Saúde com Arte: teatro informa a sexualidade

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Há cinco anos, um grupo de agentes comunitários e agentes endêmicos criou o grupo Saúde com Arte, da cidade de Horizonte/CE. A equipe de servidores públicos transmite informação dinâmica sobre temas na área da saúde, principalmente sobre sexualidade, em forma de teatro.

O (En)Cena entrevistou Fabio Sousa, agente de endemias, que está à frente do grupo composto por seis pessoas. Fábio conta sobre o surgimento do projeto e as motivações de trabalhar assuntos por meio da arte e agregar educação e saúde de forma cultural.

Foto Paulo André

Fabio Sousa presente na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica e Saúde da Família

(En)Cena – Como o projeto Saúde com Arte surgiu? O que vocês pretendem com o teatro?

Fabio Sousa – Antigamente, palestras e ferramentas de divulgação da informação eram utilizadas somente de forma oral, com apresentação de slides. Somente texto técnico. Não havia interesse por parte da população. E nós, como agentes comunitários e endêmicos, percebíamos que o nosso principal objetivo, que é informar e mobilizar a população, não estava sendo alcançado. Aí, organizamos um grupo com interesse em arte e cultura e começamos a escrever peças e esquetes teatrais com duração mínima de 20 minutos e temas ligados à saúde.

(En)Cena – Qual é o maior trabalho de vocês?  Em quais locais vocês encenam as esquetes?

Fabio Sousa – A peça carro-chefe do Projeto é O Auto da Camisinha, texto do Ministério da Saúde, é apresentada para adolescentes e jovens a partir de 14 anos. Nos apresentamos em escolas, empresas, praça pública, postos de saúde e demais locais que nos convidam para apresentar.

Foto Paulo André

(En)Cena – Vocês tem financiamento de alguém para o trabalho do Saúde com Arte?

Fabio Sousa – No início, demos a cara à tapa (risos). Cada um dos integrantes da equipe auxiliava da forma que podia. A partir do segundo ano de trabalho, a Prefeitura de Horizonte se interessou pelo projeto e viu que ele atingia os objetivos desejados. Desde então, temos o patrocínio deles.

(En)Cena – Vocês procuram os locais para apresentação ou as organizações requisitam as peças?

Fabio Sousa – Começamos indo aos locais explicar o projeto e então fazer as apresentações. Hoje, como o grupo já está conhecido na cidade e com trabalhos consolidados, muitos órgãos solicitam as nossas peças.

(En)Cena – Ao longo dos 5 anos de atuação, vocês encontraram alguma dificuldade para executar o trabalho? Existem barreiras por causa da temática da sexualidade?

Fabio Sousa – Ainda há um pouco disso sim. Mas nós nos organizamos da seguinte forma: convidamos os pais dos adolescentes para uma conversa explicativa e lá, falamos da importância do teor projeto e de como ele será direcionado aos filhos. A camisinha ainda é um tabu e temos que lidar com o assunto de forma dinâmica e eficaz.

 

(En)Cena – Há algo que você queira destacar sobre o Saúde com Arte?

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Labirinto de Sensações: você não imagina, sente

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Coelhinho e coelhinha me convidam para o labirinto das sensações1.  A entrada do espaço é permeada de preservativos de todos os tipos, tamanhos, cores e sabores 2.

Foto: Divulgação

Ao entrar, me deparei com uma morena, alta, sexualmente maquiada e fantasiada de policial. Me vendou e solicitou, gentilmente, para pegar no que ela dispunha na mão: não sei o que era mas era espinhento, como se fossem feridas em algo roliço. Após, pediu para apontar o dedo indicador ao chão e lá foi mais uma sensação de estranhamento, uma gosma estranha com pequenos resquícios de algo ruim. Aí veio a explicação: órgãos sexuais com doenças sexualmente transmissíveis. “Assim que são órgãos com DSTs. Portanto, se há corrimento, cheiro forte, bolhas e feridas, procure o médico e faça o acompanhamento completo”. (isso em voz sexy)

Próxima: cowboy com discurso nada romântico chama para uma rapidinha: fomos até um painel com fotos de 5 mulheres e 5 homens (todos esculturalmente sedutores). Me pergunta “com qual deles você transaria a noite inteira?”. Escolho alguém e recebo a notícia de que, na situação proposta, o sexo de madrugada foi sem camisinha e, abaixo da foto, a nota: negativa. “Sorte a sua de ele não ter HIV hein? Mas essa sorte pode não te acompanhar a vida inteira. Então, independente da parceria, use sempre a camisinha”.

Andando mais um pouco, um casal com pequenas roupas me venda e fala ao ouvido para unir dois dedos da mão direita e aproveitar a sensação. Em meio a gemidos e vozes sexualizadas, me colocam um preservativo masculino nos dedos e pressionam, assopram e chupam. “Está sentindo? Mesmo com camisinha, a sensação é boa, não é? Dá pra usar o preservativo e sentir prazer. Não tem desculpa: previna-se”.

Cheguei em outra parte do labirinto e a moça fantasiada de enfermeira (ok, todos já entenderam que todos são sexy, certo?) pediu pra eu fazer biquinho e beber o líquido no copo. Bebi. “Ops, você bebeu líquido sexual”. Obviamente não era mas a intenção valeu. O susto foi grande. E me explicou líquidos que transmitem DSTs, os que não transmitem e de quais formas isso acontece. Muito instrutivo sentir na pele.

E finalmente, o último casal me abordou e pediu pra sentar na poltrona. Perguntaram se já havia chupado hoje e me vendaram. Pediram para abrir a boca e pôr a língua pra fora. E eis que o pirulito surge. De tutti-frutti. Tiraram a venda e me informam: “você pode chupar porque é gostoso mas sempre com camisinha. As DSTs são transmitidas pelo sexo oral então cuide todo tempo”.

Foto: Divulgação

Acabou e saí. Fui embora com o pirulito na boca e sensação de… ah, enfim! Você devia ter sentido.

 

Nota:

1 desenvolvido pela Cia Paulista de Artes, de Jundiaí/SP.

2 Espaço montado na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica – Saúde da Família.

 

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Chega ao fim a IV Mostra em Saúde

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(En)Cena fez a cobertura do evento que aconteceu nos dias 12 a 15 de março


Durante quatro dias de evento, gestores e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) estiveram reunidos na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família. O encontro ocorreu em Brasília/DF nos dias 12 a 15 de março, no Centro Internacional de Convenções do Brasil – CICB.

A principal ideia da Mostra é priorizar intercâmbio de vivências e “valorizar as experiências cotidianas, estimulando o protagonismo local dos milhares de trabalhadores, gestores e usuários da Atenção Básica do Brasil”, completa a organização.

O encontro contou com mais de 10 mil inscritos e mais de 3 mil trabalhos apresentados, basicamente, em três eixos de apresentação: cirandas de experiência, dedos de prosa e pontos de encontros, além de intervenções culturais e artes diferenciadas.

(Ciranda de encerramento da IV Mostra)

(Oficina na IV Mostra)

(Oficina na IV Mostra)

(Oficina na IV Mostra)

(Ciranda de encerramento da IV Mostra)

A programação de encerramento teve início às 17h desta tarde, com cirandas musicais ao som de maracatu. Após esse momento, haverá, no auditório principal, a finalização oficial da IV Mostra.

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Olhar fotográfico nos presídios

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Internos, internas e profissionais do Presídio Central de Porto Alegre/RS e da Penitenciária Feminina de Madre Pelletier produziram fotografias para a exposição “A liberdade de olhar”. A coletânea reúne cem imagens que retratam o cotidiano de detentos e funcionários de presídios da capital gaúcha.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

As fotografias foram produzidas entre agosto e outubro de 2013 e também apresentadas na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família em Brasília – DF. A ação é organizada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) e do Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, com apoio da Delegação da União Europeia no Brasil.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

“A liberdade de olhar” pretende dar visibilidade ao cotidiano de quem vive e trabalha em presídios e mostra a vulnerabilidade dos espaços e das relações. “Parece que a gente estava solta”, comenta uma jovem grávida que cumpre pena. Outro detento diz: “deixei de ser chamado de traficante para ser chamado de fotógrafo”.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

A organização do projeto percebe que, por meio das fotos, “aparece um debate crucial sobre direitos humanos, questões de gênero, violência e saúde, sobretudo diagnóstico, tratamento e prevenção ao HIV/AIDS, hepatites virais e tuberculoses”.

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

Foto Divulgação

Foto: Letícia Bender

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Alunos de Recife constroem propostas para melhoria de saúde pública

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Uma equipe de oito residentes de Saúde da Família de Recife (PE) promoveu ação com a Escola Estadual da cidade no segundo semestre de 2013. A experiência, que é relato na IV Mostra nacional de Experiências em Atenção Básica/Saúde da Família (Brasília – DF), simulou Conferências Municipais de Saúde em busca de estímulo ao exercício da cidadania. A ideia surgiu de análise da notícia sobre falhas nos postos de Saúde da cidade.

De acordo com Dara Felipe, psicóloga residente e apresentadora do projeto na IV Mostra, os temas abordados na ação são “o fortalecimento da saúde como um direito e também a estimulação da organização social para efetivo exercício do controle social”.

O Ministério da Saúde explica que conferência municipal é, idealmente, o momento de debate e avaliação de condições de saúde da população e construção de propostas, “compreendendo questões que dizem respeito ao funcionamento dos serviços de saúde, da gestão municipal e também questões que não dizem respeito ao setor saúde, mas que são determinantes da condição de vida como transporte, saneamento, lazer etc”, completa.

A ação

Os 34 alunos da Escola Estadual que participaram da ação foram divididos em dois grupos: jovens entre 14 a 16 anos do 9° ano, e estudantes da turma de EJA (Educação de Jovens e Adultos) com idade a partir de 18 anos. O grupo de residentes explicou o funcionamento de uma Conferência Municipal de Saúde e delegou funções representativas aos alunos: usuários, funcionários e gestores que, em cada “cargo”, deveriam construir e apresentar propostas para melhoria da saúde.

(Encontro para construção de propostas em Escola Estadual – Recife – PE) Foto: Divulgação

Propostas

Após o estudo da situação atual da saúde e de dificuldades diárias vivenciadas por alunos e familiares, as ideias foram elencadas. São elas:

 11% do Produto Interno Bruto (PIB) para a saúde; contratação de mais profissionais de saúde para que aumente o número de atendimento; reforma e manutenção das Unidades de Saúde que já existem; mais medicamentos e equipamentos (exames, insumos, SAMU); construção de um calendário de propostas para que possamos cobrar; mais capacitação e atualização para profissionais e avaliação periódica; mais tempo para capacitações; aumento a partir da carga horária sem aumentar os impostos; funcionamento das Unidades de Saúde aos sábados e domingos com contratação de mais profissionais sem aumentar os impostos; bolsa para estudar para ser profissional de saúde; melhorar a acessibilidade das Unidades de Saúde; buscar deixar o salário mais igual dos profissionais de saúde; fazer acordo com empresas para que as compras de medicação sejam mais longas; mais projetos de Educação em saúde nas comunidades; projeto de Reciclagem do lixo; construção de área de lazer; manutenção da quadra esportiva; mais lixeiras nas ruas e organização da coleta de lixo; aumentar o saneamento básico; aumentar o número de profissionais de saúde nos serviços; melhorar a estrutura das escolas (infra-estrutura, profissionais, merenda).

Saúde e Educação em cooperação

Dentre os resultados verificados, a organização do projeto percebeu a importância do envolvimento dos alunos na construção do conhecimento ao pensar em saúde pública. Dara comenta que “o resultado foi bastante positivo, pois consistiu em uma forma vivencial de aproximação com espaços de controle social, não se restringindo a exposição oral. Dessa forma os participantes tiveram maior compreensão e interesse em participarem do espaço das conferências.

Ainda de acordo com o grupo, a ação conjunta entre Saúde e Educação é “uma ferramenta de aproximação entre a Escola e a Unidade de Saúde da Família, bem como a aproximação da discussão de saúde dos jovens, que sabe-se ser um dos públicos menos priorizados nas políticas de atenção à Saúde a nível primário”.

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Negociando com a loucura por meio da arte

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O artista tocantinense Sérgio Lobo conta que, desde a infância, gostava de pintar e desenhar. Por motivos pessoais, a vida o levou por outros caminhos: formou-se em Licenciatura Plena em Letras – Português e se pós-graduou em Língua Portuguesa e Literatura. Tornou-se professor. Dores físicas, depressão e ansiedade o ausentaram da profissão. Então, ele começou a negociar com a loucura.

(Obras do artista visual Sérgio Lobo)

“Espírito inquieto e criador”. Assim que Vone Petson, curador da última exposição do artista, o define. O (En)Cena entrevistou o artista visual e indagou sobre o processo de novas escolhas durante um período da vida e como isso se deu.

(En)Cena –  Em 2012, você escreveu um Ensaio para o (En)Cena contando um pouco de sua situação de depressão e ansiedade. Lá, você conta que não leciona mais. Por que você parou de ministrar aula? O que te fez tomar essa decisão?

Sérgio Lobo – Parei de lecionar por determinação médica. Depois de fortes dores na coluna tive que me ausentar do ofício de ser professor, fiquei muito tempo em casa me recuperando, fazendo fisioterapia e acompanhamento médico, quando tive que retornar para sala de aula, tudo voltou, tive uma ojeriza só pelo fato de pensar em voltar. Então, tive crises de ansiedade e depressão, tive que ficar de licença médica outra vez. Até então, eu achava que daria conta de superar sozinho a “barra”, mas não aguentei. Procurei ajuda especializada e tive a graça de conhecer o psiquiatra Dr. Wordney Camarço e passei a fazer terapia com o psicólogo Dr. Daniel Marques. O médico solicitou um remanejo de função a Junta Médica Oficial do Estado, o que geralmente demora muito, enquanto eles não deferiram o pedido eu ficava em casa. O que não ajudava muito na minha recuperação, porque me sentia um inválido. A minha esposa trabalhando, a vida passando e eu querendo ser “aproveitado” em outra função que não fosse sala de aula, porque achava que ainda era capaz de fazer alguma coisa útil. Até que fui remanejado de função.

(En)Cena – Como você descobriu a pintura na sua vida? Como foi o processo inicial de buscar essa forma de arte para reabilitação?

Sérgio Lobo – Desde criança gostava de desenhar, na adolescência fiz alguns cursos de desenho e fui aluno ouvinte de um Mestre Holandês no curso de Arquitetura e Urbanismo na UFPA, na disciplina Plástica I. Sempre fazia desenhos e amizades com outros desenhistas… em Brasília onde morei e depois em Belém, conheci pintores já famosos e desenhistas. A minha vontade era fazer um curso superior na área, mas as constantes mudanças de cidades fizeram com que eu me afastasse do meu objetivo. Em Palmas, conheci amigos que trabalhavam na área. Então, participei de curso de escultura com a profª. Sandra Oliveira, cursos de desenho e pintura, cursos de História da Arte todos no Espaço Cultural. A pintura começou aqui em Palmas. Depois fiz curso desenho e pintura na falecida Galeria Magenta, com o Prof. Antonio Netto. Em 2011 com o meu problema e como não tinha nada a perder, resolvi desenhar e pintar. Posteriormente entrei na AVISTO (Associação dos Artistas Visuais do Tocantins) e passei a conhecer mais de perto os artistas, os seus problemas e anseios.

(Autorretrato de Sérgio Lobo)

(En)Cena – Como a arte em pintura te auxiliou a ver uma nova fase na vida?

Sérgio Lobo – Sempre tive vontade de trabalhar com artes visuais, mas as circunstâncias, o local e os acontecimentos em minha vida, fizeram com que eu desviasse… Fiz uma graduação e pós-graduação em outra área, me tornei servidor público, professor… casei, separei, casei, separei, tive filhos, bater ponto, ou seja, a velha “corrida de ratos”. E de tanto fazer o que não gostava, resolvi como terapia fazer cursos de pintura e tentar recuperar o tempo perdido… Isso foi um alento e um motivo pra permanecer na estrada e negociando a loucura. O próprio fato de fazer artes visuais no Tocantins já é uma loucura! Apesar de termos bons artistas visuais (desenho, pintura, escultura, fotografia…), não há incentivo governamental. A Galeria Mauro Cunha foi fechada em 2011 e nunca reabriram, o Tocantins é um dos únicos estado da federação que não tem uma galeria oficial. Faz 2 anos que o Estado do Tocantins não lança os Editais de Incentivo à Cultura, há uma política cultural ineficiente, além do fato de estarmos distantes dos centros culturais do Brasil. Mas, o desejo,  a persistência e o prazer no fazer artístico, no momento da criação é algo divino. Isso é o que nos move.

(En)Cena – E por que você escolheu a pintura abstrata? Ela te representa melhor?

Sergio Lobo – Eu gosto do desenho, pinturas figurativas, mas gosto também das pinturas abstratas. Geralmente, o artista que faz arte figurativa, não gosta de pintura abstrata e vice-versa. No meu caso, gosto de pintores abstratos (Pollock, Mabe, Antonio Bandeira, Marcos Dutra, Mahau…) e pintores figurativos (Miró, Françoise Nielly, Patrice Murciano, Voka, Marina Boaventura, Solange Alves, Costa Andrade…). Foi a proposta do Curador Vone Petson Coordernador de Artes plásticas do SESC que fosse uma exposição toda abstrata.

(En)Cena – A exposição Desvelar a Cor, que está em apresentação no SESC de Palmas, se baseou em alguma inspiração específica?

Sérgio Lobo – Não, mas na proposta do curador Vone Petson, que queria uma exposição só com telas abstratas. A proposta era desvelar, descobrir e experimentar cores e técnicas variadas até “acertar”.  É o que venho tentando fazer…

(Exposição Desvelar a Cor, de Sérgio Lobo que esteve até 19 de novembro  no hall do Centro de Atividades do SESC)

(En)Cena – Você recomenda a arteterapia, em especial a pintura, para reabilitação e tratamentos? Funciona?

Sérgio Lobo – Não cheguei a fazer arteterapia. Uso a arte como escape terapêutico. Tenho uma professora de desenho, a Norma Brügger que é Pós-graduação em Arte terapia pela UFG e conversamos sobre o assunto. Mas, sei e acredito no poder da arte para reabilitar e como tratamento. Recentemente li a biografia do Arthur Bispo do Rosário (Luciana Hidalgo) e como a arte foi fundamental em sua vida. Assim, como no final da vida do pintor Van Gogh, no hospício ele foi incentivado pelo seu psiquiatra a continuar pintando, alguns biógrafos dizem que foi um tratamento de “arte terapia” da época. Drª. Nise da Silveira incentivou os pacientes do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro no RJ a expressarem através das artes as suas emoções… E surgiram belas obras de arte e podem ser vistas no Museu de Imagens do Inconsciente. Eu considero o desenho e a pintura uma meditação em movimento. É um autoconhecimento. Funciona.

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O Capa-Branca: histórias de vida no Juquery

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“Por sete anos vivi cercado por todo tipo de louco, maluco, pirado,
ou seja lá como é possível chamar um doente com problemas mentais ou psiquiátricos.
Acredito que as pessoas pensam que sou meio esquisitão por causa disso.
Hoje estou aposentado e muita gente classifica meu comportamento como loucura.
Mas aposto que essas pessoas nem imaginam quais são os verdadeiros limites
da loucura – se é que a mente humana tem algum limite.”

(Walter Farias)

O jornalista Daniel Navarro compilou histórias de Walter Farias, ex-atendente de enfermagem que trabalhou e foi internado no Manicômio Judiciário do Juquery, em Franco da Rocha (SP). O Capa-Branca, que ainda será publicado, é um livro que relata, em primeira pessoa, a vida de um funcionário e paciente do que já foi a maior instituição psiquiátrica da América Latina.

“No início dos anos 1970, Walter, com pouco mais de 18 anos, via no serviço público a oportunidade de conseguir realizar seus sonhos. Ao ser aprovado no concurso para o Hospital Psiquiátrico, passou a vestir uma capa branca para cuidar de pacientes acamados ou que perambulavam os corredores das clínicas completamente alheios à realidade.

A vida do protagonista de O Capa-Branca começa a tomar outro rumo depois de sua transferência para o Manicômio Judiciário. Pacientes inofensivos deram lugar a detentos que haviam praticado crimes com requintes de crueldade. Essa realidade acabou com a sanidade dele e a única solução para o caso foi a internação no Hospital Psiquiátrico. Dali em diante, o atendente de enfermagem deixou de lado sua capa branca para se transformar em mais um paciente do Juquery e sentir na pele os horrores daquele lugar.”

O (En)Cena entrevistou Daniel Navarro para conhecer um pouco das histórias que O Capa-Branca retrata.

Daniel Navarro, jornalista e escritor de O Capa-Branca. Créditos: Paula Korosue

(En)Cena – Como foi o seu primeiro contato com o Walter? Como vocês se conheceram?

Daniel Navarro – Eu vi o Walter pela primeira vez na TV, em 2007. Ele participou do programa Casos de Família, do SBT, na época em que era apresentado pela jornalista Regina Volpato. Fiquei bastante interessado na história de vida dele, principalmente quando contou que tinha sido funcionário e paciente do Juquery. No final, ele comentou que precisava de ajuda para escrever um livro com suas memórias. Assim que o programa terminou, enviei um e-mail para a produção solicitando os contatos dele. No dia seguinte, conversamos por telefone e marcamos de nos encontrar na escola de idiomas onde eu dava aulas de francês e de italiano. Walter saiu de Franco da Rocha e foi me encontrar no centro de São Paulo.

Nesse primeiro encontro, ele deixou comigo algumas folhas sulfite com manuscritos que continham a história de alguns personagens do tempo em que trabalhou no Juquery. Dali em diante, recebi o restante dos manuscritos e começamos a desenvolver o projeto do livro. Tenho até hoje todos os manuscritos.

Morei em Fortaleza por dois anos e meio e para prosseguirmos com o livro. Eu imprimia os textos e os enviava para ele pelo correio. Dias depois, eu recebia um envelope com as observações e comentários dele escritos a caneta.

(En)Cena – Daniel, o que te motivou a escrever o livro? Por que você, jornalista, escolheu a temática da saúde mental?

Daniel Navarro – Eu já estava pensando em escrever um livro, mas não sabia por onde começar e nem tinha um tema bem definido. Outra motivação foi meu interesse por filmes, livros e reportagens sobre hospitais psiquiátricos, manicômios e presídios. No segundo ano da faculdade de jornalismo, visitei o Carandiru e, um ano antes, tinha lido Estação Carandiru, que me marcou muito. Acabei lendo esse livro três vezes. Depois, vi O Bicho de Sete Cabeças e li Canto dos Malditos, o livro que inspirou o filme. Lembro que saí bastante impressionado do cinema e no dia seguinte comprei o livro. Acho que o li em dois ou três dias.

(En)Cena – Há alguma história específica do Walter que lhe chamou mais atenção, lhe emocionou?

Daniel Navarro – É difícil dizer qual história me chamou mais atenção ou me emocionou mais. Acabei me afeiçoando pelo livro como um todo. A convivência com os pacientes das clínicas do Hospital Psiquiátrico e com os internos do Manicômio Judiciário rendem histórias fortes e impactantes. Acredito que a transformação do protagonista de capa-branca (funcionário do Juquery) em paciente despertou em mim e vai despertar nos futuros leitores diversas reações.

Complexo Judiciário do Juquery, localizado em Franco da Rocha – SP

Há alguns personagens muito interessantes, como o paciente do Hospital Psiquiátrico que permanecia trancado em uma cela por ter a habilidade de arrancar os olhos das pessoas com as próprias mãos. Também posso citar o guarda-costas responsável pela proteção de Walter no Manicômio Judiciário. E há ainda um personagem bastante misterioso do manicômio que passava o dia lendo de tudo, desde livros sobre seitas secretas, alquimia e matemática até bulas de remédio. Ele convenceu Walter a participar de um ritual secreto no campo de aviação de Franco da Rocha. Também gostei de conhecer o outro lado do célebre Bandido da Luz Vermelha. Quando Walter o conheceu, ele já era uma pessoa bem diferente daquela que saia nas manchetes dos jornais. Quando o livro for publicado – espero que não demore muito –, os leitores vão ficar bastante impressionados com a galeria de personagens de O Capa-Branca.

(En)Cena – Após conhecer a trajetória de Walter, você percebe a loucura de uma forma diferente? Sua visão sobre isso mudou?

Daniel Navarro – O conceito de loucura é muito amplo e delicado. Muitos dos pacientes internados no Juquery estavam lá porque eram pessoas indesejáveis para a sociedade. Não havia um diagnóstico preciso dos problemas psicológicos, psiquiátricos ou mentais. Conviviam no mesmo ambiente, esquizofrênicos, alcoólatras, pessoas com síndrome de down, usuários de drogas ilícitas… a lista vai longe! Até presos políticos foram parar lá dentro e morreram sem que ninguém soubesse onde foram enterrados. No início do século 20, imigrantes japoneses chegavam ao porto de Santos e só porque tinham os olhos puxados eram considerados diferentes e acabavam internados no Juquery. A política da época era limpar as ruas e eliminar aquilo que parecesse diferente e não se enquadrasse nos padrões de normalidade da sociedade.

Confesso que também já me chamaram de louco por eu ter escrito o livro com o Walter. Quando digo que vou à Franco da Rocha conversar com um ex-funcionário do Juquery que foi paciente, uma ou outra pessoa me chamam de louco.

Walter Farias, protagonista de O Capa-Branca

Ainda explorando esse conceito amplo e delicado de loucura, creio que devemos acreditar nos nossos sonhos e não nos preocuparmos com o que os outros pensam. Muitos cientistas foram considerados loucos quando anunciavam suas descobertas. Só que se eles mesmos não acreditassem nas suas ideias e as defendessem com unhas e dentes, até hoje acreditaríamos que a Terra é plana e o homem não teria ido ao espaço, só para citar alguns exemplos.

(En)Cena – Você ainda não fechou contrato com alguma editora para lançar o livro. Essa dificuldade se deve a quê? Você acha que, por ser uma obra sobre saúde mental, há empecilho para publicação?

Daniel Navarro – O processo de análise de originais é longo e muito minucioso. Comecei a enviar o original de O Capa-Branca em agosto deste ano, então ainda é muito cedo para afirmar que há algum empecilho para a publicação de uma obra que aborde a questão da saúde mental.

(En)Cena – Walter possui mais de 400 canções registradas dos mais variados estilos musicais. Ele também é inventor. Você, que relatou as memórias dele, acredita que ter passado pelo Juquery o sensibilizou para tais tipos de arte?

Daniel Navarro – Há essa possibilidade. Eu acredito que de alguma forma sua passagem pelo Juquery o sensibilizou para tais tipos de arte. Mas acho que os leitores também poderão tirar suas conclusões ao lerem O Capa-Branca.

(En)Cena – O quê, de mais valioso, você aprendeu com Walter?

Daniel Navarro – A experiência de escrever o livro com Walter foi muito enriquecedora. Além de sermos parceiros na escrita, nos tornamos amigos. Mas, depois de conhecer a história da vida dele, a lição que ficou para mim e deverá ficar para os leitores é que não podemos cometer os mesmos erros do passado nem no presente e muito menos no futuro. Ficou comprovado que modelo de confinamento de pacientes no Juquery e em outros hospitais psiquiátricos espalhados pelo país não funciona. Não adianta amontoar milhares de pacientes com os mais variados diagnósticos no mesmo lugar. Além disso, os tratamentos também devem ser revistos. Na época em que se passa O Capa-Branca – a década de 1970 –, os tratamentos não tinham quaisquer critérios. Havia absurdos como a terapia por choque insulínico e malarioterapia, que consistia na inoculação do germe da malária. Quem entrava não se curava. Os pacientes passavam dia e noite sedados. O único objetivo era controlá-los. Em um momento em que se discute a internação de usuários de crack para tratamento, acredito que essa questão deve ser discutida sem esquecermos o passado.


Sobre os autores:

Daniel Navarro é jornalista e conheceu o protagonista de O Capa-Branca enquanto assistia a um programa de TV com o tema “Sou esquisito e daí!”. Após entrar em contato com Walter Farias, recebeu os manuscritos que contavam um pouco de suas memórias no Juquery. Fluente em francês, inglês, espanhol e italiano, atualmente estuda russo e trabalhou como professor de idiomas, tradutor, intérprete. Atuou em diversos segmentos de assessoria de imprensa, como fitness, turismo, construção civil, limpeza urbana, marketing digital, gastronomia e mercado editorial.

Walter Farias é ex-funcionário do Juquery e vive até hoje em Franco da Rocha com sua família. Pai de três filhas e um filho e avô de cinco netos, atualmente está aposentado. Já compôs mais de 400 canções, todas registradas. Seu repertório inclui diversos estilos, como samba, sertanejo, MPB, entre outros. Algumas de suas músicas já foram gravadas por cantores de Franco da Rocha, Caieiras e Jundiaí. Também se dedica a inventos. Um deles consiste em um sistema que impede caminhoneiros de dormirem ao volante.

Entre em contato com o autor:

Daniel Navarro
danielnavarro@ig.com.br

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Como é ser mãe de um autista?

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“Minha vida mudou”. Há três anos, Raquel Balsini Rossi recebeu a notícia de que o filho Ricardo, 6, é autista. A advogada, que mora com a família em Chapecó – SC, mudou rotina, comportamentos e compreensão de vida. “Ricardo me fez perceber que o que importa é solidariedade e um olhar carinhoso”.

Raquel conta ao (En)Cena como é a vida de uma mãe que tem filho autista. Aceitação, dificuldades, rotina, gastos. O universo é especial e o sentimento é digno de elogios. “Eu amo ser mãe de um autista”.

(En)Cena – Raquel, quando você descobriu que seu filho é autista?

Raquel Rossi – Quando o Ricardo tinha uns três anos, estava com a fala muito atrasada, levei-o em uma fonoaudióloga. Ela achava o comportamento dele muito diferente e sugeriu que levássemos a um neurologista. A neuro não achou nada de anormal, pensou que pudesse ser uma hiperatividade. Então, ficamos tranquilos fazendo a fono para melhorar a fala. Um ano depois a professora dele conversou comigo comentando sobre o comportamento dele muito diferente das outras crianças. Não seguia ordens, parecia que não escutava, não parava na cadeira etc. Levamos a um outro neurologista que afirmou que ele não tinha nada, e muito provavelmente aos sete anos estaria acompanhando as demais crianças. Mais uma vez ficamos tranquilos achando que ele era um pouco diferente, mais mal educado porque não obedecia tanto, mas nada de anormal. Passou-se mais um tempo, ele estava com um pouco mais de 4 anos, e outra professora conversou comigo, delicadamente, afirmando que sabia que já tínhamos ido ao médico, e sugeriu que levássemos em uma especialista. Pensamos então, vamos logo nessa grande especialista para tirarmos qualquer dúvida. Na verdade, acreditávamos que não era nada, que ele era apenas alguém fora do padrão. No dia da consulta, quando ele entrou no consultório, passou direto pela médica, e foi em uma sala de brinquedos, eu mesma percebi seu comportamento diferenciado, e naquele momento já sabia o que ela iria me dizer. Autismo.

(En)Cena – Como foi sua reação ao saber disso? Como foi o processo de aceitação?

Raquel Rossi – Fiquei com muito medo. Chorei o dia inteiro. Simplesmente não sabia o que fazer, porque a verdade é que não sabemos nada sobre o autismo, só algo que ouvimos falar, um filme em que vimos, e achamos que todos são iguais. O que é uma grande mentira.

Em relação à aceitação, pra mim ela foi instantânea. Nunca passou pela minha cabeça as perguntas: por que aconteceu isso comigo? O que vai ser da minha vida agora? Eu só estava preocupada em saber como lidar com isso para fazer o melhor para ele. Pensava em como ser uma boa mãe. Sei que tem muitas mães têm dificuldade de aceitação, e nesse caso, acredito que o melhor e buscarem tratamento, porque uma mãe que não consegue aceitar as imperfeições do seu filho, não conseguira ser uma pessoa plena. E ela precisa ser feliz para criar um filho feliz.

(En)Cena – Em quê sua vida é diferente por ter o Ricardo como filho especial?

Raquel Rossi – Meu olhar para o mundo mudou. Vemos como os pais valorizam e incentivam a competitividade, sempre buscando que seus filhos sejam os melhores.  Esquecem de incentivar a solidariedade, que é justamente o valor que propicia que a nossa sociedade evolua. De que adianta criarmos pessoas iguais a nós mesmos, já tão competitivos? Precisamos de amigos e não concorrentes.

Claro que no dia a dia dá trabalho. Tenho que levá-lo em várias terapias, deixo de fazer coisas que gostaria para prestar atenção nele. Selecionamos lugares que podemos ir, outros que é impossível levá-lo. E custa caro também.  Mas consigo levar tudo isso de uma maneira bem leve. Isso é uma coisa que mudou também na minha vida: ela é mais leve.

(En)Cena – Você sofre preconceitos, discriminação por essa condição?

Raquel Rossi – Nunca aconteceu nada específico comigo, mas tenho certeza que muitas pessoas pensam: coitado desse casal, tem um filho autista. Eram tão felizes! Ou então: nossa, tem uma vida boa e foi acontecer uma coisa dessas! E olham para o Ricardo de um jeito, procurando algo que vá lhes dizer: é estranho mesmo esse menino.

(En)Cena – Em um texto seu recentemente publicado, você diz que se diverte muito com o Ricardo e, pela disfunção da criança, sabemos que ele tem algumas limitações. Como vocês se divertem?

Raquel Rossi – Bom, o Ricardo é considerado um autista leve, ele tem uma interação, ela é limitada, mas ela existe. Eu aprendi a lidar com essa limitação de uma maneira divertida. Ele quase nunca quer brincar de nada, e quando tem alguma ideia para brincar eu deixo ele tomar conta da brincadeira e sigo suas regras. Se você for seguir as instruções de um terapeuta ele vai te dizer pra não deixar ele tomar conta, porque eles tem que aprender a flexibilizar e tal. Mas eu deixo, e me divirto. E ele se diverte e evolui. Ele aprende que é bom interagir.

Se ele quer tirar todas as cobertas do armário pra fazer uma brincadeira eu deixo. Se quer apagar todas as luzes pra brincar de lanterna, eu apago. Ou simplesmente fico vendo desenhos e filminhos na televisão ao lado dele, fazendo perguntas. Às vezes incomodo tanto ele que ele diz – tá bom, mãe, agora com licença que eu tô vendo meu filme. Isso pra mim é uma curtição.

Além disso, tudo que ele faz que é típico de um autista eu levo como uma característica dele e me divirto. Outro dia ele comentou: “mãe, como a casa do seu amigo é grande e chique né?” “É sim, Ricardo”. Ele perguntou: “os ricos têm casas grandes e chiques?” Eu disse que sim, a maioria tem. E ele: “quem é a maioria mãe, sua amiga?” Ao invés de eu ficar preocupada porque ele não tem o entendimento adequado das palavras, eu morri de rir! E adoro contar essa história.

Em julho fizemos uma viagem para um hotel muito legal na beira da praia, eu achei que ia ser ótimo, as crianças iam adorar! Mas tirar o Ricardo do quarto foi um parto! Queria tomar café da manhã no quarto, ficar vendo televisão. Um dia amanheceu chovendo e ele ficou feliz da vida, falou – Yes! , com aquela puxadinha do braço pra baixo. Eu rachei de rir e fiquei vendo televisão no quarto com ele, sem frustração. É uma entrega.

A alimentação dele é muito restrita, não gosta de nada, e o que gosta é tudo porcaria que engorda. Eu digo que ele esta virando um gorduchinho, e pego a barriga dele. É uma preocupação que eu tenho, a alimentação dele? Sim, e bem forte. Mas não faço disso um drama, e acho um jeito de me relacionar com ele em relação a isso. Ele mesmo já faz graça disso quando eu falo para ele parar de comer. – Por que, mãe? Eu tô ficando gordinho… E faz uma bochechona e pega na barriga dele mesmo. Não vou deixar ele comer tudo que quer e nem de fazer um trabalho para mudar sua alimentação (estou começando esse projeto agora), é só uma questão de não dramatizar tudo.

E eu faço um monte de pegadinhas com ele pela falta de entendimento dele de algumas coisas, sem o menor drama! Ele não gosta de ir pra aula, chega no sábado eu falo: agora vai botar a roupa pra eu te levar pra escola. Ele fica parado me olhando… “É brincadeira, mãe?”

E não é que ele pegou o jeito e faz pegadinhas também? Outro dia a professora me contou que ele descobriu onde era o disjuntor que apagava as luzes da escola e combinou com ela que ele iria desligar e fingir que tinha faltado luz!

(En)Cena – E de que forma a sociedade pode contribuir para o desenvolvimento e inclusão de crianças autistas?

Raquel Rossi – Temos uma dificuldade muito grande, porque a maioria das pessoas acha que o mundo é competitivo e temos que criar nossos filhos para esse mundo, senão, serão engolidos. Bom, mas se é ruim essa sociedade tão competitiva, por que repetir esse padrão? Não deveríamos ensinar o contrário para nossas crianças, para elas mudarem o que está errado?

Temos muito que avançar ainda. E a inclusão nas escolas tem que ser o começo. A convivência com as diferenças desde cedo é que faz elas desaparecerem. Tenho um filho típico mais novo que o Ricardo, e vejo que ele, em razão da convivência, não percebe uma diferença. Aliás, percebe, mas é tão natural aquilo que não lhe chama atenção. Já está acostumado com aquele comportamento do irmão. – O Ricardo não gosta de brincar né, mãe?

Quanto mais cedo as crianças conviverem com as diferenças, menos elas vão estereotipar, e a aceitação passa a ser natural.

(En)Cena – Qual o seu recado para pessoas que convivem com crianças autistas?

Raquel Rossi – Cada criança é muito diferente da outra. Não existe um padrão. Não fique preso aos textos técnicos, aos tratamentos, aos métodos. Vá aprendendo dia a dia com ela, no sistema erro acerto. O que deu certo pra mim pode não dar certo pra você. Ah, mas o método X diz isso. Tudo bem, mas pode ser que não funcione com seu filho. Temos que ter essa percepção.

E não a veja como um autista, que tem que ser tratada como um autista. Você tem que libertá-la. Veja uma criança. Uma criança com dificuldades que precisa de você para superá-las. E digo que se você não está conseguindo aceitá-la, não está conseguindo amá-la, vá procurar tratamento urgente, porque quando conseguir se liberar dessa barreira, tenha certeza que muita coisa vai mudar pra você, e pra melhor.

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Síndrome de Down em quadrinhos

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Bem… o Logan nasceu com Síndrome de Down, Sr. Flavio. Nós precisamos fazer alguns exames e entãonaguhrnd, d,ddm,m sjimmnsksijkal…. Depois do Síndrome de Down, eu não estava ouvindo ou entendendo nada. Só queria que a médica calasse a boca. Apenas isso”. Flávio soube da deficiência do filho e não entendeu. O editor de arte conta que, até receber a notícia, desconhecia a Síndrome.

Alguns meses depois, Flávio Soares começou a escrever A vida com Logan, “um registro eletrônico da grande aventura chamada vida e do desafio de se criar um filho, tenha ele alguma síndrome ou não”, afirma. Recentemente, lançou um livro com o mesmo título que relata o cotidiano de Logan, hoje com oito anos, e os desafios.

Em entrevista ao (En)Cena, Flávio Soares fala sobre o blog, as histórias e a realidade de superação diária, tanto da criança portadora da Síndrome quanto da família.

Flávio com os filhos Logan (à frente) e Max. Crédito: Leo Luz

(En)Cena  –  Quando você começou a escrever o blog? O que te motivou a contar as histórias?

Flávio Soares – O blog começou em 2005, alguns meses após no nascimento de Logan e na época eu publicava apenas textos. As tirinhas vieram alguns anos depois (em 2009). A minha motivação maior era encontrar uma forma de “racionalizar” a síndrome de Down, entender do que ela se tratava afinal de contas com base no nosso (meu e de minha ex esposa) dia a dia com Logan. Nossa rotina era uma rotina comum, diferente dos relatos tristes que encontrei na internet quando ele nasceu. Foi a minha forma de dizer “não é bem assim”.

(En)Cena  –  O que você pretende com “A vida com Logan”?

Flávio Soares – Pretendo continuar o que conseguimos até agora: mostrar, através dos quadrinhos, o que é a síndrome de Down para pessoas que não têm necessariamente contato com essa realidade (eu mesmo não sabia nada a respeito do assunto até o nascimento do Logan). De certa forma, acredito que as tiras ajudam a derrubar alguns tabus e a esclarecer coisas comuns.

(En)Cena  –  Em novembro, o Logan fará nove anos, certo? Quais são as maiores dificuldades que ele enfrenta nessa fase da vida?

Flávio Soares – Correto. No momento ele tem um grande problema que é a fala – ainda está bastante enrolada e vamos precisar investir forte em fonoaudiologia daqui pra frente para compensarmos esse ponto. No mais, ele segue se desenvolvendo como uma criança comum. Está aprendendo a ler e a escrever – demorando um pouco mais que os colegas em alguns pontos, mas isso já era esperado e também está sendo tratado em sessões de psicopedagogia.

(En)Cena  –  Nessa tirinha,

você demonstra a grande insensibilidade que muitos têm ao conviverem com portadores da Síndrome de Down. Isso é comum? Qual maior desafio do pai de uma criança nessa condição?

Flávio Soares – Isso é comum por conta da falta de informação. 90% das pessoas que fazem comentários desse tipo não o fazem por maldade; fazem por desconhecimento. Isso está mudando aos poucos. A percepção que a sociedade como um todo tem da pessoa com deficiência, hoje, é diferente da que se tinha há 20 anos. Acho que o maior desafio é se colocar no lugar das outras pessoas, entender que em muitos casos não há “maldade” e ter a paciência para explicar – ou esclarecer – a realidade.

Há também, claro, o grande desafio das escolas. A maioria não está preparada para receber alunos com deficiência e não se preocupa em se preparar para isso. Novamente: o cenário hoje é muito melhor que o de 20 anos, mas ainda está longe do ideal.

(En)Cena – Em várias tirinhas, você retrata a relação de Barney e Mignola, os animais de estimação da família, com Logan. Essa relação é saudável? Você percebe que traz benefícios para o crescimento de Logan?

Flávio Soares –Eu sempre acreditei que bichos de estimação são importantes para o desenvolvimento das crianças. Elas crescem aprendendo a respeitar os animais. O relacionamento de Logan e Max com os bichos é muito tranquilo. Barney, infelizmente, não está mais conosco, mas Mignola segue firme e forte distribuindo seu mau-humor pela casa (risos).

(En)Cena  –  Logan é carinhoso?

Nessa tirinha você expressa o carinho que ele demonstra pelo pai. Qual característica do Logan que mais lhe chama atenção, lhe encanta?

Flávio Soares – Ele é muito carinhoso. Essa tirinha é uma das que não têm “exageros” para o lado do humor – necessário quando fazemos tiras em quadrinhos. A única parte “fabricada” foi ele carregando um banquinho. Todo o resto aconteceu de verdade. Ele é carinhoso desse modo com todo mundo. Acho que esta é a maior qualidade dele: esta capacidade de expressar amor sem nenhum tipo de receio. Ele gosta das pessoas e faz questão de deixar isso muito claro.

(En)Cena  –  Em julho, você e a editora Panda Books lançaram o livro “A vida com Logan”. O que você tem a dizer sobre essa proposta?

Flávio Soares – O livro é um trabalho inédito, baseado nas tiras em quadrinhos, voltado para o público infantil. A nossa proposta era de fazer um livro que pudesse ser lido na sala de aula e nas casas das crianças e que tivesse um “entendimento” para os pequenos e também servisse para esclarecer dúvidas dos adultos. Sem apelar para “didatismos”, numa linguagem agradável e que funcionasse com várias faixas etárias. Por isso nossa opção pelo formato de história em quadrinhos e não de “livro ilustrado”.

(En)Cena  –  Você e o Logan são felizes?

Flávio Soares – Muito. Acho que não é errado dizer que Logan é feliz morando com sua mãe e que também é feliz nos dias em que fica aqui em casa (eu e a mãe nos entendemos muito tranquilamente sobre a guarda dele), comigo, com o irmão mais novo e com a madrasta. É uma vida feliz, sim. Bem diferente do que me disseram que seria, quando ele nasceu.

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