A necessidade de um herói e o problema da projeção do Self

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Quando acolhemos uma pessoa como “herói”, existe uma idéia de depositar uma esperança de salvação e que todos os atos do mesmo são justificáveis e seguidos às cegas. Isso, no final das contas, é uma projeção do Self

A onda de nomear “heróis” não vem de hoje, e há a necessidade de sentir o seu ideal defendido por um ser acima de todos, que detém um nível de poder – seja imaginário ou real – para concretizar os desejos daquele que projeta. Isto é o que Carl Jung classifica como projeção do Self (por inabilidade em se autodesenvolver, o sujeito passa a apostar as suas fichas em terceiros, na vã esperança de se redimir do processo de transformação interior).

É importante diferenciar, no entanto, a Jornada do Herói Mitológico,  que é o caminho de autodesenvolvimento que cada um de nós está “condenado” a realizar, e a projeção do Self, quando recusamos fazer nosso próprio percurso, terceirizando-o (que é o que pretendo abordar neste texto). Sobre o mito do herói, pode ser visto na vida cotidiana (quando dona Maria incorpora o papel de líder de seu bairro), nas grandes estruturas arquetípicas da mitologia e nas histórias em quadrinhos (que são uma espécie de mitologia atualizada do mundo).

Atualmente, as projeções do Self (que podem bem ser confundidas com a Jornada do Herói), se replicam no meio político (aliás, onde há configuração social, eis lá a eclosão de estruturas arquetípicas). Campbell (2007) afirma que a tarefa do herói de hoje em dia não é a mesma de antigamente onde se lutava explicitamente contra as trevas (muito embora, metaforicamente, as trevas significam as limitações impostas pela Sombra, que deve ser integrada para ser potencializadora), e sim aquele disposto a restaurar a ordem, corrigir um erro que seria o início da sua jornada. Neste caso, é necessário observar qual de fato é o arquétipo que opera no político. Pois, em muitos casos, o que pode ocorrer em tais personagens é a ação a partir do princípio do poder, como já explicitou Adler.

Fonte: encurtador.com.br/yDKMR

Em continuação, nota-se que desde tempos anteriores, há uma repetição de padrões em pessoas reconhecidas como “heróis/heroínas”. Alguns exemplos são Getúlio Vargas, que é conhecido ainda hoje como pai dos pobres e primeiro político a lançar sua força sobre a classe operária estabelecendo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT); Lula, um espelho da classe metalúrgica refletida na Presidência da República, a personificação do poder de ascender e ocupar o lugar da elite burguesa e, hoje, está preso e é réu em terceira instância; Newton Hidenori (japonês da Federal) que ficou conhecido por conduzir presos da Operação Lava Jato e foi preso por facilitar contrabando; Moro, que foi eleito herói do povo, atualmente é Ministro da justiça com várias provas que ele não é quem parecia ser e, finalmente, o presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, que podemos deixar suas atitudes diante da mídia falar por si só.

Quando acolhemos uma pessoa como “herói”, existe uma idéia de depositar uma esperança de salvação e que todos os atos do mesmo são justificáveis e seguidos às cegas. Então defender o oposto de uma opinião te caracteriza como um vilão, alguém que está atacando diretamente o outro lado e se aliando ao inimigo. Como dizia Nietzsche em um de seus aforismos, “um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos”. Ora, certamente não é deste herói arquetípico que a Psicologia Analítica se debruça, pois para que ocorra de modo consistente a Jornada, é necessário iniciar o processo de Individuação (normalmente, depois da Metanóia, que é a grande crise existencial que, acredita-se, todos terão de passar). E a Individuação não coaduna com projetos pessoais escusos, muito menos com o princípio do Poder. Basta lembrar uma célebre frase de Jung, para quem “onde há poder, não há amor. Ambos se excluem mutuamente”.

Fonte: encurtador.com.br/jkRW9

No cenário político e num clima de polarização de narrativas, ignorar determinados comportamentos dessas pessoas reconhecidas como “heróis” vai de encontro com o que Freud (1990) define como idealização, onde uma pessoa adquire uma perfeição total que não pode ser contestada. Existe então a idealização de uma pessoa que detenha algum tipo de poder e um inimigo em comum que será combatido, onde os meios justificam os fins.

Deste modo, enquanto se mantiver essa idéia de uma luta contra a fonte de todo o mal a história se repetirá e uma possível melhoria real não será alcançada. Assim se faz necessário uma reavaliação dos fatores que levam a determinadas escolhas dos representantes em todas as áreas. Só assim para que ocorra a chamada função transcendente, quando há a síntese das ações numinosas com as sombrias, num movimento de crescimento interior que desencoraja a criação de discursos rasteiros e polarizados.

REFERÊNCIAS:

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Ed Pensamento, 2007.

FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 14. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

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A polêmica da Ariel negra

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A representatividade da população negra no cinema se faz importante, pois fica claro que uma minoria atua em papeis de destaque

O racismo é algo presente no mundo todo, e dessa forma o cinema acaba reproduzindo essas estruturas da sociedade e isso se apresenta nos papeis que muitas atrizes/atores desempenham. Com pouca pesquisa na internet é possível encontrar diversos depoimentos de quem sofreu esse tipo de preconceito, dentre outros. Pessoas que por seu tom de pele são desqualificadas para determinados papeis, onde o personagem deve seguir uma determinada aparência. Onde algumas vezes não existe a real necessidade como no caso da Ariel e assim um racismo mascarado acaba se apresentando.

Da mesma forma, existe uma polêmica por trás da escolha da atriz Halle Bailey que viverá o papel da pequena sereia em um live-action da Disney. A história original do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, não possui descrição de como é a aparência da Ariel, dentre outros detalhes que são adaptações para a animação.

Fonte: encurtador.com.br/howLN

O termo whitewashing é utilizado quando substitui (especialmente na indústria cinematográfica) personagens fictícios ou históricos, de etnia estrangeira, por atores de cor branca. O que pode ser visto em vários filmes como, por exemplo: Deuses do Egito, A grande muralha, Death Note, Príncipe da Pérsia, Aladdin e podemos citar as versões da população egípcia nas novelas da Record, dentre muitos outros casos.

Assim, a escolha de uma atriz negra para desempenhar um papel que originalmente foi adaptado na animação como uma branca e ruiva foi colocado em questão. Porém o que nos aproxima da história é o seu conteúdo e não a aparência dos personagens. O diretor Rob Marshall em um comunicado para a revista Variety disse: “Após uma longa busca, está abundantemente claro que Halle possui a rara combinação de espírito, coração, juventude, inocência e substância – além de uma gloriosa voz para canto – todas qualidades intrínsecas necessárias para interpretar este papel icônico”.

Fonte: encurtador.com.br/gwBFI

Neste sentido, a Disney já vem inovando na forma como apresenta suas princesas, que já não são aquelas donzelas em perigo em que o herói aparece para salvá-las. Podemos ver essas mudanças em Frozen e Moana que foi um sucesso de bilheteria, onde os obstáculos que aparecem nos filmes são resolvidos com elas como protagonistas. Então se percebe que a ideia de mulher de hoje em dia é outra, além de fortes e suficientes elas podem pertencer a uma variedade de etnias.

Dessa forma, a representatividade da população negra no cinema se faz importante, pois poucos ainda atuam em papeis de destaque. Assim como em 2018 com o filme Pantera Negra onde a Marvel buscou valorizar os negros e que teve uma grande repercussão. No Brasil, quando o filme estreou, líderes de comunidades negras levaram para os cinemas crianças que se sentiram representadas pelos personagens.

Portanto a representatividade no cinema tem um papel importante, pois se cria uma forma de identificação entre a pessoa que assiste fazendo com que ela se sinta representada. Além de ter relevância para a conscientização sobre o contexto em que pessoas negras estão inseridas, seja no cinema ou na vida real, podendo levar a um pensamento de uma sociedade mais justa e que possa existir uma maior tolerância com as diferenças.

Referências

KROLL, Justin. Disney’s Live-Action ‘Little Mermaid’ Casts Halle Bailey as Ariel. Disponível em: <https://variety.com/2019/film/news/little-mermaid-halle-bailey-chloe-x-halle-1203234294/>. Acesso em: 15 jun. 2019.

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Intervenção com Agentes de Saúde em Palmas

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Através da disciplina Estágio Básico III do curso de Psicologia do CEULP/ULBRA ocorreu uma intervenção com os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) de um setor de Palmas-TO. Previamente houve um apanhado teórico em sala de aula com a professora Lauriane dos Santos, com a finalidade de compreender melhor o papel e a importância que desempenham nessa profissão que é a porta de entrada da saúde publica.

Assim, o estágio teve como finalidade desenvolver a postura de pesquisador-participante, usando da ótica da Psicologia Social Comunitária, onde se investigou situações-problema e o impacto que essas tinham no dia a dia do profissional de saúde e, posteriormente, foram propostas intervenções que pudessem vir a ser de ajuda e significado para os mesmos.

Dessa forma, do dia 12/03/2019 a 04/06/2019 houve um acompanhamento da rotina dos ACS, onde foi vivenciado na pratica que eles cumprem um papel que vai além do que o papel da sua profissão exige, eles são “facilitadores do acesso aos serviços de saúde e ouvintes das queixas dos usuários na atenção básica”, e isso os torna imprescindíveis para a atenção primária (SANTOS; VARGAS; REIS, 2014, p. 324).

Neste sentido, os primeiros encontros foram com o caráter de formação de vínculo, pois como Ribeiro (1994) afirma, o psicólogo precisa ter uma sensibilidade e competência nos primeiros momentos, visto que eles são decisivos para a vida do grupo. Assim, além de acompanhamento, os estagiários participaram de reunião e palestra junto com os ACS e puderam vivenciar como funciona a comunicação entre os profissionais de cada área (psicologia, fisioterapia, enfermagem, assistente social) no Centro de Saúde da Comunidade (CSC).

A reunião foi de grande esclarecimento para muitos e a proposta para melhorar a comunicação e o fluxo dos usuários foi de manter uma reunião mensal para levantamento de dúvidas e problemáticas e, dessa forma, não sobrecarregar a equipe. Pode-se perceber o engajamento e a cooperação de todos os presentes, e ate solicitaram a nós estagiários alguma opinião sobre tudo o que foi falado. Após a reunião nos reunimos com a psicóloga do CSC para discutir a primeira intervenção, onde levando em consideração relatos da intervenção passada, onde eles ficaram com uma resistência sobre dinâmicas de grupo e palestra onde apenas eles ouviam.

Fonte: Arquivo pessoal

Primeira intervenção

Para a primeira intervenção, nos juntamos a outro grupo de estagiários de psicologia, e através disso levamos estudos de casos para uma roda de conversa, onde participaram todos os ACS presentes no dia. Assim ocorreu como uma troca de conhecimento, onde eles contribuíram com a experiência profissional e algumas opiniões pessoais. Foram apresentados casos sobre depressão e violência doméstica, que foram assuntos que perpassaram durante as conversas na sala de trabalho onde eles ficam.

Essa primeira intervenção foi coordenada por mim e auxiliada pela estagiária Raab, sendo que o restante ficou como observadores para anotações do debate, dessa forma  caracterizou-se como um grupo operativo que Pichon-Rivière (1988) define ter como objetivo a promoção de um processo de aprendizagem para os sujeitos envolvidos.

 O caso da depressão era sobre um pai de família que perdeu o emprego recentemente e fazia bicos para levar sustento para casa, com o tempo ele foi diminuindo a quantidade de bicos mesmo tendo várias possibilidades, e ficava mais tempo em casa deitado no quarto. Foi passada a palavra aos ACS para começarem, quando muitos se manifestaram falando sobre o pai ter algum problema de verme, sobre a situação do local e como isso poderia impactar na saúde do mesmo. Em determinado momento uma ACS se manifestou e tocou na possibilidade de depressão e disse que teria que ver quanto tempo ele estava assim, se isso vem de antes do emprego ou foi pela questão da perda do emprego, e isso fez com que o restante mudasse um pouco a visão do que estava ocorrendo com o personagem do caso.

A atividade permitiu o compartilhar de vivências pessoais, além da percepção e reflexão de cada um ali presente. Os ACS, à medida que foram comentando sobre o caso, direcionavam algumas dúvidas sobre a visão da psicologia, onde fui pontuando algumas coisas que eles mesmos haviam falado e levando alguns questionamentos a mais como: Quais outros fatores poderiam ser motivadores da aparente depressão, que não estavam na história? Como poderíamos ajudar no primeiro momento essa pessoa? Em seguimento as respostas para tais perguntas foram desenvolvidas por todos os presentes, chegando a respostas e reflexões em que os dois lados puderam contribuir.

O segundo caso foi sobre um pai de família que passava no bar na volta do trabalho, bebia até tarde da noite e quando chegava em casa acordava todo mundo querendo a janta, e nisso a esposa se levantava para esquentar a janta e muita vezes era violentada fisicamente enquanto o filho assistia. Esse caso foi levado apenas com a intenção de que o primeiro poderia ser rápido, mas foi ele o gatilho para muitos conteúdos de fundo profissional e pessoal dos ACS. Logo se iniciou uma discussão entre eles sobre casos que acontecem no território onde fazem cobertura, e como agiram diante deles, sobre risco quando se denuncia casos assim, sendo que atualmente alguns só fazem se a vítima não tiver condições reais de defesa, como crianças e idosos.

No seguimento da intervenção, uma ACS contou dois casos pessoais que ocorram com pessoas bem próximas, e após o relato perguntou o motivo que uma dessas pessoas conseguiu sair e seguir a vida enquanto a outra não. Dessa forma, foi pontuada a questão de rede de apoio que segundo Brito e Koller (1999), são a existência de vínculos que desempenham diferentes papéis permitindo que o indivíduo se desenvolva emocionalmente. Assim a importância desses vínculos quando passamos por dificuldades onde não sabemos como prosseguir, onde no caso apresentado ficou evidente que uma das pessoas teve um apoio durante todo o processo, e a outra apenas no início.

 Então um ACS perguntou “o que prende uma mulher no relacionamento abusivo?”, e após algumas respostas de outros colegas presentes, um dos coordenadores disse que um provável e comum motivo poderia vir da infância, onde os pais batem nos filhos e dizem que o fizeram por amor, então a criança cresce entendendo que apanhar é sinônimo de amor. E após isso houve uma comoção entre todos os ACS apontando um para o outro falando sobre os filhos e como eles tratavam os mesmos em momentos que precisavam corrigir um comportamento errado. A intervenção foi finalizada e deixando no ar essa última questão para fins reflexivos. Os feedbacks quanto à intervenção, e de forma bem positiva parabenizaram os estagiários verbalizando que foi a melhor intervenção onde houve de fato um aprendizado.

Fonte: Arquivo pessoal

Segunda intervenção

Neste encontro a estagiária Raab ficou como coordenadora principal e eu a auxiliei, contamos também com a presença da psicóloga Ângela, que nos auxiliou nessa segunda intervenção. Assim mantivemos o mesmo formato de estudo de caso, em que foi levado o tema Relações Interpessoais, pois achamos pertinente devido à reação de todos com o final do caso de violência doméstica. O caso constituía em uma família com uma filha de cinco anos que passava o dia na creche e a noite não recebia atenção dos pais que estavam cansados, ocupados e pela insistência da menina acabam batendo nela. O debate sobre o caso andou em paralelo com questões da vida real, e assim houve diversos momentos catárticos nos quais muitos colocaram para fora frustrações e medos sobre suas relações parentais.

Através das vivências levadas para a intervenção, pude notar demandas vindas de casa e de experiências passadas com a família antecessora, e dessa forma conduzimos a intervenção, levando uma reflexão crítica sobre como os ACS poderiam contribuir para tornar melhorar o relacionamento familiar. Nesse momento uma ACS verbalizou sobre a dificuldade em demonstrar carinho e afeto com os filhos e que uma filha mais velha estava praticando o mesmo comportamento com o namorado. Ela comentou que a filha mais nova vinha pedir abraço e que ela não sabia como reagir e dizia apenas para ela que depois fazia isso.

Sendo assim, Silva (2002) afirma que “o trabalho em grupo favorece a troca de experiências, a reflexão e a discussão dos temas, aumentando as possibilidades de que novas atitudes e práticas sejam adotas e modeladas por seus membros”, e acredita-se que através dos feedbacks constantes dos agentes isso foi proporcionado a todos.

O acompanhamento do dia a dia e a participação de reuniões com a equipe NASF me proporcionaram uma visão e conhecimento ampliado de como é a prática e como isso se faz fundamental para a formação do psicólogo. Dessa forma, ser o elo entre o CSC e a comunidade e ser parte indispensável no SUS não é uma simples tarefa. Ela exige doação, exige força física e, principalmente, psicológica.

Em suma, a partir do contato com a atenção primária, do conhecimento adquirido sobre a lógica da territorialização e da clínica ampliada através do contato com o trabalho dos ACS, me fez valorizar, mais que antes, essa profissão, onde fui presenteado com inúmeras lições sobre gratidão e superação.

Referencias

BRITO, R. C.; KOLLER, S. H. Desenvolvimento humano e redes de apoio social e afetivo. In: CARVALHO, Alysson Massote (org.). O mundo social da criança: natureza e cultura em ação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999.

PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do vínculo. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

SANTOS, I.E.R.; VARGAS, M.M.; REIS, F.P. Estressores laborais em agentes comunitários de saúde. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, v. 14, n. 3, p. 324-335, 2014.
SILVA, R. C. Metodologias participativas para trabalhos de promoção de saúde e cidadania. São Paulo: Vetor, 2002.

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O arquétipo do Herói em Vingadores Ultimato

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Melhores Efeitos Visuais

Nesse momento da jornada ele enfrenta seu inimigo e conhece seus aliados, que é o sexto passo da jornada do herói, é quando também ocorre a maior identificação com o público.

O filme Vingadores Ultimato está atualmente em uma briga pela maior bilheteria da história, e notícias de Kevin Feige – o grande chefão da Marvel – afirmam que uma outra versão do filme com cenas novas, chegará em breve aos cinemas. No mais, o personagem alvo desta análise é nada menos que Thor, o deus do trovão (apesar que ele solta raios, mas essa piada é velha). Thor, filho de Odin e Frigga, apresenta ser um filho mimado em que seus pais parecem depositar grandes expectativas. É perceptível em seus filmes um amadurecimento como pessoa, mas continuou com comportamentos que mostram uma grande dependência dos pais. (Spoiler abaixo!!!)

A análise em questão é a representação do arquétipo do herói e como Thor passou por toda a jornada. Segundo Dell (2014), a jornada do herói é a tentativa de narrar uma experiência humana, que tem um propósito muito profundo. Assim a primeira parte da jornada do herói é a apresentação do mesmo e de um cenário onde o público venha a se identificar com alguns pontos, mostrando que ele é tão humano quanto qualquer um.

No primeiro momento do filme é mostrado como Thor lidou com o final trágico de Vingadores Guerra Infinita. Hulk e Rocket fazem uma visita a ele, e o cenário é uma casa com pouca iluminação onde ele e uns colegas passavam o dia bebendo e jogando vídeo-game, e quando questionado sobre sua vida ele afirma que estava tudo bem.

Fonte: encurtador.com.br/axCFP

O chamado à aventura seria o convite que Hulk faz para Thor, onde fala sobre uma última chance de consertar as coisas, através de uma volta ao tempo com as Partículas Pym como recurso, e Thor seria peça-chave nesta empreitada. Dessa forma, o coloca em confronto com o que ele estava negando enquanto se escondia vivendo daquela forma, e o fazendo refletir sobre uma correção do seu erro, sobre as vidas que ele pode salvar.

Thor nesse momento no filme não se acha digno de empunhar nem o seu Machado, o Rompe-tormentas, pois acredita que falhou como deus, falhou como amigo e por ter fracassado diante da única chance de ter matado Thanos no filme anterior. Dessa forma ele recusa o chamado, por medo de enfrentar a si mesmo. Mas ao final ele acaba aceitando ir, mesmo que isso não significasse que ele estava pronto para a jornada.

O plano consistia em voltar no tempo em diferentes momentos e “pegar as joias emprestadas” para tentar reverter o estalar de dedos do Thanos. Então, foram divididos em duplas, no qual Thor e Rocket ficaram encarregados da jóia da realidade, e foram enviados para a época em que ela estava no corpo de Jane, em Asgard. Nesse momento o nosso herói não estava engajado, e se separou de Rocket dizendo que ia visitar a adega para beber, mas ele acaba esbarrando com sua mãe, que o reconheceu mesmo ele afirmando ser o Thor daquela época.

Então tiveram uma longa conversa e ele tenta avisá-la sobre sua morte, mas ela o interrompe e fala que ela já sabe o que a aguarda. Toda a conversa entre os dois pode se caracterizar como o encontro com o mentor, que é quando ele recebe algo que dá um empurrão, seja conselhos, um treinamento ou um objeto. E antes de partir ele estende a mão e o Mjolnir, seu antigo martelo que havia sido destruído, atende o chamado mostrando que ele ainda é digno e assim ele resolve seu conflito e o seu papel naquela jornada.

Fonte: encurtador.com.br/eGOSX

Quando todos os heróis retornam ao presente, eles utilizam uma manopla criada por Tony Stark; Hulk se oferece para ser quem vai estalar os dedos, pois a radiação das jóias é a mesma dele. A tentativa se mostra um sucesso, apesar do dano que o braço do Hulk toma, e eles conseguem trazer de volta a metade que havia sido transformada em pó. E nesse momento de distração dos heróis, o Thanos do passado consegue vir para o presente e traz consigo todo o seu exército na tentativa de pegar as jóias e desfazer a reversão do estalar.

Thor nesse momento se vê diante do seu inimigo, e estendendo a mão empunha tanto o Rompe-tormentas quanto o Mjolnir e parece ganhar poderes além do que tinha anteriormente, caracterizando a travessia do primeiro limiar, que pode ser a aquisição de uma nova habilidade ou poder. Ele, juntamente com o Capitão América, luta contra Thanos que mostra suas habilidades sem depender da manopla e que por muito pouco ele não perde.

Fonte: encurtador.com.br/cluGZ

E nesse momento, o mais épico e cogitado do filme, Capitão América empunha o Mjolnir, e dá uma surra em Thanos salvando a vida de Thor. A fala do nosso deus do trovão nesse momento foi: “Eu sempre soube”. Como afirma Campbell (1990), não precisamos correr os riscos da aventura sozinhos. Nesse momento da jornada ele enfrenta seu inimigo e conhece seus aliados, que é o sexto passo da jornada do herói, é quando também ocorre a maior identificação com o público.

Thor fica no chão, pode tomar fôlego… esse momento se caracteriza como a caverna secreta, o instante onde o herói dá uma pequena pausa e que mostra o enfrentamento do seu grande medo, uma nova vitória do vilão. Mas nesse momento chegam os reforços mostrando a magnitude da batalha que estaria por vir e na qual ele se junta.

Chega o momento da provação, quando Thor aprende que precisa ir além e trabalhar em equipe dando tudo de si para que a jóias sejam enviadas para a época correta de cada uma utilizando a van do Homem-formiga. Mas no último momento ela é destruída e na tentativa de evitar que o vilão pegue a manopla nosso herói dá tudo de si em um golpe que atrasa o vilão dando chance para outros o deterem.

Ao final do filme ele nomeia a Valquíria como líder dos asgardianos restantes que estavam na terra, e a sua transformação ou retorno a sua confiança como herói pode ser a sua recompensa. Assim ele parte com os Guardiões da Galáxia como a representação de um caminho de volta onde ele escolhe um objetivo que beneficiaria de forma coletiva, e essa se torna sua ressurreição como deus do trovão.

Dessa forma, o retorno com o elixir que representa que nada será como antes, pode ser representado por essa nova jornada que ele opta por fazer, pois assim ele poderá proteger o universo juntamente com os Guardiões da Galáxia.

FICHA TÉCNICA:

VINGADORES: ULTIMATO

Título original: Avengers: Endgame
Direção: Anthony Russo e Joe Russo
Elenco: Robert Downey Jr, Chris Evans, Mark Rufalo, Chris Hemsworth, Scarlett Johasson;
País: EUA
Ano: 2019
Gênero: Ação, Aventura;

REFERÊNCIAS:

CAMPBELL, Joseph – O poder do Mito, São Paulo: Palas Athena, 1990.

DELL, Christopher. Mitologia: um guia dos mundos imaginários. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2014.

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A arte imita a vida?!

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Existem diversos relatos de atrizes e atores que nunca mais foram os mesmos após desempenhar determinados personagens, mostrando que a ficção afeta de várias formas a realidade de quem está ligado ao personagem

Seja no teatro ou no cinema, o desempenho do papel de um personagem é algo que não se encaixa com qualquer pessoa que o queira interpretar, nos levando assim a questionar o que torna uma atriz/ator boa/bom em determinado papel. Com os filmes de herói em alta, as críticas sobre papéis já desempenhados e que poderiam ter tido melhor performance, são um assunto presente no cotidiano de quem acompanha esse universo.

Em muitos casos os papeis desempenhados por essas atrizes e atores – em paralelo aos seus próprios estilos de vida pessoal – são motivos para as pessoas considerarem eles aptos ou não para vivenciarem certos papeis no cinema. Então, a experiência prévia, real ou fictícia pode ser algo que colabore para que um papel seja bem desempenhado.

Freud (1977 a) em sua obra “Personagens psicopáticos no palco” fornece análises de danças, poesia lírica, poesia épica, drama psicológico, comédia, tragédia em suas variações, e colocando que essas produções advém de conflitos dos seres humanos. Dessa forma, pode-se afirmar que os papéis desempenhados contém parte da vida pessoal de quem interpreta, ou seja, a atriz/ator revive uma experiencia anterior quando atua em algo novo.

Fonte: encurtador.com.br/BLNZ3

Existem diversos relatos de atrizes e atores que nunca mais foram os mesmos após desempenhar determinados personagens, mostrando que a ficção afeta de várias formas a realidade de quem está ligado ao personagem ou a obra completa. Winnicott (1975) defende que a fantasia ajuda no desenvolvimento e na construção da própria identidade, e nesse sentido quem atua levará consigo parte do que interpretou ou viveu na obra.

Desta maneira se analisar um personagem, encontrará traços da personalidade de quem o interpretou. Pondé (2015) afirma que a produção artística carrega a marca do subjetivo e é fonte de informação sobre o âmago do autor, e logo apresenta de quem interpreta a mesma. Por mais que se siga um roteiro, quem executa o papel tem certa autonomia para encaixar o que se pede com a personalidade que o papel exige, e é aqui que entra a subjetividade.

Por outro lado podemos nos perguntar o porque gostamos de tal pessoa em determinado papel ou como ficamos impactados com determinada cena. Ao mesmo tempo em que assistimos um filme, memórias que nem imaginávamos ter, cruzam com essas novas informações que Kaufmann (1996) afirma estar no psiquismo dos espectadores.

Fonte: encurtador.com.br/aly19

Parte do sucesso de filmes pode vir de uma ligação que ocorre entre o personagem e o espectador e que Freud (1974) chama de projeção, que é uma atribuição de conteúdo da pessoa para o objeto externo. Isso proporciona uma expansão do imaginário facilitando um encontro entre o drama representado no papel com a vida real. Freud (1977) diz que a arte é uma realidade onde os símbolos são capazes de provocar sentimentos reais. Dessa forma, quando assistimos a um filme, é como se estivéssemos conhecendo uma parte nova de nós mesmos que nos é apresentada.

 

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Personagens psicopáticos no palco. Vol. VII, Rio de Janeiro: Editora Imago, (Escrito em [1905 ou 1906]) (Trabalho original publicado em 1945), 1977 a.

FREUD, Sigmund. Interesse científico da psicanálise. Vol. XIII Rio de Janeiro: Editora Imago. (Trabalho original publicado em 1913), 1977 b.

FREUD, Sigmund. Totem e tabu. In S. Freud. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1913), 1974.

KAUFMANN, P. Dicionário enciclopédico de psicanálise – o legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996.

PONDÉ, Danit Falbel. Cinema no divã. São Paulo: LeYa, 2015.

WINNICOTT, D.W. O brincar e a realidade. Trad. José Octavio de Aguiar Abreu e Vanede Nobre. Rio de Janeiro: Imago 1975.

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Análise das funções maternas e paternas na música Mother – Pink Floyd

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A música Mother foi composta por Rogers Waters para sua mãe (como se fosse um diálogo entre os dois), onde após a morte de seu pai na Batalha de Anzio na Itália, sua mãe se torna super protetora e possessiva

Pink Floyd foi uma banda britânica de rock, formada em Londres em 1965, que atingiu sucesso internacional com sua música psicodélica e progressiva. Inicialmente a banda era formada por Syd Barret (guitarrista e vocalista), Roger Waters (baixista), Richard Wright (tecladista) e Nick Mason (baterista). David Gilmour foi integrado como o quinto membro em dezembro de 1967, enquanto Barrett saiu, em abril de 1968, por motivos de saúde até hoje não confirmados.

A música Mother foi composta por Rogers Waters para sua mãe (como se fosse um diálogo entre os dois), onde após a morte de seu pai na Batalha de Anzio na Itália, sua mãe se torna super protetora e possessiva, dessa forma impedindo-o de viver suas próprias experiências. De certa forma a música é também um apelo para outras mães que se comportam de maneira semelhante.

Os papéis maternos e paternos vão além da questão biológica, os cuidadores desempenham funções de acordo com o que sentem através do contato com a criança. Dolto (1996) enfatiza que essas funções vão além dos papéis pai e mãe que estão relacionadas com cuidados físicos e educacionais. Dessa forma a análise a seguir da música Mother, foi feita baseada na letra e na simbologia desses papéis, e compreende que é um exemplo entre muitos outros que merecem análise.

Fonte: encurtador.com.br/jRS13

Mãe (Mother – tradução)

Mãe, você acha que eles vão jogar a bomba?

Mãe, você acha que eles vão gostar dessa música?

Mãe, você acha que eles vão encher meu saco?

Mãe, será que eu devo erguer o muro?

Mãe, será que eu concorro à presidência?

Mãe, será que posso confiar no governo?

Mãe, eles vão me botar na linha de fogo?

Ou é só perda de tempo?

Zimmerman (2007) afirma que uma das características do papel materno é o de acolher as angústias da criança e para si dando a elas um significado antes de devolver para o filho, então se decodifica e transforma em um conteúdo que a criança saberá lidar. Dessa forma existe uma grande importância no discurso que se devolve para a criança, pois é daí que ele cria suas primeiras representações do mundo.

Calma meu bebê, bebê, não chora

Mamãe vai fazer todos os seus pesadelos virarem realidade

Mamãe vai colocar todos os medos dela em você

Mamãe vai manter você bem debaixo da asa dela

Ela não vai deixar você voar mas talvez te deixe cantar

Mamãe vai manter o bebê aconchegado quentinho

Oh, bebê

Oh, bebê

Oh, bebê, claro que mamãe vai te ajudar a construir o muro

Fonte: https://twitter.com/steve_sps/status/802559375386800128

Então pode ocorrer o que Winnicott (1988) ressalta como confronto de desamparos, se a pessoa que desempenha o papel materno tiver sido uma criança carente ela terá dificuldades de cuidar da criança. Sendo assim, a pessoa nesse papel empresta suas capacidades de pensar e juízo crítico enquanto a criança ainda não o tem.

Mãe, você acha que ela é boa o bastante

Para mim?

Mãe, você acha que ela é perigosa

Para mim?

Mãe, ela vai despedaçar seu menininho?

Mãe, ela vai partir meu coração?

Existe dentro da função materna o que Zimmerman (2007) nomeia como necessidade de frustrar de forma adequada a criança, pois elas ajudam no desenvolvimento emocional e cognitivo, logo ajuda na independência dos pais quanto a tomar decisões em vários âmbitos da vida, inclusive relações amorosas.

Calma bebê, bebê, não chora

A mamãe vai checar todas as suas namoradas pra você

Mamãe não vai deixar nenhuma safada chegar perto

Mamãe vai esperar acordada até você chegar

Mamãe vai sempre descobrir por onde você andou

Mamãe vai manter o bebê sempre saudável e limpinho

Oh, bebê

Oh, bebê

Oh, bebê, você sempre será um bebê para mim

Mãe, precisava ser tanto assim?

De acordo com a letra da música, existe uma relação possessiva onde a mãe não proporciona ao filho a chance de autonomia, de viver o mundo e aprender com suas frustrações. Winnicott (1975) fala da mãe suficientemente boa (que seria o mesmo que o papel materno), e que esta deve ser capaz de ir progressivamente diminuindo as coisas que faz pela criança, dando a ela espaço para descobrir sua capacidade e autonomia, vindo assim a se tornar uma pessoa que terá limites gerenciando sua vida no mundo externo.

Fonte: encurtador.com.br/koz14

Da mesma forma o papel do pai, nesse caso ausente devido a morte do mesmo, onde sua presença é fundamental para o rompimento da relação narcísica da mãe com o filho, apresentando a criança assim ao mundo e suas responsabilidades.

Muza (1998) afirma que a criança necessita do pai (função paterna) para se desprender da mãe; essa função não foi presente no desenvolvimento da sua personalidade e dessa forma não se alcança a independência, resultando em uma criança que busca total fusão com sua mãe.

Referências

DOLTO F. No jogo do desejo: ensaios clínicos. São Paulo: Ática; 1996.

Muza GM. Da proteção generosa à vítima do vazio. In: Silveira P, ed. Exercício da paternidade. Porto Alegre:Artes Médicas;1998. p.143-50

WINNICOTT, Donald Woods. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

WINNICOTT, Donald Woods. Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In: D. W.Winnicott, O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro:Imago, 1975.

ZIMERMAN, David E.. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática. Porto Alegre: Artmed, 2007.

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