Amor, Sexo e Tragédia: somos mesmo originais?

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A forma como o Estilita Simeão viveu, em austeras penitências corporais, retrata a vida dos anacoretas de sua época. Seu biógrafo conta-nos que seus atos de sacrifício, eram de castigar seu próprio corpo, com um desejo de assemelhar-se à paixão de Cristo. Dava-se ao jejum de alimentos e água e se expunha ao calor, e ao frio exposto a “uma coluna de pouco mais de 18 metros em vigília continua; uma imagem viva do Cristo crucificado” (GOLDHILL, 2007, p. 97).

Ainda de acordo com seu biógrafo as torturas vividas por Simeão eram uma forma de chamar a atenção do mundo, despertando-o para existência de Deus. O mosteiro onde Simeão morava era cercado de pessoas que viam nele um homem santo e todos o admiravam e gostavam de ouvi-lo. “Por vezes ele realizava papel de juiz especial diante de alguma disputa” (GOLDHILL, 2007, p. 98).

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Simeão vivenciou um êxtase espiritual profundamente marcado pelo amor a Deus. Deu-se aos sacrifícios corporais até sua morte e ainda que seu corpo se esvanecesse pelas torturas, sentia-se fortalecido pela presença de Deus.

Simeão faleceu no ano 459. Ele foi uma superestrela no rol dos homens santos, todos grandes sofredores pela qual a Síria era especialmente famosa. Esses santos representavam o pináculo da nova atitude cristã relacionada ao corpo (GOLDHILL, 2007, p. 99).

Pregou e viveu um cristianismo que era contrário à cultura clássica. Para ele, ser cristão era ser capaz de penitências, asceses e renúncias; viver a negação dos laços sociais e dos prazeres que este oferece. E o monge deve retirar-se para o deserto, orar sozinho e viver em austeras penitências e jejuns. “Uma maneira dos cristãos mostrarem publicamente a sua crença era a recusa de participar de sacrifícios. Por vontade própria eles excluíam-se obstinadamente da comunidade” (GOLDHILL, 2007, p. 100). Alimentar-se para Simeão era algo confortável, de certa forma até de luxo, pois a sociedade do seu tempo vivia em penúria e até passavam fome.

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Para o pensamento grego um cidadão clássico tinha que trazer em si característica “de soldado, orador, homem do bem” (GOLDHILL, 2007, p. 100), versado em filosofia, e dado aos prazeres e alimentação farta. “Comer bem significava o triunfo da civilização, uma combinação do trabalho árduo do lavrador e da graça dos deuses” (GOLDHILL, 2007, p. 101). Porém os cristãos se contrapunham a essa realidade e se retiravam ao deserto para se desafiarem nessa civilização. “O calendário do cristão comum podia se alternar entre o jejum e o banquete, Quaresma e Páscoa” (GOLDHILL, 2007, p. 101).

Em síntese, os superestrelas da carne, mostra que o jejum deveria ser praticado e ajudaria os cristãos a refrear as paixões e a refrear os impulsos sexuais, como um combate ao pecado e a busca de santidade, uma vez que a defesa da castidade de monge era exercício disciplinar constante. “Toda história requer heróis, e, para o início do cristianismo eles são os ascetas e os mártires” (GOLDHILL, 2007, p. 103). O cristão era chamado a ser mártir e o martírio se tornava exemplo de vida virtuosa revelando a forma mais refinada de transcender a dor. E isso Simeão legou aos cristãos do seu tempo.

Essa forma de vida de martírio era inaceitável para os gregos e romanos, pois para eles “o corpo do cidadão devia ser inviolável” (GOLDHILL, 2007, p. 104), ainda que os escravos fossem submetidos à tortura. O orador clássico, cidadão herói grego, deve ser ereto, altivo e exibicionista. O cristão devia ser simples, modesto desprovido de vaidades. Apropriados dos seus próprios corpos, os cristãos deveriam apenas ser agradáveis a Deus.

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O sexo e a cidade – A carne e o mundo

Em “O sexo e a cidade”, Goldhill (2007) traz considerações acerca dos desejos da carne x cristianismo. O autor ressalta que com o Império Romano, tonando-se cristão, houve uma série de conflitos em relação à sexualidade e os valores cristãos. E esse fato repercute até hoje nas escolhas e formas de vida familiar. Para tanto, sendo o casamento “o alicerce da sociedade”, a concepção que temos dele é, também, a forma como nos percebemos na sociedade (GOLDHILL, 2007). O autor aponta, ainda, que o casamento cristão trazia algumas atitudes, consideradas estranhas, de como se deveria levar a vida, pois teve sua formação contra a cultura greco romana e organizada limitadamente pelo Império Romano.

Paulo recomenda, nas Sagradas Escrituras, que o casamento seja honrado pelos homens e, com isso, traça um conjunto de leis que, em suma, resulta em um tipo de casamento patriarcal, no qual a mulher deve ser subordinada ao homem. Por outro lado, há outro conselho deixado por ele, no qual ele ressalta que o homem deve se comprometer com o celibato e a mulher deveria permanecer virgem e cuidar das coisas do Senhor. Com isso, o casamento fica em segundo plano (GOLDHILL, 2007).

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Nesses parâmetros o autor adverte que: de fato, Paulo recomenda o casamento, mas o faz somente para evitar que aqueles que não conseguem suportar o celibato sejam queimados no inferno por cometerem o pecado do sexo ilícito. É isso que faz do casamento algo “honrado” (GOLDHILL, 2007 p. 107). Nesse ínterim Goldhill (2007), relata a história de duas mulheres que buscaram seguir o conselho de Paulo. Tecla e Maximila são duas mulheres que abriram mão de uma vida matrimonial para viver o celibato.

Tecla era uma jovem que estava noiva e após escutar as pregações de Paulo sobre castidade começa a sentir um novo desejo, o que deixa sua família e o noivo aflitos. Desse modo, Paulo é considerado como alguém que leva as mulheres para um mau caminho e destrói a vida dos casais. Com isso, Paulo é preso. Porém Tecla aumenta, ainda mais sua fé e devoção. Tecla é condenada a morte, porém “ela é sempre salva pelo milagre divino” (GOLDHILL, 2007 p. 108). Dessa forma, “Tecla tornou-se uma santa para a adoração cristã, um modelo para as virgens que evitam o casamento. Ela figura como heroína e inspiração em diversas histórias de vida de muitas moças” (GOLDHILL, 2007, p. 109).

Maximila é uma mulher casada que, ao escutar as palavras de Santo André: “ofereça-se a Deus” (p. 110), converte-se ao cristianismo e começa a fazer orações para que Deus a afaste do próprio marido e a mantenha casta. Dessa forma, para se privar de relações com o marido, ela coloca uma escrava para satisfazê-lo, sem que ele saiba. Porém, ao descobrir ele fica arrasado por ter sido enganado por ela. Maximila, então, confessa seu amor pelo Divino e deixa seu marido para se dedicar às obras de Deus (GOLDHILL, 2007).

E assim, Goldhill (2007), afirma que o cristianismo gera um declínio social, pois as pessoas deixam de viver muitas coisas por causa do Divino, impedido, dessa forma, a continuidade de uma família. Com isso, o autor acredita que: “o cristianismo requer um compromisso individual ‘com o mundo por vir’ – um sendo radicalmente diferente de futuro” (GOLDHILL, 2007 p. 110). 

Virgindade, Celibato ou Casamento?

Durante a Idade Média, quando o Cristianismo se instaura na Europa, as mulheres deveriam fazer a escolha entre o celibato ou o casamento. O celibato trazia grandes honras para a família, as “virgens de Deus” ou “noivas de Cristo” dedicavam sua vida a uma eterna virgindade, se dedicavam à igreja e a Deus. A virgindade era exaltada, a igreja considerava o desejo e a sexualidade como pecados, fontes de fraqueza humana.

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De acordo com Goldhill (2007) a reclusão, jejum e orações constantes eram necessárias como suportes contra a fraqueza. A mulher podia demonstrar sua fé e devoção na igreja e no lar por meio de uma dedicada virgindade, a mulher que optava por esse estilo de vida deveria se afastar do modo de vida convencional por vontade própria, sendo veneradas pela igreja. O casamento era considerado honrado contanto que um homem e uma mulher mantivesse relações sexuais com seus cônjuges e após o casamento, se não seria perversão. O divórcio e a oportunidade de um novo casamento era condenado pela sociedade, o sexo associado à culpa e à sujeira.

Por muito tempo foi discutido questões sobre virgindade, santidade, sexo e casamento, sendo temas polêmicos até os dia atuais, sendo que, muitas das incertezas sexuais vivida pela sociedade atual provêm do que foi imposto pela igreja católica, uma vez que o compromisso com valores tradicionais não avaliam a própria historia. A crise ainda compartilhada pelo corpo social moderno ocorre, pois todos participam das discussões sobre como deve funcionar um casamento, relações sexuais extraconjugais, relações sexuais com múltiplos parceiros e relações homossexuais são ditas como erradas. Entretanto, não cabe a sociedade como um todo, formular uma resposta. Goldhill (2007, p.116) cita que:

(…) está claro que sem uma compreensão histórica de como esses temas se tornaram as questões que hoje preocupam o Ocidente Moderno, qualquer resposta que dermos a essas perguntas será superficial. Se quisermos entender as tensões com as quais o casamento moderno se debate, precisamos compreender que a “tradição” é uma longa história de revolução, conflito e mudança, uma história que produz tais tensões.

O que é Atenas para Jerusalém?

Os valores humanos podem ter criado sua própria crença através da derrubada dos valores cristãos, mas foi muito difícil tirar os valores cristãos das mentes e dos corações dos cidadãos do Império Romano do que o planejado. Os cristãos continuaram vivendo dentro de sua cultura por mais que fosse combatida e assimilaram rotineiramente as ideias e o raciocínio do mundo grego-romano que os rodeava (GOLDHILL, 2007).

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Mas o cristianismo também tinha outra maneira de falar. Particularmente nas cidades, homens e mulheres cristãos precisavam manter um diálogo com os gregos e romanos entre os quais viviam e os homens e mulheres cristãos mal podiam evitar serem influenciados pela cultura que os circundava, mesmo que tivessem a intenção de rejeitá-la (GOLDHILL, 2007, p.118). A imagem de Jesus, não importa o quanto era importante para os cristãos, também foi incorporado aos modelos da sociedade grega e romana (GOLDHILL, 2007).

Filósofos e homens santos

Goldhill (2007), sugere a existência de um diálogo entre a filosofia e a cultura greco-romana, que se evidencia historicamente nas características da interação social. No cristianismo e na cultura greco-romana, homens se tornaram santos e heróis culturais, conhecidos como mártires e sábios. Caracterizados pela abdicação dos bens materiais, luxos, prazeres, optavam por uma vida de sacrifício, abstinência, jejuns, utilizando somente o necessário para vida. O autor cita Diógenes, um filósofo cínico, que optou por se desfazer de tudo, mantendo “apenas uma tanga e uma tigela- e quando viu um jovem pastor beber água de um rio usando apenas as mãos, jogou fora também a tigela” (GOLDHILL, 2007, p.123).

Jesus, a figura de fundamental importância para o cristianismo, também foi assimilada as características da sociedade grega e romana. De forma semelhante, o cristianismo recebeu influências filosóficas, pois a filosofia orientava para uma vida espiritualizada e de autorreflexão.

O poder dessa imagem do antigo filósofo é ainda hoje fortemente sentido. Uma avaliação serena, e a rejeição do tumulto da ambição, da cobiça e da avareza são como um negativo fotográfico da imagem da sociedade moderna apresentada pelos jornais, pelos filmes, pela televisão. Era um estilo de vida que foi facilmente incorporado ao desejo cristão por uma existência mais elevada, contrária ao Império deste mundo (GOLDHILL, 2007, p.125).

Assim, o cristianismo se desenvolve tanto por meio da rejeição como da negociação com a cultura grega e romana. E a cultura ocidental moderna se forma por essa mescla de tradições. Mesmo vivendo em uma sociedade moderna é impossível não dar uma grande importância para a religião, pois a mesma traz grande influência para o nosso dia a dia querendo ou não ao longo da nossa construção como ser humano carregamos princípios da religião e todos nossos clichês do certo ou errado e estilo de vida traz um pouco de algo que aprendemos através da nossa cultura religiosa. Até mesmo se somos desacreditados da religião temos que reconhecer que em tudo tem algo da Bíblia e que essa cultura religiosa está presente. Enfim, todos nós temos uma história cristã clássica dentro de nós.

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Segundo Goldhill (2007, p.94) “Devemos também reconhecer e não distanciar a civilização cristã como estudo do clássico”. O qual seu estabelecimento ocorreu durante o Império Romano não diferenciando assim o estudo do clássico e o estudo do período inicial da igreja sabendo assim que o Império Romano de tornou cristão, mas o cristianismo por sua vez tomou a forma do Império Romano.

O cristianismo tem grande envolvimento com a cultura grega tendo grandes influências da mesma. Porque o veículo para o transição de ensinamentos da Bíblia é a língua grega por isso podemos afirmar que a civilização ocidental não é apenas judaico-cristã, mas sim uma civilização grego-judaica – cristã (MURACHO, 2002, p.10). Não podemos esquecer as raízes do cristianismo e assim reconhecer que a tradição religiosa presente no ocidente se formou no mundo clássico. Se deixarmos toda essa cultura para trás seremos apenas turistas, e o importante é vivê-la.

REFERÊNCIAS:

GOLDHILL, Simon. Amor, sexo e tragédia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

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Jovem & Bela: a descoberta da sexualidade e a vida que extrapola os rótulos

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Após perder a virgindade nas férias de verão, a jovem Isabelle (Marine Vacth) inicia uma vida dupla, prostituindo-se sem que ninguém à sua volta desconfie. Desde a primeira cena do filme, é hipnotizante a beleza da protagonista do longa francês, e, com o decorrer da história de Jovem & Bela, o espectador é enlaçado por sua intrigante e curiosa personalidade, que mais parece uma esfinge enigmática que, presume-se, a qualquer momento quer devorar quem desafia suas ações.

Muitas das críticas que se observa sobre o filme focaram na curiosidade sexual da jovem e sua aparente incoerência dos atos com o ambiente em que ela vive. Desde o início é ressaltado a boa condição financeira e a união familiar como barreiras para qualquer tipo de ação marginal ou, no outro extremo, o vazio de significado que o sexo adquiriu na sociedade contemporânea, principalmente entre os jovens – aqui vislumbrado por alguns como uma fuga da melancolia da vida. Sem desmerecer tais perspectivas, acredito que François Ozon, diretor e roteirista do longa, julga menos o sexo e mais a cultura masculina dominante.

Isabelle traz no rosto os traços delicados de um anjo e seu comportamento contido e polido só esconde um espírito perspicaz e curioso. Em nenhum momento há uma expressão do que se julgaria imoral ou muito menos algo que forneça informações sobre seus desejos, bem diferente da protagonista em Ninfomaníaca, polêmico filme de Lars Von Trier. A cena no qual ela, na praia, se certifica do seu isolamento para fazer topless parece exemplificar o caráter de Isabelle – seus pensamentos e seu corpo não são e não devem ser públicos. Entre essa dicotomia e o relacionamento familiar esboçado, o incômodo que ficou ao final do filme foi: qualquer um(a) pode ser “puta”!  A mais antiga profissão, como dizem, pode ser exercida por sua irmã, mãe, tia. Se a única pergunta que martelar na cabeça do telespectador é “por quê?”, se entra num discurso infinito moralista com poucas e limitadas respostas; para ampliar a discussão, principalmente em uma obra de ficção, tem que se fazer um questionamento tão intrigante quanto o filme propõe: – Por que não?

Em perspectiva, o choque se dá por dois motivos: o personagem é feminino e se prostitui. Agora, tire o foco de Isabelle e coloque as mesmas experiências em Viktor, seu irmão caçula, igualmente jovem e belo e até poderíamos ter duas faces da mesma moeda, mas em uma sociedade machista a história não é bem assim. Ozon delineia isso ao filmar a masturbação feminina e masculina, as primeiras aventuras sexuais dos dois irmãos, ambos expostos pela perspectiva masculina, encarados com espanto no primeiro e com normalidade no segundo. Exemplo de uma sociedade patriarcal que dá o poder de dominar e exercer o domínio sobre o seu sexo e do outro, definindo papeis com regras pré-estabelecidas desde o momento que o pai e mãe descobrem o gênero da criança que vai nascer. Está arraigado os papeis esperados por cada um, sem indagações ou restrições e Isabelle parece perceber isso e busca ir além da compreensão racional.

Não se sabe se foi a experiência de ver a separação dos pais ou perceber antecipadamente as pressões que existem sobre o gênero feminino um possível estopim de seus atos, talvez a simples percepção das restrições absurdas sobre seu sexo, proibindo-lhe de utilizá-lo sem rótulos, a tenha desafiado ir contra eles. E o primeiro adjetivo a cair é o de virgem; sua primeira experiência sexual é seca, física, sem qualquer emoção envolvida, a experiência pela experiência, resumindo, masculinizada.  Isabelle salta todo o drama e pressão que a cultura designa ao gênero feminino, de um prazer obrigatoriamente relacionado a ligações sentimentais, como sua melhor amiga retrata. Ao homem permite-se o sexo pelo simples prazer do ato, à mulher o prazer sexual deve vir imbuído de paixão e entrega, caso contrário, se ela quiser o gozo no mesmo patamar físico que o homem consegue só restará um rótulo para ela, o de prostituta.

No entanto, a escolha da prostituição não surge como um grito de revolta e sim de poder. Infelizmente nossa cultura não ensina e muito menos acolhe mulheres que busquem seu prazer, e, na minha leitura do filme, Isabelle sabe disso. Prostituir-se para ela é exercer o poder de tudo que a natureza lhe deu ao ser fêmea; cobrar por isso seria uma busca de balancear um jogo de regras e valores. A ilusão é daquele que se acha dominador, mas em um contexto onde não há viés para abusos sociais, Isabelle é quem dita às regras, seu corpo tem um preço e um tempo delimitado para uso. Se existe um vazio pós-coito, todos são expressos pelos frustrados homens que passam por usas mãos: o casado infiel, o fetichista e o senhor, que no fim da vida, se apaixona pelo alvorecer da sua juventude. Cobrar é uma forma de a protagonista sentir e mostrar quem tem poder, apesar de a prostituição ser uma linha tênue para isso, porém o fato só coloca em perspectiva quem é que dita as regras.

O resultado, sutil, é aquela que só a ação além da inércia pode proporcionar àqueles que ousam além dos papeis sociais impostos. A primeira está no sepultamento da imagem materna: Isabelle é uma desconhecida para a mãe, no entanto, a jovem parece enxergar os pensamentos da progenitora, algo que causa espanto na mesma. Já para o namorado de Isabelle, ela é uma incógnita. No seu desespero de macho, não há meios de surpreender uma pessoa, na cama ou fora dela, que sabe tudo sobre como manipular os corpos e os sentidos. O embate final, entre Isabelle e uma das mulheres traídas, não aponta culpados, mas um vencedor.

No fim, François Ozon criou um filme sobre a descoberta da sexualidade e dos prazeres e dissabores da vida do que convencionamos chamar de jovem-adulto. Ao contrário dos diversos filmes juvenis com experiências transbordando drama e paixão, onde suas vidas são folhas soltas no rio do destino, em Jovem & Bela temos uma adolescente que decide ter a razão no comando. Cobaia de suas próprias experiências ela aprende, com o racionalismo de xadrezista, como funciona sua mente e, principalmente, a do outro. E isso tem um preço que não é moralista e sim, receoso. Ao ter seus atos descobertos, todos à sua volta ficam com medo, medo este que pode envolver o telespectador ao final, que procura respostas e não encontra… e não vai encontrar enquanto estiverem perguntando-se: por quê?

 

FICHA TÉCNICA

JOVEM & BELA

Título Original: Jeune & Jolie
Direção & Roteiro: François Ozon
Elenco: Marine Vacth, Géraldine Pailhas, Frédéric Pierrot, Fantin Ravat, Johan Leysen, Charlotte Rampling, Nathalie Richard
Produção: Eric & Nicolas Altmayer
Fotografia: Pascal Marti
Ano: 2013

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As Virgens suicidas: juventude sufocada por escolhas que não são suas

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Na primeira cena do filme As Virgens Suicidas a câmera passeia por uma rua comum a qualquer cidade dos EUA.  Belas casas, com jardins bem cuidados e árvores frondosas na frente – uma representação banal do modelo familiar americano. Há uma tranquilidade presente no cenário, uma paz constante onde todos são intérpretes desta felicidade idílica. A câmera para diante de uma das casas, não é qualquer uma, nela reside os Lisbons.

E, como o título sugere e o narrador informa logo no início da trama, foram ali que as irmãs Lux (Kirsten Dusnt), Mary (A.J. Cook), Cecilia (Hanna Hall), Therese (Leslie Hayman) e Bonnie Lisbon (Chelsea Swain) tiraram a própria vida em menos de um ano. Numa paisagem de tanta perfeição, vislumbraremos suas rachaduras.

Apaixonado pelas vizinhas da frente, Tim (Jonathan Tucker) tenta, junto com um grupo de amigos, decifrar o grande mistério por trás da trágica morte das garotas. Onde foi que tudo começou? Por que elas fizeram isso? Existem culpados? Mas, como toda tragédia, existem mais perguntas do que respostas. Sofia Coppola além de inserir uma aura de mistério em torno dos Lisbons, também parece querer pincelar tudo com toques de uma tragédia grega.

As irmãs quando surgem, passeiam languidas e etéreas, ninfas aquém do mundo e dos simples mortais que a cercam. É fácil entender e logo compartilhar da fixação dos jovens pelas meninas; as adolescentes são filmadas com um mistério nos gestos, nos sorrisos acompanhados de um olhar que parecem não fixar em nada e sim trespassar.

Há uma sensualidade natural e ingênua permeando suas personalidades intrigantes. São seres incomuns para a época, crianças adentrando à força o bosque escuro e desconhecido dos adultos. Infelizmente, os pais não enxergam isso, percebem que mudanças estão ocorrendo (mas no exterior).

O perigo está fora, então é melhor manter todos seguros dentro dos muros do lar. Inconscientes que a mudança real é interior, de dentro para fora. Em uma metáfora, seria como a virgem da caverna e o dragão fossem a mesma pessoa. A virgem se sacrifica para o monstro. Devorada por ele, não deixa de existir, mas simplesmente faz parte dele. Os cavaleiros, que seriam os pais, pensam estar guerreando contra o mal, defendendo os fracos, quando, sem saber, não estão defendendo as filhas do mal e sim guerreando contra elas.

As Virgens Suicidas é um retrato amargo de uma juventude sufocada por escolhas que não são suas. Como a história se passa na década de 1970, o adolescente é um personagem novo na composição familiar; o que ele pensa, o que quer ainda é uma novidade, e por essa invisibilidade não são ouvidos. Antes, só tinham que seguir os sonhos e planos dos pais, modelos prontos para serem copiados. A depressão ainda não é uma palavra corrente, e muito menos reconhecida pela sociedade. Assim, Sofia Coppola praticamente cria uma ode a esta doença que permeia não só aos jovens, mais adultos, velhos e até crianças no século XXI. E tudo em As Virgens Suicidas é melancólico, é poético, é sensual porque a juventude remete a tudo isso; Ícaros prontos para queimar suas asas em desobediência aos pais, com o único objetivo: a liberdade e os sonhos, o desejo de fugir a regra, buscar a plenitude de ser único.

Este foi o primeiro filme da americana Sofia Coppola, antes disso carregou por um longo tempo o peso das críticas negativas por sua participação como atriz no filme O Poderoso Chefão III (The Godfather: Part III), em 1990. E ser filha de um dos mais importantes diretores de Hollywood criou uma grande rejeição a sua primeira incursão importante à frente das telas, justificando sua presença em uma produção tão importante mais por nepotismo do que talento. Mas, por esses acasos do destino, se não fosse este contratempo talvez nunca conhecêssemos a verdadeira Sofia, que, quando atrás das câmeras, demonstra segurança e sensibilidade únicas, a ponto de se distanciar do estilo de seu pai.

No seu primeiro filme, Sofia já traz na sua estrutura vários aspectos que seriam freqüentes em sua filmografia: a introspecção, a inércia da vida, a solidão e o contraponto, a diferença que o outro pode fazer nas vidas dos seus personagens solitários.

Como a poesia de Carlos Drummond de Andrade, para Sofia não importa o caminho e sim a pedra que impede o trajeto, ela tem a escolha de seguir por algum meio ou parar e desistir. Em As Virgens Suicidas, infelizmente as Lisbons escolhem a última alternativa.

 

FICHA TÉCNICA

 

AS VIRGENS SUICIDAS

Título Original: The Virgin Suicides
Gênero: Drama
Direção e Roteiro: Sofia Coppola
Elenco: A.J. Cook, Anthony DeSimone, Chelsea Swain, Danny De Vito, Giovanni Ribisi, Hanna Hall, Hayden Christensen, James Woods, Jonathan Tucker, Josh Harnett, Kathleen Turner, Kirsten Dunst, Leslie Hayman, Michael Paré, Scott Glenn
Produção: Chris Hanley, Dan Halsted, Francis Ford Coppola, Julie Costanzo
Fotografia: Edward Lachman
Ano:1999

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