Amor, Sexo e Tragédia: somos mesmo originais?

A forma como o Estilita Simeão viveu, em austeras penitências corporais, retrata a vida dos anacoretas de sua época. Seu biógrafo conta-nos que seus atos de sacrifício, eram de castigar seu próprio corpo, com um desejo de assemelhar-se à paixão de Cristo. Dava-se ao jejum de alimentos e água e se expunha ao calor, e ao frio exposto a “uma coluna de pouco mais de 18 metros em vigília continua; uma imagem viva do Cristo crucificado” (GOLDHILL, 2007, p. 97).

Ainda de acordo com seu biógrafo as torturas vividas por Simeão eram uma forma de chamar a atenção do mundo, despertando-o para existência de Deus. O mosteiro onde Simeão morava era cercado de pessoas que viam nele um homem santo e todos o admiravam e gostavam de ouvi-lo. “Por vezes ele realizava papel de juiz especial diante de alguma disputa” (GOLDHILL, 2007, p. 98).

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Simeão vivenciou um êxtase espiritual profundamente marcado pelo amor a Deus. Deu-se aos sacrifícios corporais até sua morte e ainda que seu corpo se esvanecesse pelas torturas, sentia-se fortalecido pela presença de Deus.

Simeão faleceu no ano 459. Ele foi uma superestrela no rol dos homens santos, todos grandes sofredores pela qual a Síria era especialmente famosa. Esses santos representavam o pináculo da nova atitude cristã relacionada ao corpo (GOLDHILL, 2007, p. 99).

Pregou e viveu um cristianismo que era contrário à cultura clássica. Para ele, ser cristão era ser capaz de penitências, asceses e renúncias; viver a negação dos laços sociais e dos prazeres que este oferece. E o monge deve retirar-se para o deserto, orar sozinho e viver em austeras penitências e jejuns. “Uma maneira dos cristãos mostrarem publicamente a sua crença era a recusa de participar de sacrifícios. Por vontade própria eles excluíam-se obstinadamente da comunidade” (GOLDHILL, 2007, p. 100). Alimentar-se para Simeão era algo confortável, de certa forma até de luxo, pois a sociedade do seu tempo vivia em penúria e até passavam fome.

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Para o pensamento grego um cidadão clássico tinha que trazer em si característica “de soldado, orador, homem do bem” (GOLDHILL, 2007, p. 100), versado em filosofia, e dado aos prazeres e alimentação farta. “Comer bem significava o triunfo da civilização, uma combinação do trabalho árduo do lavrador e da graça dos deuses” (GOLDHILL, 2007, p. 101). Porém os cristãos se contrapunham a essa realidade e se retiravam ao deserto para se desafiarem nessa civilização. “O calendário do cristão comum podia se alternar entre o jejum e o banquete, Quaresma e Páscoa” (GOLDHILL, 2007, p. 101).

Em síntese, os superestrelas da carne, mostra que o jejum deveria ser praticado e ajudaria os cristãos a refrear as paixões e a refrear os impulsos sexuais, como um combate ao pecado e a busca de santidade, uma vez que a defesa da castidade de monge era exercício disciplinar constante. “Toda história requer heróis, e, para o início do cristianismo eles são os ascetas e os mártires” (GOLDHILL, 2007, p. 103). O cristão era chamado a ser mártir e o martírio se tornava exemplo de vida virtuosa revelando a forma mais refinada de transcender a dor. E isso Simeão legou aos cristãos do seu tempo.

Essa forma de vida de martírio era inaceitável para os gregos e romanos, pois para eles “o corpo do cidadão devia ser inviolável” (GOLDHILL, 2007, p. 104), ainda que os escravos fossem submetidos à tortura. O orador clássico, cidadão herói grego, deve ser ereto, altivo e exibicionista. O cristão devia ser simples, modesto desprovido de vaidades. Apropriados dos seus próprios corpos, os cristãos deveriam apenas ser agradáveis a Deus.

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O sexo e a cidade – A carne e o mundo

Em “O sexo e a cidade”, Goldhill (2007) traz considerações acerca dos desejos da carne x cristianismo. O autor ressalta que com o Império Romano, tonando-se cristão, houve uma série de conflitos em relação à sexualidade e os valores cristãos. E esse fato repercute até hoje nas escolhas e formas de vida familiar. Para tanto, sendo o casamento “o alicerce da sociedade”, a concepção que temos dele é, também, a forma como nos percebemos na sociedade (GOLDHILL, 2007). O autor aponta, ainda, que o casamento cristão trazia algumas atitudes, consideradas estranhas, de como se deveria levar a vida, pois teve sua formação contra a cultura greco romana e organizada limitadamente pelo Império Romano.

Paulo recomenda, nas Sagradas Escrituras, que o casamento seja honrado pelos homens e, com isso, traça um conjunto de leis que, em suma, resulta em um tipo de casamento patriarcal, no qual a mulher deve ser subordinada ao homem. Por outro lado, há outro conselho deixado por ele, no qual ele ressalta que o homem deve se comprometer com o celibato e a mulher deveria permanecer virgem e cuidar das coisas do Senhor. Com isso, o casamento fica em segundo plano (GOLDHILL, 2007).

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Nesses parâmetros o autor adverte que: de fato, Paulo recomenda o casamento, mas o faz somente para evitar que aqueles que não conseguem suportar o celibato sejam queimados no inferno por cometerem o pecado do sexo ilícito. É isso que faz do casamento algo “honrado” (GOLDHILL, 2007 p. 107). Nesse ínterim Goldhill (2007), relata a história de duas mulheres que buscaram seguir o conselho de Paulo. Tecla e Maximila são duas mulheres que abriram mão de uma vida matrimonial para viver o celibato.

Tecla era uma jovem que estava noiva e após escutar as pregações de Paulo sobre castidade começa a sentir um novo desejo, o que deixa sua família e o noivo aflitos. Desse modo, Paulo é considerado como alguém que leva as mulheres para um mau caminho e destrói a vida dos casais. Com isso, Paulo é preso. Porém Tecla aumenta, ainda mais sua fé e devoção. Tecla é condenada a morte, porém “ela é sempre salva pelo milagre divino” (GOLDHILL, 2007 p. 108). Dessa forma, “Tecla tornou-se uma santa para a adoração cristã, um modelo para as virgens que evitam o casamento. Ela figura como heroína e inspiração em diversas histórias de vida de muitas moças” (GOLDHILL, 2007, p. 109).

Maximila é uma mulher casada que, ao escutar as palavras de Santo André: “ofereça-se a Deus” (p. 110), converte-se ao cristianismo e começa a fazer orações para que Deus a afaste do próprio marido e a mantenha casta. Dessa forma, para se privar de relações com o marido, ela coloca uma escrava para satisfazê-lo, sem que ele saiba. Porém, ao descobrir ele fica arrasado por ter sido enganado por ela. Maximila, então, confessa seu amor pelo Divino e deixa seu marido para se dedicar às obras de Deus (GOLDHILL, 2007).

E assim, Goldhill (2007), afirma que o cristianismo gera um declínio social, pois as pessoas deixam de viver muitas coisas por causa do Divino, impedido, dessa forma, a continuidade de uma família. Com isso, o autor acredita que: “o cristianismo requer um compromisso individual ‘com o mundo por vir’ – um sendo radicalmente diferente de futuro” (GOLDHILL, 2007 p. 110). 

Virgindade, Celibato ou Casamento?

Durante a Idade Média, quando o Cristianismo se instaura na Europa, as mulheres deveriam fazer a escolha entre o celibato ou o casamento. O celibato trazia grandes honras para a família, as “virgens de Deus” ou “noivas de Cristo” dedicavam sua vida a uma eterna virgindade, se dedicavam à igreja e a Deus. A virgindade era exaltada, a igreja considerava o desejo e a sexualidade como pecados, fontes de fraqueza humana.

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De acordo com Goldhill (2007) a reclusão, jejum e orações constantes eram necessárias como suportes contra a fraqueza. A mulher podia demonstrar sua fé e devoção na igreja e no lar por meio de uma dedicada virgindade, a mulher que optava por esse estilo de vida deveria se afastar do modo de vida convencional por vontade própria, sendo veneradas pela igreja. O casamento era considerado honrado contanto que um homem e uma mulher mantivesse relações sexuais com seus cônjuges e após o casamento, se não seria perversão. O divórcio e a oportunidade de um novo casamento era condenado pela sociedade, o sexo associado à culpa e à sujeira.

Por muito tempo foi discutido questões sobre virgindade, santidade, sexo e casamento, sendo temas polêmicos até os dia atuais, sendo que, muitas das incertezas sexuais vivida pela sociedade atual provêm do que foi imposto pela igreja católica, uma vez que o compromisso com valores tradicionais não avaliam a própria historia. A crise ainda compartilhada pelo corpo social moderno ocorre, pois todos participam das discussões sobre como deve funcionar um casamento, relações sexuais extraconjugais, relações sexuais com múltiplos parceiros e relações homossexuais são ditas como erradas. Entretanto, não cabe a sociedade como um todo, formular uma resposta. Goldhill (2007, p.116) cita que:

(…) está claro que sem uma compreensão histórica de como esses temas se tornaram as questões que hoje preocupam o Ocidente Moderno, qualquer resposta que dermos a essas perguntas será superficial. Se quisermos entender as tensões com as quais o casamento moderno se debate, precisamos compreender que a “tradição” é uma longa história de revolução, conflito e mudança, uma história que produz tais tensões.

O que é Atenas para Jerusalém?

Os valores humanos podem ter criado sua própria crença através da derrubada dos valores cristãos, mas foi muito difícil tirar os valores cristãos das mentes e dos corações dos cidadãos do Império Romano do que o planejado. Os cristãos continuaram vivendo dentro de sua cultura por mais que fosse combatida e assimilaram rotineiramente as ideias e o raciocínio do mundo grego-romano que os rodeava (GOLDHILL, 2007).

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Mas o cristianismo também tinha outra maneira de falar. Particularmente nas cidades, homens e mulheres cristãos precisavam manter um diálogo com os gregos e romanos entre os quais viviam e os homens e mulheres cristãos mal podiam evitar serem influenciados pela cultura que os circundava, mesmo que tivessem a intenção de rejeitá-la (GOLDHILL, 2007, p.118). A imagem de Jesus, não importa o quanto era importante para os cristãos, também foi incorporado aos modelos da sociedade grega e romana (GOLDHILL, 2007).

Filósofos e homens santos

Goldhill (2007), sugere a existência de um diálogo entre a filosofia e a cultura greco-romana, que se evidencia historicamente nas características da interação social. No cristianismo e na cultura greco-romana, homens se tornaram santos e heróis culturais, conhecidos como mártires e sábios. Caracterizados pela abdicação dos bens materiais, luxos, prazeres, optavam por uma vida de sacrifício, abstinência, jejuns, utilizando somente o necessário para vida. O autor cita Diógenes, um filósofo cínico, que optou por se desfazer de tudo, mantendo “apenas uma tanga e uma tigela- e quando viu um jovem pastor beber água de um rio usando apenas as mãos, jogou fora também a tigela” (GOLDHILL, 2007, p.123).

Jesus, a figura de fundamental importância para o cristianismo, também foi assimilada as características da sociedade grega e romana. De forma semelhante, o cristianismo recebeu influências filosóficas, pois a filosofia orientava para uma vida espiritualizada e de autorreflexão.

O poder dessa imagem do antigo filósofo é ainda hoje fortemente sentido. Uma avaliação serena, e a rejeição do tumulto da ambição, da cobiça e da avareza são como um negativo fotográfico da imagem da sociedade moderna apresentada pelos jornais, pelos filmes, pela televisão. Era um estilo de vida que foi facilmente incorporado ao desejo cristão por uma existência mais elevada, contrária ao Império deste mundo (GOLDHILL, 2007, p.125).

Assim, o cristianismo se desenvolve tanto por meio da rejeição como da negociação com a cultura grega e romana. E a cultura ocidental moderna se forma por essa mescla de tradições. Mesmo vivendo em uma sociedade moderna é impossível não dar uma grande importância para a religião, pois a mesma traz grande influência para o nosso dia a dia querendo ou não ao longo da nossa construção como ser humano carregamos princípios da religião e todos nossos clichês do certo ou errado e estilo de vida traz um pouco de algo que aprendemos através da nossa cultura religiosa. Até mesmo se somos desacreditados da religião temos que reconhecer que em tudo tem algo da Bíblia e que essa cultura religiosa está presente. Enfim, todos nós temos uma história cristã clássica dentro de nós.

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Segundo Goldhill (2007, p.94) “Devemos também reconhecer e não distanciar a civilização cristã como estudo do clássico”. O qual seu estabelecimento ocorreu durante o Império Romano não diferenciando assim o estudo do clássico e o estudo do período inicial da igreja sabendo assim que o Império Romano de tornou cristão, mas o cristianismo por sua vez tomou a forma do Império Romano.

O cristianismo tem grande envolvimento com a cultura grega tendo grandes influências da mesma. Porque o veículo para o transição de ensinamentos da Bíblia é a língua grega por isso podemos afirmar que a civilização ocidental não é apenas judaico-cristã, mas sim uma civilização grego-judaica – cristã (MURACHO, 2002, p.10). Não podemos esquecer as raízes do cristianismo e assim reconhecer que a tradição religiosa presente no ocidente se formou no mundo clássico. Se deixarmos toda essa cultura para trás seremos apenas turistas, e o importante é vivê-la.

REFERÊNCIAS:

GOLDHILL, Simon. Amor, sexo e tragédia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.