A ligação: um jogo de passado, presente e futuro

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A ligação (2020), estreia da Netflix deste ano, figura no Top 10 dos assistidos e por uma boa razão. Seo-yeon, uma das personagens principais, retorna para a casa que morou quando criança e recebe ligações estranhas de uma desconhecida pedindo por ajuda. Após descobrir o diário da mulher que lhe ligou numa espécie de porão da residência, acaba por descobrir que as duas estão na mesma casa, só que em tempos diferentes.

O jogo de passado e futuro influenciando um ao outro é uma das marcas do filme, que lançam as duas personagens, Seo-yeon e Oh Young-sook, em uma narrativa muito interessante sobre doença mental, luto e até onde as pessoas vão em nome dos próprios interesses. Seo-yeon e Oh Young-sook se tornam muito próximas através das ligações cotidianas, contando sobre suas famílias, como vivem e as diferenças existentes em cada época.

Foto: filme A ligação (2020)

Assim, ficamos cientes de que Seo-yeon mora sozinha, sua mãe está internada em um hospital em quadro aparentemente crítico e que seu pai morreu em um acidente doméstico quando ela era criança. Sobre Oh Young-sook, de que vive com sua madrasta que a tortura constantemente pois acredita que ela esteja possuída por demônios, além de enclausurá-la dentro de casa e manter sua rotina rigidamente.

Em dado momento, após Oh Young-sook encontrar no passado Seo-yeon ainda criança, procuram realizar a tentativa de evitar o acidente ocorrido com o pai de Seo-yeon e assim, consequentemente, evitar sua morte. A experiência tem sucesso e numa cena que lembra Matrix (1999) ou A Origem (2010), o presente de Seo-yeon é completamente alterado, mediante a mudança no passado.

Foto: filme A ligação (2020)

Nesse presente, seu pai está vivo e sua mãe não está doente, alterando também outras questões de ambiente, como a casa que vivem, como se comportam e outros. A relação das duas é equilibrada até o momento que Oh Young-sook percebe que a amiga está ignorando-a em nome de ter momentos com a família e sua madrasta descobrir que ela está falando com alguém ao telefone. Após mais uma sessão de tortura, Oh Young-sook retorna para a amiga, que lhe informa que ela será assassinada pela madrasta num ritual de exorcismo para “cura da doença mental”. Depois disso, fica claro que o futuro tem o benefício do conhecimento, pois tudo o que já passou foi documentado de alguma forma e pode ser utilizado pelas duas.

Foto: filme A ligação (2020)

Depois do assassinato e de finalmente se ver livre, Oh Young-sook sai às ruas, faz compras e experienta o que já desejava: um pouco de vida “normal”. A personagem não aparenta remorso em nenhum momento pelo o que fez, nem sequer no assassinato seguinte, quando mata um fazendeiro que a visita, por ter encontrado o corpo de sua madrasta na geladeira.

Quando observada a ausência repentina do fazendeiro que era amigo de sua família, Seo-yeon descobre através de relatórios policiais que Oh Young-sook foi acusada pelo homicídio das duas pessoas e condenada à prisão perpétua. A partir de então, a trama muda de direção e o que era amizade se torna hostilidade e ameaças, pois Oh Young-sook deseja saber qual prova a incriminou e assim evitar de ser presa, informação da qual apenas Seo-yeon pode lhe dar.

Na sequência, a história se dedica ao jogo de passado-futuro entre as duas personagens, com muitas reviravoltas, mortes e violência envolvida no processo. Até onde ir para evitar a morte de um familiar? Como processar o luto, quando ele ocorre mais de uma vez pela mesma pessoa? Quais os limites de comportamento em pessoas diagnosticadas com transtornos mentais? O filme é muito bem produzido e apesar da impossibilidade da trama, é interessante pensar o que faríamos se pudéssemos alterar nosso passado, presente e futuro. Ao final, resta a impressão de confusão, ao percebermos que as influências entre os tempos eram maiores do que inicialmente inferido.

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Título Original: Call
Ano de produção: 2020
Dirigido por: Lee Chung-hyun
Gênero: Suspense, Terror
Países de Origem: Coreia do Sul
Duração: 112 minutos

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Paternidade Socioafetiva: quando o afeto prevalece sob a verdade biológica

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A paternidade socioafetiva é uma das espécies de paternidade no qual o vínculo afetivo prevalece sob a verdade biológica, sendo reconhecida como paternidade civil para todos os efeitos. Nesse tipo, não há vínculo sanguíneo biológico entre pai e filha(o), mas considera-se o vínculo afetivo, na construção de cuidado, carinho e atenção, para que haja o devido reconhecimento da paternidade.

Frente às novas dinâmicas familiares existentes e levando-se a conta o princípio da dignidade da pessoa humana, faz-se necessário uma reflexão e atualização do mundo jurídico, prezando pelo pleno desenvolvimento dos indivíduos e resguardando seus direitos.

O Código Civil de 1916 já vinha trazendo o direito de reconhecimento de filiação, porém em termos mais exclusivos, com interpretações que hoje não cabem à realidade familiar; por este motivo, os tribunais, atualmente, exigem a superação deste no que tange ao conceito tradicional de família, aquele que considera tão somente os laços de consanguinidade (OLIVEIRA; SANTANA, 2017).

Segundo Scott Junior (2010), a paternidade socioafetiva, apesar de parecer um fenômeno novo, já está nas famílias há muito tempo e somente na atualidade houve a evolução da legislação e da doutrina para que ela fosse compreendida em nosso ordenamento jurídico pátrio. Assim, entende-se que a “paternidade não tem ligação direta com fatores biológicos para ser determinada (SCOTT JUNIOR, 2010, p. 37), uma vez que está unida pelos laços socioafetivos construídos diariamente na relação de pai e filha(o).

Fonte: encurtador.com.br/uvS45

Através do art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988, fica assegurado um conceito de paternidade mais amplo, ao doutrinar que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988).

Um dos temas que levantam discussões em torno da paternidade socioafetiva é com relação ao Direito Sucessório, no questionamento de se a(o) filha(o) de criação, aquela(e) considerada(o) por laços afetivos, também teria o mesmo direito de sucessão dos filhos biológicos.

Como apontam Oliveira e Santana (2017), existe no legislativo uma omissão quanto à regulamentação da paternidade socioafetiva, deste modo, é mister que os julgadores façam tanto quanto possível para extirpar a desigualdade de tratamento entre os filhos, sejam eles de parentesco civil, natural ou socioafetivo.

No sentido de filiação, relação entre pais e filhos, entende-se que não deva haver nenhuma distinção entre estes, sejam eles legítimos ou ilegítimos – este último considerado os filhos frutos de relação fora de “justas núpcias” (OLIVEIRA; SANTANA, 2017, p. 94). Sendo assim, conforme o artigo já mencionado da CF/88, é inadmissível, então, que filhos consagrados numa relação filial de paternidade socioafetiva, não venham a usufruir dos bens, heranças e demais efeitos sucessórios que cabem também aos filhos consanguíneos.

No mesmo sentido, Scott Junior (2010) salienta que se a(o) filha(o) é legalmente reconhecida(o) nesta espécie de paternidade, logo não há dúvidas quanto aos direitos sucessórios. Por fim, depreende-se que o vínculo afetivo não torna a relação filial de menor importância perante a jurisprudência, cabendo aos magistrados a efetividade desses direitos nos acordos.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 24 nov. 2020.

OLIVEIRA, Eliana Maria Pavan de; SANTANA, Ana Cristina Teixeira de Castro. Paternidade socioafetiva e seus efeitos no direito sucessório. Revista Jurídica Uniaraxá, Araxá, v. 21, n. 20, p. 87-115, ago. 2017. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/231278205.pdf. Acesso em: 24 nov. 2020.

SCOTT JUNIOR, Valmôr. Efeitos sucessórios da paternidade socioafetiva. Sociais e Humanas, Santa Maria, v. 23, n. 02, p. 35-46, jul/dez 2010. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/3203. Acesso em: 24 nov. 2020.

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Violência psicológica contra mulheres

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A violência é um tema que perpassa por toda a história da humanidade. Utilizada em várias facetas, como para a aquisição de poder ou pela sobrevivência, nos convida a estudar a história das sociedades e de que forma, por quem e por qual motivo ela é empregada. Nessa breve reflexão, trataremos a respeito da violência psicológica cometida contra mulheres.

De acordo com Souza e Cassab (2010), a violência é encarada de forma diferente com base na cultura observada, ainda assim, podemos compreendê-la como um fenômeno cotidiano e enraizado em nossa sociedade, que extrapola o espaço público e adentra o espaço privado.

Existem tipos diferentes de violência que podem ser perpetrados contra mulheres e quando falamos de gênero, a análise tem de ser cuidadosa e considerar as contingências presentes, isto é, a violência desferida contra uma mulher tem bases diferentes daquela contra o homem. Isto ocorre pois quando falamos de gênero precisamos falar sobre relações de poder. A violência contra a mulher, que tem esse nome pois diz respeito à violência promovida especificamente pelo fato da vítima ser mulher, é uma forma de dominação masculina que através de certos mecanismos busca não eliminar a mulher, mas sim mantê-la sob controle (SOUZA; CASSAB, 2010).

De acordo com a Lei “Maria da Penha”, de nº. 11.340/2006, são consideradas como forma de violência doméstica e familiar contra a mulher: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Especificamente, trata da violência psicológica como (BRASIL, 2006, p. 3):

qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.

Fonte: encurtador.com.br/wxJU5

A violência psicológica contra a mulher, como apontam Sacramento e Rezende (2006, p. 97), é “mais comum e menos visível”. A violência psicológica não deixa marcas no corpo como um hematoma, mas deixa marcas na autoestima, no psicológico, na capacidade de perceber o tom daquilo que ocorre ao redor, fazendo a mulher ignorar os sinais de alerta. As mulheres que sofrem esse tipo de violência vivem com um medo constante e ainda assim se sentem impelidas a sempre desculpar seus agressores; possuem a crença de que quem está errada na relação são elas, que nunca fazem o que é certo e que se o parceiro continua com elas é por caridade (SOUZA; CASSAB, 2010).

Alguns exemplos de violência psicológica são muito claros, como quando o parceiro já não chama a parceira pelo nome próprio, mas por um adjetivo depreciativo, como “cadela” e outras atitudes mais sutis, como tentar de toda forma minar a autoestima da mulher, não incentivá-la a trabalhar, estudar ou ter cuidados estéticos. Pode também privá-la do contato com familiares e amigos, insultá-la, persegui-la, controlar a maneira como fala e se veste, controlar sua vida financeira, com quem conversa e outros. De acordo com Sacramento e Rezende (2006), os sentimentos provenientes deste ataques afetam a vida psíquica da vítima, criam feridas emocionais e traumas que ficam registrados no psiquismo.

O tratamento de uma mulher vítima de violência psicológica, bem como de outros tipos, requer paciência tanto dela mesma quanto dos envolvidos pois as marcas deixadas pelo abuso psicológico não são facilmente superados (SOUZA; CASSAB, 2010). Recaídas podem ocorrer, como a vítima voltar a morar com o agressor, mas o importante é que haja acompanhamento para que a autoestima e as demandas psicológicas sejam tratadas.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Decreto Lei 11.340 de 7 de Agosto de 2006. Lei Maria da Penha: Coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília: Secretaria Especial de Política para as Mulheres, 2008.

SACRAMENTO, Lívia de Tartari e; REZENDE, Manuel Morgado. Violências: lembrando alguns conceitos. Aletheia, Canoas, n. 24, p. 95-104, dez. 2006.   Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942006000300009&lng=pt&nrm=iso>. Aceso em  11  nov.  2020.

SOUZA, Hugo Leonardo de; CASSAB, Latif Antônia. Feridas que não se curam: a violência psicológica cometida à mulher pelo companheiro. In: Anais do I Simpósio sobre Estudos de Gênero e políticas públicas, 1, 2010. Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2010, p. 38-46.

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Vozes: quantos erros fazem um acerto?

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Um casarão, uma piscina abandonada. Uma família se muda para uma nova casa que buscam reformar para revender, mas nela, o pequeno Eric escuta vozes que lhe ordenam a fazer desenhos que o perturbam, cenas de mortes e violência. É a partir dessa premissa que o filme Vozes (2020), dirigido por Ángel Gómez Hernández se inicia.

A família, que já possui o hábito de comprar casas para passá-las a frente por um valor maior, muda-se então para um casarão antigo. O que parece ser mais um bom negócio começa a encontrar os primeiros problemas quando o filho único da família, Eric, tem problemas de insônia e ansiedade, alegando para a psicóloga que o visita estar ouvindo vozes.

Inicialmente, parece que somos apresentados a mais um filme no qual a entidade perturba um personagem até seu fim derradeiro, no ápice da trama. No entanto, somos pegos de surpresa diante da morte por afogamento do personagem principal em poucos minutos do filme, na mesma piscina que dá início à primeira cena.

Em desespero diante da morte prematura de seu filho, Daniel, interpretado por Rodolfo Sancho, procura ajuda através de um autor que publica obras sobre psicofonia. Esse fenômeno diz respeito à tentativa de espíritos em se comunicar com pessoas vivas e apesar de aparentar determinado grau de ceticismo, Daniel busca por Gérman pois acredita que Eric está pedindo sua ajuda do além.

Gérman e sua filha se instalam na casa e começam a realizar os testes para verificar possíveis alterações sonoras no ambiente que podem indicar a presença de alguma entidade ou espírito. Muito rapidamente encontram resultados positivos quando tem provas não somente de ondas sonoras mas também de silhueta térmica no quarto da criança falecida, o que certifica a presença física de algum ser paranormal.

Na mesma noite em que os personagens tem conhecimento sobre a presença de algo no quarto de Eric, os fenômenos retomam com toda força e a produção se utiliza da velha e simples influência que os espíritos parecem ter sobre as pessoas vivas, alterando suas percepções auditivas e visuais baseadas em experiências pessoais marcantes. Sobretudo, não é apenas ver o que não está lá ou ouvir uma voz que não existe, essas alucinações promovem dano à vida dos personagens e eles percebem que estão encarando algo muito pior do que o esperado.

Alertados por uma pessoa da cidade e também diante de pesquisas, Gérman e sua filha descobrem que a casa funcionava há 300 anos como um tribunal, julgando durante a Inquisição as mulheres que acreditavam estar envolvidas com bruxaria. Diante disso, percebem estar num local em que houve muitas torturas e assassinato de mulheres inocentes em nome de uma moral religiosa torpe.

Investigando a origem dos fenômenos, deduzem que as pessoas mortas durante as torturas ainda estão na casa e aqui partimos para os momentos finais do filme, que contam com muito suspense e sustos clássicos de filmes de terror.

Após descobrirem o corpo de uma das supostas bruxas presa em uma gaiola numa espécie de porão da casa, Gérman afirma que, segundo a tradição, só se pode destruir uma bruxa com fogo e se decidir por dar cabo à esse plano é o que, afinal de contas, parece ter sido o erro dos personagens. Ora, se em outros momentos da história houve tamanho desrespeito à dignidade da pessoa humana e um claro ataque e perseguição às mulheres, não é possível vislumbrar o motivo pelo qual repetir o mesmo erro pode gerar um acerto. Por fim, preferimos acreditar que o objetivo do filme é incutir no telespectador uma reflexão acerca do tema, do que apenas uma falha no roteiro.

Se procurado um filme com um roteiro bem escrito, é possível que este não seja o mais indicado. Não fica claro o motivo da tortura da “bruxa” que assombra as pessoas na casa ou porque, ainda, ela se utiliza da voz do pai para atrair a criança para morte, nem como porque é o pai que chega a matar a criança. O filme inicia com Eric como personagem principal, mas depois que o profissional entra em cena para investigar os fenômenos, basicamente não se fala mais na criança, ficando a sensação das coisas não estarem encadeadas. No mais, o filme segue o modelo clássico de filmes de terror quando o tema é levar susto.

FICHA TÉCNICA:

Título Original: Voces
Direção:  Ángel Gómez Hernández
Elenco: Ana Fernández García; Rodolfo Sancho; Belén Fabra; Lucas Blas; 
Origem: Espanha
Ano: 2020
Gênero: Terror

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Psico-oncologia: conceito e atuação

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A psico-oncologia é uma especialidade de estudo que envolve a Psicologia e Oncologia, esta última compreendida como a ciência de estudo do câncer, seu desenvolvimento e possíveis tratamentos. O início do desenvolvimento dessa área tem suas influências, como aponta Carvalho (2002), ainda em Hipócrates e Galeno, quando questionavam-se a respeito de mente e corpo: um poderia influenciar o outro? Os dois se conectam de alguma forma ou são independentes?

Com a superação da ideia presente na Idade Média de que as doenças eram punições divinas, pôde-se, através de Freud no final do século XIX, ampliar-se o olhar sobre o tema e buscar as correspondências presentes entre os eventos de ordem orgânica e psíquica (CARVALHO, 2002). É a partir do desenvolvimento da Psicologia, Psiquiatria e dos estudos em Psicossomática que compreende-se nos dias atuais a psico-oncologia como uma área da Psicologia da Saúde, responsável por realizar o aperfeiçoamento da saúde através da identificação de fatores psicológicos, comportamentais e sociais da doença (STRAUB, 2005, apud ALVES; VIANA; SOUZA, 2018).

De acordo com Alves, Viana e Souza (2018), a atuação da(o) psicóloga(o) com o paciente oncológico e também com sua família é de crucial importância para que se tornem capazes de ressignificar o sofrimento, auxiliando no enfrentamento do câncer. Considerando que esta é uma doença que tende a ter resultados devastadores caso a descoberta e tratamento sejam tardios, entende-se que afeta todo o núcleo familiar, mobilizando os indivíduos. Tendo em vista a promoção e manutenção da saúde é que os profissionais envolvidos irão atuar, e de maneira especial, a(o) psicóloga(o), no que tange aos aspectos biopsicossociais.

Em relação ao diagnóstico do câncer, a psico-oncologia procura, segundo Holland (1990, p. 11), estudar duas dimensões, quais sejam: “1) o impacto do câncer no funcionamento emocional do paciente, sua família e profissionais de saúde envolvidos em seu tratamento; 2) o papel das variáveis psicológicas e comportamentais na incidência e na sobrevivência ao câncer” (apud Carvalho, 2002). A partir disso, depreende-se que a atuação da Psicologia na Oncologia é voltada não apenas para o paciente e no tempo corrente da doença, mas também para toda sua família e nos casos de cura ou mesmo de retorno ao quadro debilitado.

Fonte: encurtador.com.br/knoL5

No Brasil, o primeiro encontro destinado à psico-oncologia aconteceu ainda em 1989 em Curitiba e logo ocorreu também em São Paulo e Brasília, contando com a presença de vários profissionais da área dedicados a discutir sobre o tema e superar os desafios encontrados através da troca de experiências. Atualmente, contamos com a Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO), que através da Psico-oncologia procura aplicar-se (Gimenes, 1994, p. 46):

1º) Na assistência ao paciente oncológico, sua família e profissionais de Saúde envolvidos com a prevenção, o tratamento, a reabilitação e a fase terminal da doença;

2º) Na pesquisa e no estudo de variáveis psicológicas e sociais relevantes para a compreensão da incidência, da recuperação e do tempo de sobrevida após o diagnóstico do câncer;

3º) Na organização de serviços oncológicos que visem ao atendimento integral do paciente, enfatizando de modo especial a formação e o aprimoramento dos profissionais da Saúde envolvidos nas diferentes etapas do tratamento (apud Carvalho, 2002).

A respeito dos desafios encontrados, podemos citar o modelo biomédico que pensa a doença apenas como uma manifestação orgânica, sem relação com o psicológico; variedade de abordagens psicológicas e suas respectivas formas de lidar com o paciente oncológico, gerando discussões sobre que aspecto deve ser o norteador da prática; prognóstico do câncer; personalidade do paciente; dificuldade em realizar o trabalho com a equipe multidisciplinar e outros (CARVALHO, 2002).

Diante dos desafios que ainda se encontram e com o objetivo de fomentar a discussão do tema, novos encontros e trabalhos continuam sendo publicados. No mais, como apresentam Alves, Viana e Souza (2018, p. 530), a atuação do profissional em Psico-oncologia vem de ser o de facilitador na “identificação dos medos, dúvidas  e  expectativas  do  paciente”, promovendo bem-estar na medida do possível, além de uma melhor comunicação entre médico e paciente.

Fonte: encurtador.com.br/nC139

REFERÊNCIAS

CARVALHO, Maria Margarida. Psico-oncologia: história, características e desafios. Psicol. USP, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 151-166, 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642002000100008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25  nov. 2020. https://doi.org/10.1590/S0103-65642002000100008.

ALVES, G. DA S.; VIANA, J. A.; SOUZA, M. F. S. DE. Psico-oncologia: uma aliada no tratamento de câncer. Pretextos – Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, v. 3, n. 5, p. 520-537, 7 mar. 2018. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/pretextos/article/view/15992/13025>. Acesso em: 25  nov. 2020.

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Musicoterapia e Psicanálise: conceito e aproximações

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A musicoterapia se respalda no uso científico da música de forma sistemática por um profissional qualificado e de um modo geral, objetiva por meio da música, “participar e interagir com o paciente” em atividades tanto grupais quanto individuais (QUEIROZ, 2013, p. 1535). Por sua importância e eficácia, é interessante realizar o esclarecimento de seu conceito e suas aproximações da abordagem psicológica psicanalítica, amplamente utilizada entre os profissionais clínicos da atualidade.

Ao dialogar sobre os fundamentos epistemológicos da musicoterapia, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) revisitam a história dessa prática que está presente na sociedade desde a antiguidade, sendo utilizada para fins terapêuticos. As autoras colocam que uma das principais características que diferem as práticas musicoterápicas realizadas antigamente para as que se fazem presentes nos últimos 50 anos, é a preocupação que atualmente se tem em relação a sua cientificidade, tendo em visto que o uso da música e seus efeitos na antiguidade tinha um cunho mais religioso e filosófico, como por exemplo, sua utilização para espantar maus espíritos em práticas mágicas antigas.

Foi no final do século XVIII e início do século XIX que as primeiras dissertações médicas sobre o uso da música no contexto terapêutico aconteceram, dando início a uma mudança no discurso que embasava sua prática. Percebe-se que a musicoterapia é uma área que desenvolveu-se primeiro pela prática para depois passar pelo processo de fundamentação (ULKOWSKI; CUNHA; PINHEIRO, 2019). Esse processo pode ter culminado no que Cunha (2018) vem chamar de interdisciplinaridade ou a hibridez da construção teórica musicoterapêutica, tendo em vista que essa é uma prática que perpassa diversos saberes e áreas (por exemplo, artes e saúde). Apesar desse pluralismo teórico, a autora fala sobre a necessidade de bases conceituais que “iluminem as interpretações, que levem a metodologias e resultados de estudos, que facilitem as discussões e construções explicativas. São elas que oferecem fundamentos para o entendimento de realidades” (ibid. p. 26).

Fonte: encurtador.com.br/dxyBL

Quando se fala sobre a fundamentação da musicoterapia no Brasil, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) relembram as atuações pioneiras na década de 1960 com Cecília Conde, Gabrielly de Souza Silva e Dóris de Carvalho sucedidas pelos primeiros cursos e palestras com enfoque científico em solo brasileiro. Outro importante nome foi a da educadora musical Clotilde Espínola Leinig que implantou a Especialização Lato Sensu em Musicoterapia, na Faculdade de Educação Musical do Paraná, e mostra como conceitos psicanalíticos estiveram presentes na fundamentação da musicoterapia no Brasil, tendo em vista que os livros do médico e psicanalista Rolando Benenzon (responsável pelo Modelo Benenzon de Musicoterapia, hoje conhecido como Terapia Não-Verbal) foram utilizados na implementação do curso.

Todo esse processo colaborou para que a prática da musicoterapia fosse reconhecida como uma atividade clínica regulamentada não somente no Brasil, como em diversos outros países. Formação reconhecida pelo MEC, o musicoterapeuta pode atuar nas áreas da saúde, educação, social/comunitária, entre outros, sempre estabelecendo um plano de cuidado que proporcione a promoção, prevenção e/ou reabilitação da saúde do sujeito, individualmente ou enquanto grupos (UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA, 2018). De acordo com a Federação Mundial de Musicoterapia (1996, p. 4):

Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar, e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia objetiva desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do indivíduo para que ele/ela possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida, pela prevenção, reabilitação ou tratamento.

Fonte: encurtador.com.br/lsx05

Em outras palavras, a musicoterapia pode ser utilizada como um processo de intervenção terapêutica, a partir das experiências sonoras que tocam os sentidos do corpo como um todo. Trata-se de um fenômeno criativo que mobiliza o organismo a agir, por meio de ritmos/melodias e também a comunicar-se de forma não-verbal. Pois, entende-se que muitos indivíduos portadores de deficiência possuem limitações na fala, prejudicando a fluidez da comunicação verbal (SANTOS; ZANINI; ESPERIDIÃO, 2015).

Neste sentido, esses autores revelam que a música é um experimento que pode promover auto reflexão, conscientização e exteriorização de conteúdos inconscientes. Com isso, a relação cliente-terapeuta-música pode co-construir aspectos benéficos no desenvolvimento terapêutico.

Na busca por promover um diálogo entre a musicoterapia e a psicanálise, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) refletem sobre a importância de se ter uma teoria na qual a prática musicoterápica pudesse se amparar. Além disso, essas interlocuções ampliam o exercício da psicanálise para outros modos de atuação do terapeuta, como em situações de pessoas que apresentam “doenças regressivas”, por exemplo.

Fonte: encurtador.com.br/atL27

Even Ruud, em sua obra Caminhos da Musicoterapia (1990), apresenta a ideia de que a atividade musical tem sua origem nas primeiras etapas da vida do indivíduo, ainda quando o bebê ainda não consegue discernir os limites entre o eu e a realidade, nos primeiros períodos narcísicos da organização psicológica do ego da criança. Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019), ao resgatar trabalhos como os de Christine Lecourt (2011), expressam a relevância das experiências sonoras até mesmo na vida pré-natal, e como esta influência no desenvolvimento verbal e musical do indivíduo.

Retomando Ruud (1900), a autora discorre sobre como conteúdos do nosso inconsciente, como impulsos e desejos, podem ser transformados em arte, afinal tais conteúdos possuem uma carga libidinal. Tanto a atividade musical criativa quanto a passiva, exercem uma gratificação libidinal no sujeito, se analisado através da teoria da libido. Além disso, ela fala como “os elementos da música tais como ritmo, melodia, harmonia e modos também parece ter um significado psicodinâmico específico” tendo em vista que “a repetição rítmica e ênfase rítmica são meios de descarga; o ritmo estável conduz a um alívio gradativo da tensão sexual” (ibid, p. 37).

A música como destino pulsional de conteúdos inconscientes por meio da sublimação, devido ao fato desta expressão ser mais aceita socialmente, também é um assunto comentado pelas autoras Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019), que falam sobre como a musicoterapia atua como facilitadora desse processo. Além disso, essa prática orientada pela teoria psicanalítica também diz sobre a similaridade entre a música (tal como se apresenta) e o processo primário do sujeito (se refere ao ponto de vista topológico, que seriam os elementos do inconsciente, e ao ponto de vista dinâmico, que se refere ao escoamento da energia psíquica de uma representação para a outra), bem como a escuta transferencial e o seu manejo.

Fonte: encurtador.com.br/rty59

No que se refere aos processos facilitadores da musicoterapia para a expressão de conteúdos, desejos, impulsos inconscientes, Ruud (1990) retoma os trabalhos de Wright e Priestley (1972) para falar sobre como a música pode ser um instrumento para que o indivíduo mergulhe em si mesmo, podendo alcançar o inconsciente e trazer aspectos de si mesmo como sentimentos, memórias, complexos, antes encobertos, para a consciência.  A  autora assinala que: “a música é considerada equivalente ao conteúdo manifesto do sonho e pode ser analisada e compreendida pelas mesmas técnicas que são aplicadas na interpretação do sonho e do chiste” (RUUD, 1990, p. 38). Isso porque tais conteúdos manifestados através da música conseguem burlar a censura da consciência e dar-se com menor resistência (WHEELER, 1981).

As formas de estabelecer essa ponte são infinitas: desde deixar o paciente tocar livremente um instrumento ou escolher uma música. É fato que esse processo de percepção interna, propiciada através da música, o leva ao objetivo maior que é integrar esses elementos, agora conscientizados, em sua psiquê. Trata-se de tornar consciente aquilo que estava fora de alcance, no inconsciente. Elaborar esses elementos e integrá-los. Isso leva o indivíduo a viver de forma mais satisfatória e saudável. E isso porque todo esse processo favorece também a resolução de conflitos, aumento da autoaceitação, trabalha novas técnicas para enfrentar os problemas e fortalece a estrutura do ego do sujeito (RUUD, 1990).

Christine Lecourt (1996), já citada neste artigo, é uma pesquisadora francesa, e em seu trabalho com Lapoujade (1996) discorreu sobre como a musicoterapia contribui também em outros sentidos. Elas descrevem como ela atua na compreensão da experiência musical do indivíduo, verificando possíveis presenças de psicopatologias ligadas ao som, assim como transtornos mentais. Alguns exemplos são a hiperestesia de som, diferentes níveis de surdez, alucinações, entre outros.

Fonte: encurtador.com.br/hvyT4

Outra importante profissional na área fala sobre como a música pode ser usada também na musicoterapeuta, como forma de lidar com impasses na própria prática. Márcia Cirigliano, em A Canção Âncora (2004), declara que em situações de impasse ou impotência com o seu paciente, tendo dificuldades para interagir com ele, o musicoterapeuta pode utilizar uma canção como recurso para se apoiar nela, e a partir dela estabelecer uma interação mais segura com o seu paciente. Isto é, a música não tem funcionalidade apenas para o paciente, mas também para o terapeuta que pode se ancorar nela.

Para Benenzon (2011), a música viabiliza a possibilidade de uma comunicação entre inconscientes (do musicoterapeuta para com o paciente e vice-versa), sem precisar atravessar o pré-consciente e o consciente. É isso o que ele vem chamar de contexto não-verbal. Essa ideia corrobora com a afirmação de Wheeler (1981) sobre o poder da música de burlar as censuras. Assim, para Benenzon (2011), o objetivo principal da musicoterapia é viabilizar canais de comunicação com o paciente.

Desta forma, percebe-se como o trabalho da música está para além de uma simples forma da energia básica e desejos latentes se expressarem. O ego utiliza da música (tendo em vista que é uma atividade iniciada por ele para atingir diversos objetivos) para levar-se a gratificação das necessidades particulares, como defesa contra forças diversas, para realizar funções sintetizadoras e/ou integrativas, e etc (RUUD, 1990). Assim, fica claro como a música tem um papel significativo no desenvolvimento dos seres humanos.

REFERÊNCIAS

BENENZON, Rolando. Musicoterapia: de la teoría a la práctica. 1ª edição. Madrid: Paidós, 2011.

CIRIGLIANO, Márcia. A Canção Âncora. In Revista Brasileira de Musicoterapia. ano IX, n. 7, 2004. Disponível em: http://www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/11/5-A-Can%C3%A7%C3%A3o-%C3%82ncora.pdf. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

CUNHA, R. Conceituação em musicoterapia: temos fundamentos universais? In Anais do XIX Fórum Paranaense de Musicoterapia e III Simpósio Paranaense de Pesquisa em Musicoterapia. n. 19, p. 25-32, 2018.

LAPOUJADE, Christine; LECOURT, Edith. A Pesquisa Francesa em Musicoterapia. In Revista Brasileira de Musicoterapia. ano I, n. 1, 1996. Disponível em: http://www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/12/2-A-Pesquisa-Francesa-em-Musicoterapia.pdf. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

QUEIROZ, Isabela Cristina Sousa. O autismo: aspectos gerais e um breve relato de experiência. In: CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 21., 2013, Pirenópolis-­go. Anais […]. João Pesso: Editora da Ufpb, 2013. p. 1530-1541. Disponível em:

ULKOWSKI, Iara Del Padre Iarema; DOS SANTOS CUNHA, Rosemyriam Ribeiro; PINHEIRO, Nadja Nara Barbosa. Da musicoterapia à musicoterapia orientada pela teoria psicanalítica: fundamentos epistemológicos. Revista InCantare, v. 10, n. 1, 2020.

UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA. Definição Brasileira de Musicoterapia. 2018. Disponível em: http://ubammusicoterapia.com.br/definicao-brasileira-de-musicoterapia/. Acesso em: 16 nov. 2020.

UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA. Revista Brasileira de Musicoterapia, p. 4, 1996.

RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.

SANTOS; Elvira Alves dos, ZANINI; Claudia Regina de Oliveira, ESPERIDIÃO; Elizabeth. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade terapêutica no cuidado ao cuidador. Revista Música Hodie. V. 15, N.2, P.273. Goiânia, 2015. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/musica/article/download/39740/20296. Acesso em 22 de setembro de 2020.

WHEELER, B. The relationship between music therapy and theories of psychotehrapy. In Music Therapy. v. 1, issue. 1, p. 9-16, 1981. Disponível em: https://academic.oup. com/musictherapy/article/1/1/9/2757052. Acesso em: 22 de setembro de 2020.

 

 

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CAOS 2020: Avaliação psicológica com crianças foi tema de minicurso

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Na noite quarta-feira, dia quatro de novembro, teve início o minicurso ministrado remotamente pela Psicóloga Esp. Isabela Monticelli Fonseca Ribeiro com o título “A Avaliação Psicológica com Crianças”, parte da programação do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia – CAOS 2020.

A Psicóloga Isabela Monticelli conduziu o minicurso com diversas provocações no intuito de gerar reflexão e discussão entre os participantes, iniciando com a fala de que a criança não é um mini adulto e por esta razão, deve-se compreender quem atendemos para realizar uma melhor Avaliação Psicológica. Seguem abaixo algumas questões provocadas no minicurso e suas respectivas respostas de acordo com a ministrante.

encurtador.com.br/desz5

Qual o conhecimento mais importante para avaliar uma criança? O conhecimento mais importante ao avaliar uma criança é sobre o desenvolvimento infantil, que engloba tanta a questão física, quanto neurológica, cognitiva, de linguagem, social, sociocognitivo/moral, emocional, de identidade e outros.

Qual a diferença entre a Avaliação Psicológica e a Neuropsicológica? Ressalta-se, primeiramente, que os dois tipos de procedimentos são técnico-científicos. Por um lado, a Avaliação Psicológica avaliará os aspectos de memória, atenção, função executiva, por exemplo, pautado em como isso é vivenciado pela criança. Já na Avaliação Neuropsicológica, verifica-se como estão operando todas as funções neurológicas e cognitivas.

encurtador.com.br/FIKMY

O que deve-se pensar primeiramente ao fazer a Avaliação Psicológica e a Avaliação Neuropsicológica e por onde começar? Deve-se pensar primeiramente no objetivo da avaliação e em quem está solicitando. A avaliação muda de acordo com o que se propõe a avaliar e é necessário observar se quem solicita é a escola, os pais ou se a demanda vem de outro profissional. Para começar a Avaliação Psicológica, inicia-se com a anamnese.

Quais informações coletar na Anamnese? Várias informações são coletas na anamnese e podemos citar algumas: se o filho foi desejado, se nasceu prematuro, se foi submetido a algum tipo de cirurgia, se mamou e por quanto tempo, se engatilhou e quanto tempo, se os pais vivem juntos ou separados, como é a relação da criança na escola, na família e com os amigos, além de várias outras informações.

É importante esclarecer para a criança sobre o motivo dela estar sendo avaliada? Sim. Realizando a comunicação de uma forma que a criança possa compreender, comunica-se o motivo pelo qual está realizando os procedimentos, as brincadeiras, as tarefas.

encurtador.com.br/absB9

A Avaliação Psicológica é realizada apenas com teste? Não. Existem outros meios além da testagem que envolvem a Avaliação Psicológica.

O que investigar além do problema/queixa? Procura-se investigar também as potencialidades da criança. Vindo para uma Avaliação Psicológica pode ocorrer o que a Psicóloga Isabela Monticelli chama de “diagnóstico caseiro”, isto é, o que falam sobre a criança de forma pejorativa. Nesse sentido, a avaliação tem de investigar também as potencialidades daquele indivíduo, pois a queixa e os problemas tragos ao consultório não significam um resumo da criança.

encurtador.com.br/aCJT9

Com essas e outras questões, promoveu-se um espaço de interação e aprendizado entre os participantes. Essa edição do CAOS, inteiramente de forma remota, tem como tema “Psicologia e Profissão: a avaliação psicológica em destaque”. A programação conta com palestras, mesas redondas, minicursos e sessões técnicas. Mais informações podem ser obtidas no site do evento.

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Retrato do artista quando velho: a literatura do desespero

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Joseph Heller (1923-1999) nasceu em Nova York e teve o início de sua vida literária na escrita de contos. É reconhecido pelo livro Ardil-22, seu primeiro romance publicado em 1961, premiado e adaptado para o cinema. Retrato do Artista quando Velho foi publicado postumamente em 2000, no ano posterior à morte do autor, e procura contar sobre o processo de escrita na velhice.

Inicialmente, o romance parece um retalho de outros romances, como se estivéssemos lendo um livro dentro um livro. Através de uma narrativa em terceira pessoa conhecemos Eugene Pota, um escritor septuagenário de renome que reflete com amargura dos tempos de juventude em que as ideias lhe surgiam com mais facilidade, como lampejos prolíficos cheios de possibilidade. O protagonista busca, entre passeios lentos e vista para o mar, evocar uma ideia que lhe pareça digna de ser escrita.

A história que lhe parece mais acertada e genial tem o título “Uma Biografia Sexual de Minha Mulher”, que possui aprovação de seus editores e amigos, sem no entanto agradar sua esposa que precisa explicar a todo tempo que a história não se trata sobre ela. Pota pensa que livros sobre injustiça social e outros temas que perpassam as mazelas da sociedade são coisas então do passado, nada que fosse “motivo de escândalo” (HELLER, 2002, p. 29), que dirá tema merecedor de seu novo grande romance. Mas escrever um livro sobre sexo lhe provoca uma boa sensação.

É diante de um cenário de angústia e percepção desacelerada do tempo que observamos Pota em suas tentativas de escrita. Na idade em que se encontra e considerando que já escreveu livros considerados best-sellers, compreende que não pode escrever nada que esteja abaixo disso, o que nos promove uma ideia inicial que posteriormente é confirmada por ele de que há uma cobrança excessiva sobre o sucesso que lhe deixa paralisado, sem criatividade e com sentimento de humilhação.

Foto: Gilstéfany Oliveira

“A maioria de nós esmorece com a idade, e também com a experiência. O trabalho não se torna mais fácil com a prática e, quando paramos, desaba subitamente sobre o nós o peso esmagador de todo o tempo livre que temos pela frente e que não estamos aptos a enfrentar.” p. 24

Durante o livro, o protagonista se dedica à enredos sobre personagens bíblicos, mitológicos, adaptações de grandes obras literárias e outros temas que sempre desembocam num tipo de fracasso ou pausa. O autor se reprime constantemente pelo ridículo do que escreve e a narrativa é ultrapassada por essas histórias e sua vida cotidiana.

Em sua história sobre Tom Sawyer, referência à obra literária de Mark Twain, Pota parece espelhar na narrativa do personagem certos aspectos de sua personalidade e preocupações que lhe rondam, apontando um declínio da força criativa dos autores do qual Tom Sawyer busca como inspiração para se tornar um bom escritor. Este momento parece nos dizer que a busca é vã, os bons escritores que conhecemos morreram na miséria, melancólicos, sofrendo de solidão ou de doenças implacáveis e algumas vezes os dois ao mesmo tempo.

Ao final da busca infrutífera, Pota nos informa, através de Tom Sawyer, do banal da vida dos escritores: “tratava-se apenas de seres humanos apaixonados, com intenções elevadas, que queriam ser escritores e que, na maioria dos outros aspectos, pareciam mais sensíveis, neuróticos, confusos e infelizes que o normal.” (HELLER, 2002, p. 218). A normalidade possui uma característica cultural muito explícita, uma vez que seus limites variam de acordo com o padrão esperado de comportamento inseridos num contexto sociocultural e familiar (APA, 2014). Quer escritores ou não, cabe refletir se a confusão, sensibilidade e infelicidade não são elas mesmas uma característica do gênero humano, muito além de normal e anormal, mas função inadiável da qualidade de viver.

Numa palestra ministrada por Pota próximo ao final do livro, ele nos traz de forma clara todas as inquietações que já estavam nas entrelinhas de suas outras histórias. Questões relacionadas à natureza do trabalho, desejo de fama e prestígio, cobiça, falta de ritmo e energia mental, angústia e depressão. Momentaneamente, o livro parece perder em matéria de desenvolvimento e aguçamento de curiosidade, pois todas as cartas são dadas, explicadas, esmiuçadas. Não há nada então que o leitor já não tenha antevisto. Parece vir carregado também de um esgotamento, numa narrativa arrastada, como se estivéssemos tão cansados quanto o protagonista, que o sente em tentar escrever algo que lhe seja realmente digno e do leitor em observar a falta de qualidade nos produtos de suas tentativas.

Foto: Gilstéfany Oliveira

“Poderia começar com praticamente qualquer civilização humana de que temos conhecimento, e eu nunca, nunca, conseguiria chegar ao fim, pois as coisas más, selvagens, que os homens e mulheres civilizados, perversos, fazem contra os outros homens e mulheres continuam a suplantar nossa capacidade de fazer um inventário completo de todas elas.” p. 150

Na palestra que tem como título “A literatura do desespero”, Pota procura analisar a obra de grandes autores quando sua vida pessoal está em foco, observando que elementos trágicos estiveram presentes, principalmente ao final de suas vidas. Para isso, utiliza Herman Melville, Joseph Conrad, Henry James, F. Scott Fitzgerald, Charles Dickens, Sylvia Plath e outros para exemplificar como terminam os escritores em situações angustiantes, vulneráveis e levando a uma morte que, muitas vezes, ocorre por motivos pífios. Ao mesmo passo que analisa a biografia desses autores, o protagonista pensa sobre sua própria vida, se visualiza sua morte como uma saída adequada, se é um indivíduo infeliz. As respostas são negativas e o são pois ele tem no outro sua baliza: enquanto sou visto, enquanto sou aceito, enquanto gostam de mim, então sou alguém e faz sentido que eu esteja aqui.

Transferindo-se constantemente de uma história para outra, podemos verificar o mecanismo de autossabotagem promovido pelo protagonista, que não se atém à história que acredita ter potencial e perde então seu tempo em outros relatos. Quando finalmente encontra-se firme em dar continuidade na escrita de um livro sobre sexo na perspectiva de uma mulher, percebe que não as conhece o suficiente. Logo parte em viagens e reencontros de antigos amores na esperança de que lhe surja material suficiente para o livro.

Se Pota alcança seu objetivo ao final deixaremos à descoberta do leitor, na promessa de uma periência metalinguística presente no desfecho que dá ao romance um tom especial. Retrato do artista quando velho é uma elucubração de desespero, um retrato da velhice nos termos em que não existe mais correspondência entre o desejo e a ação, que ecoa sobre o implacável da vida: o tempo e a morte.

FICHA TÉCNICA

RETRATO DO ARTISTA QUANDO VELHO
Editora: Cosac & Naify
Gênero: Romance
Autor: Joseph Heller
Ano de lançamento: 2000
Idioma: Português
Ano: 2002
Páginas: 320

REFERÊNCIAS

HELLER, Joseph. Retrato do artista quando velho. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. 320 p. Tradução de: Luciano Machado.

ASSOCIATION, American Psychiatric (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

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Destituição do poder familiar: conceito e aplicações

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A perda ou destituição do poder familiar é a forma mais grave de sanção aplicada pelo Estado aos pais que faltam com os deveres aos seus filhos. De acordo com o Artigo 1638 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, perde por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: 

I – castigar imoderadamente o filho; II – deixar o filho em abandono; III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente. V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. 

Conforme aponta Torres et al. (2012), o poder familiar era inicialmente atribuído apenas ao pai, que tinha direito até mesmo de vender ou tirar a vida de seus filhos. Nos dias atuais, entende-se que a responsabilidade pelo poder familiar é compartilhada entre ambos os pais, que devem prover sustento, guarda, educação e o que mais for necessário para seu bem-estar. Considera-se, desta maneira, que o poder familiar inaugurou-se como instituto de direito privado e que só posteriormente tornou-se social, pois ainda que a família se desenvolva num ambiente privado, é o Estado que o fiscaliza e protege suas relações (MONDIN, 2016).

Com base no que indica o Artigo 227 da Constituição Federal, vislumbra-se que o atendimento às necessidades dos filhos não se dá apenas por uma questão material (TORRES et al., 2012) mas também no que se dispõe:

É  dever  da  família,  da  sociedade  e  do  Estado  assegurar  à  criança,  ao  adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à  alimentação  à  educação,  ao  lazer,  à  profissionalização,  à  cultura,  à  dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (EC nº 65/2010)

 A sanção aplicada de destituição do poder familiar é uma medida grave e que é apurada pelo juiz com muito cuidado aos fatos apresentados. Para a tomada de decisão, alguns pontos são relevantes, como: o direito dos filhos de serem criados e educados no seio da família natural (art. 19, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), direito de personalidade, Direito Natural da pessoa e direito dos pais de criarem e terem seus filhos próximos a si (art. 384 e incs., Código Civil), como aponta Torres et al. (2012).

Na jurisprudência, existem dois tipos de destituição do poder familiar, de caráter parcial ou total. O caráter parcial diz respeito ao processo aplicado em apenas uma parte da prole ou pela suspensão de alguns direitos dos pais com relação aos filhos, sendo de caráter temporário (MONDIN, 2016). Em sua forma total, a destituição atinge toda a prole independente de estarem envolvidos na hipótese legal e pode ser aplicada a um dos pais ou os dois (TORRES et al., 2012). Em última instância não mencionada anteriormente, pode haver a extinção do poder familiar, segundo Mondin (2016), nos casos de morte dos pais ou do filho, emancipação, adoção ou maioridade.

Fonte: encurtador.com.br/anrBV

O justo nos casos é que seja considerado o que é melhor para a criança e o adolescente, buscando-se o menor prejuízo. Mondin (2016) reflete que esta decisão atinge não apenas o âmbito jurídico mas também o social, pois para o pai perder o poder familiar corresponde a deixar de ser pai, e para o filho ver-se longe de sua família de origem pode corresponder a deixar de ser filho. O romper do vínculo familiar previamente estabelecido é uma questão sensível que reafirma a importância da cautela na decisão desses casos.

A Lei nº 10.406 confere as situações que são consideradas no ato judicial de perda do poder familiar, mas em grande parte dos casos a interpretação do judiciário vai além do que foi estritamente mencionado. Nesse sentido, Rodrigues (2004, p. 371, apud, Torres et al., 2012) salienta que o mencionado no inciso II sobre abandono na Lei supramencionada não se aplica apenas ao ato de deixar a criança sem assistência material, mas ainda quando há um descanso “pela sua criação, educação e moralidade”. O mesmo se aplica aos outros incisos, quando se considera que muitas decisões de destituição levam em conta situações em que os filhos que são expostos à prostituição, utilização de drogas e outros dependentes químicos e situações que violem a moral e os bons costumes (MONDIN, 2016).

Destarte, para que haja o atendimento do melhor para a criança e o adolescente nas questões relacionadas ao direito à convivência familiar e comunitária expostos Artigo 19 do ECA, nos casos em que o ambiente familiar promove contato com pessoas que têm dependência química é necessário e assegurado por direito que a criança venha a ser criada e educada numa família substituta, que lhe forneça um ambiente seguro para seu desenvolvimento.

Acrescenta-se, conforme as contribuições de Mondin (2016), que a destituição do poder familiar não tem o objetivo primeiro de sanção imposta aos pais, mas sim de uma medida que venha a proteger a criança e o adolescente e lhe assegurar o direito de convivência familiar e comunitária, mesmo que seja em família outra.

REFERÊNCIAS

MONDIN, Fabrícia Alcantara. A construção da decisão judicial nas ações de destituição do poder familiar. 2016. 171 p. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, [S. l.], 2016. Disponível em: https://www.univali.br/Lists/TrabalhosMestrado/Attachments/2072/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Fabr%C3%ADcia%20Alcantara%20Mondin.pdf. Acesso em: 29 set. 2020.

TORRES, Ana Carolina Fróes et al. Destituição do poder familiar. Cadernos Graduação – Ciências Humanas e Sociais, Aracaju, v. 1, n. 14, p. 219-222, out. 2012. Disponível em: https://periodicos.set.edu.br/cadernohumanas/article/view/536/261. Acesso em: 29 set. 2020.

OUTRAS REFERÊNCIAS

BRASIL. Código civil brasileiro. 2002.  Disponível em:  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 29 set. 2020.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. 2014. Brasília. Congresso Nacional.

 

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