Saúde mental dos professores: um desafio urgente para a educação

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Nos últimos anos, tem-se intensificado o debate sobre a saúde mental dos profissionais da educação, evidenciando a urgência de ações voltadas para a promoção da saúde desses trabalhadores. O cenário atual da docência, marcado pela sobrecarga de trabalho, falta de valorização, pressões sociais e dificuldades estruturais, torna os professores um dos grupos mais vulneráveis ao adoecimento mental. Segundo Souza e Lima (2022), os docentes enfrentam um contexto de exigências crescentes que, quando não são devidamente acompanhadas por suporte institucional, geram desgaste emocional significativo.

A profissão docente sempre foi associada a desafios emocionais intensos. A necessidade constante de adaptação às mudanças curriculares, novas tecnologias e demandas pedagógicas, somada à responsabilidade de mediar o aprendizado de diversos alunos, muitas vezes em condições adversas, gera um estresse constante. Além disso, a falta de apoio institucional e políticas públicas eficazes agravam ainda mais essa situação (Oliveira & Andrade, 2019).

As condições físicas das escolas, como salas de aula superlotadas e recursos insuficientes, bem como o clima organizacional, são elementos que contribuem para a exaustão mental e emocional dos docentes. Esse cenário, quando não tratado, pode resultar em quadros de síndromes, depressão e ansiedade, impactando diretamente a qualidade do ensino (Carvalho & Ribeiro, 2021). É evidente que o ambiente de trabalho pode ser um fator determinante para a saúde mental dos professores. 

Fonte: https://abre.ai/mOsV

De acordo com Brandão et al. (2021) foi realizada uma revisão de escopo sobre dissertações e teses nacionais relacionadas à Síndrome de Burnout em professores, utilizando a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações e o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Observou-se um crescente interesse dos pesquisadores brasileiros em investigar o burnout entre os docentes, o que contribui para um melhor entendimento desse fenômeno, ampliando o debate e o acesso a informações. Os resultados evidenciaram uma predominância de estudos focados em professores da região sul do país, atuando no ensino básico, em escolas públicas, e, em sua maioria, mulheres. O Maslach Burnout Inventory (MBI) foi o principal instrumento utilizado para medir este adoecimento. A prevalência da síndrome entre os professores variou de 1,85% a 85,52%, levantando preocupações quanto às condições de trabalho e à saúde mental desses profissionais, com potenciais consequências graves. Além disso, foram encontrados altos índices nas três dimensões do burnout: exaustão emocional (25,9%-69,8%), despersonalização (5,4%-55%) e realização profissional reduzida (25,8%-71%). Assim, essa revisão traçou um panorama deste adoecimento entre docentes no Brasil, sintetizando as evidências sobre o tema, destacando características relevantes dos estudos realizados e apontando algumas lacunas na pesquisa nacional.

É necessário, portanto, pensar em medidas concretas para melhorar a saúde mental dos professores. Isso passa pela valorização profissional, não apenas em termos de remuneração, mas também de reconhecimento e suporte emocional. Políticas de bem-estar, como a oferta de programas de apoio psicológico, treinamento em gestão emocional e uma cultura de trabalho que priorize o cuidado com os educadores, são urgentes. Além disso, é preciso promover a construção de ambientes de trabalho saudáveis, que reduzam a sobrecarga e valorizem a importância do descanso e do equilíbrio entre trabalho e vida pessoal (Souza & Lima, 2022). 

Investir na saúde mental dos docentes é, portanto, investir na qualidade da educação e, consequentemente, no desenvolvimento de uma nação.

REFERÊNCIAS

BRANDÃO, Luma Mirely de Souza; LIMA, Ester Costa; SANTANA, Joice Requião Costa de; LIMA, Artur Gomes Dias. Revisão de escopo sobre a Síndrome de Burnout em professores no Brasil. Universidade do Estado da Bahia (UNEB). CARVALHO, H. A.; RIBEIRO, M. S. Saúde mental de professores em tempos de pandemia: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 46, p. 1-12, 2021.

DALCIN, Larissa; CARLOTTO, Mary Sandra. Síndrome de burnout en professores no Brasil: considerações para una agenda de investigação. Revista Latino-americana de Psicologia, v. 49, n. 1, p. 1-9, 2017.o entre os professores.

FARIA, T. G.; SANTOS, L. A. O impacto da pandemia na saúde mental dos professores: desafios e estratégias. Educação & Sociedade, v. 41, p. 1-19, 2020.

OLIVEIRA, A. L.; ANDRADE, C. P. Condições de trabalho docente e saúde mental: um olhar sobre a exaustão emocional no contexto escolar. Revista Psicologia Escolar e Educacional, v. 23, n. 1, p. 43-54, 2019.

SOUZA, E. F.; LIMA, R. B. Burnout e os desafios da saúde mental dos professores. Cadernos de Saúde Pública, v. 38, n. 6, e 00123421, 2022.

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Presença da Psicologia na Educação Básica: desafios e possibilidades da atuação

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A Lei 13.935/19 que dispõe sobre a prestação de serviços de Psicologia e Serviço Social nas redes públicas de Educação Básica leva-nos a contextualizar e refletir sobre a presença dos Psicólogos no rol das equipes multiprofissionais nas escolas e nos provoca a questionar: Qual o papel do psicólogo na escola? O que pode realmente resolver? Qual sua especificidade de trabalho? Quais os desafios e possibilidades dessa atuação?

Sabe-se que a atuação do psicólogo na educação ainda é um espaço em construção e essa inserção não aconteceu somente agora com essa previsão legal. Há todo um movimento histórico que vem discutindo esse espaço de atuação e já existem diversos projetos em execução em alguns municípios de diferentes estados brasileiros. A partir da promulgação dessa Lei, busca-se agora articular uma padronização, implementação e efetivação dessa inserção.

O Conselho Federal de Psicologia – CFP, órgão responsável pela regulamentação da atuação dos Psicólogos e a defesa da profissão e compromisso ético com os serviços prestados a população, construiu o Documento de Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica, a partir de uma pesquisa sobre a atuação de psicólogas(os) em Políticas de Educação Básica, realizada no ano de 2009. (CFP, 2009).

Apesar da importância elencada pelos órgãos regulamentadores da profissão e da reconhecida luta pela defesa de uma Psicologia comprometida com o direito de todos e todas à educação e à permanência com qualidade na escola, essa inserção profissional do psicólogo nas escolas é permeada de disputas.

A título de exemplo, em novembro de 2023, em Nota Pública, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE refere à Lei 13.935 como sendo uma ameaça, porque trata de uma tamanha investida contra a profissão docente, dos/as pedagogos/as e orientadores/as educacionais e dos/as funcionários/as da educação. A CNTE aponta que incluir Assistentes Sociais e Psicólogos no rol de profissionais da educação refere a uma disputa de recursos do FUNDEB que, de acordo com a lei, os pagamentos desses profissionais estariam em desacordo com o Artigo 71 da LDB que considera essa despesa como sendo exclusiva para manutenção e desenvolvimento do ensino.

Em contraponto, a Coordenação Nacional pela Implementação da Lei 13.935/2019 – composta por entidades nacionais da Psicologia e do Serviço Social, e seus Conselhos Profissionais, também lançaram mão de nota pública em defesa de que Assistentes Sociais e Psicólogas(os) que atuam na educação básica são trabalhadoras(es) da Educação e devem estar devidamente incluídas(os) na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Segundo a nota, a CNTE desconsiderou uma luta histórica de mais de 20 anos dessas categorias e da sociedade brasileira que resultou na Lei 13.935/2019 e lamentou esse posicionamento. (CFESS, 2023)

Além dessa disputa, realçada nestas notas públicas, existem outros desafios concretos da inserção do Psicólogo na educação. Martinez (2010) aponta o receio dentro da escola com relação à presença do psicólogo, sendo esse muitas vezes rejeitado devido sua incapacidade para resolver os problemas que afetam o cotidiano dessa instituição. A autora acrescenta que a atuação do psicólogo é sempre associada ao modelo clínico e com práticas tradicionais de elaboração de diagnóstico e ao atendimento de crianças com dificuldades emocionais ou de comportamento, bem como à orientação aos pais e aos professores.

As Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas(os) na Educação Básica construída pelo coletivo dos Conselhos de Psicologia reconhecem a complexidade da atuação do psicólogo dentro do sistema público de ensino, mas defendem que ações devem pautar-se em tornar disponível um saber específico da Psicologia para questões da Educação e no entendimento da dimensão subjetiva do processo ensino-aprendizagem. Fundamentam que a perspectiva deve envolver prioritariamente o fortalecimento de uma gestão educacional democrática e de formas efetivas de acompanhamento do processo de escolarização. Na realidade, o documento faz grandes reflexões nesse cenário de muitas demandas, mas recomenda, principalmente, que o Psicólogo deve compor a equipe escolar e construir seu projeto de atuação como um profissional inserido e implicado no campo educacional.

Dentro dessa mesma perspectiva, há outras inúmeras possibilidades de atuação atualmente, consideradas como “emergentes”, que envolvem o diagnóstico, análise e intervenção, onde o foco passa a ser a instituição; participação no processo de seleção dos membros da equipe pedagógica e contribuição para a coesão da equipe de direção pedagógica e para sua formação técnica; contribuir, também, para a caracterização da população estudantil com o objetivo de subsidiar o ensino personalizado, através da realização de pesquisas diversas e ainda cabe ao psicólogo ter uma participação crítica, reflexiva e criativa na implementação das políticas públicas (Martinez, 2010).

Enfim, historicamente, a Psicologia Escolar dá um salto de qualidade ao abandonar o enfoque clínico e práticas tradicionais e passa a ser um esteio para o desenvolvimento global do estudante, superando as análises individualizantes e medicalizantes. Neste contexto, o psicólogo, juntamente com a equipe de professores e a comunidade escolar, passa a refletir sobre a complexidade das relações sociais que incidem sobre os alunos e suas subjetividades.

Artigo de opinião apresentado como requisito da disciplina Intervenção Psicossocial no curso de Psicologia da Ulbra Palmas em setembro de 2024.

 

Glaucilene Lopes de Santana Santos: Acadêmica de Psicologia na Ulbra Palmas. E-mail: glaucilenesantana@rede.ulbra.br.

Luiz Gustavo Santana: Orientador Prof. Mestre do Curso de Psicologia na Ulbra Palmas. E-mail: luiz.santana@ulbra.br

REFERÊNCIAS

Conselho Federal de Psicologia (Brasil). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) na educação básica / Conselho Federal de Psicologia. — 2. ed. — Brasília : CFP, 2019.

Conselho Federal de Serviço Social (CFESS).NOTA PÚBLICA: “Assistentes Sociais e Psicólogas(os) são trabalhadoras(es) da Educação e lutam pelo Financiamento que garanta uma Educação Pública de Qualidade!” Disponível em https://www.cfess.org.br/arquivos/Nota-CoordenacaoEntidades-CNTE-Final.pdf. Acessado em 18/08/2024

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Educação (CNTE). A inclusão de psicólogos e assistentes sociais na LDB descaracteriza e afronta a profissão dos/as trabalhadores/as em educação. Disponivel em https://cnte.org.br/noticias/a-inclusao-de-psicologos-e-assistentes-sociais-na-ldb-descaracteriza-e-afronta-a-profissao-dosas-trabalhadoresas-em-educacao-bd05.Acessado em 18/08/2024

MARTINEZ, Albertina Mitjáns. O que pode fazer o psicólogo na escola? In Em Aberto, Brasília, v. 23, n. 83, p. 39-56, março. 2010.

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“Além da Sala de Aula” – afetividade no processo de ensino-aprendizagem

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O filme “Além da sala de aula”, chocante e impactante, foi inspirado em uma história real, na vida de Stacey Bess, famosa palestrante americana sobre educação. Mais do que uma obra cinematográfica, o filme evidencia a realidade de muitos professores pelo Brasil.

Na história, em essência, uma professora recém-formada vai em busca do seu primeiro emprego e ao contrário do que imaginava é contratada para uma escola pouco convencional, ou seja, tratava-se de um projeto social para os sem-teto. O projeto ficava em uma região de vulnerabilidade social (local de passagem para pessoas sem teto, como um albergue a céu aberto), as pessoas moravam em contêineres adaptados para quartos e ao lado da sala de aula passava a linha férrea que fazia tremer tudo durante a passagem de trens. A “escola” era carente em tudo: não tinha livros, equipamentos para aprendizagem, limpeza; as cadeiras e mesas estavam em condições precárias; assim como a estrutura física do local que tremia quando passava um trem ao lado da escola; e os alunos conviviam com ratos.

A protagonista (professora) inicialmente pensa em desistir já que não era o cenário que esperava e que fora preparada para atuar, todavia, ela reúne forças para encarar o desafio e paulatinamente, com seu esforço, vai conquistando a simpatia dos estudantes, dos pais e até da supervisão da educação local (pois a escola não possui diretor) que, ignorava a dificuldade dos professores e parecia pouco se importar com a situação dos estudantes.

Na tentativa de deixar a escola mais agradável, a professora trabalha na reestruturação da escola e com os próprios recursos compra equipamentos, faz limpeza no local e pinta. Além disso promove momentos de integração com a comunidade envolvendo pessoas do próprio abrigo que se põe a ajudar. Para suprir, pelo menos de maneira paliativa, a fome de alguns alunos, ela chega a levar comida para a classe. Chega, inclusive, a levar para sua casa uma das alunas que tivera o pai expulso do abrigo por ter sido pego com bebida alcoólica.

Enfim, é possível dizer que a presença de Stacey Bess (professora) realmente promove a mudança do lugar, impactando da transformação de estruturas e comportamentos.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

Um paralelo teórico

Ao assistir ao filme o que parece mais evidente é a questão da afetividade e sua importância/impacto no processo de aprendizagem; e nessa perspectiva a escolha foi pelo teórico (e suas discussões) Henri Wallon.

Os grandes estudiosos, Jean Piaget e Lev Vygotsky já atribuíam importância à afetividade no processo evolutivo, mas foi o educador francês Henri Wallon que se aprofundou na questão.

 Diferente de como se trata no senso comum, a afetividade não é simplesmente o mesmo que amor, carinho, ou concordar com tudo, ou seja, sentimento apenas positivo. De acordo com Wallon (apud DANTAS, 1992), o termo afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como externas. A afetividade é, assim, um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua, juntamente com a cognição e o ato motor, no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.

A dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento, destaca Wallon (apud DANTAS, 1992). A emoção, uma das dimensões da afetividade, é instrumento de sobrevivência inerente ao homem, é “fundamentalmente social” e “constitui também uma conduta com profundas raízes na vida orgânica” (DANTAS, 1992, p. 85).

Segundo Wallon, o desenvolvimento humano acontece em cinco estágios, nos quais são expressas as características de cada espécie e revelam todos os elementos que constituem a pessoa. O estágio 1 é o impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano), onde o sujeito revela sua afetividade por meio de movimentos, do toque, numa comunicação não-verbal; e estágio 2 é o sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos), em que a criança já fala e anda, tendo o seu interesse voltado para os objetos, para o exterior, para a exploração do meio; o estágio 3 é o personalismo (3 a 6 anos),  fase da diferenciação, da formação do “eu”, da descoberta de ser diferente do “outro”; estágio 4, categorial (6 a 10 anos), em que a organização do mundo em categorias leva a um melhor entendimento das diferenças entre o “eu” e o “outro”; e estágio 5, a – puberdade, adolescência (11 anos em diante), em que acontece uma nova crise de oposição, ou seja, o conflito eu-outro retorna, desta vez como busca de uma identidade autônoma, o que possibilita maior clareza de limites, de autonomia e de dependência (MAHONEY & ALMEIDA, 2005, p. 22). Segundo ainda as autoras (2005), em todos os estágios do desenvolvimento humano, segundo a teoria de Wallon, a afetividade está presente em maior ou menor grau, haja vista a interação indispensável a esse processo, para a formação desse indivíduo como ser social, cultural e inserido, de fato, no meio em que vive.

De acordo com Henri Wallon, o primeiro ano de vida expressa a afetividade com maior intensidade. Por ela, o bebê se expressa e interage com as pessoas que, por sua vez, respondem a tais manifestações. Porém, a afetividade está presente em todas as fases da vida e podem ser exteriorizadas de três formas: (a) emoção, sendo a primeira expressão da afetividade e, normalmente, não controlada pela razão; (b) sentimento, que é a forma de expressão que já tem ligação com o cognitivo, ou seja, o indivíduo consegue sofre aquilo que o afeta; e (c) paixão, que a principal característica é o autocontrole (MAHONEY & ALMEIDA, 2005). Ainda de acordo com elas 92005), a emoção é a mais visível das expressões e pode ser manifestada, inclusive, por meio da fala. Com ela, o indivíduo consegue externalizar o que sente, desde seu nascimento. Trata-se da primeira manifestação de necessidade afetiva da criança, demonstrada quando chora ou quando ri.

Sendo a afetividade a dimensão que ganha mais destaque nas obras de Wallon é, também, aquela que mais se relaciona com a educação. Através dela, o educador consegue visualizar quando seu aluno está entusiasmado com determinada dinâmica e, ao mesmo tempo, se outro está apático ou cansado, podendo usar isso a seu favor.

Assim, é possível dizer que ao chegar à Escola, a criança já traz um arsenal de vivências e experiências (positivas e negativas), que não podem ser negligenciadas. E não se pode simplesmente dizer que “não sou responsável pelo que aconteceu antes de mim”, porque o “antes” tem influência no “depois” e o professor terá tudo a ver com isso (DANTAS, 1992).

Nesse contexto também, o professor não é apenas o responsável por “ensinar” conteúdos, mas o responsável por ajudar o aluno a aprender e isso muda todo o processo, pois se não há aprendizagem, o fracasso é do aluno e do professor. E esse fracasso nem sempre estará relacionado à incompetência do professor, ausência ou deficiência de metodologias e recursos, ou à falta de atenção, indisciplina, “problemas” do aluno. Há um aspecto pouco percebido ou levado em conta por todos, e que pode ser o elemento que está faltando nesse processo e que é determinante para que ocorra a aprendizagem que se quer, e se consiga o sucesso que se busca: a afetividade (DANTAS, 1992).

Pensando nesses apontamentos teóricos e na obra cinematográfica, fazendo um paralelo teórico, é possível destacar a produção de sentimentos e emoções que as diversas situações vivenciadas em sala de aula podem gerar, em todos os atores/sujeitos do processo educacional. E é indiscutível e incontestável, subsidiados por Wallon, o reconhecimento do quanto essas emoções e sentimentos repercutem nos processos de ensino e de aprendizagem. O filme retrata claramente esse cenário.

Ter clareza disso permite ao docente a possibilidade de reflexão sobre o seu fazer, sobre a sua prática pedagógica, bem como identificar e criar estratégias de ação diante de emoções negativas que também possam modificar o ambiente escolar.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

FICHA TÉCNICA DO FILME

 

Título orginal: Beyond the Blackboard
Gênero: Drama
País: EUA
Ano: 2011

Referências:

DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. São Paulo: Summus, 1992. Disponível em: < https://repositorio.usp.br/item/000842049>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

MAHONEY, Abigail Alvarenga & ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Revista da Psicologia da Educação, nº 20 – 2005. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752005000100002>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

TASSONI, Elvira Cristina Martins; LEITE, Sérgio Antônio da Silva. Afetividade no processo de ensino-aprendizagem: as contribuições da teoria walloniana. Educação, vol. 36, núm. 2, mayo-agosto, 2013, pp. 262-271. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil.

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Escola e Currículo

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Com a finalidade de direcionar esforços e investimentos para a melhoria da qualidade da educação no Brasil, o Congresso Federal sancionou em 25 de junho 2014 a lei nº 13005, o Plano Nacional de Educação (PNE). Com validade de 10 anos o PNE estabelece diretrizes, estratégias e 10 metas que devem reger as iniciativas na área da educação.

De acordo com a LDB (1996) o Ensino Médio, como parte integrante da Educação Básica, é dever do Estado e direito da população, e tem como finalidade a preparação para a continuidade dos estudos, a preparação básica para o trabalho e o exercício da cidadania, a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico do educando e ainda, espaço para a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Assim, A Educação Básica é direito universal e alicerce indispensável para a capacidade de exercer em plenitude o direto à cidadania. É o tempo, o espaço e o contexto em que o sujeito aprende a constituir e reconstituir a sua identidade, em meio a transformações corporais, afetivo-emocionais, socioemocionais, cognitivas e socioculturais, respeitando e valorizando as diferenças. Liberdade e pluralidade tornam-se, portanto, exigências do projeto educacional.

Partindo de princípios definidos na LDB, o Ministério da Educação elaborou um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção dos jovens na vida adulta. O principal argumento para esta propositura encontra-se na figura e organização anterior que era entendida como um ensino descontextualizado, compartimentalizado e baseado no acúmulo de informações. Ao contrário disso, com a mudança busca-se dar significado ao conhecimento escolar, mediante a contextualização; evitar a compartimentalização, mediante a interdisciplinaridade; e incentivar o raciocínio e a capacidade de aprender (BRASIL, 2010).

O currículo, enquanto instrumentação da cidadania democrática, deve contemplar conteúdos e estratégias de aprendizagem que capacitem o ser humano para a realização de atividades nos três domínios da ação humana: a vida em sociedade, a atividade produtiva e a experiência subjetiva, visando à integração de homens e mulheres no tríplice universo das relações políticas, do trabalho e da simbolização subjetiva (BRASIL, 2010).

Fonte: encurtador.com.br/lY048

De acordo com Berger (s/d, p. 3) as competências são modalidades estruturais da inteligência, ou melhor, ações e operações que utilizamos para estabelecer relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas que desejamos conhecer, operações mentais estruturadas em rede que, mobilizadas, permitem a incorporação de novos conhecimentos e sua integração significada a esta rede, possibilitando a reativação de esquemas mentais e saberes em novas situações, de forma sempre diferenciada. As habilidades decorrem das competências adquiridas e referem-se ao plano imediato do saber fazer. Através das ações e operações, as habilidades aperfeiçoam-se e articulam-se, possibilitando nova reorganização das competências. Portanto, construir um currículo por competências não pressupõe abandonar a transmissão dos conhecimentos nem a construção de novos conhecimentos; ao contrário, esses processos são indissociáveis na construção destas competências. A diferença que se estabelece nesta proposição curricular é que o centro do currículo e, portanto, da prática pedagógica será não a transmissão dos saberes, mas o processo mesmo de construção, apropriação e mobilização destes saberes.

Assim, para trabalhar com um currículo organizado por competências deve-se, necessariamente, reduzir os conteúdos, abrindo espaço para o desenvolvimento de outros recursos e para a sua mobilização, causando mudanças no trabalho pedagógico, que não se limitará as ações do professor, mas na escola como um todo.

Para exemplificar o trabalho pautado em competências destacamos as informações a seguir:

Pensando em uma competência: implantação de uma horta na escola

Para a implantação de uma horta na escola, com o protagonismo dos estudantes seria necessário conhecimento dos estudantes em várias áreas. São exemplos: a) conhecimentos matemáticos (operações com conjuntos, potências, probabilidade, raciocínio matemático, estatística, formas geométricas etc); b) conhecimentos geografia (movimentos da Terra e fusos horários, Geografia Física, Meio Ambiente, tipos de rochas e minerais, agricultura no Brasil, fontes de energia etc); c) Biologia (Reino vegetal, Ecologia etc); d) Português (interpretação de textos, gramática etc); e outras disciplinas/conhecimentos.

Para a implantação de uma horta na escola (competência), mesmo sustentados pelos conhecimentos os estudantes deveriam ter/desenvolver algumas habilidades. Poderiam ser: habilidade para a identificação, separação e organização de sementes e materiais orgânicos, preparação da terra, estruturação de canteiros e manuseio de ferramentas etc.

Mas, a competência apresentada só seria desenvolvida com a complementação da atitude, que poderia ser: escolha da área, formação de equipes de trabalho, tamanho e formato dos canteiros, tipo de vegetais, escala para acompanhamento e cuidado com as plantas.

Fonte: encurtador.com.br/atCP4

Referências:

BERGER FILHO, Ruy. Currículo e Competências. In: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/Portals/18/arquivos/curriculo_e_competencias_cr.pdf. Acessado em: Acessado em 10 de outubro de 2017. São Paulo / Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Professores do Estado de São Paulo “Paulo Renato Costa Souza”, s/d.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acessado em 10 de outubro de 2017. Brasília, 2010.

______. Presidência da República. Casa Civil. LEI nº 13.005, de 25 DE JUNHO DE 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13005.htm. Acessado em: Acessado em 10 de outubro de 2017. Brasília, 2014.

COSTA, Thais Almeida. A noção de competência enquanto princípio de organização curricular. In: Revista Brasileira de Educação [online]. Disponível em:  http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27502905. Acessado em 10 de outubro de 2017. 2005, (mai. – ago.).

VARGAS, Juliana Ribeiro; SARAIVA, Karla, Susana Salete Raymundo. Organização Curricular – Ensino Médio. In: Escola e Currículo. Canoas-RS: ULBRA EAD, 2017. (Material didático para o curso de Ciências Sociais a distância).

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Midiatização e Educação: em busca de sentidos

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As tecnologias comunicacionais, estimuladas pelo desenvolvimento tecnológico, aprofundaram a articulação da vida social com os dispositivos de mídia, afetaram significativamente a percepção do mundo (BENJAMIN, 1994; MC´LUHAN, 2003; SODRÉ, 2001 apud CAMPOS, 2015a), modificaram a relação com o tempo e com o espaço e provocaram um tensionamento nas formas tradicionais de transmissão de cultura, centradas no sistema de ensino. Nesse sentido, a tecnologia vai descentrar a literalidade (a escrita) como suporte preferencial do saber, reinserindo a oralidade e a visualidade entre objetos de conhecimento, afirma Assmann (2011 apud CAMPOS, 2015a).

Historicamente a escrita possibilitou um tipo de arquivo que fixou informações a serem transferidas para as gerações seguintes. A substituição da escrita e seus suportes espaciais pelo registro digital provoca uma modificação substancial na estrutura e capacidade de armazenamento de informações. Essa tecnologia, ao mesmo tempo que oferta uma capacidade de armazenamento inimaginável, permite a circulação de informações em um ritmo sempre mais veloz, esclarece Assmann (2011 apud CAMPOS, 2015a). A consequência, complementa o autor, é que a escrita digital, “por sua forma fluída e capacidade de armazenamento, não distingue memória e esquecimento. Sobressaem-se nesse processo as dualidades inovação/obsolência e produção/descarte” (p. 46-47). Nesse sentido, a categoria de verdade é superada pela Nesse sentido, a categoria de verdade é superada pela de autenticidade que se torna central no estudo dos produtos tecno-midiáticos.

A fragmentação das narrativas e a experiência de fluxo características da rede produzem uma ambiência que demanda, assim como todo o desenvolvimento tecnológico, novas formas de percepção e de atuação, menciona Campos (2015). A apropriação desses saberes para uso cotidiano, como na Educação, é denominada por Jenkins (2008 apud CAMPOS, 2015a, p. 51), como “convergência”, que se refere ao processo e não aos suportes tecnológicos.

A convergência tem como características, esclarece Campos (2015a), o fluxo de conteúdos que circulam pelos diferentes suportes midiáticos, a cooperação dos diferentes mercados e suportes midiáticos e, ainda, o comportamento migratório do público pelos diferentes meios. Para Sodré (2001 apud CAMPOS, 2015a), a mídia “não é simples cópia, reprodução ou reflexo, porque implica numa nova forma de vida, com um novo espaço e modo de interpelação coletiva dos indivíduos”. Ela deve ser entendida na perspectiva espacial, que oferece uma territorialidade para circuitos culturais ampliados. Assim, a oferta de informações e saberes torna-se muito ampliada em relação ao espaço geográfico, pois o “sistema multimídia oferece possibilidades inéditas de expansão transnacional até nas culturas periféricas” (GARCIA-CANCLINI, 2007 apud CAMPOS, 2015a).

Fonte: encurtador.com.br/op167

No atual cenário educacional, menciona Ferreira (2016), a aprendizagem dos conteúdos curriculares formais não mais é suficiente. Saber fazer “escolhas críticas, agir com autonomia para buscar informações nas redes sociais e transformá-las em saberes faz parte do perfil do cidadão contemporâneo” (p. 12), um ‘ser’ que deve ser estratégico e capaz de gestar a multiplicidade de dados para a aprendizagem ser significativa.

Nessa perspectiva Trilla (2018 apud FERREIRA, 2016) destaca que o processo no aprender formal é permeado por relações de aprendizagem nas modalidades não formal e informal que, embora não ligadas explicitamente, estão funcionalmente relacionadas, se explicitando na complementaridade com a partilha de conteúdos e objetivos entre agentes educativos; daí a importância do processo de aprendizagem ser midiatizado “para facilitar ao aprendente a exercitar a autonomia buscando a autoaprendizagem na complementaridade das informações postas na sociedade de modo disperso” (TRILLA, 2018 apud FERREIRA, 2016, p. 13).

Para Ferreira (2016), as fronteiras entre midiatização e mediação são permeáveis e esclarece: “a midiatização constitui processo interacional de referência no trabalho de articulação com o todo social” (BRAGA, 2012 apud FERREIRA, 2016, p. 14), e, “mediar é colocar o pensamento do aluno no movimento do diálogo consigo mesmo e com os outros alunos sobre suas atividades” (NADAL e PAPI apud FERREIRA, 2016, p. 14).

Com isso, o papel do professor ao mediar midiatizando não é estar entre o pensamento do aluno e o texto disponibilizado pela internet; é lançar-se no movimento do diálogo pela construção do conhecimento de modo que o aluno perceba que o diálogo não se trava com ele, seu professor, nem se fixa na linearidade de uma leitura apressada de um texto na tela de um computador ou de outro dispositivo eletrônico. Esse diálogo precisa ser crítico com o seu próprio pensamento, “com a cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitida pela linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador” (CHAUÍ, 1980 apud FERREIRA, 2016, p. 14). Assim, midiatizar, para Lévy (2011 apud FERREIRA, 2016, p. 14), midiatizar pode ser um movimento de estímulo ao pensamento do aluno, para que este perceba no texto “um vetor, um suporte ou pretexto à atualização do seu próprio espaço mental”.

Fonte: encurtador.com.br/dkxzG

Entretanto, Josso (2004 apud FERREIRA, 2016, p. 14-15) compreende que nem sempre o aprendente tem conhecimento e consciência do conjunto de questões que estão presentes no ato de aprender e só a ação mediadora do professor contará na constituição da autonomia do desempenho acadêmico e destaca o desafio de um “autodiagnostico, uma autoavaliação, do que se passa nas diferentes dimensões de si mesmo em situação de aprendizagem”.

De acordo com Peixoto e Carvalho (2011 apud FERREIRA, 2016), as tecnologia em pauta precisam ser entendidas como instrumentos simbólicos que se configuram nas relações entre os sujeitos e as práticas sociais, e, a mediação e a midiatização no contexto da educação superior, a tecnologia deve representar ferramenta de apoio no ensino aprendizagem. Assim, ainda segundo os autores, a mediação pedagógica pode ocorrer com ou sem o uso de tecnologia, “a situação relevante nesse processo não é o uso de recursos tecnológicos em si, mas a interação, ou seja, a relação entre aluno e professor” (p. 15), bem como a utilização de estratégias de ensino que visem a atividade mental do aluno e que o situem como sujeito do processo educacional. Desse modo, “à medida que o ensino passa a ser entendido como um processo de mediação, o professor deixa de ser o centro do processo para tornar-se uma ponte entre o aluno e o conhecimento” (NADAL; PAPI, 2007 apud FERREIRA, 2016, p. 15).

A midiatização coloca em evidência a importância do processo de mediação no seio da atividade humana, pois se trata de observar, de analisar e de compreender os efeitos dos dispositivos midiáticos, dos instrumentos sobre os comportamentos cognitivos e relacionais (MEUNIER, PERAYA, 2004; PERAYA, 2003, 2005 apud FERREIRA, 2016). Nesse sentido, a questão de ensino mediado com o uso de tecnologias virtuais constitui não só uma situação de “atividade instrumentada [mas] interfere nas relações e nas interações didáticas” (PEIXOTO; CARVALHO, 2011, apud FERREIRA, 2016, p. 15).

Prado (2013, p. 20) menciona que a realidade do aluno e da sociedade contemporânea não pode ser considerada de forma fragmentada: é necessária a “construção de estratégias que garantam espaço e tempo no currículo para a integração dos saberes, sem que isso signifique pôr em xeque a dimensão disciplinar do conhecimento”. Assim, nas palavras de Ferreira (2016) encontramos que a postura interdisciplinar (a ação docente, o aluno e o conhecimento tecnologizado na escola) pode facilitar o diálogo com as questões que se postam no processo de mediação do aluno em uma sociedade mediatizada.

Fonte: encurtador.com.br/jCE13

Referências:

CAMPOS, Deivison Moacir Cezar de. Memória Cultural e Convergência de Sentidos: o uso das Novas Mídias e Redes Sociais em Educação. In: NETO, Honor de Almeida; et al. Docência articulada com as tessituras sociais: pesquisa. Universidade Luterana do Brasil (Organizadora). Canoas: Ed. ULBRA, 2015 (a).

CAMPOS, Cláudia Renata Pereira de. Cartografando Métodos: Pensando e Aplicando a Pesquisa em Sala de Aula.  In: NETO, Honor de Almeida; et al.  Docência articulada com as tessituras sociais: pesquisa. Universidade Luterana do Brasil (Organizadora). Canoas: Ed. ULBRA, 2015 (b).

FERREIRA, Nali Rosa Silva; MEIRELES, Aline Vitoriano; GONÇALVES, Créssia Souza. PRÁTICA DOCENTE INTERDISCIPLINAR E APRENDIZAGEM MIDIATIZADA. Interdisciplinaridade. Revista do Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade. n. 8, p. 10-24, abr. 2016. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/interdisciplinaridade/article/view/27292>. Acesso em: 04 de maio de 2019.

PRADO, Maria Renata. Pesquisa como estratégia de ensino: uma proposta inovadora em faculdades privadas. Revista Ensino Superior. n. 11, out. – dez. 2013. Disponível em: <https://www.revistaensinosuperior.gr.unicamp.br/artigos/pesquisa-como-estrategia-de-ensino-uma-proposta-inovadora-em-faculdades-privadas>. Acesso em: 04 de maio de 2019.

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Relação entre ciência e educação no Brasil

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Antes de refletirmos sobre a relação entre ciência e educação no Brasil é importante compreendermos o significado de “ciência” e “educação”. Esse movimento inicial nos permitirá estabelecer as diretrizes e limites da análise proposta inicialmente.

Uma consulta rápida em qualquer dicionário nos indica alguns conceitos pertinentes sobre essas duas categorias teóricas. Assim, como ciência é possível entender: “Reunião dos saberes organizados obtidos por observação, pesquisa ou pela demonstração de certos acontecimentos, fatos, fenômenos, sendo sistematizados por métodos ou de maneira racional” (DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS, 2019), ou ainda, “Ramo específico do conhecimento, caracterizado por seu princípio empírico e lógico, com base em provas concretas, que legitima sua validade” (MICHAELIS ON-LINE, 2019). Já por educação é possível inferir: “Processo que visa ao desenvolvimento físico, intelectual e moral do ser humano, através da aplicação de métodos próprios, com o intuito de assegurar-lhe a integração social e a formação da cidadania” (MICHAELIS ON-LINE, 2019).

A ciência, de acordo com Neto (2015, p. 5, grifo meu), “constrói-se contra o senso comum, e estar vigilante é buscar sempre ultrapassar os obstáculos epistemológicos [1] que se apresentam”; todavia essa construção não ocorre de forma linear, pois é também produzida por cortes, rupturas e crises. Na mesma perspectiva Bourdieu (apud NETO, 2015) complementa e afirma que o avanço científico requer sempre uma postura investigativa, pois a ciência é feita para ser superada.

A educação, como casa do saber científico, por meio dos seus métodos próprios deve assegurar a materialização de um dos seus principais papéis, que é, na perspectiva de Neto (2015), a instauração do habitus científico [2] nos alunos. Ou seja, deve permitir ao mesmo tempo, “um sistema de esquemas de produção de práticas e um sistema de esquemas de percepção e apreciação das práticas” (BOURDIEU apud NETO, 2015, p. 7).

Bourdieu (apud SÁ, 2016, p. 198, grifo do autor), ao ponderar ainda sobre a ideia de habitus científico, menciona que “é uma regra feita homem ou, melhor, um modus operandi científico que funciona em estado prático segundo as normas da ciência sem ter estas normas na sua origem”; e mais, “assume formas específicas segundo as especialidades: […] os contatos entre ciências, que, tal como os contatos entre civilizações, possibilitam a explicitação das disposições implícitas, especialmente nos grupos interdisciplinares que se constituem em redor de um novo objeto” (p. 198).

Por fim, Neto (2015) destaca a importância de se instaurar no aluno uma formação que, imbuída do habitus científico, o habilite, o torne sujeito do seu conhecimento a agir e pensar de acordo com regras ou princípios exigidos pelo campo científico.

Fonte: encurtador.com.br/evO06

Ao retornar especificamente a questão inicial podemos mencionar que no Brasil a relação entre ciência e educação passou, no século XX, de acordo com Saviani (2010), da ciência como aspiração à ciência como suspeição. Impulsionada pelos renovadores a educação brasileira buscou ancorar-se em bases científicas elegendo a ciência como a grande aspiração de uma concepção pedagógica que pudesse orientar a reconstrução social do país pela reconstrução educacional [3].

Como resultado dessas iniciativas educacionais renovadoras, se até a década de 1940 o embasamento científico da educação girava, predominantemente, em torno da psicologia, na década de 1950 foi marcada por importante deslocamento em direção à sociologia, o que permitiu a Luiz Pereira referir-se, em 1962, a uma acentuada ‘sociologização’ do pensamento pedagógico brasileiro, afirma Pereira (1971 apud SAVIANI, 2010, p. 17).

Ao longo da década de 1960, continua Pereira (1971 apud SAVIANI, 2010), à vista da emergência de temáticas como o papel da educação no desenvolvimento econômico, a questão do financiamento do ensino e a relação entre educação e trabalho, o pensamento pedagógico tendeu a incorporar outra área de estudos científicos: a economia.

A década de 1980 é marcada por grande pela emergência das teorias críticas, partindo das ciências bases da educação (filosofia, história, psicologia, sociologia), se espraiou para a didática e para as habilitações pedagógicas (supervisão, orientação, administração) (SAVIANI, 2010). Parecia, pois, “que o pensamento pedagógico brasileiro havia atingido seu grau máximo de maturação estando na iminência de proclamar sua autonomia epistemológica e conquistar espaço próprio no conjunto das ciências humanas” (p. 17).

Nos anos de 1990 temos o abandono daquela expectativa há décadas acalentada, e a ciência passará de objeto do desejo dos educadores a motivo de suspeita, menciona Saviani (2010). Para o autor ainda,

a percepção de que também não se pode confiar na ciência, um tipo de conhecimento que não merece maior crédito do que os demais. Já que foi posta de lado a razão como faculdade capaz de captar o real, de pôr ordem no caos, de estabelecer princípios explicativos que nos permitiriam compreender como o mundo está constituído, entende-se a dificuldade de se caracterizar o tipo de pensamento pedagógico da época que estamos atravessando (p. 19).

Todavia, na tentativa de identificar as linhas básicas desse pensamento Saviani (2010) cita:

  1. a) neoprodutivismo, que subverte as bases sócio-econômicas que o pensamento pedagógico buscava encontrar nas ciências sociais; b) neoescolanovismo, que metamorfoseia as bases didáticas que se procurava definir pela pedagogia entendida como ciência da educação; e c) neoconstrutuvismo, que faz refluir as bases psicopedagógicas que se buscava construir pelas investigações da ciência psicológica (p. 19).
Fonte: encurtador.com.br/myGLU

Já nos anos 2000 ocorre a sinalização de um revigoramento do pensamento pedagógico crítico. Assim, além do pensamento pedagógico hegemônico que se manifesta nas três vertentes já mencionadas anteriormente (neoprodutivista, a neo-escolanovista e a neoconstrutivista), soma-se a pedagogia histórico-crítica que, na trilha aberta por Marx, não abdica de uma concepção claramente realista, em termos ontológicos, e objetivista, em termos gnosiológicos (SAVIANI, 2010). Para o autor, essa última

está empenhada em produzir conhecimentos cientificamente fundamentados capazes, em consequência, de orientar eficazmente a prática educativa constituindo-se, pois, numa orientação pedagógica crítica contraposta à orientação pedagógica de matriz pós-moderna, relativista e eclética que, sendo hegemônica na contemporaneidade, vem dificultando a solução efetiva dos graves problemas educacionais que enfrentamos em nosso país (p. 21).

Ao discorrer sobre essas diferentes perspectivas teórico-científicas e sua influência na educação não é possível deixar de mencionar que as mudanças e transformações no campo da educação e da realidade social não se limitam ou se resumem a essa dimensão teórica. Há que se ponderar que reflexos positivos na nossa sociabilidade não se darão de maneira independente ou autônoma da educação e sim com alterações em campos estruturais e estratégicos como o econômico.

Ao ponderar sobre o atual sistema educacional brasileiro, Neto (2015) menciona que suas bases e princípios científicos remontam do século XVII, período em que o pressuposto para conhecer era a observação e a ciência era vista como o acúmulo de teorias e leis. Para ilustrar tal contexto Kocke (2007 apud NETO, 2015, p. 10, grifo do autor) destaca que

Há uma visão vigente e expressa nos próprios manuais, que apresenta a ciência como um conhecimento pronto e acabado, […] e, apesar da ciência ter evoluído, a escola continua a ensinar conhecimentos prontos, cultivando uma ciência imóvel… o professor se transformou em um auleiro, transmissor de verdades estáticas, e o bom professor é aquele que consegue dar esse espetáculo de ilusionismo: demonstrar como verdadeiro e imutável o saber que está em permanente revolução.

Mello (2015) destaca que, face às inúmeras e crescentes transformações políticas, econômicas e tecnológicas pelas quais a sociedade contemporânea tem passado nos últimos anos, o apelo às reformas educacionais é constantemente renovado e repercute em novos desafios aos profissionais da educação, pois “o que está em jogo, […] é uma espécie de desconfiança da capacidade dos professores de oferecerem uma formação técnica e intelectual satisfatória para seus alunos” (p. 22, grifo meu).

Fonte: encurtador.com.br/oqvAU

Para Simões (2013) as reformas educacionais alegam a necessidade de um novo modelo de formação em sintonia com as mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas. O autor ainda pondera que “Embora a problemática da dicotomia entre teoria e prática e das deficiências dos cursos de formação de professores estejam sendo amplamente discutidas, o problema persiste” (p. 29); e acrescenta

para uma forte tendência em propor, nesse processo de mudança, uma concepção de professor que reflita sobre seus saberes e sua prática, instigando as instituições de formação de professores a questionar sua tarefa formadora. Esses questionamentos perpassam pela articulação teoria e prática na composição da matriz curricular dos cursos de formação de professores (p. 57).

Segundo Marli André (2001 apud Mello, 2015), a partir de 1980 ocorreu no Brasil, uma crescente valorização da pesquisa na formação do professor, sobretudo com destaque à articulação entre a teoria e a prática, o que fomentou o debate das questões epistemológicas entre diversos autores: Tardif (2000), Schon (2000), Giroux (2003), Demo (2003), Luciola Santos (2001), Zeichner (2002) etc. Assim, é possível pontuar, conforme Mello (2015), que a aproximação entre diferentes saberes a partir da reflexão sobre a formação docente demanda uma aproximação entre os diferentes saberes a partir da reflexão sobre a experiência docente, permitindo problematizar e delimitar um campo de ação, uma crítica construtiva às suas próprias práticas. Com isso, o autor encerra comentando que para além do consenso geral de que a pesquisa é um elemento essencial na formação do professor, o processo de formação deve atualizar e aprofundar os parâmetros da construção, da reflexão e da crítica para que o professor consiga avançar no sentido da aquisição de maior autonomia profissional.

Considerando todos esses elementos apresentados é possível, em face da relação entre ciência e educação, entendermos que a educação não é uma ação neutra e não pode ser pensada desta forma. Temos, como docentes/educadores refletirmos sobre os efeitos de nossa prática e os pilares que dão sustentação a ela (dimensão teórica, ética, política, investigativa etc.). É necessário também romper com a rigidez estruturante e reducionista para alcançarmos metodologias mais dinâmicas, flexíveis e globalizadoras, que atendam ao menos em parte a imprevisibilidade e incerteza da sociabilidade atual. Assim, há de se perceber que o desafio não tem sede apenas no aparecimento de procedimentos novos de ensino, como sendo mais uma forma de facilitar o trabalho do professor e a aprendizagem do aluno. Faz-se necessário pensarmos a didática para além de uma simples renovação pedagógica de novas formas de ensinar e aprender, para além da busca de manutenção de uma ordem apenas instrumental da educação, o que Candau (2001) chama de “didática instrumental” [4], para o alcance de uma didática fundamental (CANDAU, 2001) [5]. A ação do professor, portanto, precisa estar embasada numa estrutura que não separe os fins pedagógicos dos fins sociais e científicos.

NOTAS

[1] Neto (2015) esclarece que os obstáculos epistemológicos são representados por tudo aquilo que nos impede o avanço do conhecimento e sua aproximação com a realidade, sendo o principal deles o senso comum.

[2] Para Bourdieu (apud NETO, 2015), o habitus científico refere-se a um conjunto de disposições, de formas de ser e de agir que são demandadas pelo campo científico. Instaurar o habitus científico, é, portanto, formar o sujeito para que possa “jogar” o “jogo jogado” nesse campo, para que se qualifique a disputar nesse campo.

[3] Saviani (2010) afirma que, baseado no ‘Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova’, Lourenço Filho transformou, em 1931, a Escola Normal de São Paulo em Instituto Pedagógico (cujos cursos centravam-se nas ciências básicas da educação); em 1932 Anísio Teixeira empreendeu a reforma da instrução pública do Distrito Federal; em 1933 Fernando de Azevedo realizou nova reforma da instrução pública no estado de São Paulo aprofundando, na organização da escola de professores, a institucionalização das ciências da educação; em 1938, foi criado o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos – INEP (cujo primeiro diretor foi Lourenço Filho); em 1955 foi criado o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE.

[4] Para Candau (2001) a didática instrumental é concebida como um conjunto de conhecimentos técnicos sobre o ‘como fazer’ pedagógico, conhecimentos estes apresentados de forma universal e consequentemente desvinculados dos problemas relativos ao sentido e aos fins da educação, dos conteúdos específicos, assim como do contexto sociocultural concreto em que foram gerados.

[5] A didática fundamental está alicerçada, para Candau (2001), na multidimensionalidade do processo de ensino-aprendizagem, ou seja, propõe a articulação das dimensões técnica, humana e política. Nessa perspectiva, a competência técnica e o compromisso político não se dissociam, e sim se interpenetram.

Fonte: encurtador.com.br/ryNXY

Referências:

CANDAU, Vera Maria. Rumo a uma nova didática. 12 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.

DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Ciência. Disponível em: < https://www.dicio.com.br/ciencia/>. Acesso em: 27 de abril de 2019.

MELLO, Jamer Guterres de. Articulações entre Saberes e Práticas Docentes: o Papel da Pesquisa na Formação de Professores. In: NETO, Honor de Almeida; et al. Docência Articulada com as Tessituras Sociais: Pesquisa. Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. ULBRA, 2015.

MICHAELIS ON-LINE. Ciência. Disponível em: < http://michaelis.uol.com.br/busca?id=M4nL>. Acesso em: 26 de abril de 2019.

NETO, Honor de Almeida. Vigilância Epistemológica e Educação. In: NETO, Honor de Almeida; et al. Docência Articulada com as Tessituras Sociais: Pesquisa. Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. ULBRA, 2015.

SAVIANI, Dermeval. Ciência e educação na sociedade contemporânea: desafios a partir da pedagogia histórico-crítica. Disponível em: <http://e-revista.unioeste.br/index.php/fazciencia/article/view/7434/5778>. Revista Faz Ciência, v.12, n.16 Jul./dez. 2010, pp. 13-36. Acesso em: 25 de abril de 2019.

SIMÕES, Rodrigo Lemos. Formação de Professores de História, Práticas e Discursos de Si. Tese (Doutoramento em Educação) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul / Programa de Pós-Graduação em Educação. Porto Alegre, 2013.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu: uma leitura contemporânea. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n20/n20a05.pdf>. Acesso em: 25 de abril de 2019.

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A democracia está em crise?

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Quando falamos em democracia pensamos em conceitos como voto, direito de votar, direito de expressão, de ir e vir etc., enfim, são os mais variados conceitos e ideias que nos causa dúvida sobre seu real significado.

Na teoria contemporânea da Democracia, afirma Bobbio (1998), confluem três grandes tradições do pensamento político: a) clássica, segundo a qual a Democracia figura como o Governo do povo, de todos os cidadãos, se distingue da monarquia, como Governo de um só, e da aristocracia, como Governo de poucos; b) medieval, na base da qual há a contraposição de uma concepção ascendente a uma concepção descendente da soberania conforme o poder supremo deriva do povo e se torna representativo ou deriva do príncipe e se transmite por delegação do superior para o inferior; c) moderna, segundo a qual as formas históricas de Governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga Democracia nada mais é que uma forma de república, onde se origina o intercâmbio característico do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é chamado, em vez de Democracia, de república.

Por sua vez, a ideia de representação começa a ganhar forma na modernidade onde, de acordo com Vieira (apud MEDEIROS, 2017, s/p), tem origem a passagem do princípio da soberania monárquica para a soberania popular, protagonizada pela luta da burguesia contra o poder dos reis visando obter privilégios que só poderiam ser conseguidos interferindo na ação do Estado absolutista. “É, neste contexto, que um novo significado de representação adquire um papel essencial no esboço de reestruturação do espaço do político, devidamente adequado às novas exigências imposta pela forma de reprodução social da modernidade”.

encurtador.com.br/orwGS

Uma vez instituída a soberania popular em oposição à soberania monárquica e diante da impossibilidade de uma democracia direta, “a opção pelo sistema representativo moderno apresentar-se-ia como uma solução para esta dificuldade [do ideal de uma democracia direta]” (id., ibidem, s/p). Nesta perspectiva ainda Bonavides (2006, p. 294) destaca que “A soberania popular, o sufrágio universal, a observância constitucional, o princípio da separação dos poderes, a igualdade de todos perante a lei, a manifesta adesão ao princípio da fraternidade social”.

Para Manfredini (2008) o que tem se vivenciado no Brasil é a crise desse modelo representativo. Os representantes já não representam o povo; este, por sua vez, já não se interessa pelos assuntos políticos. O número de partidos cresce, mas as ideologias continuam as mesmas, e, o poder legislativo ainda não logrou sua independência, continua a operar com preponderância do executivo.

Ao dialogar sobre o seu livro “A Era do imprevisto: a grande transição do século XXI”, Sérgio Abranches (2017), sociólogo, cientista político e escritor, discute o distanciamento entre a sociedade e a política e consequentemente a crise deste modelo representativo. Para o pensador, esse distanciamento e crise tem relação com as grandes mudanças que ocorreram na sociedade (tecnologia de comunicação) e na economia (globalização e mercado financeiro hegemônico), de maneira muito mais rápida do que na política.  Segundo o autor, as pessoas não se sentem representadas no campo político, por figuras que ainda representam uma face/vertente tradicional e conservadora (analógica) do modo de ser e viver a política.

Abranches (2017) destaca também na entrevista, que esse tensionamento/crise/descolamento entre sociedade e política tem consequências severas e as apresenta em duas vertentes: de um lado uma alienação, com um total desinteresse das pessoas pela política e suas dimensões; por outra lado, a radicalização, com a ideia de que o modelo vigente está completamente errado e o caminho é encontrar novas formas, o que geralmente leva à todos pela estrema direita.

encurtador.com.br/aptxK

A perda de confiança da população no modelo representativo tem sido motivada por vários fatores, segundo Vieira (2006) e eles pairam entre o descrédito nos partidos, as inúmeras denúncias sobre corrupção, o mau uso dos recursos públicos, além da falta de soluções para resolver os problemas públicos que atingem direta e indiretamente a sociedade.

De acordo ainda com Moura (2016, p. 209), “A crise das instituições políticas encarregadas de processar as decisões coletivas na sociedade atual, é, ao mesmo tempo, causa e efeito dos deslocamentos de poder provocados pelo impacto das novas tecnologias e das transformações por elas geradas”. Atualmente, essas estruturas políticas não cumprem suas funções e o dinheiro público se perde na burocracia e na corrupção, o tipo de liderança baseada no poder burocrático tornou-se inadequado à nova realidade e as instituições políticas também refletem uma forma obsoleta de lidar com o conhecimento.

Mas há, segundo Abranches (2018), um caminho, alternativas que podem representar uma “democracia melhor”. Um deles seria, dentro do próprio jogo democrático, publicizando as demandas e valores no espaço público (ruas), o que poderia fomentar o surgimento de novos partidos, com o viés de representação de fato. De qualquer modo, assevera o pensador (2018), “o caminho da democracia é se digitalizar; ter mais participação das pessoas, via redes sociais, e, formando tipo uma poliesfera digital, na qual as pessoas possam conversar democraticamente […], inclusive fazer escolhas e transmitir isso para o sistema político.

Referências

ABRANCHES, Sérgio. A Crise da Democracia Representativa. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_5Fy4FaxE7s>. Publicado em 18 de maio de 2017. Acessado em 06 de outubro de 2018.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de política I. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998.

_______________. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

MANFREDINI, Karla M. Democracia Representativa Brasileira: O Voto Distrital Puro Em Questão. Florianópolis, 2008.

MEDEIROS, Alexsandro M. Democracia Representativa. Disponível em: <https://www.sabedoriapolitica.com.br/ciber-democracia/democracia-representativa/>. Acessado em 06 de outubro de 2018. 2017.

MOURA, Paulo G. M. de. Organizações e Participação Política e Social no Mundo Contemporâneo. In: Sociedade e Contemporaneidade. Canoas: RS. Universidade Luterana do Brasil, 2016.

SELL, Carlos Eduardo. Introdução à sociologia política: política e sociedade na modernidade tardia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006.

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Comunismo primitivo e a força do trabalho

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De acordo com o Dicionário do Pensamento Marxista (2012), “comunismo primitivo” é uma expressão que se refere ao direito coletivo aos recursos básicos, a ausência de direitos básicos ou de domínio autoritário e as relações igualitárias que antecederam a exploração econômica e a sociedade de classes na história humana.

Essa forma social de produção existiu durante milênios, na vida de muitos povos, sendo a mais remota etapa de evolução da sociedade. Foi nesse período que começou o desenvolvimento da sociedade, o que para Morgan representada o estado selvagem. Nesse período os homens permaneciam nos bosques tropicais ou subtropicais e se alimentavam do que encontravam ao acaso: legumes, frutas silvestres, raízes. A variação do hábito alimentar só foi possível com o domínio do fogo, quando passaram a empregar peixes, crustáceos, moluscos e outros animais aquáticos.

Os primeiros instrumentos usados pelos homens foram o machado e pedras toscas sem polimento. A invenção da lança com ponta de pedra e, logo depois, a do arco e das flechas, permitiu-lhes procurar novo alimento: a carne dos animais. Paralelamente à procura de alimentos vegetais e à pesca, tornou-se a caça um novo meio de subsistência. Posteriormente, deu-se um passo considerável para a frente, pela introdução de instrumentos de pedra lascada, que permitiram trabalhar a madeira para construir habitações.

Dadas às condições precárias de habitabilidade e pouco domínio de tecnologia, o que criava uma vulnerabilidade em relação às forças da natureza, a população mantinha condição predominantemente nômade. Mais tarde, os homens viveram em tribos (condição possibilitada principalmente pelo domínio do fogo), o que viera a se constituir em clãs. Estes compreendiam centenas de pessoas e englobavam grandes famílias aparentadas entre si. Não havia propriedade privada dos meios de produção. A vida econômica do clã era dirigida por todos em comum, coletivamente. Tanto a caça como a pesca, como a preparação e o consumo dos alimentos, tudo se fazia em comum. Nessa sociedade não existia nem poderia existir a exploração do homem pelo homem. O trabalho era dividido entre homens e mulheres. No clã conviviam membros mais fortes e membros mais fracos, mas não existia a exploração de uns pelos outros.

Fonte: encurtador.com.br/vBHSW

O regime comunista primitivo foi, afirma Engels (1945), necessário para a sociedade humana naquela época de desenvolvimento. Numa vida isolada, dispersiva, teriam sido impossíveis a invenção e o aperfeiçoamento das armas e dos instrumentos primitivos.

Os fatores determinantes na decomposição do regime comunista primitivo foram: a domesticação dos animais e a substituição da caça pela criação, a divisão do trabalho e troca regular entre as tribos e o desenvolvimento da agricultura (primeiro a horticultura e logo depois o cultivo dos cereais).

Como consequência do desenvolvimento de todos os ramos da produção (gado, agricultura, serviços manuais), a força “trabalho humano” foi se tornando capaz de criar mais produtos do que os necessários para o sustento de cada produtor. O desejo de produtividade maior fez com que aumentassem, ao mesmo tempo, a soma de trabalho quotidiano que correspondia a cada membro de clã, a cada comunidade doméstica ou família isolada. A ambição estimulou a procura de novas “forças de trabalho” e a guerra as forneceu: os prisioneiros foram transformados em escravos. Aumentando a produtividade do trabalho, por conseguinte, dando origem à riqueza; estendendo-se o campo da produção, a primeira grande divisão do trabalho, por força mesmo das condições históricas determinaria necessariamente a escravidão, para fazer face a tal produção. Da primeira divisão social do trabalho nasceu a primeira grande divisão da sociedade em duas classes: senhores e escravos, exploradores e explorados (ENGELS, 1964).

Segundo Lessa & Tonet (2011), com o desenvolvimento das forças produtivas somos levados surgimento da propriedade privada, da família patriarcal e do Estado (reprodução que pode ocorrer com base na exploração do homem pelo homem), a organização da produção e de toda a vida social era a tarefa histórica da classe dominante de cada período. O autor ainda destaca que “para possibilitar essa exploração dos trabalhadores pela classe dominante, foi necessária a criação de novos complexos sociais. Entre estes, os mais importantes foram o Estado e o Direito” (2011, p. 54).

Assim, na perspectiva do materialismo histórico dialético, o Estado se configura como a organização da classe dominante em poder político. Tal poder apenas pode existir apoiando-se em um conjunto de instrumentos repressivos (exército, polícia, sistema penitenciário, funcionalismo público, leis etc.). Independentemente da forma que ele assuma e das formas de exercer o poder, segundo Marx, o Estado é, essencialmente, um instrumento de dominação de classe. Vale notar que, na comunidade primitiva, também existia a autoridade, mas não existia o Estado. Nela, a autoridade, baseada na idade, na sabedoria, na experiência de vida, nos dotes físicos etc. não estava a serviço da exploração do homem pelo homem, ao contrário das sociedades de classes, nas quais a autoridade tem por função social o domínio de uma parte da sociedade sobre outra (LESSA & TONET, 2011).

Fonte: encurtador.com.br/frvQ0

Referências

BOTTOMORE, Tom. Dicionário do Pensamento Marxista. Disponível em: http://sociologial.dominiotemporario.com/doc/DICIONARIO_DO_PENSAMENTO_MARXISTA_TOM_BOTTOMORE.pdf. Acessado em: 10 de outubro de 2017. Rio de Janeiro: ZAHAR, 2012.

ENGELS, Friedrich; et al..  Introdução ao Estudo do Marxismo. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/tematica/livros/estudo/index.htm. Acessado em: 10 de outubro de 2017. Editorial Calvino Ltda, Rio de Janeiro, 1945.

______. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1884/origem/index.htm. Acessado em: 10 de outubro de 2017. Editorial Vitória Ltda., Rio de Janeiro, 1964.

KIRCHHEIN, Augusto Frederico. Estado Moderno: o poder organizado sob o domínio da lei. In: Fundamentos da Ciência Política. Canoas-RS: ULBRA EAD, 2017. (Material didático para o curso de Ciências Sociais a distância).

LESSA, Sergio; TONET, Ivo. Introdução à filosofia de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.

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Arquétipos e o Processo de Individuação

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Carl Gustav Jung nasceu em 26 de julho de 1875, em Kesswil, na Turgóvia (Suíça). A partir de seus estudos, Jung elaborou sua visão acerca da psique humana, a partir das observações das associações “complexas” ou emocionalmente carregadas.

Sua observação o levou a formular, ou reformular, segundo Bertrand (2019), diversos conceitos, como o inconsciente, arquétipos, complexos, persona, anima e/ou animus, compensação, sonhos, sincronicidade, criatividade, sintomas, tipos e funções psíquicas, a “numinosidade”, o self, e um sistema psíquico bem estabelecido.

Jung fundou a psicologia analítica, cuja base fundamental é os arquétipos e o inconsciente coletivo, a energia psíquica, os complexos e o processo de individuação. A partir desses temas derivam inúmeros outros que complementam seu modelo de psique humano. Jung publicou muitas obras durante sua vida, e suas ideias frutificaram para muito além do campo da psiquiatria, estendendo-se também à arte, literatura, religião física, quântica, biologia (BERTRAND, 2019).

A Psicologia Analítica, como qualquer teoria científica, surgiu e se desenvolveu em um determinado contexto histórico e cultural, a partir do qual deve ser compreendida. Jung situa a sua teoria em um longo processo histórico que teve início com a ativação do inconsciente coletivo no período da Revolução Francesa (SANT’ANNA, 2019).

O termo arquétipo, pauta principal deste trabalho, segundo Pieri (2002, p. 44), “é tirado da filosofia, onde ocorre para indicar o modelo, o exemplar originário ou, simplesmente, o original de uma série qualquer”. Etimologicamente, a palavra arquétipo é formada pela raiz arché, cujo significado é arcaico, antigo; e typos, que significa impressão, marca.

Fonte: encurtador.com.br/brOWY

A palavra arquétipo, para Hall; Nordby (2014, p. 33), “significa um modelo original que conforma outras coisas do mesmo tipo”, são os conteúdos do consciente coletivo e acrescentam (2014, p. 34): para uma correta compreensão da teoria junguiana dos arquétipos, “é muito importante que eles não sejam considerados como representações plenamente desenvolvidas na mente, como as imagens de lembranças de experiências passadas em nossa existência”.

Os arquétipos são universais, ou seja, herdam as mesmas imagens arquetípicas básicas e agindo como centro de um complexo, funcionam (os arquétipos) como um imã, atraindo para si as experiências significativas a fim de formar um complexo (HALL; NORDBY, 2014). Os arquétipos são dados à estrutura psíquica na forma de possibilidades latentes como fatores biológicos e/ou fatores histórico culturais. São prontidões psíquicas, tendências inatas à realização de determinadas ações e/ou imagens, que são resultado do processo evolutivo da espécie humana. Estão, portanto, limitados às experiências universais como nascer, morrer, a maternidade, a paternidade, a infância, a velhice, o desenvolvimento, a sobrevivência etc. (SANT’ANNA, 2019).

Apresentam uma condição estrutural da psique que, sob determinada constelação, interna ou externa, são capazes de produzir as mesmas formações, o que não tem a ver com a transmissão hereditária de imagens. As imagens têm semelhanças porque se baseiam no mesmo princípio formador e enquanto conjunto de prontidões vazias de conteúdo, o arquétipo em si se situa na esfera psicoide, ou seja, anterior à psique (SANT’ANNA, 2019).

Para que seja reconhecido e integrado à consciência, o arquétipo precisa ganhar apresentabilidade por meio de uma imagem (imagem arquetípica) cuja forma se constitui por meio de elementos oriundos da experiência do indivíduo e podem se manifestar simultaneamente em vários planos, fisiológico (emoção, comportamento), no plano psicológico (imagem) e no plano social (cultura) devido ao fenômeno da sincronicidade (SANT’ANNA, 2019).

Do ponto de vista do desenvolvimento humano, à medida que os processos maturacionais passam a exercer menor influência no comportamento e no funcionamento mental no final da adolescência, os processos de natureza psíquica e social passam a ser elementos reguladores mais importantes.

Sendo o arquétipo em si uma possibilidade e não uma manifestação, para que ele seja ativado e presentificado na psique são necessárias duas condições: um fator ativador, que pode ser de diversas naturezas (biológica, intrapsíquica, interpsíquica, histórica e cultural), e uma forma correspondente à sua dinâmica e ao seu campo de experiência. Por isto, não é possível pensar no desenvolvimento psicológico como um desdobramento natural da matriz arquetípica no plano intrapsíquico.

Alguns arquétipos têm importância grande na formação da nossa personalidade e do nosso comportamento, aos quais Jung dedicou especial atenção. Estes serão descritos a seguir.

Fonte: encurtador.com.br/tBDPU

 A Persona

A palavra persona, segundo Hall; Nordby (2014), significava originalmente uma máscara usada por um ator e que lhe permitia compor uma determinada personagem numa peça. Na psicologia junguiana, o arquétipo de persona atende a um objetivo semelhante, isto é, dá ao indivíduo a possibilidade de compor uma personagem que necessariamente não seja ele mesmo. Por ser compreendida como a máscara ostentada publicamente com a intenção de provocar a impressão favorável a fim de que a sociedade o aceite, ela também pode ser denominada de arquétipo da conformidade.

Ainda nas palavras de Hall; Nordby (2014, p. 36), “A persona é imprescindível à sobrevivência. Ela nos torna capazes de conviver com as pessoas, […]. Pode levar ao lucro ou a realização pessoal. É a base da vida social e comunitária”. E mais, “O papel da persona na personalidade, tanto pode ser prejudicial como benéfico”.

A Anima e o Animus

Enquanto a persona é qualificada por Jung como a “face externa” da psiquê, por ser vista pelo mundo, segundo Hall; Nordby (2014), a “face interna” recebeu o nome de anima nos homens e animus nas mulheres. Assim, “O arquétipo de anima constitui o lado feminino da psiquê masculina; o arquétipo de animus compõe o lado masculino da psiquê feminina” (p. 38).

Para Jung, de acordo com Hall; Nordby (2014), os arquétipos anima e animus tem valor importante para a sobrevivência e foram desenvolvidos no convívio e interação com o sexo oposto, ou seja, o homem desenvolveu seu arquétipo no relacionamento continuado com mulheres durante muitas gerações, e a mulher desenvolveu o seu arquétipo pelo relacionamento com os homens.

Por fim, cabe destacar que para que a personalidade seja bem ajustada e harmonicamente equilibrada, “o lado feminino da personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher devem poder expressar-se na consciência e no comportamento”, assevera Hall; Nordby (2014, p. 38).

Fonte: encurtador.com.br/dqsD2
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