A Liberdade é Vermelha

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“Em um tempo em que a mídia histericamente elege o crack como inimigo…”

Em uma época em que o Estado se lança voraz – sobre as pessoas – encarcerando-as e prendendo-as, em um tempo em que a mídia histericamente elege o crack como inimigo número um de uma sociedade que se quer de primeiro mundo e – aos quatro ventos – alardeia a necessidade da internação compulsória de quem o consome, em dias em que se apregoa a cada esquina que corpos magros são corpos saudáveis e – consequentemente – invólucros de espíritos necessariamente felizes, em tempos de Sorria: você está sendo filmado, falar de liberdade – esse velho conceito – é algo urgente e acreditar nela, assim como em suas condições de possibilidade, é simplesmente vital para nossa sobrevivência.

As imagens abaixo pretendem abordar o tema. Grades, cadeias e correntes – por mais que tentem – não logram tapar a verdade encarnada e reluzente de um sol que insiste em permanecer aceso.

Aqui, a liberdade é vermelha…

Mardônio Parente

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javae

De Índios, Cachoeiras, Peitos e Manicômios

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Quando o colonizador português aportou em terras brasileiras, e nisso já se vão mais de 500 anos, ele ficou maravilhado com a nudez idílica de nossas mulheres indígenas. Os ibéricos foram escravizados por séculos pelos árabes e, à época, o ideal lusitano de beleza feminina estava encarnado no mito da Virgem Moura: uma mulher de pele morena, gordinha, banhando-se nua em cachoeiras. Foi exatamente isso que o português aqui encontrou.

Festa!

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O cotidiano tem um poder curioso de nos cegar. Apesar de pagarmos impostos escorchantes e indignos, acostumamo-nos a estradas esburacadas, a um sistema de saúde precário, à violência policial, ao abandono dos espaços públicos, a uma educação chinfrim e, principalmente, a assaltos constantes ao erário. Antes de Carlinhos Cachoeira, com sua genialidade desonesta de articulador, que simplesmente expôs o que todos já sabiam e que parte prefere esconder, a corrupção já se dava em cachoeiras caudalosas.

Festa!

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Palmas é uma cidade pós-moderna, feita a roldão como uma grande feira de exposições e cujos recantos não contam história alguma.

A Praça dos Girassóis, a mais importante da cidade, é uma ode à grandeza e (dizem) é a segunda maior do mundo, embora talvez seja uma das menos habitáveis. A cor branca de seu pavimento impede que se a olhe em meses de maior incidência de sol. A ausência de árvores em boa parte de sua extensão dificulta sua travessia em determinadas horas do dia. Lá, em prédios bem distribuídos e arquitetonicamente pobres, concentram-se os poderes legislativo, judiciário e executivo estaduais.

Enfim, é uma praça para poucos.

Como forma de amainar a sensação de ermo, há – no meio dela – um memorial a Luís Carlos Prestes, situado no centro de uma grande área, coberta por um pavimento lisinho que, em uma cidade carente de bons pavimentos, é sonho de consumo de skatistas e rollers. Há uma placa, avisando a quem entra, que é proibido andar de skate, bicicleta ou patins.

Há – ainda na praça, pois nela há espaço de sobra – um monumento que se refere a uma certa revolta acontecida em um certo forte à beira-mar, no Rio de Janeiro. Palmas não tem mar, não tem fortes e o rio aqui corre todos os meses do ano, embora o faça, nos últimos onze anos, mais tristemente e em menor velocidade, em consequência de uma hidrelétrica que o represou.

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Exatamente hoje, há índios acampados na Praça dos Girassóis, a fim de reivindicar saúde, educação, justiça. Eles foram impedidos de entrar nos prédios públicos da praça, pois não estavam adequadamente vestidos. Noticiou-se na TV que um representante da gloriosa Polícia Militar do Estado do Tocantins foi designado para explicar às mulheres indígenas que suas mamas expostas não eram condizentes com o ambiente regulamentar dos prédios públicos e aos homens que suas pernas e peitos nus não eram bem-vindos nas salas requintadas do Palácio do Governo.

Quinhentos e doze anos depois da chegada dos europeus no Brasil, a nudez indígena, antes símbolo de beleza, é – hoje – agressiva aos olhos do poder.

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Estamos a três dias da comemoração do Dia Nacional da Luta Antimanicomial, movimento que nasceu em 1987, na cidade de Bauru e que teve como mote: “Por uma sociedade sem manicômios”.

À época, apesar de o carro-chefe do movimento ser realmente a luta contra os hospitais psiquiátricos e suas violências intrínsecas, já se tinha a consciência de que os manicômios com suas paredes e grades concretas são frutos de outros manicômios. Esses últimos, simbólicos e construídos nas relações, que se entranham em nós como serpentes e que nos fazem aceitar o cotidiano absurdo que vivemos.

São os manicômios simbólicos que nos fazem aceitar, cândida e passivamente, os impropérios contra homossexuais, lésbicas, bissexuais, prostitutas, adeptos de religiões não cristãs, ateus etc., diariamente proferidos em rede televisiva, em nome de Deus e por líderes religiosos das mais diversas estirpes. São esses manicômios que nos fazem mansos quando nos deparamos com as injustiças cometidas em nome da lei.

Foram eles que fizeram toda uma nação se calar diante da matança de judeus e são eles que ainda hoje nos calam diante do massacre cotidiano de sem-terras, sem-tetos, presidiários e, apenas para citar o que hoje ocorreu, indígenas…

E dizem alguns insatisfeitos com o estado que o Tocantins é uma terra de índios. Antes fosse, antes fosse…

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Diante do mar

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Ontem, fui assaltado.

Levaram-me o carro e um pouco da esperança que insisto em ter na possibilidade de um mundo mais justo. Revólver, surpresa, constrangimento, impotência, pés e mãos gelados. Depois, cenas esparsas, lembranças vagas, coisas que poderia ter feito, coisas que não tive coragem de fazer, vontade leve de chorar, um cigarro fumado às pressas – ainda com as mãos trêmulas. Olhos úmidos.

Tentei, e já desisti, de ter raiva de quem o fez. Sua ação foi técnica, precisa, calma e discreta. Não houve espaço sequer para o medo. Estava ali um profissional em seu simples e inevitável fazer cotidiano.

– Olha, é o seguinte…

E senta-se tranquilamente a minha mesa, mostrando um revólver dentro de um capacete.

– Isso é um assalto. Fica na boa.

Pega a chave. Caminha lento em direção ao carro, liga-o e parte.

O que me resta depois? Termino de beber a cerveja que, a esta altura, já anda meio quente. Peço outra e mais outra, enquanto penso no que realmente fazer.

Olho o mar, que neste trecho da praia é lindo, lindo demais. Tão bonito que, outra vez, tenho vontade de chorar. Já não sei se pelo assalto, pela beleza que se descortina a minha frente ou por saudade. Saudade da cidade que deixei há onze anos e que a cada vez que venho está mais distante. Saudade do calor amoroso dos que aqui vivem. Saudade dos amigos. Peço outra cerveja…

Aqui, talvez, seja o pedaço de litoral mais bonito de Fortaleza, essa cidade que – de algum modo – me constituiu. Um rio que, generoso, se oferece ao mar e lambe as pedras, formando pequenos lagos de água meio doce meio salgada onde, em outro tempo, eu me banhava. É uma pena ser assaltado de frente a uma cena como essa. É uma pena saber que nunca mais a verei sem que me venham à lembrança o assalto, o constrangimento, a impotência…

Diante disso, o carro que me levaram já não tem importância. Ontem, perdi um pouco de minhas memórias, levaram-me um tanto de minha meninice e subtraíram-me algo da cidade de minha infância, que insistia em carregar comigo.

É realmente uma pena ser assaltado diante do mar.

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Fim

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“…como se explicaria o sucesso que os bonecos fazem?”

Bonecos de pessoas são uma espécie de imitação fajuta. São as pessoas, ou alguma parte delas, representadas em madeira, barro, tecido, metal… Matérias inanimadas que precariamente tentam representar o humano e sua potência de vida. De início, tal tarefa, por árdua demais, está fadada ao fracasso. Afinal, é tarefa divina dar alma ao inanimado. Mas se bonecos fossem apenas isso, eles seriam só insuficiência, erro e impotência. Neste caso, como se explicaria o sucesso que os bonecos fazem?

Dos mamulengos atrevidos e desbocados das feiras nordestinas aos bonecos mudos e gigantes do carnaval de Olinda, dos seculares e universalmente conhecidos títeres ao curioso Falcon, sonho de consumo da meninada na década de 1980, os bonecos se impõem por sua popularidade… Mas por quê?

Não se trata aqui, claro está, de se fazer um ensaio antropológico sobre os usos e costumes relacionados a bonecos, ao longo da história do homem. Eis a vantagem de se escrever despretensiosamente, quase como quem brinca: não se ter compromisso com as verdades históricas, poder-se valorizar outras verdades (estéticas, por exemplo) e até mentir-se, se isso apetece.

Os humanos são um macaqueamento de Deus, imagem e semelhança de seu criador, exatamente como os bonecos. Imagem distorcida, semelhança enganosa, faltante… Mas, é por essa semelhança àquele que nos criou, que nos permitimos – vez e outra – para o bem e para o mal – brincarmos de Deus. Isso explica a popularidade dos bonecos.

É isso que fazemos com eles, eles nos permitem sentir ainda que imperfeitamente – o sentido de Deus: sopramos vida em seu barro, damos-lhes alma e história. Algumas vezes, também como Deus, os matamos. Eis o FIM…

Mardônio Parente

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Gritos

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“estamos completamente mergulhados em um mundo de imagens…”

Com o advento da sociedade da comunicação, estamos completamente mergulhados em um mundo de imagens, que – atualmente – vão e vêm em uma velocidade nunca sequer concebida ou  vislumbrada, por mais visionários que fôssemos. Outdoors, TVs,  jornais, revistas, placas, faixas e etc.  nos oferecem pedaços do mundo, em recortes que mal disfarçam suas intenções, quase sempre relacionadas à venda de algo. Beleza, saúde, solidariedade, cidadania, amor, ódio… Não há nada que não se possa traduzir em imagens e nada que não se possa vender através delas.

Enxergar é uma forma de se apropriar do mundo e de se re-significar aquilo que nos rodeia. Mas como fazê-lo de forma própria e singular quando há uma profusão de profissionais da imagem, munidos de aparelhagens ultra-modernas e especializados em fazê-lo por nós? O ensaio abaixo, capturado a partir de um celular, é uma tentativa (tímida talvez, talvez ingênua) de se negar a pasteurização do olhar e o regramento do ato de se ver. São imagens que gritam.

Mardônio Parente

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meditação tecnologia

Oração pós-moderna de súplica

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Ilustração: Geovane Almeida

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