“E a vida continua…” Experiências de luto e viuvez…

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Sim, eu aceito. A partir de o momento em que o matrimônio é consumado, o casal aceita viver em boas ou ruins condições, aceita passar juntos, por toda e qualquer dificuldade, se prepara para um caminho seguido a dois e se espelha em atitudes que devem ser modificadas e mantidas, durante toda uma vida planejada com base no amor. A questão é que este planejamento gira em torno de pessoas que esperam uma possível separação, se preparam para as dificuldades que sempre surgem e trazem desconforto para o casal, pensam em filhos, nos problemas de saúde, nas traições, viagens, bodas, mas ninguém se prepara para a morte.

 

Viúvo ou viúva, esta parte do casal agora, passa a viver sozinha. Algumas vezes sem realizar muitos dos planos pensados juntos, sem dizer o que deixou para depois, sem comer aquilo que pensavam em comer juntos, ou sem conhecer aquele lugar que sempre esteve nos planos de viagem, sem contar aquela novidade e mesmo assim, deve de alguma forma, deixar de viver e planejar uma “vida a dois”.

Com quatro filhos adultos, a dona de casa, Divina Ferreira, de 62 anos, perdeu o esposo que sofria de arritmia cardíaca durante uma cirurgia no coração, realizada em dezembro de 2014. Ela conta que desde muito jovem, aprendeu a viver, dividindo tarefas e pensando em uma rotina com o marido, Angelo Sales Redondo que faleceu com 63 anos. “Perdi o chão! Nós nunca esperamos uma notícia dessas dentro de casa. Meu marido era um homem forte e trabalhador rural, tinha poucas dores, mas com o tempo, o coração dele passou a nos mostrar sintomas mais graves, prejudicando todo o corpo e até as atividades diárias, mesmo assim, estávamos todos tranquilos, pelo fato dele não apresentar sedentarismo ou fraqueza. Na cirurgia que deveria ser feita para acabar com todos estes problemas, ele sofreu hemorragia interna e veio a falecer”, conta Divina.

A dona de casa explica que para a família é um sofrimento que fica marcado, mas para o companheiro ou a companheira que vive o dia inteiro, que conhece as manias, a rotina, as ideias e os objetivos, o sofrimento não é passageiro, mesmo pensando diariamente que sim, a vida continua. Divina diz que com a presença de familiares e de amigos, aos poucos ela supera a perda e tenta manter o esposo em recordações boas que segundo ela, ficarão para sempre, mesmo que os planejamentos daqui para frente, sejam diferentes.

 

 

A psicóloga Clarissa de Franco fala sobre a importância do convívio com as demais pessoas, durante o luto. “Na verdade, podemos e devemos partilhar sentimentos e pensamentos, mas existe algo muito particular no modo como cada um vive esse momento. Essas circunstâncias de isolamento podem ser realmente necessárias, já que são possibilidades da pessoa entrar em contato com seus sentimentos. Entretanto, estes momentos devem ser alternados com horas de partilha, até para que a pessoa em luto não perca a referência sobre quem ela é. O luto pode ser tão violento que podem existir momentos de despersonalização, beirando à loucura. E a família e os amigos, por exemplo, trazem referências, ligando a pessoa ao seu mundo e à sua identidade”, destaca a psicóloga.

Clarissa ressalta ainda que é importante reconhecer-se no outro, mesmo que só por um instante. Para trazer conforto a quem sofreu uma perda muito grande, estar perto já é algo importante, respeitando também os momentos em que a pessoa quer estar sozinha. Além disso, são bacanas pequenos gestos de carinho, alguns convites que lembrem a pessoa que ela tem possibilidades de vida a seu dispor.

 

Fonte: Personare

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O Sol de Luiza

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Era o início da tarde, logo no pingo de uma hora, quando o sol tinia na rodagem do povoado Baichão Grande, quando a menina Luiza calça sua chinela com o cabresto costurado, pelas repetidas vezes em que o danado insistia em quebrar, mas a Velha Doca com sua astúcia manual, sempre boa de remendo, fazia a velha e surrada chinela prorrogar o seu batido uso, para tristeza da sonhadora Luiza, no alto de seus seis anos.

– Ande Luiza! Deixe de moleza, a labuta no cocal nos espera – se apresse menina!

Luiza sem poder fugir de sua incumbência, tratava logo de atender ao chamado de sua avó, pois com ela não se cozinha o galo, o passar da hora é rápido.

Assim, Luiza parte na gigante estrada, que a deixava com a visão trêmula, escaldada pelo arder do sol, que cozinhava sua cabeça, escorrendo fileiras de gota de suor pelo seu rosto, enquanto sua avó avançava no caminho, com a pequena cabaça d’água a tiracolo, tocando o velho jumento, com suas indumentárias, próprias para a execução da tarefa de todo dia: uma cangalha e dois jacas de taboca, além do cofo e um amolado facão. Assim, no cambalear de suas patas, parecia sentir na pele o que Luiza procurava não demonstrar, pois a Velha Doca era a sua avó forte e valente, qualidades que ela também almeja. Não sabendo o jumento, o que lhe aguardava, o limiar da empreitada daquele dia, assim, iam engolindo caminho, levados pela força remendadora da Velha Doca.

A missão de catar coco no Baichão – exigia que fosse feita naquela hora, depois do pingo do meio dia, hora da sesta do Seu Gonçalo, um rico fazendeiro, de muitas terras, dono de uma D-10, que estava sempre limpa. Suas terras eram cercadas, e por trás dessas cercas tinha muito coco, amêndoa de muitas utilidades por aqui. Enquanto que na terra da Velha Doca, tinha mesmo, era muita areia, escaldada do sol, herança do seu falecido marido, o que lhe restou, depois de muitas questões na divisão dos bens com o outro herdeiro, que contam as línguas, foi muito esperto no espólio.

Entrar na fazenda de Seu Gonçalo, para catar coco, exigia fazer isso, às escondidas, porque Seu Gonçalo, embora não precisasse usufruir dos cocos, não aceitava que os precisados os aproveitassem, porque quem manda é quem tem. Mas a Velha Doca por precisão – sujeitava-se àquela tarefa, que fugia aos seus princípios, fato esse que não fora esclarecido à menina Luiza, o que a fazia encher a velha de questionamentos, próprio daquela idade, coisa que a velha encerrava logo.

 – Menina! Sossega, e caminha logo, que o sol tá quente.

Dessa ação, que não bem vista pela Velha Doca, dela dependia para o sustento de sua humilde casa de adobe vermelho e chão de barro, pois além de cozinhar com azeite de coco, fazia sabão e vendia o remanescente para o Seu Raimundo José, rico comerciante da Vila Franca. Da fortuna dessa venda, Luiza sempre tinha a esperança de ganhar um chinelo novo, o que era logo superado pelo pirulito de açúcar queimado, enrolado em papel almaço, com palito de palha de coco, habilmente confeccionado pela D. Ana de Seu Leó.

Mulher por essas bandas – sempre é de algum Dono, quando é solteira é do pai, quando casa, passa a ser conhecida como sendo do marido, quando o marido morre, ganha o título de viúva do finado tal. Com a D. Ana e muitas outras de sua iguala não era diferente.

Quando chegamos à fazenda do Seu Gonçalo, encontramos o primeiro obstáculo, essa forte e imponente cancela, feita de aroeira, madeira resistente dessa região, emoldurada pelo fruto do pensamento de que, manda quem tem,  também meticulosamente, amarrada com uma não menos forte, corrente e um cadeado, mas, para a Velha Doca, o obstáculo era superado logo.

Para a felicidade do seu velho jumento, amarrou-o em uma frondosa sombra de um pé de jatobá dos vaqueiros. Luiza, no entanto, não podia dizer o mesmo, pois a missão ficava cada vez mais difícil, só restava agora, passarem por baixo da cerca de arame farpado, e entrar de mata a dentro, carregando o cofo de palha cheio de coco, travando ai, uma violenta guerra entre o afiado facão e o mato fechado contra a força pungente do braço firme da Velha Doca.

Depois do jacá, encontrar-se pelo meio, o sangue já estava rente nas bochechas de Luiza, mas a missão ainda não estava completa, pois para tanto risco, de ser a Velha Doca pega com a boca na botija e ser desmoralizada na região, desfeita grande para uma velha viúva, tinham que completar o feito.

Quando finalmente, a última cofada vem para completar a bendita carga do jacá, que irá se repetir por muitas vezes, sempre no tinir daquela hora, enquanto não for descoberta nessa estripulia, aparece o que não queríamos imaginar na cena, que faz com que saiam correndo, a perder as pernas, segurando o coração na boca, a ponto de perdê-lo.

 – Corre Luiza!, gritou a Velha Doca. E sem rumo, na ligeireza de suas pequenas pernas, passa pela avó, que nem a velocidade de um relâmpago, fugindo daquela figura, que representava a visão não muito menor que o terror de serem pegas em flagrante delito, por um gigante, com chifres reluzindo, e ventanas ofegantes, já muito conhecido por sua fama de garrote valente de fúria incontrolável, com seus sedentos olhos descomunais, armado para o desfecho, que parecia a própria figura travestida de Seu Gonçalo.

 

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