Natal: a mediação tecnológica da vida

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No episódio quatro da segunda temporada de Black Mirror, temos um especial de natal diferente do que se costuma ver, não espere ver pessoas felizes e sorridentes trocando presentes e cantando jingle-bells. O tema abordado em “Natal” trata de forma surpreendente sobre as consequências da punição por meio das tecnologias avançadas em um tempo futurista.

Em uma residência esquecida em meio à neve encontram-se dois homens confinados há cinco anos, um é Matt e o outro é Potter. Matt está preparando uma refeição para o natal quando Potter entra na cozinha; Matt começa um diálogo com a intenção de melhorar a comunicação entre os dois, pois em cinco anos residindo na mesma casa eles trocaram poucas frases. Matt para incentivar Potter a falar começa a contar a sua própria história, a história do que ele fez para que estivesse confinado naquele lugar.

Fonte: goo.gl/y9c2mH

Matt começa contando uma atividade do seu dia a dia, onde ele era uma espécie de conselheiro amoroso, que consistia em acompanhar um rapaz com dificuldade de relacionamento a conseguir se aproximar de uma moça. Por meio de uma tecnologia avançada ele conseguia ver e ouvir tudo que o rapaz orientado estava fazendo na festa e ainda dar orientações de como agir.

Matt conta que a sua verdadeira profissão era uma espécie de treinador de inteligência artificial. A tecnologia da qual ele era encarregado de configurar e preparar era uma cópia artificial da consciência de um indivíduo, que era obrigado a trabalhar para o próprio dono da consciência.Essa atividade nos faz refletir sobre o lado negro da tecnologia; é um questionamento angustiante pelo fato de que a consciência manipulada na história sente, pensa e sofre com o processo de confinamento e se vê na obrigação de trabalhar.

Logo após Potter começa a contar a história de como chegou ao confinamento. Potter conta que tudo aconteceu quando ele encontrou um teste de gravidez no lixo da sua casa e foi conversar com a esposa sobre isso. Os dois discutem sobre o assunto e sua esposa diz que não está pronta para ter um bebê. Em seguida sua esposa usa o recurso “bloquear” para não ter mais que discutir com o marido e sai sem dar explicações e abandona a relação com ele. O abandono e a falta de explicação pelo uso do recurso “bloquear” causa um sofrimento e uma alteração drástica na vida de Potter.

Fonte: goo.gl/yigwnU

Conforme XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste (2017) “percebemos uma sociedade em que as relações humanas são mediadas pela tecnologia num nível extremo, e nos perguntamos como será o desdobramento de todas essas questões tão atuais”. Assim é possível refletir sobre as consequências do uso da tecnologia de maneira egocêntrica, punindo pessoas com o isolamento social, mesmo ainda inserida em uma comunidade. Desse modo o episódio alcança o objetivo de impulsionar uma reflexão acerca da midiatização das práticas sociais contemporâneas e o lugar que isso ocupa num cotidiano que por vezes surge como assombrosamente distópico, no modelo que as relações sociais adquirem mediante a tecnologia (XIX CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE, 2017).

O episódio tem um desfecho surpreendente que corrobora nos efeitos danosos de se usar os recursos das redes sociais em nossas vidas pessoais. Seria realmente a melhor forma de resolver conflitos bloqueando o outro sem dar espaço para o diálogo?

REFERÊNCIA:

XIX CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORDESTE, 2017, Fortaleza Ce. Mídia e Novas Tecnologias: A Sociedade em Queda Livre na Série Black Mirror. Fortaleza: Intercom, 2017. 10 p.

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Entretenimento é apenas diversão?

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A sociedade moderna foi moldada a partir de aspectos herdados de civilizações antigas. Dessa forma, é interessante repensarmos os costumes atuais e seus modos de conduta, fundamentando-os, com a influência das tradições gregas e romanas. Pois, como afirma Goldhill (2007), o modo dos costumes, da civilização greco-romana e Ocidental que marca os tempos atuais, estão mais presentes em nosso cotidiano do que podemos imaginar.

A história possui uma relação direta com o homem atual, e conhecê-la, em seus aspectos culturais, incluindo o entretenimento, que será o foco dessa discussão, nos ajudará na compreensão da conturbada época em que vivemos, e na reflexão sobre o homem enquanto ser que age pautado na construção social de seus próprios atos e que, assim, vai construindo seu futuro. As tradições greco-romanas estão presentes nas nossas vidas, até nas formas pelas quais os humanos se divertem, esta é a reflexão de Goldhill (2007) sobre o entretenimento nas civilizações Ocidentais. Além disso, o autor trás um alerta à condição humana frágil de reprodução das formas de diversão, socialmente herdada e construída, e diretamente ligada a questões subjetivas que revelam muito sobre nós mesmos.

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Fonte: http://migre.me/vqkrM

Segundo Goldhill (2007), a sociedade atual é uma Grécia imaginária, ao qual está presente no sistema de pensamento ocidental toda a lógica cultural deste mundo clássico. Acarretando, em nossa história e vivência, uma amnésia educacional e artística, pois não refletimos sobre nossas práticas de entretenimento e não a reconhecemos como uma tradição greco-romana. É passado, mais surpreendentemente, é presente e futuro, já que as relações humanas não são fáceis de lidar no que tange ao aspecto mudança. Morin (1997) discorre sobre o lazer nos tempos modernos como um produto da sociedade industrializada, está relacionado ao tempo gasto com diversões em detrimento do trabalho exaustivo, enfadonho e alienante.

Há uma grande confusão e preocupação no âmbito do papel do entretenimento, pois é sabido que as peças teatrais, as tragédias da Grécia antiga, que hoje se estendem ao cinema e ao teatro, comovem o público em grande nível de engajamento emocional e produz resultados que para o Estado, podem ser repugnantes, e por isso o entretenimento é alvo de controle. De certa forma, a confusão está em um pensamento desordenado da dualidade do Estado em querer controlar e se preocupar com a imagem pública e ao mesmo tempo garantir a liberdade de expressão. “A frase irritantemente maliciosa “mero entretenimento”, ou “é apenas diversão”, constitui um sinal desse pensamento confuso. É uma afirmação que quer evitar qualquer reflexão séria sobre os conflitos da vida cultural.” (Goldhill, 2007, p. 197).

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Fonte: http://migre.me/vqjOG

Vemos, então, que ao se tratar do que é divertido, muitas vezes nos deparamos com o caráter descontraído do entretenimento, e por isso é deixado de lado a problematização e reflexão do mesmo, pois até a própria expressão “é apenas diversão” deixa subjacente às implicações sociais que o entretenimento nos trás. Já que é notório que, diz muito sobre nós mesmos as forma pelas quais nos divertimos. É por isso que certas formas de entretenimento incomodam tanto a sociedade, pois elas falam quem somos. Estão obscuras as implicações desconfortantes, psicológicas e sociais, que fundamentam qualquer tipo de entretenimento. Já que o divertido é pra ser descontraído, por que não disfarçar a tensão social e deixar de lado o que isso diz sobre nós mesmos?

Antigamente, peças teatrais refletiam casos trágicos que expressavam o conflito, a sátira, os traumas psicológicos acarretados pelos piores sentimentos humanos, hoje em dia, o mesmo é feito no cinema, no teatro, na música, na dança, nas artes em geral. Os jogos de gladiadores da Roma clássica, hoje expressados nas artes marciais e no cinema. A competição pelo poder dos status sociais hoje, também é visto na civilização greco-romana. Tudo isso está ligado às formas de entretenimento atual, que são antigas, mas bem atuais.

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Fonte: http://migre.me/vqjZM

Para Morin (1997) o homem moderno procura se afirmar como sujeito privado, se afastando dos problemas políticos e religiosos, passou a ser um espectador vendo a vida através de lentes, passivo no espetáculo. Mas, contudo, ativo, pois o entretenimento reflete o sujeito e sua subjetividade. E que, sobre tudo, dizem mais dos seres humanos do que eles gostariam, trás sua subjetividade e aspectos ruins de sua natureza, e a dualidade dos conflitos inconscientes, e os papeis sociais do que você é e do que gostaria de ser. Nesse sentido Goldhill (2007) disserta  que na Grécia antiga o teatro era parte da própria cidade, representava como o povo a compreendia. No entanto, para Platão o entretenimento se tornava um impeditivo na formação do cidadão responsável devido impacto intelectual e psicológico que influenciava os indivíduos.

O povo grego utilizava as festas como a Grade Dionísia, festival religioso que acontecia anualmente em Atenas para louvar o deus Dionísio, como um acontecimento social e um espetáculo político de demonstração de poder. No Império Romano os jogos eram distribuídos ao longo do ano, trazia para a arena o fascínio do povo pela morte humana e dos animais, demonstração da virilidade, assim como, as tensão sociais.

O que fazemos constitui grande parte do que somos, e é por isso que o entretenimento – como passamos nosso tempo – é uma parte integral de nossa autodefinição. O contraste entre as formas de entretenimento contemporâneo e as tragédias atenienses do festival da Grane Dionisíaca revela um buraco no centro de nossa cultura pública. (Goldhill, 2007, p. 209)

É um choque, e nos faz pensar, pois no caso dos gladiadores, demonstram que os status valem mais do que a vida humana. Podemos ver que entretenimento não “é apenas diversão”, é claro que é lazer, mas trás consigo a subjetividade humana e reflete o homem como um espelho e o defini como ser, bom ou ruim. Como afirma Goldhill (2007), “são frágeis às fronteiras daquilo que nos orgulhamos de considerar uma civilização moderna. […] o que diz sobre nós o fato de que gostamos de assistir a essas coisas em nome do entretenimento?”.

 

REFERÊNCIAS:

GOLDHILL, S. Isto é entretenimento!. In: GOLDHILL, S. Amor, Sexo e Tragédia. Como gregos e romanos influenciam nossas vidas até hoje. Rio e Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1ª ed. v.1 p.195-233, 2007.

MORIN, E. Uma cultura de lazer. in: MORIN, E. Cultura de massa no século XX: neurose. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 9º ed. v.6 p.67-85, 1997.

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Biopoder e Biopolítica: formas de dominação das intensidades humanas

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Fonte: avalen89.wordpress.com

À luz dos textos “A gênese da biopolítica: vida nua e estado de exceção”, “Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo” e “A inclusão educacional como estratégia biopolítica”, cujo referencial se encontra abaixo, foi elaborado um ensaio que relaciona os temas, de modo a propiciar uma compreensão da tese central dos autores.

O filósofo francês Michel Foucault foi o criador dos termos de biopoder e biopolítica, que são conceitos que procuram explicar historicamente como funciona a influência a qual a população é submetida por seu soberano (governo). Foucault dá inicio a sua tese explicando como o ser humano desde o seu nascimento tem uma necessidade de proteção por uma forma de autoridade, e essas autoridades eram as detentoras do poder sobre a vida e morte de seus subordinados (PAVIANI, 2014). Deste modo a partir do desenvolvimento da sociedade e das alterações ocorridas nas sociedades surge o biopoder, que ao invés de ter o poder sobre a vida, detém o poder sobre a forma de vida, sobre a qualidade de vida, que também irá de certo modo determinar quem irá morrer, e quem irá viver.

Paviani (2014) trás a visão deste tema em vários contextos, sobretudo sob a forma do fascismo e de sistemas totalitários, e também no sistema educacional.

2Fonte: www.upf.edu

 

Foucault e o Conceito de Biopolitica

Conforme os três textos analisados, compreende-se que a questão da Biopolítica abordada pelo filósofo Foucault vem de uma subjetivação da cultura patriarcal que tem como base um sistema onde os pais, maridos, homens, pessoas que eram figuras de poder dominavam e detinham o poder sobre a vida e morte de seus submissos. Haja vista que conforme Paviani (2014), “a relação entre vida e política constitui o tecido social que sustenta as demais relações humanas com a natureza, a sociedade, a ciência, a tecnologia, o saber e o poder”. Fica claro nessa afirmação que a autoridade ou figura de poder que esteja em vigor em uma comunidade irá determinar o modo com o tecido social e as relações serão estabelecidas.

A vida e morte dos indivíduos na sociedade dependem do soberano e do ordenamento social. Como diz Foucault o soberano pode matar por isso ele exerce seu direito sobre a vida. Esse tipo de poder sobre a vida das pessoas é designado por Foucault e Agamben de biopolítica (PAVIANI, 2014).

Assim a Biopolítica se trata do modo com que as autoridades lidam com a questão da vida e morte dos indivíduos em uma sociedade, sendo estes os responsáveis pela organização social, saúde, educação, infraestrutura, natalidade da população, violência, e questões sociais em geral que afetarão diretamente a comunidade. A partir deste entendimento básico do tema tratado por Foucault, entende-se que as três obras que embasaram este ensaio está relacionado ao tema da biopolítica e suas variantes tratadas pelos autores.

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Fonte: thefunambulist.net

No texto “A gênese da biopolítica: vida nua e estada de exceção”, de Jayme Paviani, fala-se do conceito de biopolítica e de como esse conceito surgiu, quais implicações levaram a este entendimento. Assim o autor em várias de suas obras trata de um estudo histórico da biopolítica em diferentes épocas. “Foucault na obra ‘Em defesa da sociedade’ analisa o poder da soberania e o poder sobre a vida, o homem-corpo e o homem-espécie, a aplicação das normas […]” (PAVIANI, 2014, p. 69). Nesses estudos o autor aborda tanto o século XVII onde o soberano detinha o poder sobre a vida, e já no século XIX o poder é o responsável não pela vida, mas sim pelo deixar morrer (PAVIANI, 2014).

Foucault procura refletir não somente o que é o ser humano, mas sim como a política influencia na subjetivação. Para isso Paviani aborda tanto conceitos de Platão, Aristóteles para refletir sobre os modos de ver o processo de política e vida em sociedade, assim como faz um comparativo entre estes pensamentos e os de Agamben, que faz uso de ideias de Foucault. Sendo que Foucault e Agamben refletem sobre o estado de totalitarismo, nazismo e fascismo.

No segundo texto “Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo”, o tema biopolítica ainda é o foco. Foucault notou que nos sistemas totalitários de governo o poder estava não somente na mão de um soberano como era comum até o momento, mas era dividido entre a população de modo que uma maioria da população tinha um poder sobre uma minoria (RAGO; VEIGA, 2009).


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Fonte: Biopolitics and Biopower: a Music Video (https://www.youtube.com/watch?v=ZdHfMPUxA_s)

Foucault procurou entender esse processo analisando como as formas de poder conseguiram disseminar na população seus ideais e crenças fascistas, stalinista e nazista. Assim ele não analisou profundamente esse processo, seu ideal era somente compreender as formas de poder, de modo que através de suas reflexões dispersas sobre o assunto, tirou como conclusão e conselho que a associação entre fascismo e vida não devia ser seguido, de modo a se evitar uma vida fascista. Segundo a visão deste autor os sistemas totalitários vigentes na época eram manifestações exasperadas de poder, uma doença do poder, que ele dizia que não voltaria a acontecer da mesma forma que já ocorreu porem informa que as formas de totalitarismo do século XX, podem repercutir no século XXI, assim como o século anterior foi influenciado pelo século XIX (RAGO; VEIGA, 2009).

Explica-se como o autor chegou ao conceito de biopolítica e biopoder, através da percepção do poder disciplinador e normatizador, que vinha a administrar a vida e o corpo da população; assim como os dispositivos da sexualidade, todos esses dispositivos procuravam normatizar a conduta da espécie. Conforme Rago e Veiga (2009), “o que se produz por meio da atuação específica do biopoder não é mais apenas o indivíduo dócil e útil, mas é a própria gestão calculada da vida do corpo social”. Sendo assim observa-se uma mudança no lócus do modo de poder após o surgimento do biopoder; onde antes o poder do soberano era o de morte e vida, “[…]agora, era o próprio direito de matar que se encontrava subordinado ao interesse em fazer viver mais e melhor, isso é, em estimular e controlar as condições de vida da população” (RAGO; VEIGA, 2009). Isto fez com que se pudesse impor a violência, a escolha de quem vai viver melhor ou pior.

Foucault descobriu que tal cuidado da vida trouxe consigo a exigência contínua e crescente da morte em massa, visto que é apenas no contraponto da violência depuradora que se podem garantir mais e melhores meios de sobrevivência a uma dada população. Assim, a partir do momento em que a ação do soberano foi a de fazer viver, isso é, a de estimular o crescimento da vida e não apenas a de impor a morte, as guerras se tornaram mais sangrentas e os extermínios se multiplicaram dentro e fora da nação […]. (RAGO; VEIGA, 2009, p.41).

Foucault, a partir de toda essa reflexão sobre os sistemas totalitários, observou que esses sistemas de biopoder se utilizavam do preconceito para exterminar minorias de forma a conscientizar para a sobrevivência de um dado grupo, sendo necessário que certas populações sejam contidas (na formação do que depois viria a ser chamado de “lixo humano”). Ele informa sobre o perigo do fascismo na contemporaneidade, pois ele vem disfarçado entre os sistemas liberais e neoliberais.

A preservação da qualidade de vida de uns está fundada na impossibilidade da vida de outros muitos, de modo que biopolítica e tanto política continuam a remeter-se mutuamente. Eis aí alguns dos vetores de disseminação do novo fascismo, que poderíamos denominar como o fascismo viral, que atua por contaminação endêmica, espalhando-se silenciosamente pelo planeta como enfermidade crônica que precisa ser continuamente combatida (RAGO; VEIGA, 2009, p.50).

Portanto o biopoder continua se aplicando de modo conveniente com o contexto social vigente, não mais de forma clara como foi no século XX, e não mais como no fascismo ou em outro sistema totalitário.

4Fonte: www.politicaltheology.com

O último texto, e não menos importante, também fala do biopoder, e da biopolítica aplicada na educação, onde esta se torna uma ferramenta muito poderosa para o governo, pois conforme Elí e Ramos (2013) “ela subjetiva para regular, vigiar e, na sequência, normalizar”. Ou seja, a escola se tornou um local potencial para a normatização de um sistema biopolítico, potencializando a capacidade das forças de dominação exercer o controle sobre toda a massa.

Dispositivo de segurança que utiliza a sedução como uma estratégia e adquire caráter irreversível na Contemporaneidade. Adianto que esse dispositivo de segurança se torna fundamental para que, posteriormente, possamos perceber a inclusão como uma estratégia biopolítica de fluxo habilidade (T, RAMOS, 2013, p. 30).

A partir dos conceitos aqui abordados, compreende-se que os textos se relacionam quanto ao conceito criado por Foucault, filósofo e psicólogo que se dedicou ao estudo da estrutura do poder, sendo ele um autor que buscava compreender de que modo esses conteúdos de poder eram exercidos, e como era subjetivado na população. Cada autor abordou a ideia de Foucault a partir de diferentes processos, porém usando o mesmo ponto de partida, o biopoder e a biopolítica.

 

Referências 

DUARTE, André. Foucault e as novas figuras da biopolítica: o fascismo contemporâneo. In: VEIGA, Alfredo; RAGO, Margareth. Para uma vida não-fascista. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. p. 35-50.

PAVIANI, Jayme. A gênese da biopolítica: vida nua e estado de exceção. In: PAVIANI, Jayme. Uma Introdução a Filosofia. Caxias do Sul: Educs, 2014. p. 01-301.

RECH, Tatiana Luiza. A inclusão educacional como estratégia biopolítica. In: T, Eli; RAMOS, Rejane. Inclusão e biopolítica. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.

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Significados e práticas de manejo da crise na vida de Stephen Hawking

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Na perspectiva psicanalítica, crise pode ser definida por uma ruptura aguda da cadeia significante. Podendo assim ser entendida como “algo que foge da realidade, desencadeando uma série de eventos estressores e conflituosos para a vida do sujeito” (BARRETO, 2004). Ancorada a esse olhar clínico, torna-se relevante observar o sujeito como um todo, ou seja: o contexto que originou tal crise e o sofrimento instalado, provedor desse adoecimento que, se não acolhido e compreendido há tempo pode vir a trazer sérias consequências ao indivíduo. Vale ressaltar que, a crise gera mudanças, podendo estas ser; tanto positiva quanto negativa. O que irá apontar para tais direções é “a elaboração que cada sujeito irá conseguir fazer da situação que o cerca.” (CANGUILHEM, 2010 apud Lima et. al 2012).

Partindo desses conceitos, elege-se um personagem para uma breve análise das situações de crise vivenciadas pelo mesmo; compreendendo algumas situações que acarretaram e desencadearam algumas crises, bem como as respostas apresentadas perante as crises e também como elas foram percebidas. Desse modo, o personagem escolhido para essa análise trata-se de um físico teórico e um dos maiores cosmólogos da atualidade: Stephen William Hawking. Popularmente conhecido como Hawking, este brilhante cientista nasceu no ano de 1942.

Stephen Hawking e sua irmã Mary. Fonte: https://goo.gl/vRr1Qn

Ao explanar os percursos da vida deste proeminente físico nos atemos a sua biografia, intitulada: “Minha breve história”. Em seu livro, o autor relata toda sua trajetória, indo desde a infância, até sua vida adulta. Em meio a uma família “excêntrica” para os padrões vigentes de sua época, Hawking nutriu um dos grandes fortes de seus genitores: o interesse pela leitura. Apesar de o genitor almejar que o jovem optasse por Medicina, Stephen inicialmente evidenciou seu interesse pela área de exatas. Contudo, devido à impossibilidade de seguir nesta perspectiva, acabou estudando química.

Considerado um gênio preguiçoso, o interesse de Hawking pela Física não foi algo presumível, dado que; considerava física uma das matérias mais chatas, pois era óbvia. No entanto ele dizia que a física e a astronomia ofereciam a esperança de compreendermos de onde viemos e por que estamos aqui. E nesse intuito de desvendar os mistérios do universo, Steve se ateve a Física.

Aos 12 anos no jardim da casa e na graduação de Oxford em 1962. Fonte: https://goo.gl/pKDqrH

Hawking foi assim construindo sua carreira; estudou, viajou, participou de conferências, e em seu último ano em Oxford notou que estava ficando muito “desajeitado”; foi então que resolveu ir ao médico, após ter caído de uma escada. O médico apenas o orientou parar de beber. Após se mudar para Cambridge, teve outra surpresa desagradável: caiu de novo quando estava patinando. Porém, dessa vez não conseguiu mais se levantar sozinho. Foi então que, decidiu buscar orientação de um especialista, e aos 21 anos de idade foi diagnosticado com ELA (esclerose lateral amiotrófica).

Nesse período, a Medicina apontou que a expectativa de vida de Hawking era de aproximadamente três anos. Diante dessa triste descoberta, o jovem físico começou a se questionar, sentir-se muito mal e isolar-se, em especial de sua namorada. Entretanto, quando ainda estava no hospital, Steve relata que viu um jovem morrer de leucemia diante de sua face. Atribui a este momento o surgimento de motivação para continuar lutando: “Era óbvio que havia pessoas em situação pior do que a minha, ao menos a minha condição não me fazia sentir tão mal. Sempre que me vejo inclinado a ter pena de mim, eu me lembro daquele menino” (HAWKING, 2013 p.41).

O jovem Stephen Hawking, em 1963. Fonte: https://goo.gl/zCb3nU

Nessa assertiva verifica-se a ruptura do complexo encadeamento subjetivo atribuído por Steve até então. Diante da possibilidade de pouco tempo de vida, ele se viu desanimado. No entanto, após sair do hospital, Hawking começou a explorar pensamentos positivos, concebendo a ideia de que: poderia contribuir e fazer algo de bom. “Subitamente, percebi que havia um monte de coisas boas que eu poderia fazer se tivesse mais tempo. Outro sonho que tive diversas vezes foi o de que eu sacrificava a minha vida para salvar outras pessoas. Afinal, já que eu ia morrer mesmo, poderia muito bem fazer algo de bom”. (HAWKING, 2013, p.41).

Algo que o motivou a continuar com seus projetos, foi; seu noivado com Jane Wilde, uma moça pelo qual se apaixonou na época em que foi diagnosticado por ELA. Eles pensavam em se casar, e para isso Hawking, resolveu terminar seu Ph. D e começou a trabalhar. Em julho de 1965 eles se casaram.

Casamento de Stephen Hawking e Jane Wild. Fonte: https://goo.gl/T6XrB9

O primeiro filho nasceu após dois anos de casados. Nesse período Hawking fazia várias viagens para encontros científicos e seu quadro se agradava progressivamente. Como consequência; ele não conseguia ajudar a esposa a cuidar das crianças, o que trouxe um desgaste excessivo para a mesma, fazendo-a a entrar em depressão. Durante esse tempo Hawking teve várias contribuições em pesquisas e realizou grandes descobertas. Em 1975, quando retornou a Inglaterra, Hawking foi eleito como professor lucasiano em matemática; posto ocupado por Isaac Newton e Paul Dirac.

O terceiro filho do casal nasceu em 1979, e nessa época a depressão de sua esposa se agravou. Ela estava preocupada que ele fosse morrer em pouco tempo e queria encontrar alguém que daria apoio a ela e às crianças e que se casaria com ela quando ele partisse. Ela encontrou Jonathan Jones, músico e organista da igreja local, e cedeu a ele um quarto no apartamento deles. Hawking teria se oposto, mas também achou que iria morrer cedo e sentia que era necessário encontrar alguém que apoiasse as crianças depois disso.

Família Hawking. Fonte: https://goo.gl/wBjGC4

A sua saúde piorou, e um dos sintomas de sua doença progressiva eram episódios prolongados de falta de ar. Em 1985, em uma viagem para a CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), na Suíça, ele pegou uma pneumonia. Foi levado às pressas para o hospital da região e o colocaram em um respirador artificial. Os médicos do hospital acharam que ele estava tão mal que sugeriram desligar o respirador e dar fim à sua vida, mas Jane se recusou e o levou, em uma ambulância aérea, de volta para Cambridge, para o Hospital Addenbrooke. Os médicos de lá se empenharam ao máximo para reverter seu quadro e o deixar na situação em que ele estava anteriormente, mas no final foram obrigados a realizar uma traqueostomia. Antes do procedimento, sua fala estava cada vez mais inarticulada e, por isso, apenas as pessoas que o conheciam bem, conseguiam compreendê-lo. Mas pelo menos ele era capaz de se comunicar. Porém, com a traqueostomia ele veio a perder completamente a capacidade de falar.

Por certo tempo, a única maneira que ele tinha para se comunicar era soletrar as palavras, levantando as sobrancelhas quando alguém apontava para a letra certa em um cartão com o alfabeto. Entretanto, um especialista em computação da Califórnia chamado Walt Woltosz ouviu falar do seu problema e enviou um programa de computador que ele desenvolvera, o Equalizer. O programa permitia que Hawking selecionasse as palavras, a partir de uma série de menus na tela, ao pressionar um botão em sua mão. Atualmente ele usa outro de seus programas, o Word Plus, que controla por meio de um sensor acoplado em seus óculos que reage ao movimento de sua face. Quando ele formula o que quer dizer, envia as palavras para o sintetizador de fala.

Fonte: https://goo.gl/hrQeMo

Quando Hawking saiu do hospital, precisava de cuidados de enfermagem em tempo integral. No início ele achou que sua carreira científica estivesse terminada e tudo o que restaria seria ficar em casa e ver televisão. Mas logo descobriu que poderia prosseguir com seu trabalho. Entretanto, ficou cada vez mais infeliz com a proximidade entre Jane e Jonathan. No final, não conseguiu mais suportar a situação e, em 1990, foi morar em outro apartamento com uma de suas enfermeiras, Elaine Mason. Eles se casaram em 1995. Nove meses mais tarde, Jane se casou com Jonathan Jones.

Segundo casamento de Hawking. Fonte: https://goo.gl/pAA2fU

Alguns anos mais tarde, Hawking teve outra crise, porque seus níveis de oxigênio estavam caindo perigosamente durante o sono profundo. Levaram-no às pressas para o hospital, onde permaneceu por quatro meses. No final, teve alta, mas continuou com um respirador artificial, usando durante à noite. Seu médico disse a Elaine que ele voltaria para casa para morrer. Após essas crises, Elaine ficou muita afetada emocionalmente, eles então se separaram em 2007, e desde então, ele mora sozinho com uma governanta.

Diante dessa vasto bibliografia, observa-se que o personagem em questão, tem uma trajetória de superação surpreendente, e que mesmo em seus momentos de extrema dificuldade e limitações físicas, optou por explorar seu potencial da melhor forma possível, fazendo com que isso fosse sua maior motivação, acreditar que por mais difícil que fosse, ele podia fazer algo mais, ele podia ser mais forte que aquela doença. Grande exemplo disso foram os grandes números de pesquisas e reconhecimentos que obteve.

Professor Hawking experimenta gravidade zero em um jet 24 mil metros sobre o Oceano Atlântico fora da Flórida em abril de 2007. Fonte: https://goo.gl/hHUNsy

“Minha deficiência não foi um obstáculo sério no meu trabalho científico. Inclusive, acho que de certa forma foi uma vantagem: não tive de dar palestras ou aulas a estudantes de graduação, nem precisei participar de tediosos comitês que consomem muito tempo. Dessa forma, pude me dedicar por completo à pesquisa. Para os meus colegas de trabalho, sou apenas mais um físico, mas para o público em geral, me tornei possivelmente o cientista mais famoso do mundo”. (HAWKING, 2013, p.41).

Apesar de todas as lutas enfrentadas, Hawking considera que teve uma vida prazerosa, pois ele acredita que “pessoas com deficiências devem se concentrar nas coisas que a desvantagem não as impede de fazer, e não lamentar as que são incapazes de realizar. No meu caso, consegui fazer quase tudo o que queria” (HAWKING, 2013p.88).

Por fim, ele acrescenta que seus primeiros trabalhos mostraram que a relatividade geral clássica colapsava nas singularidades do Big Bang e dos buracos negros. Suas pesquisas posteriores mostraram como a teoria quântica pode prever o que acontece no começo e no fim do tempo. Conclui assim dizendo que: “Tem sido um período glorioso para se viver e fazer pesquisa no campo da física teórica. Fico feliz se acrescentei algo ao nosso conhecimento do universo” (HAWKING, 2013, p.91).

Fonte: https://goo.gl/zsH7m4

Para concluir:

[…] por mais contingente que seja a vida e suas expressões, inclusive das suas dores, e por mais aterrorizadoras que sejam as condições encontradas nas crises (por todos aqueles que as vivem – usuários, familiares e técnicos), apenas relações vinculares sólidas e estratégias de cuidado consistentes, seguras e corajosas são capazes de conter acontecimentos que indicam uma situação de desordem, de desestruturação e de caos. (LIMA, M. et al, 2012 p.10).

Nesse contexto, tendo em vista a pluralidade de significados, as formas de expressão e os domínios da existência envolvidos nessas situações, as estratégias vinculares só podem ser desenhadas em arquiteturas relacionais complexas que ponham em contato sujeitos, disciplinas, saberes, fazeres e afetos de modo a que uma auto e ao mesmo tempo inter reflexividade seja viável.

Referências:

BARRETO, Francisco Paes. A Urgência Subjetiva na Saúde Mental. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. N.40, São Paulo: Edições Eólica, 47-51, agosto de 2004. Disponível em: <file:/C:/Users/comercial%20maraba/Documents/Documents/intervenção%20em%20crise/Francisco_Paes_Barreto_A_urgencia_subjetiva_na_saude_mental1.pdf > Acesso em: 28 de abril 2016.

HAWKING, Stephen. Stephen Hawking: Minha breve história. Rio de Janeiro: Intrínseca Ltda., 2013. 93 p. Disponível em: <http://lelivros.online/book/download-minha-breve-historia-stephen-hawking-em-epub-mobi-e-pdf/>. Acesso em: 12 abr. 2016.

LIMA, et al. Signos, significados e práticas de manejo da crise em Centros de Atenção Psicossocial. Comunicação, saúde e educação. Salvador – BA, v. 16, n. 41, p. 423- 34, abr./jun., 2012.

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O constante desafio para equilibrar trabalho e qualidade de vida

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Atualmente, a palavra “Trabalho” possui vários significados. Segundo Albornoz (1986) é possível achar o significado desta palavra a partir de duas formas: a de realizar uma ação que expresse a identidade do ser humano em um determinado contexto; e a de esforço diário, sem liberdade e autonomia.

A tradução da palavra, quando carregada de significados e emoções, pode suscitar (variável de acordo com a cultura) lembranças de formas de atuar diferentes, remetendo a imagens de alguém que produz e recebe uma remuneração por isso (capital). Muito se associa também à dor, fardo e esforço, pois o homem realiza e transforma algo (matéria prima) em prol de sua sobrevivência na sociedade, criando e reciclando instrumentos (Albornoz, 1986).

Independentemente do significado cultural que é atribuído à palavra trabalho, muito se diz sobre os benefícios e\ as consequências (longas jornadas de trabalho a fio) que a atividade humana para determinados fins pode proporcionar. O filósofo Bertrand Russell (1872- 1970) relata que os seres humanos deveriam ter uma jornada de trabalho menor, e que isso propiciaria mais tempo para a manifestação e desenvolvimento de habilidades artísticas e educacionais de cada um. Essa redução da jornada de trabalho, para Russell, deixaria a população menos submetida à alienação e a grandes rotinas que proporcionam grandes desgastes físicos e mentais.

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Olhando para a história, é possível perceber que a luta pela redução da jornada de trabalho é tão antiga quanto o próprio capitalismo, afinal no século XIX, surgem às primeiras obras de grande repercussão sobre o tema.  A luta pela redução da jornada de trabalho é apresentada por Marx como um direito dos trabalhadores, que têm parte de sua força de trabalho roubada pelo capital, sendo esta a base da construção da riqueza na sociedade capitalista. A redução da jornada de trabalho, por outro lado, aparece como um importante instrumento na construção de uma sociedade socialista em que homens e mulheres possam dedicar seu tempo livre para atividades mais prazerosas de caráter cultural, artístico.

Outro pensador que aborda a mesma proposta de Karl Marx é Bertrand Russel, em O Elogio ao Ócio, publicado em 1935. Russel critica o que ele chama de “crença na virtude do trabalho”, que seria responsável por uma série de malefícios vivenciados pela humanidade. A ideia da virtuosidade do trabalho poderia ter seu sentido em um período em que as forças produtivas fossem pouco desenvolvidas, mas, depois do advento da revolução industrial, passariam a carecer de qualquer forma de sentido. Russel ponta que a solução definitiva estaria no socialismo internacional. Com uma unidade central os erros poderiam ser evitados. Ao invés dos lucros, as indústrias teriam como motivação o planejamento governamental. Com o socialismo pode se encontrar o equilíbrio impossível no sistema capitalista. Acabará a insegurança econômica, que faz com que surjam as guerras. E as pessoas democraticamente eleitas seriam responsáveis por garantir o equilíbrio entre o lazer e o conforto. “Quando o socialismo tiver se generalizado em todo o mundo civilizado, os motivos para guerras em grande escala não deverão ter força suficiente para superar as razões, muito mais óbvias, de se preferir a paz.” (RUSSELL, 2002: 124).

Existiriam, para Russel, dois tipos de trabalho: o primeiro tipo é o executado por aqueles que efetivamente trabalham, e em segundo lugar, o trabalho que consiste em mandar os outros executarem as tarefas para si. Russel propõe que a jornada de trabalho ficasse restrita á quatro horas, em que o trabalho executado neste período de tempo seria suficiente para que os indivíduos pudessem, no entender do autor, satisfazer suas necessidades elementares, bem como as suas necessidades de conforto exigido pela vida. Como todos de sua época, Russell foi criado com a mentalidade do trabalho, onde o ócio seria algo negativo.

Como muitos homens da minha geração, fui educado segundo os preceitos do provérbio que diz que o ócio é o pai de todos os vícios. E, como sempre fui um jovem virtuoso, acreditava em tudo que me diziam, e foi assim que a minha consciência adquiriu o hábito de me obrigar a trabalhar duro até hoje (RUSSELL, 2002:23).

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A partir da dedicação de apenas quatro horas diárias ao trabalho. Russel acredita que as pessoas poderiam dedicar mais tempo ao desenvolvimento de sua educação, de diversas habilidades, como a pintura e as artes em geral, alcançando a humanidade, enfim, a alegria de viver, ao invés de todo o desgaste físico e emocional à exaustão, a que a população é submetida pela estressante faina a que são obrigados a enfrentar diariamente, por quase toda a vida. E como não estariam cansadas, as pessoas poderiam buscar diversões que fossem exclusivamente monótonas.

Fonte: https://espacoviryasp.wordpress.com/2015/01/27/para-que-serve-o-ocio-criativo/

Os pensadores que seguem a linha marxista acreditam que a redução da jornada de trabalho é, senão a única, ao menos a principal proposta a ser tornada prática para equacionar a problemática da diminuição do trabalho vivo e, em consequência, do aumento acelerado do desemprego. Segundo Russell “A técnica moderna tornou possível a drástica redução da quantidade de trabalho necessária para garantir a todos satisfação de suas necessidades básicas” (RUSSELL, 2002:28)

Ainda nos dias atuais o modo de produção capitalista, é muito difícil os patrões aceitarem de bom grado a redução da jornada de trabalho, mesmo que o empresariado possa obter alguns benefícios com a diminuição da jornada, como o aumento da produtividade do trabalho, que propicia a expansão do consumo tanto pelos novos assalariados, bem como pela ampliação do consumo do ócio, por parte dos trabalhadores com maior tempo livre. Assim mesmo, a lógica do capital é opor-se à medida, se não for seguida da redução dos salários. A aceitação da redução da jornada de trabalho por parte da classe capitalista, com manutenção de salários, mostra-se pouco provável de ocorrer até nos dias atuais. Da mesma forma, nada indica que pelo fato de estarem ocorrendo transformações aceleradas no mundo do trabalho, fruto das inovações tecnológicas, com a necessidade da utilização de menos trabalhadores para a produção de uma mesma quantidade de mercadorias, que a diminuição da jornada de trabalho será posta em prática com maior facilidade. Para Russell

[…] A moderna técnica trouxe consigo a possibilidade de que o lazer, dentro de certos limites, deixe de ser uma prerrogativa de minorias privilegiadas e se torne um direito a ser distribuído de maneira equânime por toda a coletividade. A moral do trabalho é uma moral de escravos, e o mundo moderno não precisa da escravidão. (RUSSELL, 2002:27)

 O que se verifica é que o trabalho encontra-se cada vez mais precarizado, através da flexibilização dos direitos trabalhistas, e é nestas formas de organização produtiva que se observa a convivência entre as mais arcaicas formas de exploração do trabalho, acompanhadas pelas modernas. Assim sendo, pode-se concluir que a redução da jornada de trabalho e a ampliação do tempo livre a que o trabalhador poderia usufruir somente seria realmente viabilizada em proveito dos próprios trabalhadores sob a organização de uma sociedade em que não houvesse o predomínio da propriedade privada dos meios de produção. Do contrário, sempre alguém irá pagar pela redução da jornada de trabalho, e no caso do capitalismo, sempre o custo recairá sobre os trabalhadores de forma direta ou indireta. Para Russell, as pessoas precisam de maior tempo de lazer:

[…] Os prazeres das populações urbanas se tornaram fundamentalmente passivos: ver filmes, assistir a partidas de futebol, ouvir rádio e assim por diante. Isto ocorre porque as energias ativas da população estão totalmente absorvidas pelo trabalho. Se as pessoas tivessem mais lazer, voltariam a desfrutar prazeres em participassem ativamente (RUSSELL, 2002: 33).

Fonte: http://obviousmag.org/archives/2009/02/trabalho_no_mundo.html.jpg?v=20151117184946

Se trouxermos o tema redução do trabalho e ócio para os dias atuais, é possível dizer que o homem deixou de trabalhar para viver e passou a viver para trabalhar, houve uma queda criativa da capacidade do individuo, pois, ele não tem o ócio para realizar as coisas que realmente gosta. É possível dizer que hoje, o ócio é visto com maus olhos, com mediocridade, hoje, o ócio um sinônimo de vagabundagem ou de férias, de não fazer nada. É irônico que no próprio grego a palavra tenha sofrido essa distorção. Em grego, é psykhagogía, o que significa originariamente condução da alma. Por quê? Porque o ócio é o momento em que o indivíduo para refletir sobre a alma. No livro Sobre o Ócio, Sêneca mostra que esse é o momento da contemplação, da reflexão, do encontro do sujeito consigo mesmo, de pensar no sentido da sua existência – o que estou fazendo aqui, de onde vim, para onde vou. A função do ócio é renascer de si próprio e recriar-se constantemente no caminho da evolução. Em Fedro e em O Simpósio (erroneamente traduzido como O Banquete), Platão nos dá reflexões excelentes sobre isso. Ele queria recuperar o saber da verdadeira Paidéia, a arte de formar um homem não pelo conhecimento, mas pela ética e pela verdade – os princípios por excelência do pensamento arcaico como forma de educação. Portando, o ócio significa o momento de fazer uma viagem exterior e outra, interior, como dizia Sócrates. A viagem interior rumo à descoberta de si, para a pessoa se pôr para fora, a serviço do social e da realização – a fim de que ela parta daqui mais evoluída e deixe uma contribuição para a criação.

Com o passar do tempo, novas formas de trabalho são impostas e configuradas na sociedade. Atualmente, no Brasil, com a implementação do sistema capitalista, os homens devem produzir a fim de adquirir o lucro (capital). Quanto mais se produz, mais se ganha. Isso pode gerar indivíduos que buscam longas jornadas de trabalho a fio para poder adquirir mais recursos e adentrar ainda mais ao sistema vigente do país.

Hoje, uma grande discussão que envolve o trabalho como apenas mais uma atividade do homem é a qualidade de vida. Devido aos desgastes causados pela busca incessante de lucros, a qualidade de vida nos países emergentes tem se degradado. “A trama em que essa questão está envolta é quase evidente: a luta pela sobrevivência leva a uma jornada excessiva de trabalho, e as condições em que o trabalho se realiza repercutem diretamente na fisiologia do corpo.” (HELOANI; CAPITÃO, 2003)

Fonte: http://lainnois.blogspot.com.br/2007/09/captulo-ix-do-domnio-real-rousseau-fim.html

Bertrand Russell definiu o trabalho em duas esferas diferentes; A primeira tratava-se da esfera de trabalho braçal onde o trabalhador tinha como meta alterar a posição de uma matéria ou de transforma-la. Sendo este trabalho menosprezado e pouco valorizado. E a segunda é o daqueles que supervisionam os trabalhadores que fazem o serviço braçal, supervisionando e dando ordens, sendo este tipo de trabalhadores mais valorizados e melhor remunerados que os outros.

Russell argumentava que as pessoas trabalhavam dura a vida inteira, recebendo o mínimo em troca, somente o necessário para a sobrevivência. Enquanto as classes dominantes falavam na honra do trabalho como uma forma de lavagem cerebral das categorias trabalhistas que pegavam no pesado. Deste modo o homem passa a trabalhar mais para conseguir se manter.

Lembre-se que o tempo é dinheiro. Para aquele que pode ganhar dez shillings por dia pelo seu trabalho e vai passear ou fica ocioso metade do dia, apesar de não gastar mais que seis pense em sua vadiagem ou diversão, não deve ser computada apenas essa despesa; ele gastou, ou melhor, jogou fora mais cinco shillings (WEBER, Max, 1904).

Sendo que este trabalho excessivo pode acarretar desgaste físico, criativo, intelectual e emocional.  Assim o trabalhador se afasta da cultura em geral acarretando em um cidadão leigo, sem opinião. Estes conceitos apresentados por Russell refletem-se nos temas atuais sobre o trabalho como é o caso do estresse e síndrome de Burnout.

A síndrome de Burnout trata-se de um desgaste do indivíduo frente as atividades exercidas no âmbito de trabalho podendo provocar um desgaste emocional e estresse crônico, muitas vezes é confundido com a depressão, por isso torna-se necessário um diagnóstico detalhado. Comumente ocorrem mudanças de comportamentos como irritabilidade, tristeza, pessimista, falha de memória entre outros.

Fonte: http://apranchetadoguerreiro.blogspot.com.br/2006_10_01_archive.html

Alguns estudos demonstram que “[…] sobre as condições de trabalho na União Européia, informa que 28% dos trabalhadores tinham problemas de saúde relacionados com o estresse” e “São quase 41 milhões os trabalhadores por ano da União Europeia, de todos os ramos de atividades, afetados pelo estresse relacionado com o trabalho, o que equivale a 600 milhões de dias de trabalho perdidos devido a doenças relacionadas com a atividade laboral.” (AREIAS E. Q; COMANDULE).

Na sociedade em que vivemos, o trabalho assume um papel elementar na socialização como um todo, uma vez que se apresenta como um campo de relações e consequentemente de elaboração da subjetividade humana. Além disso, a profissão escolhida e suas características passam a fazer parte da identidade do indivíduo perante a sociedade.

A partir de então, percebe-se que a produtividade, a visão de respeito, a eficiência e competência do indivíduo tornam-se também importantes pontos de manutenção da autoestima. Logo, o ambiente em que o trabalho se dá e suas condições precisam ser favoráveis e as relações precisam ser construídas de maneira saudáveis, mesmo que isso seja desafiador na maioria das vezes.

Percebe-se então, que esse cenário atual foi configurado aos poucos e hoje abriga patologias psicológicas das mais diversas naturezas, como: depressão, ansiedade, síndrome do pânico, síndrome de Burnout, entre outros. Essa realidade contrasta com o ideal de qualidade de vida no trabalho e corrobora com a visão filosófica de Russell, que acredita que o homem não pode ser verdadeiramente feliz tendo o seu trabalho como atividade principal na vida e que precisa ter tempo para se desenvolver em outros campos.

Diante do assunto exposto nesse trabalho, podemos perceber que a felicidade passa necessariamente pela redução da jornada de trabalho. Buscamos a felicidade, e ela vem à medida que somos donos do nosso corpo, mente e tempo. Reduzir a jornada de trabalho é uma conquista que se faz necessária, embora seja difícil, por vivermos em uma sociedade capitalista que prega a todo instante que precisamos ser mais e mais.

Porém, ao pensar sobre a redução da carga horária de trabalho é preciso falar acerca dos benefícios que isso traz, afinal, são horas livres para o lazer, ócio, prática de esportes, estudo, descanso e até mesmo viagens.  Sabe- se que o trabalho interfere diretamente no bem estar das pessoas. Se elas estão sobrecarregadas ou se o trabalho não lhe permite tempo de sobra para outras atividades, a qualidade de vida será afetada.

Essa interferência do trabalho na qualidade e quantidade de tempo tem favorecido um comportamento de consumo que não é apenas autodestrutivo, mas é extremamente prejudicial ao planeta. Constantemente somos bombardeados pelas propagandas que nos dizem a todo o tempo que o bem estar consiste em consumir coisas, bens materiais, tudo volta- se ao consumir.

Como resultado, consumimos mais na tentativa de atingir ao ideal, um estilo de vida mediada por coisas e não por relações e momentos. O que gera o sentimento de insatisfação e vazio. Sem contar que este estilo de vida caro nos exige cada vez mais tempo de trabalho, que agora também ocupa nosso tempo livre. Chegamos a um ponto de diluição de fronteiras entre tempo livre e tempo de trabalho e com o avanço da tecnologia, essas fronteiras tendem a ser tornar ainda menos claras.

Todo esse ciclo vem sendo convenientemente sustentado por nosso modelo econômico, que obcecado por crescimento e riqueza, ignora os altos custos sociais e ambientais envolvidos. Portanto, acredita- se que com uma jornada de trabalho reduzida, sem afetar bi salário do trabalhador, ele poderia se dedicar mais ao lazer, aos seus projetos pessoais o que geraria menos pessoas doentes, mais felicidade e disposição para trabalhar.

REFERÊNCIAS

Antônio Flavio Pierucci (Ed.). São Paulo: Companhia de letras, 2004.

Albornoz, Suzana. O que é trabalho. 1ª edição. São Paulo: Brasilense, 1986.

Russell, Bertrand, O Elogio ao Ócio, ed. Sextante, ano de edição 2002.

WEBER, M. WEBER, Max. A Ética Protestante e o “espírito” do capitalismo.

AREIAS E. Q; COMANDULE, Alexandre Q. Qualidade de vida, estresse no trabalho e síndrome de Burnout. Disponível em: http://www.fef.unicamp.br/fef/sites/uploads/deafa/qvaf/fadiga_cap1.pdf – Acessado em 29/03/2016

HELOANI, José Roberto; CAPITÃO, Cláudio Garcia. Saúde mental e psicologia do trabalho. São Paulo em Perspectiva,[s.l.], v. 17, n. 2, p.102-108, jun. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392003000200011&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 mar. 2016.

http://www.universopsi.com.br/dc036.html – Acessado em 04/03/2016

http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/definicao/psicagogia%20_1029179.html – Acessado em 04/03/2016

Artigo sobre o ócio: http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2010/Filosofia_e_Educacao/Trabalho/08_02_32_.OS_VICIOS_E_O_OCIO_NO_PROCESSO_FORMATIVO_DO_SABIO_SENEQUIANO.PDF – Acesso em 05/03/2016.

O Sétimo Continente. Disponível em http://www.osetimocontinente.com/2010/02/o-banquete-platao.html – Acesso em 05/03/2016.

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