetados que ancestrais paternos (WINOKUR, REICH, 1970). A série explora a relação conturbada de mãe e filha, com os altos e baixos de ser viver com um transtorno mental.

Em paralelo com a trama da série é possível perceber que há muitos esportes, cuja exigência é mais do que as habilidades dos atletas, como perfeição dentro e fora do ambiente competitivo. Fazendo com que os indivíduos sofram tentando esconder suas dificuldades, a fim de mostrar apenas o que a sociedade considera agradável. Na série a personagem principal tenta esconder sua condição por medo de ser julgada incapaz de atuar dentro do esporte, fazendo com que não desfrute de modo pleno todo o seu potencial e não se sinta bem consigo mesma.

Para Mazzaia & Souza (2017), o bem-estar das pessoas que tem esse transtorno pode ser prejudicado devido às próprias características da doença, porque, nas fases de mania e hipomania, os sintomas de felicidade e confiança, estão disfarçados pela sensação de poder e capacidade que proporcionam. O que é perceptível quando a personagem decide parar o uso do remédio para patinar melhor e se deixa levar pelos sinais de seu problema mental.

Outro ponto abordado na série é a pressão da família, o abuso e a exposição do atleta para não perder e nem abandonar as competições. Isto é visto na melhor amiga de Kat, a patinadora Jenn Yu, cuja lesão no quadril lhe faz levar seu corpo e mente ao limite da dor, tentando muitas vezes anestesiar com fármacos, na tentativa de não se submeter ao fracasso diante de toda a família.

Além da intolerância em relação a saúde mental, a série mostrar outras formas que o esporte erra ao submeter o atleta ao estado de excelência. A treinadora da dupla e campeã olímpica Dasha Fedorova treinava em uma época que pessoas do mesmo sexo em hipótese alguma poderiam se relacionar. Tal afronta poderia leva-la a abusos ainda maiores e por medo teve que esconder seus sentimentos. Já Marcus, é um jovem rapaz negro que gosta do esqui no gelo, esporte predominantemente executado por brancos e dessa forma tem problemas por causa de sua cor. Por fim, temos Justin o parceiro de Kat, cujo desempenho é associado apenas ao grande investimento do pai em sua carreira, não acreditando em si mesmo, acaba deixando de apoiar Kat no seu momento mais difícil, estando sofrendo por não saber lidar com a dificuldade de sua companheira.

FICHA TÉCNICA:

SPIN OUT

Título original: Spinning Out
Direção: Elizabeth Allen Rosenbaum, Jon Amiel, Matt Hastings;
Elenco Kaya Scodelario, Evan Roderick, January Jones, Amanda Zhou;
País: EUA
Ano: 2020
Gênero: Drama.

REFERÊNCIAS: 

BIN, et al. (2014). Significados dos episódios maníacos para pacientes com transtorno bipolar em remissão: Um estudo qualitativoJornal Brasileiro de Psiquiatria, 63(2), 142-148. doi: 10.1590/0047-2085000000018.

MAZZAIA, M. C.; SOUZA, M. A. Adesão ao tratamento no Transtorno Afetivo Bipolar: percepção do usuário e do profissional de saúde. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Porto, n. 17, p. 34-42, jun.  2017.

MICHELON, L.; VALLADA. H. Genética do transtorno bipolar. Rev. Bras. Psiquiatr. Vol.26 suppl.3 São Paulo Oct. 2004.

WINOKUR, G.; REICH, T. Two genetic factors in manic-depressive disease. Compr Psychiatry. 1970;11(2):93-9.