Murray Bowen e a Terapia Familiar Sistêmica

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Por Karen Keller Barra De Oliveira

O psiquiatra americano Lucius Murray Bowen (1913-1990) foi um dos fundadores da Terapia Sistêmica e um dos teóricos pioneiros da Terapia Familiar. Bowen era professor de psiquiatria da Universidade de Georgetown e desenvolveu a teoria dos sistemas familiares no início dos anos 1950, com sua primeira publicação em 1966 fundamentada em suas pesquisas com evidências científicas.

O autor iniciou seu projeto de pesquisa observacional sobre as interações familiares na enfermaria da National Institute of Mental Health, onde conseguiu que famílias vivessem por períodos longos. Na pesquisa, Bowen reconheceu famílias como sistemas complexos e descreveu o pensamento de sistemas naturais como essencial para retratar as interações de relacionamento, fugindo da ideia de pensamento de causa e efeito.

Murray Bowen, em 1993, apresenta a teoria do desenvolvimento humano que considera o contexto familiar, multigeracional, social, cultural e histórico e, além disso, a evolução da espécie humana. Para o autor, o funcionalismo humano é determinado pelos princípios naturais que regem outras formas de vida, essencialmente os processos emocionais. Para tal, a teoria boweniana destaca três sistemas de funcionamento: o emocional, afetivo e o cognitivo, que se inter-relacionam e influenciam um ao outro. Bowen (1993; KERR; BOWEN, 1988, apud OTTO; RIBEIRO, 2020, p. 82) afirma que o sistema com maior influência no comportamento de uma pessoa é o emocional, que influencia no funcionamento biológico, psicológico e social do indivíduo, portanto, para o autor, ele é o ponto de partida dos problemas psíquicos mais graves.

A teoria boweniana foi elaborada com oito conceitos que estão inter-relacionados: diferenciação do self; triângulos; processo emocional da família nuclear; processo de projeção familiar; processo de transmissão multigeracional; corte emocional; posição entre irmãos e processo emocional na sociedade.

Entre os conceitos importantes que foram desenvolvidos por Bowen está o de nível de diferenciação, o qual ele descreve como o funcionamento geral da vida de cada pessoa que reflete no nível de maturidade emocional. Para o autor, cada indivíduo reage de uma forma e, desta maneira, pode alcançar a diferenciação do self ou não. Bowen defende que a diferenciação do self é um processo com o objetivo de alcance da individualidade, autonomia, identidade e maturidade e afastamento de impulsos emocionais e reatividades.

Bowen (apud NICHOLS; SCHWARTZ, 2007, p. 131) propõe que o processo de diferenciação ocorre dentro das relações e defende que quando há maior reação, menos diferenciado o indivíduo é, pois a proposta da diferenciação é fundamentada na capacidade de resposta às situações da vida e uma pessoa indiferenciada é reativa a essas situações. Desta maneira, o autor explica que uma pessoa que é diferenciada sofre emoções e não reage aos impulsos emocionais, enquanto as indiferenciadas são mais emotivas e reativas, sentindo dificuldade em promover sua autonomia, como em situações que geram ansiedade. Outro aspecto importante destacado na teoria é o nível de diferenciação do self do terapeuta, que deve ter uma postura diferenciada e consciente do seu funcionamento emocional para evitar que isso interfira no processo terapêutico. (Bowen, 1993; Bowen et al., 1991; Kerr & Bowen, 1988).

Conforme Bowen (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007, p. 129), os relacionamentos são motivados pelas forças da individualidade e da proximidade, que devem equilibrar-se, pois é necessário que os indivíduos se relacionem, mas devem ter sua autonomia e independência dentro dos sistemas. É importante destacar que o processo psicoterapêutico desenvolvido por Murray Bowen considera o histórico geracional da família de origem e objetiva a redução de tensões familiares. Desta maneira, a terapia deve atuar nos padrões familiares com o objetivo de neutralizar a ansiedade, entendida como um processo de resposta a ameaças reais ou imaginárias que podem existir de forma aguda ou crônica. (Kerr, 2019; Kerr & Bowen, 1988).

No modelo de terapia boweniano, as sessões iniciais são focadas na coleta de informações sobre o sistema familiar através de genogramas. Nesse sentido, o terapeuta busca pistas sobre o processo emocional da família, como padrões de proximidade e distanciamento, como a ansiedade é tratada, quais triângulos são ativados, o grau de adaptabilidade a mudanças e eventos estressantes e quaisquer sinais de corte emocional (Bowen, 1993; Kerr, 2019; Kerr & Bowen, 1988). Já a segunda etapa é focada na realização de perguntas para os clientes adultos em questões pessoais com o objetivo de aumentar os níveis de diferenciação a fim de que façam declarações sobre pensamentos e sentimentos para conscientização da responsabilidade na relação, movimento considerado fundamental na teoria para a diminuição da ansiedade e de triangulação. (Bowen, 1993; Kerr & Bowen, 1988).

Outra fase importante é a que os clientes adultos são treinados a se diferenciarem de sua família de origem. Segundo Bowen (1993); Kerr & Bowen (1988), os ganhos na diferenciação auxiliam para a diminuição da ansiedade e uma maior autorresponsabilidade dentro do sistema da família nuclear. Desta forma, o autor instrui os terapeutas a saírem de uma posição de ajuda, na qual as famílias aguardam passivamente por uma melhora e sejam colocadas como responsáveis pela sua própria mudança (Bowen, 1993; Kerr & Bowen, 1988).

Com inúmeras contribuições na Terapia Familiar Sistêmica, é importante destacar que Murray Bowen propõe o atendimento de casal e família, atendimento multifamiliar e a terapia apenas com um membro da família. Apesar de preferir o trabalho com casais, Bowen acreditava que os esforços de um adulto para ser mais diferenciado são possíveis, desde que ele esteja bastante motivado. (Bowen, 1993; Kerr & Bowen, 1988).

REFERÊNCIAS

NICHOLS, M. P.; SCHWARTZ, R. C. Terapia familiar – conceitos e métodos. Tradução: Maria Adriana Veríssimo Veronese. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Oliveira, Leonardo Ferreira de; Lara, Consuelo Dias Chula; Sousa, Angélica Mendonça de. A família e o processo de diferenciação: um estudo da atuação do psicólogo em Murray Bowen. Ânima educação, dez. 2021.

Kerr, M. E. & Bowen, M. (1988). Family evaluation. In family evaluation. W. W. Norton & Company (Digital edition).

OTTO, Ana Flávia Nascimento; RIBEIRO, Maria Alexina. Contribuições de Murray Bowen à terapia familiar sistêmica. Pensando fam.,  Porto Alegre ,  v. 24, n. 1, p. 79-95, jun.  2020 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000100007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  12  maio  2023.

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Fonte: Imagem de arquivo próprio

Psicologia no Esporte: Roberto Burns fala sobre a atuação do psicólogo no futebol

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O (En)Cena entrevista o psicólogo Roberto Burns, que carrega em sua história um laço antigo com a Psicologia do Esporte. Quando criança, começou a jogar futebol, que é enraizado em suas origens familiares, e ainda menino se apaixonou pelo esporte. Iniciou trabalhos na área do futebol em estágios quando cursava Psicologia e atualmente possui experiência como coordenador técnico esportivo; técnico e auxiliar técnico de categorias de base e Analista de Desempenho de futebol profissional.

Roberto possui foco em clubes e escolas de futebol; consultoria para atletas de alto rendimento e atendimento clínico para redes (casais e famílias). Em 2023, o psicólogo fundou a empresa Ampliase, que atua na coordenação e consultoria para atletas e equipes de alto rendimento.

(En)Cena – Roberto, como foi a escolha de trabalhar na área da Psicologia do Esporte?

Roberto Burns – O esporte no geral, mas especificamente no futebol, está na minha vida desde o início. Meu pai sempre foi apaixonado por futebol, jogou futebol, meu avô jogou futebol, então isso vem muito forte desde as minhas origens familiares e também acabou que durante o meu desenvolvimento fui pegando gosto também. Joguei futebol de forma competitiva, nunca fui um atleta de algum clube relevante, sempre atuei em Palmas, mas em escolinhas foi de forma competitiva até os 11, 12, 13 anos. Consequentemente, fui pegando gosto não apenas pela parte do jogar o futebol, mas também compreender o jogo e as situações. Entrei no curso de Psicologia, depois disso comecei a conhecer um pouco a Psicologia do Esporte e acho que foi um caminho construído já desde a minha infância que culminou com a Psicologia e a atuação nessa área. Foi algo que eu tinha esse interesse e ainda no 8º período já comecei a atuar em estágios e logo que me formei também já estava basicamente encaminhado em um clube que eu já havia feito estágio anteriormente.

Seu trabalho é focado em algum ramo específico do esporte?

É focado no futebol. Eu ainda não tive experiência e também não tenho bagagem teórica para outros esportes. No futebol, especificamente, eu pude juntar a parte técnica por ter trabalhado na parte técnica como analista de desempenho, técnico e auxiliar técnico do Palmas nas categorias de base dos 14 até os 17 anos de idade e depois sub-20 também. Atuei na equipe profissional como analista de desempenho, então muito dessa parte técnica eu estudei e experienciei e alinhando essa parte técnica alinhei também a parte mental com a Psicologia. O meu foco hoje é integralmente no futebol, não excluo outras possibilidades, mas hoje é onde me sinto seguro e onde me traz desafios e motivação para trabalhar.

Como é a atuação do psicólogo no futebol?

O psicólogo no futebol contempla uma das áreas de atuação. Acho que tem que colocar a psicologia no lugar que ela deve estar. Eu não gosto de dar relevância exacerbada à nossa atuação e nem também de não dar a relevância merecida. Eu não concordo com a psicologia ser a salvadora do mundo. Mas também não concordo com algumas vezes em que ela é subestimada por fatores sociopolíticos, por fatores também de mercado que acabam englobando só os políticos. Então eu gosto de colocar a Psicologia no lugar que ela está hoje no futebol. A psicologia está integrada em uma das quatro partes de trabalho. No futebol a gente tem a parte técnica, que é a parte de tudo aquilo que tem a ver com a bola nos pés. A parte tática que tem a ver com posicionamento, leitura de jogo, filosofia do time, a parte física que envolve tudo aquilo que tem a ver com o corpo. Então, impulsão, aceleração, velocidade e força é a parte mental. E é nessa parte mental que a psicologia entra. Eu gosto muito de deixar a gente bem quadrado, onde eu acho que deva estar. Não só eu acho, mas enfim, pelas fontes, que é por onde eu sempre estudei e fiz os cursos. Eu entendo que esse é o caminho, então ela é uma das quatro partes de atuação, deve ser respeitada como tal, deve receber a relevância que cabe a ela. Hoje a gente está em uma crescente boa de questão de reconhecimento. Tem uma disputa muito forte também com outras áreas que trabalham a performance em relação à parte mental. Então a gente às vezes está ali dividindo o mercado com alguém que trabalha com coaching, com mentoria esportiva, coisas do tipo. E eu acho que temos que trabalhar mais, tem que estar acessível cada vez mais sob o ponto de vista de linguagem, de conteúdo, para que consigamos fazer com que as pessoas compreendam a Psicologia como uma prática técnica e uma prática capaz de trabalhar em vários lugares, que a gente tira um pouco desse misticismo que existe em relação à Psicologia e passe a trazer ela cada vez mais para um mercado comum, não algo fora da caixinha. Resumindo, dentre as quatro partes de atuação dentro do futebol, a Psicologia entra em uma delas, que é a parte mental. Então, a comissão técnica é composta por pessoas que trabalham com a parte técnica, tática, física e também a parte mental.

Como é realizada a coordenação e consultoria para atletas e equipes?

Ela faz parte da empresa que eu criei em janeiro, que se chama Ampliase, uma empresa que tem foco na coordenação de projetos esportivos, não necessariamente na área de atuação da Psicologia. Então, eu trabalho em escolinhas de futebol, trabalho em projetos sociais e desenvolvimento, desenvolvendo metodologia e a parte da coordenação. Já a consultoria para atletas e equipes é outro ramo que eu trabalho dentro da própria Ampliase. Então, dentro da Ampliase eu tenho o trabalho dedicado à parte de coordenação, a parte de desenvolvimento de projetos. Aliado a isso tem a parte que entro com a Psicologia. Não que a Psicologia esteja separada uma parte ou outra, mas eu entro formalmente com ela na parte de consultoria para atletas. E o que é isso? Um pouco distante do processo psicoterapêutico. Eu, dentro da parte mental, dentro daquilo que eu sou capaz de propor. Reflexão de ampliar a visão do atleta sobre a perspectiva mental. Então a gente trabalha bastante a questão das emoções, a questão da ansiedade, como isso é aplicado no campo, como que não é. “O que eu posso fazer com isso? O que eu faço com o meu erro? Qual é o tamanho do erro? Qual é a importância do erro?” É uma parte em que eu coloquei como consultoria, porque eu acredito que seja isso. Então não é um processo psicoterapêutico, é um processo que eu faço intervenções mais práticas, intervenções às vezes mais objetivas. E, enfim, é um trabalho com atletas e hoje no futebol principalmente com atletas de base. Atualmente eu tenho trabalhado com mais de dez atletas, dos oito até os 17 anos. Coordenação esportiva e desenvolvimento de projetos esportivos não necessariamente é a parte psicológica. A consultoria é uma parte psicológica, mas que também não é psicoterapia. Tudo isso é endossado pela Ampliase como um CNPJ. Então, eu decidi traçar esse caminho para que eu pudesse fugir um pouco da imagem do Roberto e deixar isso profissionalizado em nome de uma empresa, porque eu acho que eu poderia ampliar a minha área de atuação e possibilitar novas oportunidades.

O atendimento é feito de forma individual e em grupo?

O atendimento é feito de forma individual em relação à consultoria. Eu atendo cada atleta de maneira diferente e a metodologia tem uma base, mas é bastante resiliente nesse sentido. Já o atendimento em grupo ocorre com as equipes. Hoje eu trabalho para o FlaPalmas, que é uma equipe de desenvolvimento de base aqui, mas é a equipe mais vencedora do estado. Esse trabalho eu faço quase que integralmente em grupos. Então eu trago os atletas para a clínica. Lá a gente trabalha várias perspectivas, mas principalmente o ponto é propor reflexões. Eu tento não deixar grandes frases de efeito, algumas máximas, eu evito fazer isso. Eu tento principalmente propor reflexão para que eles se compreendam enquanto grupo, se compreendam enquanto pessoas que se relacionam profissionalmente, se relacionam socialmente e, enfim, o foco e propósito são levantar temas do cotidiano que eles estão vivendo ou que eles não estão vivendo, o que eles podem viver, o que eles não podem viver. Tudo isso de maneira bem democrática, quase que como um facilitador do processo, né? Então, me baseei também na época que eu estudei na faculdade sobre Pichon-Rivière e gostava muito. Tem um foco bastante grande na questão da intervenção em grupos.

Como é executada a preparação dos atletas para as competições?

Eu acredito que é uma das partes do processo de preparação de um atleta em uma dessas partes em que eu atuo, que é a parte da Psicologia. Eu tento trazer os temas do cotidiano, trazer os temas às vezes que a gente consegue aprender na teoria e correlacionar eles no contexto do futebol. Então é o foco principal, propondo reflexão, dando espaço para que eles conversem, para que eles se compreendam, para que eles deem novos significados para determinadas situações. Pontualmente, vamos supor que os atletas vão estão se preparando para a Go Cup, que foi algo que aconteceu mês passado. A Go Cup, a maior competição de base do mundo, tem clubes do mundo inteiro. Ela corre em Goiânia. Então, um exemplo pontual do sub-9, eu trouxe os atletas para a clínica e debati com eles, conversei, trouxe visões que querendo ou não, quando a gente fala no papel de psicólogo ela é mais legitimada. Então, é aproveitar esse papel não para induzir ou para convencer, mas é aproveitar esse papel para conseguir fazer o máximo de reflexões possíveis. Eu trazia temas como motivação, como dificuldade, como objetivo. Eu trabalhei bastante a diferença entre objetivo e sonho. Ansiedade é o que mais é trabalhado, acho que na Psicologia inteira e no futebol não é diferente. Então, o que acontece com o nosso corpo durante a ansiedade, durante o processo de ansiedade? Como que isso de alguma maneira nos ajuda e nos ajudou historicamente? Como é que isso nos atrapalha e o que a gente pode fazer com isso? Então é bastante ampla a área de atuação.

Quais são os desafios de trabalhar com equipes?

Eu acredito que é aquela questão de colocar a Psicologia onde ela deve estar. Algumas pessoas vão creditar um valor à ela, que às vezes é um tanto exagerado como às vezes uma frase muito comum que é usada. O pessoal fala assim: “a mentalidade é tudo”, já eu não vejo por esse lado. Eu acho que mentalidade é um processo importante. Ou algumas pessoas que falam “eu não quero psicólogo na minha equipe”, nunca aconteceu comigo, mas pode acontecer e acontece no mundo inteiro. E aí vem o processo de você mostrar o valor da Psicologia na equipe. E eu acho que a dificuldade é você lidar com essas diferentes visões de conseguir caminhar em um rumo que você consiga ser justo no que está fazendo, sem passar por cima das pessoas ou deixar que elas passem por cima de você. É um processo. A Psicologia em si já é nova num contexto mais amplo, histórico. Mas, no futebol ela é bem recente. A gente teve um exemplo da Copa do Mundo de 2022 que foi bastante debatido, em que o treinador declarou que o psicólogo da equipe seria ele mesmo, não nessas palavras, mas deu a entender. Até aquele momento a gente via muita progressão, mas aí quando a gente vê um treinador da seleção brasileira, ou seja, hierarquia máxima dentre os profissionais técnicos no Brasil, dá uma declaração dessa a gente vê que às vezes não estamos onde deveríamos. E aí entra um debate muito gigante sobre por que os porquês disso ou não. Como que aconteceu, o que aconteceu para a gente chegar nesse ponto de estar debatendo isso? Eu acho que o passo principal que eu já repeti várias vezes é de nos colocar onde a gente tem que estar. E se a gente trabalhar onde a gente deve trabalhar e onde podemos trabalhar, as chances de darem errado são muito menores. Consequentemente, as chances de conseguirmos ser mais validados e conseguir ter uma maior credibilidade. Então, trabalhar dentro da ética, conseguir ter um respaldo teórico bom, mas principalmente conseguir se relacionar de forma ética e de forma segura sobre o que estamos fazendo. Acho que quando há insegurança, quando há uma dificuldade em passar o que a gente sabe, andamos uns passinhos para trás, mas quando a gente consegue mostrar de fato o que podemos fazer, como a gente pode fazer, sem receio do que os outros estão fazendo parecido ou semelhante, como por exemplo, o caso dos coaches. Eu acho que a gente consegue trabalhar da melhor maneira e aí, naturalmente, conseguimos assumir o lugar que a gente precisa de fato estar.

Seu trabalho é norteado por qual abordagem teórica da Psicologia?

O meu trabalho é baseado na perspectiva sistêmica e não necessariamente na abordagem, já que eu tenho trabalhado um pouco menos a questão da psicoterapia, mas o pensamento sistêmico, o paradigma sistêmico, a ciência paradigmática é algo que me pegou logo que eu li. A gente ainda não tem tantos materiais falando especificamente disso, mas é algo que me norteia desde sempre. Então, os princípios básicos que eu sou apaixonado, que é o da instabilidade, o da intersubjetividade e o da complexidade são os que me guiam e os que conseguem me dar um norte a ser seguido. Hoje eu acredito na psicologia sistêmica, no pensamento sistêmico novo-paradigmático.

Roberto, como é a atuação fundamentada na abordagem da Psicologia Sistêmica na área do esporte?

Eu pego esse pilar e pego muito do paradigma, que é algo que é bastante debatido nos livros, de que antes de a gente responder a uma teoria, a gente responde o paradigma, responde à visão de mundo que corresponde àquela teoria. E eu acredito fortemente nisso, que a gente não precisa estar munido de todas as informações, de todas as teorias existentes no mundo, mas sim tendo um comportamento que evidencia e que legitima. O nosso paradigma que legitima a nossa visão de mundo. Então, quando eu compreendo que eu não sou um especialista de conteúdo, mas um especialista de relação, que eu vejo o ser humano como um ser complexo, como um ser instável, intersubjetivo, ou seja, que trabalha ele em relação ao outro e, diferentemente, ele em relação a outra pessoa diferente desse outro, eu acho que a gente fica contemplado para trabalhar, não preso na abordagem e não preso no pensamento, mas abraçado pelo paradigma. E é aí quando você, abraçado pelo paradigma, consegue ter um trabalho muito mais confortável, mais seguro, mais afetivo e mais efetivo também.

Para você, essa fundamentação auxilia no manejo do trabalho e na compreensão do esporte e da atuação dos atletas como um conjunto complexo de elementos?

Acho completamente, não só um conjunto complexo, mas um conjunto instável, um conjunto intersubjetivo. Auxilia e como falei, nos guia de uma maneira confortável de se trabalhar e instigante para que consigamos cada vez mais novas reflexões e novas formas de se atuar que correspondam a isso. A fundamentação auxilia, contempla e nos dá força para que a gente consiga seguir.

Quais são os desafios a serem enfrentados pelo psicólogo esportivo?

O psicólogo esportivo, falando pessoalmente e também como classe, tem dificuldades em vários fatores. Eu acho que um dos que eu posso citar é encontrar o nosso lugar e saber se a gente é importante demais, se a gente é importante de menos ou se somos simplesmente importantes, né? E também conseguir passar tudo isso que aprendemos durante cinco anos de uma maneira acessível. Não passar os conteúdos, até porque alguns não devem ser passados, mas conseguir passar o que a gente pode e o que conseguir, é trazer a Psicologia cada vez mais a um contexto acessível, ainda mais num país tão inacessível sob o ponto de vista intelectual, sob o ponto de vista de conteúdos. São poucas as pessoas que conseguem acessar determinadas coisas e eu acho que a psicologia enquanto classe, quando ela consegue se aproximar da população, quando ela consegue se aproximar de quem precisa de forma integral dela, conseguimos fazer o nosso trabalho de uma maneira muito suave e muito mais segura, sem receio do que outras pessoas que trabalham também com isso possam tomar o nosso lugar. Eu acho que o caminho é bem objetivo nesse sentido. Nós fazendo o nosso com segurança, com ética, com acessibilidade temos o melhor a oferecer. E tendo o melhor a oferecer, a gente consegue superar os obstáculos. Mas, nesse caminho de acessibilidade eu acho que às vezes não conseguimos passar tudo e tu também não consigo às vezes passar o que conseguimos aprender. A gente tem uma dificuldade em questão de expectativa e realidade do que acontece dentro da prática da Psicologia e sofremos igualmente como qualquer pessoa que se forma e que atua com todos esses estigmas, né? Aí eu acho que já é algo mais generalizado, foge um pouquinho do esporte. Generalizações de que estamos sempre analisando, que somos pessoas calmas e que não temos emoções intensas e que conseguimos controlar as emoções. Eu acho que quando entramos nesse discurso, damos brecha para que as pessoas consigam ocupar os espaços que não deviam. Quando não criamos expectativas surreais, a gente se iguala. E aí, quando a gente se iguala, a gente tem um campo para trabalhar. Consequentemente dividido. Então, é fugir às vezes de um uma frase simplificada para exemplificar uma parte da atuação, sabe? É fugir disso e fugir de frases prontas e de receitas, porque não cabe a gente e não é o nosso papel. Tem muita gente aí fazendo isso de forma competente ou não, mas existem e elas estão fazendo. E eu acho que temos coisas diferentes a oferecer e que estamos conseguindo cada vez mais dar sensibilidade a isso.

Como a Psicologia contribui e pode ajudar para que os atletas alcancem um bom desempenho e alto rendimento no futebol?

A Psicologia é uma área de atuação junto ao preparador físico, junto ao técnico, junto ao auxiliar técnico e é um componente do processo. Ela ajuda a partir do momento que é efetiva e técnica, que ela é embasada, que ela é democrática, que ela sabe se relacionar e ajuda o atleta do alto rendimento. Ela ajuda o atleta que não é do alto rendimento, ajuda a pessoa, ajuda as redes dessa pessoa, os laços afetivos. Ela ajuda tudo quando é bem feito, quando é feito da maneira que temos o domínio e conhecimento pra fazer. Quando a gente escapa um pouquinho disso, ela já passa a se confundir com algumas coisas que não devem ser confundidas e às vezes também não são tão efetivas. Então, acho que a Psicologia contribui nesse sentido e especificamente no contexto que eu trabalho hoje, eu vejo que contribui principalmente na forma que nos relacionamos com os outros, que é um passo importante e decisivo no futebol. É uma base muito, muito, muito importante. Coincidentemente, a gente tem a TCC hoje com uma área de grande abrangência, de grande atuação na psicologia do esporte. Porque é uma demanda bem forte nesse sentido. E aí eu vou ali de cantinho trabalhando, porque as relações também, na minha visão, são algo que se não for de uma maneira saudável, se não for de uma maneira respeitosa, de uma maneira perspicaz, pode frustrar um processo inteiro. E se for de uma maneira eficaz, se for de uma maneira responsável, pode potencializar as pessoas de uma maneira impressionante

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Documentário “O dilema das redes”: consequências do uso excessivo das redes sociais

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O documentário “O Dilema das Redes”, lançado pela Netflix em 2020 e dirigido por Jeff Orlowski, aborda de forma crítica o impacto das redes sociais nos seres humanos. O drama descreve, através de especialistas em tecnologia, a maneira perigosa e alarmante que as redes sociais estão controlando e manipulando as pessoas o tempo todo no presente e projetando suas ações e futuro e como isso impacta no social e na democracia.

Com uma perspectiva problematizadora, o documentário é narrado por especialistas que trabalharam em grandes empresas como Google e Facebook a fim de alertar sobre a forma que essas empresas realizam planejamentos e operam com algoritmos para controle de comportamentos sociais com o intuito de resultar em uma produção que renda cada vez mais dinheiro para elas. Como isso é feito? Através da manipulação. A narrativa aborda como o avanço das tecnologias alavancou o capitalismo e adverte, em uma dos relatos dos especialistas: “se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”.

Nicolaci-da-Costa (2002) defende que os efeitos do uso da Internet podem ser exemplificados em três grandes categorias: (a) registros de alterações superficiais de comportamento, passíveis de serem detectados; (b) relatos de comportamentos considerados problemáticos, bem como de conflitos internos gerados pelo uso da internet; e (c) registros, descrições e análises das transformações que ocorrem na própria organização subjetiva dos sujeitos em seus dias.

Fonte: encr.pw/yW3xu

Os especialistas que abordam sobre como todo o sistema funciona são os próprios criadores de diversas mudanças promovidas nessas redes ao longo tempo para o controle dos usuários nas redes sociais. Entre eles estão o ex-presidente do Pinterest, Tim Kendall, o ex-engenheiro da Google e do Facebook, Justin Rosenstien, ex-gerente de operações do Facebook, Sandy Parakilas, ex-especialista em ética de design da Google, Tristan Harris.

Dentre as diversas preocupações desses especialistas, sem dúvidas uma da maior delas é quais são os impactos mentais ocasionados pelas redes e o manipulação de pensamentos, sentimentos e comportamentos que elas possuem sobre as pessoas e a forma com que isso tem determinado seus comportamentos. Inclusive, os próprios expressam grandes preocupações ao admitir que estão viciados nas redes sociais e não conseguem sair delas, por mais que já tenham tentado, conscientemente, por diversas vezes.

MOROMIZATO et. al. (2017) define o uso descontrolado e desadaptativo das redes como adicção por internet (AI), que aponta estar relacionado a transtornos de ansiedade e de humor, depressão, comportamento compulsivo, transtornos de personalidade, diminuição da felicidade e vitalidade subjetivas, além de danos à saúde mental.

Os narradores expressam que quando algumas ferramentas foram criadas, como a opção de “like” no Facebook, a pretensão era que as pessoas se sentissem bem, mas os efeitos contrários não foram considerados. O crescimento desenfreado das redes sociais é simultâneo ao armazenamento de dados pessoais que funciona como uma indústria de venda de informações para o capitalismo, portanto é através desta inteligência artificial que as empresas programam e manipulam as ações das pessoas. Essas programações têm afetado a saúde mental e o comportamento, causando inúmeros prejuízos pessoais e sociais. Segundo um dos narradores, este é um novo tipo de mercado. É um mercado que nunca existiu antes. E é um mercado que negocia exclusivamente o futuro do ser humano”.

De que forma as redes sociais programam esses comportamentos? Os narradores citam que o trabalho é feito da seguinte forma: enquanto cada pessoa acessa a Internet, algoritmos são lançados nos eletrônicos para colher informações do que é feito nas redes e fora delas, como estilo de vida, pensamentos, desejos de compra e relacionamentos, para que as páginas sejam construídas com interesses pessoais e você fique sempre conectado e seja controlado nas suas ações por conteúdos sugeridos, o que gera mais lucro para o mercado.

Os problemas relacionados à saúde mental e comportamental são caracterizados pelas alterações de pensamentos, comportamentos e humor, devido a uma disfunção desses fatores, que atingem o funcionamento psíquico global. O uso das redes sociais é um hábito relativamente recente, porém já é possível identificar a influência que esse hábito tem na vida das pessoas (ABJAUDE et al., 2020).

Desta forma, o documentário “O Dilema das Redes” demonstra de forma crítica que com o avanço da tecnologia houve a potencialização de emoções negativas provocadas por esse sistema, que tem resultado em prejuízos na saúde mental, física e comportamental dos seres humanos. Nesse contexto, a produção traz inúmeras reflexões sobre o uso excessivo das redes sociais e se, de fato, é possível, como citado pelos próprios criadores de diversos recursos e que temem os efeitos causados e admitem o vício, que mudanças certas possam salvar o que há de bom nas redes sociais, pois os próprios citam, ainda, falta de ferramentas para a solução desses problemas provocados pelo vício e controle das redes sociais.

De fato, o que fica nítido é que o avanço tecnológico tem se tornado cada vez mais presente e indispensável e alavancado a necessidade de aprovação pessoal, sentimentos negativos, manipulação e o sistema de informações falsas criado para o rendimento de likes e lucro para o mercado. Portanto, é evidente a necessidade da criação de medidas e políticas públicas que objetivem tornar a consciência e vivência dessas novas realidades, formas de comportamento e práticas de consumo de forma mais saudável no âmbito biopsicossocial para a diminuição dos efeitos psicológicos e comportamentais nocivos ocasionados pelo uso excessivo das redes sociais.

REFERÊNCIAS

MOROMIZATO, M. S.; et al. 2017. O uso da Internet e das redes sociais e a relação com os sintomas de ansiedade e depressão entre estudantes de medicina. Acesso em: 08 março. 2023.

ABJAUDE, Samir Antonio Rodrigues; PEREIRA, Lucas Borges; ZANETTI, Maria Olívia Barboza; PEREIRA, Leonardo Régis Leira. Como as mídias sociais influenciam na saúde mental? Acesso em: 12 março. 2023.

NICOLACI-DA-COSTA, Ana Maria. Revoluções Tecnológicas e Transformações Subjetivas. 2002. Acesso em: 12 março. 2023.

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A invisibilização de mulheres lésbicas pela heterossexualidade compulsória

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A heterossexualidade compulsória refere-se a uma série de comportamentos, regras coletivas e imposições determinadas por papéis sociais estabelecidos historicamente para os indivíduos, estes atrelados à heteronormatividade. Historicamente, esses padrões apresentam-se como regras sociais em que o gênero e a sexualidade são direcionados para a heterossexualidade como a única forma possível de existência para a manutenção desse sistema heteronormativo.

Louro (2009) descreve que a heterossexualidade é uma construção social que exige investimentos e esforços criteriosamente elaborados para colocar em funcionamento sua normatização. As forças regulatórias que produzem as masculinidades e feminilidades sob a ótica heteronormativa afirmam que a única forma de atração sexual legítima é entre um homem (pênis/masculino) e uma mulher (vagina/feminino).

Fonte: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

23ª Parada do Orgulho LGBT em Brasília.

Enraizada, a heteronormatividade é indutiva ao pensamento de que somente o relacionamento heterossexual, entre um homem e uma mulher cisgêneros, é considerado correto e normal, portanto estabelece-se como norma social que impacta de forma biopsicossocial os seres humanos que estão em contrapartida a essa norma. Nesse sentido, a sociedade compreende a heterossexualidade como superior e, em consequência, ocorre a marginalização de outras orientações sexuais.

Como consequência, estar fora desse padrão acarreta na construção histórica e fomento da homofobia, forma de preconceito que inferioriza homossexuais e a lesbofobia, que violenta mulheres lésbicas de diversas formas, desde agressões verbais, psicológicas, até violências físicas e homicídios.

A heterossexualidade é uma imposição social submetida através de diversas maneiras para influenciar e determinar que os seres humanos sejam obrigados a serem heterossexuais por ser percebida como a única forma correta de relação amorosa. Conforme Miskolci (2011), a diretriz heteronormativa induz que todos os sujeitos, independente da orientação sexual, adotem o modelo hegemônico da heterossexualidade supostamente por ser uma ordem social do que é correto e natural do que se espera ao curso da vida.

            Esse modelo é organizacional, político, imposto e naturalizado historicamente e violenta todas as mulheres, pois determina desde o que deve-se vestir até comportamentos de supervalorização dos homens e relacionamentos com eles com o intuito servi-los, satisfazê-los e de invisibilizar quem não seguem esse padrão, a exemplo das mulheres lésbicas cisgênero e transsexuais, bissexuais ou que não performam feminilidade. Nesse contexto, as mulheres lésbicas são violentadas de forma biopsicossocial ao longo de toda a vida e não possuem espaço para existir, sendo silenciadas em todos os espaços sociais.

  A heteronormatividade é um sistema mantido por padrões sociais embasada em um discurso evolutivo de possibilidade de procriação, na instituição do casamento, na submissão da mulher, o que contribui para que sua essência seja apagada e ela não tenha propriedade do seu corpo, sendo uma forma evidente de controle. Pode-se perceber que seu intuito, em suma, resulta na apropriação pessoal e coletiva pelos homens em quesito de gênero, sexualidade e existência das mulheres.

            De acordo com Butler, 1994:36-37 […} o que a pessoa sente, como age e como expressa sua sexualidade em articulação e consonância com o gênero. Há uma causalidade e identidade particulares que se estabelecem na coerência do gênero, ligada à heterossexualidade compulsória.

Entendendo a sociedade de forma sociocultural hétero-cis normativa, com padrões de comportamentos, identidades e performances de gênero e sexualidade pré-determinados antes mesmo do nascimento dos seres humanos, a influência que a heterossexualidade compulsória atinge na vida das mulheres lésbicas é contínua e resulta em um sofrimento infindável gerado pelo sentimento de não pertencimento e invisibilização do existir.

Portanto, ainda que menos discutida do que deveria, a imposição da heterossexualidade compulsória e opressões e violências ocasionadas por ela na vida de mulheres lésbicas está presente em um contexto histórico-político em que a ideia da heterossexualidade retira o poder existir e também a liberdade das mulheres de forma estrutural.

REFERÊNCIAS

BUTLER, Judith .1994. Gender as Performance. Radical Philosophy, a Journal of socialist & feminist philosophy, 67, Summer, p.32/39.

COUTO JUNIOR, D. R. “Aí que acaba meu mar de rosas e começa o meu calvário: gênero, sexualidade e o aprendizado com a diferença. Periferia, vol. 9, núm. 2, pp. 59-79, 2017. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

MISKOLCI, R. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. 2. Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

 

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Copa do Mundo: a importância do acompanhamento psicológico no futebol

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O estado emocional dos jogadores da Seleção Brasileira desde a derrota para a Croácia nos pênaltis nas quartas de final na Copa do Mundo do Catar 2022 no dia no dia 9 de dezembro tem sido repercutido nas redes sociais pelos próprios atletas e pelo povo brasileiro, ambos frustrados e com raiva do jogo que resultou no adeus ao tão sonhado Hexa. Com o aval de Tite, o Brasil é um dos países que optou por ir ao mundial sem um psicólogo na equipe.

O jogo que eliminou a seleção canarinho ocorreu em um estádio em sua maioria verde e amarelo e com tensão dos jogadores por uma decisão que deveria ser o avanço na competição. O gol do Brasil foi marcado pelo atacante Neymar Jr., que se preparou intensamente, sofreu uma lesão, se recuperou e tinha expectativas altas de conquistar o título. O empate veio em um deslize da seleção faltando poucos minutos para acabar o jogo e a derrota logo depois, nos pênaltis. Após a eliminação, o camisa 10 publicou em seu Instagram um longo texto que começava com: “estou destruído psicologicamente”.

Os outros jogadores convocados também compartilharam suas frustrações nas redes sociais, acompanhadas de afirmações como “vai doer por muito tempo”. O técnico Tite, que está no comando da seleção desde 2016 e liderou o time por duas copas, decidiu não enviar um psicólogo como parte da equipe, composta por 60 pessoas, entre os 26 atletas, e o resultado foi a imagem dos jogadores abalados psicologicamente em campo e o técnico, que até então assumiu o papel de motivador, saiu de cena logo após o jogo e os deixou no gramado. Apesar de ter tido acompanhamento psicológico antes da Copa, o treinador não avaliou como necessário e dispensou a participação de um psicólogo por considerar ser um período curto, optando por frases motivacionais no centro de treinamento, como “confiança não se pega e se solta quando quer”.

O próximo jogo da seleção, caso ganhasse, seria contra a Argentina na semifinal, time que possui acompanhamento psicológico no mundial. Recentemente, o goleiro Dibu Martínez, que defendeu pênaltis durante a competição, declarou que o acompanhamento psicológico foi determinante para ele e para o time. Ao “Jornal la Nación”, ele falou que o acompanhamento o ajudou a lidar com a pressão e ofensas. “Nas redes, encontramos pessoas que te ameaçam e te ofendem, por isso hoje é preciso ter a cabeça centrada e manter um objetivo. Hoje, é muito fácil que chegue uma mensagem que te insulta ou te discrimina. Minha cabeça está mais centrada do que nunca, ganhando ou perdendo”, declarou.

O ex-atacante Ronaldo, que vestiu por muito tempo e usava a camisa 9 quando a seleção ganhou o penta, disse que as declarações de Neymar o abalaram e o aconselharia a procurar por acompanhamento psicológico. “Quando vi a entrevista falando que estava psicologicamente destruído, aquilo partiu meu coração de uma maneira que eu também fiquei destruído psicologicamente. Queria encontrar uma forma de ajudá-lo. Essa ajuda existe hoje em dia. Na minha época era pouco falado. Aconselharia ter um acompanhamento psicológico para aguentar essa pressão que é extremamente desproporcional para o ser humano”, disse.

O acompanhamento psicológico em seleções masculinas de futebol, espaço com muitas reproduções de machismo, ainda é um tabu. Apesar disso, a Psicologia do Esporte tem ganhado força e, no Brasil, caminha para a consolidação. No mundial do Catar, além da Argentina, a Alemanha, França e Holanda também levaram psicólogos nas delegações para o acompanhamento e preparação dos jogadores na competição.

Para Singer (1993), a Psicologia do Esporte integra a investigação, a consultoria clínica, a educação e atividades práticas programadas associadas à compreensão, à explicação e à influência de comportamentos de indivíduos e de grupos que estejam envolvidos em esportes de alta competição, esporte recreativo, exercício físico e outras atividades.

Mas, o que o estado emocional relatado pelos jogadores após a derrota tem para ensinar? Sem dúvidas, fica ao time brasileiro o aprendizado da importância da saúde mental e do acompanhamento psicológico dos jogadores para que possam construir estratégias para lidar com a tolerância à frustração, a raiva, o sofrimento e, essencialmente, com a elevada pressão de um mundial em que os holofotes e expectativas estão canalizadas nos atletas. No futebol, é fundamental aprender a ganhar e perder, pois é assim que sempre funciona, não apenas em um mundial, mas em todos os jogos: quando um ganha, o outro perde.

Referências:

Psicologia do Esporte: uma área emergente da Psicologia. SciELO. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/pe/a/dxqXV7GtH7zkCLkzYq7K7Wd/?lang=pt>. Acesso em: 11 de novembro de 2022.

Cox, R. H., Qiu, Y. & Liu, Z. (1993). Overview of Sport Psychology In: Handbook of Research on Sport Psychology (Singer, R; Murphy, M. & Tennant, L. K., org), cap. 1, p. 1-31.

Por Karen Keller Barra De Oliveira

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Conceito de Triangulação nas relações familiares na teoria de Murray Bowen

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O conceito de triangulação sob a perspectiva sistêmica na teoria do psiquiatra e um dos precursores da Terapia Familiar Sistêmica, Murray Bowen, representa o funcionamento de um sistema inter-relacional entre três pessoas nas relações familiares que, geralmente, quando o nível de ansiedade se expressa, a terceira pessoa é convocada para aliviar a tensão entre as outras duas pessoas.

Guerin, Porarty, Fay e Kauto (1996) afirmam que a maior influência sobre a atividade dos triângulos é a ansiedade. De forma concomitante, quando a ansiedade aumenta, as pessoas tendem a sentir maior necessidade de proximidade emocional ou de distância, dependendo de sua reação ao sentir-se pressionado. Portanto, o processo de triangulação é engatilhado pelo impulsionamento da ansiedade que, como reação automática, tende a deixar as pessoas menos tolerantes umas com as outras e, consequentemente, causa o fortalecimento da polarização das diferenças.

Bowen defende que a triangulação é um processo interacional estabelecido no sistema familiar que ocorre quando duas pessoas possuem problemas que não conseguem conversar e resolver e, como saída, buscam uma terceira pessoa para tentar resolver as coisas ou para aliviar a tensão, já que ela é dividida em três relações, causando a dispersão de energia.

Os triângulos emocionais podem ser constantes dentro do sistema ou não, a depender se a participação da terceira pessoa é fixa, podendo resultar na triangulação como uma parte regular do relacionamento. Guerin e Guerin (2002) distinguiu “triângulos” como uma estrutura de relacionamento e “triangulação” um processo reativo.

É importante ressaltar que um grupo de três não é necessariamente um triângulo, pois pode haver interação entre cada dupla e cada pessoa assumir seu posicionamento sem a intenção de modificar os outros. Já na configuração dos triângulos, as interações estão relacionadas ao comportamento da terceira pessoa, sendo que cada pessoa é movida por formas reativas de comportamento sem conseguir assumir uma posição pessoal sem sentir a necessidade de mudar as outras duas. Portanto, a problemática dos triângulos é que eles caminham para se tornar fixos nas relações, modificando e rompendo o relacionamento original.

Como consequência, a triangulação resulta na falta de diálogo nas relações e, consequentemente, no congelamento da resolução dos conflitos. Portanto, a teoria boweniana também realça a importância da “destriangulação”, ato de aprender a perceber a triangulação emocional entre os membros e controlar a participação automática.

Segundo Bowen (1979), a destriangulação é o processo realizado para conseguir manter o contato com um sistema emocional que envolve a si mesmo e a outras pessoas, sem tomar partido por nenhuma das partes, sem contra-atacar nem defender-se e buscando sempre manter uma linha neutra de resposta, ou seja, a separação de um indivíduo do campo emocional de outros dois reforça. O autor reforça que os problemas nas relações podem ser resolvidos quando se tem a diferenciação do self e o reconhecimento das responsabilidades, que caminham para a procura por soluções. Os bowenianos objetivam, no processo terapêutico, bloquear a triangulação e encorajar a posição-eu.

REFERÊNCIAS

SANTOS, Nara Elisete Bender. A triangulação e seus múltiplos aspectos no contexto familiar: um olhar relacional sistêmico. Florianópolis, 2008.

NICHOLS, Michael P.; SCHWARTZ, Richard C. Terapia familiar: conceitos e métodos. 7. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2011. (biblioteca virtual)

BOWEN, M. De la familia al individuo: la diferenciación del si mismo em el sistema familiar. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1979.

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Histórias de deslocamento como técnica terapêutica sistêmica

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Dentro da Teoria Familiar Sistêmica desenvolvida por Murray Bowen estão algumas técnicas terapêuticas para auxiliar no processo, sendo uma delas as histórias de deslocamento, que são recursos utilizados para o entendimento do próprio papel no sistema familiar e o reconhecimento de problemas semelhantes em outras famílias.

Segundo (Nichols, 1995), contrariamente à crença popular, os casais não resolvem seus problemas apenas conversando a respeito. Entregues a si mesmos, eles tendem a discutir improdutivamente, projetar a responsabilidade no outro e se queixar em vez de negociar. A mudança requer falar e escutar. Devido à tendência universal de enxergar apenas a contribuição dos outros para os problemas, são necessárias técnicas especiais para ajudar os membros da família a enxergar o processo, não apenas o conteúdo, de suas interações; a enxergar a sua parte no processo, em vez de apenas culpar os outros, e, finalmente, a mudar.

Philip Guerin (1971) – aluno destaque de Bowen – recomenda a “história de deslocamento” como um instrumento para ajudar os membros da família a obterem distância suficiente para ver o próprio papel no sistema familiar. NICHOLS, Michael P.; SCHWARTZ, Richard C (2011) explicam que a história de deslocamento é sobre outras famílias com problemas semelhantes. Por exemplo, um casal tão ocupado em atacar um ao outro que não conseguia escutar poderia ouvir a seguinte história: “deve ser frustrante não conseguir chegar até o outro. No ano passado, eu atendi um casal que simplesmente não conseguia parar de brigar o tempo suficiente para escutar o outro. Só depois que eu os dividi e eles se acalmaram em algumas sessões individuais foi que pareceram demonstrar alguma capacidade de escutar o que o outro dizia”.

A técnica de histórias de deslocamento pode ser utilizada, por exemplo, em casais ocupados em atacar um ao outro e a se comportarem de forma reativa, não conseguindo resolver seus conflitos. Assim como em terapias com indivíduos e famílias, a terapia boweniana tem como pilar nas terapias com casais o objetivo de reduzir a ansiedade para os parceiros para que o foco do self seja elevado e mantido.

A ferramenta também pode ser utilizada na estruturação de perguntas do processo que não provoquem respostas defensivas com o objetivo dos familiares perceberem o que os outros fazem e como são as reações diante dos seus problemas. Perguntas do processo são indagações destinadas a explorar o que acontece dentro das pessoas e entre elas: “quando seu namorado a insulta, como você lida com isso?” “Quando sua filha sai com um namorado, o que acontece dentro de você?” Perguntas do processo destinam-se a reduzir o ritmo das pessoas, diminuir a ansiedade reativa e fazer com que pensem – não só sobre como os outros os incomodam, mas também sobre como participam dos problemas interpessoais (NICHOLS, Michael P.; SCHWARTZ, Richard C, 2011).

Conforme ressaltam Michael P.; SCHWARTZ, Richard C. (2005), em vez de perguntar a alguém que está magoado e irritado quando ele acha que superará esses sentimentos para começar a trabalhar para mudar as coisas – o que poderia levá-lo a pensar que seus sentimentos estão sendo negados –, o terapeuta poderia perguntar: “Você acha que é possível superar toda essa raiva e mágoa?” Ou, se perguntar a alguém por que não conseguiu realizar determinada coisa talvez o deixe na defensiva, o terapeuta poderia perguntar: “Na sua opinião, por que é tão difícil para as pessoas dar este passo?”.

Como materiais das histórias de deslocamento também podem ser utilizados filmes, músicas, histórias e metáforas, que devem ser de conhecimento antecipado e analisado pelo terapeuta para que sejam adequados com a subjetividade dos casos. A técnica pode ser bastante efetiva para a compreensão sobre os pensamentos, sentimentos, o funcionamento dos sistemas e minimização da defensividade, pois a experiência emocional possibilita o deslocamento de sua história para outra e torna viável a reflexão de forma mais funcional caso o nível de ansiedade esteja elevado.

REFERÊNCIAS

NICHOLS, Michael P.; SCHWARTZ, Richard C. Terapia familiar: conceitos e métodos. 7. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2011. (biblioteca virtual)

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Palestra de encerramento do CAOS 2022 discute intervenções e a importância do reconhecimento do sujeito no trabalho

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O Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS 2022), que teve na edição de  2022 como tema principal “Saúde Mental no Trabalho”, foi encerrado na manhã desta sexta-feira, 25 de novembro, no auditório central do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), com a palestra “Clínicas do Trabalho: perspectivas para intervenção no mundo do trabalho”, ministrada pela Professora Doutora Karine Vanessa Perez, sob mediação da Professora Mestra Muriel Corrêa Rodrigues.

Após uma semana de intensos debates sobre saúde mental no âmbito do trabalho, a última palestra do congresso abordou os segmentos que envolvem as clínicas do trabalho com foco em intervenções que promovam a saúde mental nas vivências e reconhecimento dos trabalhadores, considerando a interferência na subjetividade e na vida psíquica dos mesmos.

A palestra abordou, ainda, a diferenciação entre a Psicologia Organizacional, que visa a adaptação do sujeito no ambiente de trabalho, e as clínicas do trabalho, que buscam a saúde mental dos trabalhadores e as intervenções a partir do contexto de adaptação nos ambientes de trabalho, considerando que a postura ética do psicólogo deve ser pautada na promoção de saúde mental e bem-estar.

Para a palestrante, Doutora e Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Karine Vanessa Perez, a discussão é essencial, considerando questões ligadas à perda de direitos e fragilidades dos laços contratuais no mercado de trabalho e o impacto que isso causa na saúde mental dos trabalhadores. “As clínicas do trabalho vão questionar as práticas de gestão buscando identificar, saber quais são os mecanismos que afetam os processos de subjetivação dos trabalhadores”, destacou.

A ministrante ressaltou também intervenções com enfoque na psicodinâmica do trabalho. “A gente sempre vai ter algum nível de ajuste quando inicia um novo trabalho, mas não que isso sempre tem que partir do sujeito, não que isso tenha que ser uma ação individual, a psicodinâmica busca uma ação coletiva”, pontuou, acrescentando que as intervenções devem ser pautadas no reconhecimento, pois este é “essencial na lógica do trabalho, já que uma instituição que não tem esse reconhecimento pode gerar adoecimento”.

Mediada pela psicóloga clínica Muriel Corrêa Neves Rodrigues, professora do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra, Mestra em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidade da Beira Interior, Covilhã/Portugal (2015), a palestra de encerramento do CAOS contou também com momento para perguntas e debates com os acadêmicos de Psicologia.

Neste ano, a edição do congresso teve início no dia 21 de novembro e promoveu, ao longo de uma semana, palestras, apresentações especiais do “Psicologia em Debate, minicursos e mesas redondas a fim de ampliar o olhar sobre os contextos que envolvem o mundo do trabalho para informar e fomentar discussões que abrangem a saúde mental no trabalho. Neste sábado, 26, o CAOS fecha sua programação com a Assembleia Geral de Estudantes de Psicologia do Tocantins, organizada pelo NAU Psi, no miniauditório da Ulbra, às 9h.

Ministrante

Karine Vanessa Perez é Doutora e Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), estágio Sanduíche na Université Catholique de Louvain-la Neuve, onde desenvolveu estudos sobre a Clínica do Trabalho na Bélgica e na França. Pós Doutorado na Université du Québec à Montréal. Docente do Mestrado em Psicologia Profissional da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Integrante do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho (PPGPSI/UFRGS). Conselheira no campo da empregabilidade em Montreal (Canadá). Experiência na área de Psicologia do Trabalho, Clínica do Trabalho, Saúde Mental e Trabalho e Psicologia Social e Institucional.

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CAOS 2022 promove minicurso sobre Habilidades Sociais nas organizações

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O Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) de 2022, que tem como tema “Saúde Mental no Trabalho”, promoverá minicurso sobre habilidades sociais nas organizações na terça-feira, 22 de novembro, às 9h, na sala 407 do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/Ulbra).

Conduzido pela psicóloga Ester Borges de Dias Lima, formada pelo Ceulp/Ulbra em 2018 e pós-graduada em Avaliação Psicológica em 2022, o minicurso abordará questões acerca dos comportamentos que podem contribuir para melhorar a qualidade das interações sociais e resultar na promoção da saúde mental dentro das organizações.

Experiente na área, a ministrante também é graduada em Música Sacra desde 1994, já trabalhou como instrutora/treinamento de pessoas no Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) de 2012 a 2018, na empresa Maqcampo/John Deere de 2019 a 2022 e atualmente é psicóloga na Psicotestes Livraria, localizada em Palmas.

A edição do CAOS deste ano ocorrerá de 21 a 26 de novembro com palestras, apresentações especiais do “Psicologia em Debate”, minicursos e mesas redondas a fim de informar e fomentar discussões que abrangem a importância da saúde mental no trabalho.

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