A Correria do Cotidiano e o Poder de 8 Minutos: pequenos gestos que impactam nossa saúde mental

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Na rotina diária, cada minuto parece ser consumido por tarefas, notificações e responsabilidades. Entre compromissos de trabalho, demandas familiares e a sobrecarga de informações digitais, é comum negligenciarmos algo essencial: as conexões humanas. Estudos indicam que mais da metade do tempo em que estamos acordados é passado diante de telas, agravando o distanciamento das interações reais [1].

Nesse contexto, o uso consciente da tecnologia pode ser transformador. Inspirado no artigo “The Secret Power of the 8-Minute Phone Call”, publicado pelo The New York Times [2], este texto explora como uma breve ligação telefônica de oito minutos pode ajudar a restaurar a proximidade com amigos e familiares. Reservar este curto intervalo para ouvir a voz de alguém querido pode aliviar a solidão, ansiedade e desconexão, além de gerar benefícios emocionais comprovados pela ciência [3].

Será que subestimamos o impacto desses pequenos gestos? Este texto reflete sobre como ações simples podem promover equilíbrio emocional e fortalecer amizades, destacando a importância de priorizar conexões reais em um mundo acelerado e digital.

Crédito: Rahul Ramachandram/Shutterstock

Vivemos em uma época onde algoritmos e mensagens instantâneas dominam as interações. A psicoterapeuta Claudia Glaser-Mussen descreve o som da voz de um ente querido como uma ferramenta poderosa de conforto e segurança emocional [3]. Essas conversas, mesmo breves, oferecem um raro momento para ouvir e ser ouvido. Diferente de mensagens de texto ou curtidas em redes sociais, o tom de voz, as pausas e os silêncios carregam significados únicos, resgatando a intimidade muitas vezes perdida no caos do dia a dia.

Conexões que Curam: Saúde Mental e Relações Humanas

A desconexão social é um fator crítico para a saúde mental, tanto para quem enfrenta transtornos psíquicos quanto para quem lida com o estresse diário. Segundo o estudo “Vida Cotidiana Após Adoecimento Mental: Desafio para Atenção em Saúde Mental”, a ausência de interações significativas pode intensificar o isolamento e sentimentos de exclusão [4]. No entanto, esse cenário é comum em nossa sociedade digital, afetando não apenas casos clínicos, mas também a vida cotidiana.

Pequenos gestos, como uma ligação telefônica, ajudam a criar “pontes” emocionais. Esses momentos, onde preocupações são compartilhadas e pequenos episódios de alegria vivenciados, promovem liberação de neurotransmissores como dopamina e ocitocina, responsáveis por sentimentos de bem-estar e conexão.

Imagem do filme Divertida Mente 2

Exemplos da cultura popular, como no filme Divertida Mente 2 (Inside Out 2), ilustram como reservar um momento para ouvir e apoiar alguém pode transformar situações difíceis. No final do filme, as amigas de Riley percebem sua crise emocional e dedicam tempo para estar com ela, criando um espaço seguro para que ela compartilhe seus sentimentos e enfrente os desafios. Este ato, aparentemente simples, reforça como gestos de apoio podem ser impactantes.

Assim como essas amigas, podemos incorporar práticas semelhantes no cotidiano. Dedicar alguns minutos para uma conversa ou para perguntar como alguém está fortalece os laços e reforça o valor das relações humanas, mesmo em um mundo cada vez mais automatizado.

Enquanto a modernidade nos direciona para produtividade incessante e longas horas conectados às telas, é essencial resgatar o valor das interações humanas. Brasileiros passam, em média, 56% do dia expostos a smartphones e computadores, o que equivale a mais de 9 horas diárias [1]. Especialistas alertam que esse uso excessivo prejudica a saúde física e mental, contribuindo para o aumento do estresse, da ansiedade e do isolamento social.

Nesse contexto, as ligações telefônicas breves surgem como uma alternativa saudável para se conectar com quem amamos. Elas criam espaços genuínos de interação e nos convidam a desacelerar, priorizando o que realmente importa. Mais do que uma pausa, essas interações tornam-se um ato de resistência contra a desconexão.

Por mais que a tecnologia nos conecte, muitas vezes ela também nos isola. Um gesto tão simples quanto pegar o telefone e ligar para alguém pode ser um ato de resistência contra a alienação e a desconexão. Ele nos convida a reconquistar algo que, no fundo, sempre buscamos: sentir que pertencemos a uma rede de apoio e que nossa presença é significativa para alguém.

São cerca de 9 horas por dia em frente das telas – Foto: Freepik

Em um mundo acelerado e digital, a simplicidade de uma ligação telefônica de oito minutos mostra-se transformadora. Apesar da rotina frenética e do excesso de informações, esses breves momentos oferecem acolhimento e fortalecem as relações humanas. Elas nos lembram que, por mais que a tecnologia avance, somos essencialmente seres sociais.

Essas interações podem aliviar a ansiedade, reduzir a solidão e reforçar vínculos afetivos. Como exemplos da ficção e da vida real demonstram, conexões verdadeiras não demandam grandes esforços, apenas a disposição de estar presente. Em um mundo onde tudo parece mecanizado, uma conversa de oito minutos pode reaquecer o dia de alguém e também o nosso.

Referências:

[1] Brasileiros passam em média 56% do dia em frente às telas de smartphones e computadores – Jornal da USP

[2] https://www.nytimes.com/2023/01/02/well/phone-call-happiness-challenge.html

[3] 8 minutos. Se vai ligar a um familiar, este é o tempo médio ideal que deve durar a chamada – Atual – Máxima

[4] ReP USP – Detalhe do registro: Vida cotidiana após adoecimento mental: desafio para atenção em saúde mental

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Paternidade Socioafetiva: quando o afeto prevalece sob a verdade biológica

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A paternidade socioafetiva é uma das espécies de paternidade no qual o vínculo afetivo prevalece sob a verdade biológica, sendo reconhecida como paternidade civil para todos os efeitos. Nesse tipo, não há vínculo sanguíneo biológico entre pai e filha(o), mas considera-se o vínculo afetivo, na construção de cuidado, carinho e atenção, para que haja o devido reconhecimento da paternidade.

Frente às novas dinâmicas familiares existentes e levando-se a conta o princípio da dignidade da pessoa humana, faz-se necessário uma reflexão e atualização do mundo jurídico, prezando pelo pleno desenvolvimento dos indivíduos e resguardando seus direitos.

O Código Civil de 1916 já vinha trazendo o direito de reconhecimento de filiação, porém em termos mais exclusivos, com interpretações que hoje não cabem à realidade familiar; por este motivo, os tribunais, atualmente, exigem a superação deste no que tange ao conceito tradicional de família, aquele que considera tão somente os laços de consanguinidade (OLIVEIRA; SANTANA, 2017).

Segundo Scott Junior (2010), a paternidade socioafetiva, apesar de parecer um fenômeno novo, já está nas famílias há muito tempo e somente na atualidade houve a evolução da legislação e da doutrina para que ela fosse compreendida em nosso ordenamento jurídico pátrio. Assim, entende-se que a “paternidade não tem ligação direta com fatores biológicos para ser determinada (SCOTT JUNIOR, 2010, p. 37), uma vez que está unida pelos laços socioafetivos construídos diariamente na relação de pai e filha(o).

Fonte: encurtador.com.br/uvS45

Através do art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988, fica assegurado um conceito de paternidade mais amplo, ao doutrinar que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988).

Um dos temas que levantam discussões em torno da paternidade socioafetiva é com relação ao Direito Sucessório, no questionamento de se a(o) filha(o) de criação, aquela(e) considerada(o) por laços afetivos, também teria o mesmo direito de sucessão dos filhos biológicos.

Como apontam Oliveira e Santana (2017), existe no legislativo uma omissão quanto à regulamentação da paternidade socioafetiva, deste modo, é mister que os julgadores façam tanto quanto possível para extirpar a desigualdade de tratamento entre os filhos, sejam eles de parentesco civil, natural ou socioafetivo.

No sentido de filiação, relação entre pais e filhos, entende-se que não deva haver nenhuma distinção entre estes, sejam eles legítimos ou ilegítimos – este último considerado os filhos frutos de relação fora de “justas núpcias” (OLIVEIRA; SANTANA, 2017, p. 94). Sendo assim, conforme o artigo já mencionado da CF/88, é inadmissível, então, que filhos consagrados numa relação filial de paternidade socioafetiva, não venham a usufruir dos bens, heranças e demais efeitos sucessórios que cabem também aos filhos consanguíneos.

No mesmo sentido, Scott Junior (2010) salienta que se a(o) filha(o) é legalmente reconhecida(o) nesta espécie de paternidade, logo não há dúvidas quanto aos direitos sucessórios. Por fim, depreende-se que o vínculo afetivo não torna a relação filial de menor importância perante a jurisprudência, cabendo aos magistrados a efetividade desses direitos nos acordos.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 24 nov. 2020.

OLIVEIRA, Eliana Maria Pavan de; SANTANA, Ana Cristina Teixeira de Castro. Paternidade socioafetiva e seus efeitos no direito sucessório. Revista Jurídica Uniaraxá, Araxá, v. 21, n. 20, p. 87-115, ago. 2017. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/231278205.pdf. Acesso em: 24 nov. 2020.

SCOTT JUNIOR, Valmôr. Efeitos sucessórios da paternidade socioafetiva. Sociais e Humanas, Santa Maria, v. 23, n. 02, p. 35-46, jul/dez 2010. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/3203. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Galveston: a vida após o diagnóstico do câncer

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Galveston foi o primeiro romance de Nic Pizzolatto publicado pela editora Intrínseca em 2015. A história gira em torno de um matador de aluguel com câncer terminal e nas implicações em sua vida após o diagnóstico e no encontro com uma garota no local em que foi enviado para morrer.

Roy Cady recebe a notícia sobre seus pulmões de forma paralisante; mal termina de ouvir o médico e se retira do consultório. Este é um momento de reavaliação de sua vida, mas só o que consegue pensar no momento é nos seus relacionamentos fracassados e em vista disso fumar um cigarro ali mesmo, afinal de contas, não tinha mais nada a perder. Seu chefe, Stan, o envia para uma missão e orienta ele e o seu colega a não levarem armas. Stan namora Carmen, que já havia se relacionado com Roy e com seu parceiro, isto é, Roy encara a situação como um problema pessoal de Stan.

Roy é um homem escrupuloso, mas preso à situações do passado pelas quais teve de abrir mão de pessoas importantes em sua vida. Um pai morto, mãe suicida, vida num orfanato. Tais lembranças o permeiam constantemente, como um lembrete da pessoa que é e porque faz o que faz. Parado fora do escritório, Roy ruminava sobre tais questões e começa a orientar seus pensamentos de forma diferente daqueles que tinha antes de saber da doença. Segundo Helman (2003), citado por Silva (2005, p. 141), temos que:

(…) a revelação do diagnóstico de câncer gera reformulações e mudanças nesta nova fase de sua vida. Essas mudanças (…) são tentativas de enfrentar as novas circunstâncias e de tentar se adaptar a elas. Nestas mudanças, os pressupostos básicos das pessoas sobre o seu mundo são quebrados mediante a interferência do diagnóstico de câncer, assim deixam de contar com um mundo certo e se redirecionam dentro desta nova perspectiva de vida. (grifo nosso)

Em vista da mudança de alguns hábitos para uma vida mais saudável após o diagnóstico da doença, Roy toma o caminho oposto e começa a abusar do álcool e do cigarro. Não tem família nem amigos que forneçam apoio nesse momento e isso o leva à um estado de resignação. Por outro lado, mesmo negando a vida, ele passa a olhar o outro de forma diferente.

É sob a imagem desse “outro” que Rocky surge: enviado para missão, Roy e seu parceiro são surpreendidos numa emboscada onde matadores altamente treinados o aguardam, e naquela cena, como um plano de fundo, uma garota no canto da sala assiste tudo, Rocky. Mesmo sabendo que iria morrer pela doença, Roy utiliza de todas as suas forças e experiência para sair vivo e todos aqueles que o queriam morto, morreram. Roy não sabe muito bem o que fazer com aquela garota, mas sabe que não pode deixá-la ali; ela vira seu rosto. E então, sem estabelecer um plano concreto, eles vão para fora da cidade, percorrendo no caminho bares soturnos e discretos, em direção à Galveston.

Rocky é uma prostituta de 18 anos que estava naquela casa fornecendo serviços quando foi surpreendida. Seu histórico de vida é perturbador e ela vive na constante insegurança sobre se Roy a abandonará, ainda mais naquele momento, em que tirou sua irmã mais nova da casa de seu padrasto sórdido. Do outro lado, Roy pondera se ficará com as meninas, tentando lidar com o dualismo de se sentir atraído por Rocky e pela vontade de ir embora.

Algumas mudanças se configuram na vida de um paciente oncológico, uma delas é a mudança corporal. Sob esse aspecto, temos que, “o câncer produz a modificação da imagem e ameaça a identidade corporal e  a  própria  existência  do  indivíduo.” (SILVA, 2005, p. 137). Roy começa a emagrecer, seu cabelo começa a cair. Para muitos, o cabelo é um sinal de virilidade, e nos homens os efeitos são mais específicos no que tange ao medo de serem estigmatizados (GRAY et al,. 2000; HELMAN, 2003). A respeito disso, Roy refletia: “Confrontei meu rosto. Meu reflexo sempre fora o que eu sabia que seria e nunca exatamente o que eu esperava, mas desta vez foi brutal (…) parecia que meu verdadeiro rosto sempre permanecera oculto, que havia dentro de mim outro rosto, com características mais puras e elegantes (…)” (p. 91, com modificações).

“Você está aqui porque isto aqui é um lugar. Cães ficam ofegantes nas ruas. A cerveja não continua gelada por muito tempo. A última música nova que você gostou saiu há muito, muito tempo, e o rádio nunca mais a tocou.” (p.93).

Roy tem de lidar com sua imagem que se modifica continuamente, ainda mais por não recorrer ao tratamento e por abusar de substâncias químicas. Nesse aspecto, parece se desenvolver uma clareza sobre a efemeridade da vida. Ele vai para Galveston no entendimento de que precisa eliminar todos os seus rastros e de alguma forma dar um rumo à vida daquelas meninas, mas sente o peso de estar fora da vida que vivia, de não ter laços com alguém e da ironia de ainda estar vivo.

Inicialmente, ele evita conversar com Rocky sobre sua doença e lhe persegue a sensação de falta de algo, “alguma coisa difícil de definir, mas notável pela sua ausência” (p.99). É possível que esse sentimento seja dado pela falta de vínculos afetivos, tão importantes nesse momento para o processo de enfrentamento da doença. Quando finalmente ele conta sobre sua vida à Rocky, sente que traiu a si mesmo, isto é, estava tão habituado a não compartilhar suas experiências pessoais com outra pessoa que quando o faz sente tamanho estranhamento.

Com o tempo, a sua aparente resignação toma outra forma. É descoberto no estar vivo e poder fazer os outros bem um prazer que desconhecia. A percepção sobre sua personalidade agora lhe parece uma mentira que sustentara por anos, mas que não tinha mais motivos para manter.

“O que acontece de fato é que o passado coagula como uma catarata ou uma casca, uma casca de lembranças sobre seus olhos. E, um dia, a luz a atravessa” (p. 228).

O livro é intercalado entre presente e futuro, geralmente pela visão de Roy, numa escrita em primeira pessoa. A respeito da percepção de outros leitores sobre o ar carregado e sombrio da história, experimentei a sensação de liberdade e contentamento naquelas descrições sobre os campos de algodão que Roy tinha de ir todas as manhãs, sobre o céu negro, as trilhas pantanosas, as lutas, a vida e a morte. A escrita de Nic Pizzolatto é poética, envolvente, muito bem estruturada e detalhista, de tal forma que nos inserimos completamente nos traumas e vivências dos personagens. Por fim, uma obra apurada e um tanto perturbadora.

FICHA TÉCNICA:

GALVESTON

Título Original: Galveston
Autor: Nic Pizzolatto
Tradução: Alexandre Raposo
Editora: Intrínseca
Páginas: 240
Ano: 2015

REFERÊNCIAS:

GRAY, R. E. et al. To tell or not to tell: patterns of disclosure among men with prostate cancer. Psycho-Oncology, Chichester, v. 9, n. 4, p. 273-282, aug. 2000.

SILVA, V. C. E. O impacto da revelação do diagnóstico de câncer na percepção dos pacientes. 2005. 218 p. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2005. Acesso em: 10 de fev. 2017. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/22/22132/tde-11052005-112949/pt-br.php>.

 

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