Os impactos da mudança do matriarcado para o patriarcado
No livro “A Prostituta Sagrada: a face eterna do feminino”, a Autora Nancy Qualls Corbett pontua sobre o paradoxo da prostituta sagrada, onde aspectos como espiritualidade e a sexualidade são colocados em destaque. Diante disso, a deusa do amor pode ser reconhecida como uma imagem arquetípica potente que remete à Europa pré-cristã, e sua energia – negada e reprimida, está interligada a emoções específicas e a padrões de comportamento que precisam ser integrados. A deusa do amor e a prostituta sagrada remete-se ao princípio único, ao princípio de Eros; o princípio em si, porém, é humano e, também, divino.
Corbett explica a analogia por meio da religião cristã referente à dualidade do Pai e do Filho, que são, entretanto, Um em Cristo, o Filho, é a dimensão mais próximo à humanidade; por intermédio dele é que alcançamos o conhecimento do Pai: “Ninguém vem ao Pai a não ser por mim”. De forma analógica, pode-se amplificar o significado da deusa do amor e entender as implicações psicológicas da imagem, entretanto, por ser arquetípica, ela jamais será plenamente integrada à consciência. Por meio da prostituta sagrada compreende-se os aspectos da deusa do amor. Pode-se, portanto, de modo consciente integrar a essência humana aos significados das suas qualidades características do arquétipo da deusa do amor.
De acordo com a autora, a imagem arquetípica da prostituta tem dois lados, o sagrado e o profano. O lado sombrio manifesta de forma rebaixada em que a sexualidade feminina é utilizada de forma inapropriada. No decorrer do tempo, os aspectos positivos desses arquétipos são poucos conhecidos, pois os elementos sagrados foram separados, elas eram abusadas e aprisionadas.
No decorrer da obra, Corbett explica em que momento a prostituta sagrada deixou de ser um atributo de estrema importância e atuante na vida de homens e mulheres, e quais foram as repercussões para a sociedade a partir deste rompimento.
Ao longo do tempo, o sistema matriarcal e matrilinear predominante foi substituído pelo sistema patriarcal e patrilinear. Assim, as sociedades arcaicas iniciaram a agricultura e a religião como principais pontos para a civilização, e passaram a sociedades onde o comércio, a guerra e a expansão se tornaram prioridade. Os motivos dessas mudanças de forma gradual do matriarcado para patriarcado foram estudados por diversos historiadores. Assim, há diversas explicações para esse fato histórico; o homem começou a valorizar a geração de vidas que era só atribuído a ele, e que a mulher só nutria a nova vida em seu corpo, mas a linhagem passou a ser paterna.
Como consequência, o militarismo e o comércio produziram estratificação social. A mulher tornou-se oprimida porque suas novas funções tornaram-se desimportantes aos novos valores; à proporção que criavam estradas de comércio e que tribos guerreiras conquistavam partes de outras civilizações, as culturas de diversas civilizações se mesclaram, dessa forma, os deuses de uma sociedade incorporavam-se às da outra. Até que um Deus Supremo, portanto, veio ser reconhecido. Do ponto de vista da sociedade patriarcal dominante, Deus tem a essência masculina. O homem determinou outras doutrinas religiosas, de acordo com suas convicções na supremacia masculina.
Assim, o amor passou a ser dissociado do corpo para que os seres humanos pudessem alcançar união puramente espiritual com Deus. A Trindade era a do patriarcado; Maria pode ser admirada, entretanto; não adorada, para que não volte os tempos de veneração da deusa. A Igreja não validava características da deusa interligada na natureza sexual da mulher (ou do homem); por conseguinte, uma distância enorme, entre corpo e espiritualidade permaneceu nos ensinamentos religiosos.
Na época da grande caça às bruxas, nos séculos quinze, dezesseis e dezessete, mulheres que mantinham encontros escondidos, frequentemente, com danças ritualística, geralmente pagãs, muito parecidas com o culto da deusa, excelente nos preparos de infusões e medicamentos, se tornaram suspeitas naquele contexto. Essas mulheres iam de encontro ao domínio da Igreja e do Estado e, na maioria das vezes, eram condenadas como feiticeiras. Estima-se que milhares de pessoas tenham sido executadas, nessa época, sendo oitenta e cinco por cento delas mulheres.
Como já foi supracitado, as imagens antigas da prostituta sagrada estavam interligadas tanto na essência da sexualidade como na natureza da espiritualidade, assim, no decorrer do tempo, a civilização saiu da estrutura social matriarcal para uma patriarcal. A racionalidade veio dominar os sentimentos e sobre a força e criatividade da natureza, essas transformações geraram repressões.
À proporção que o princípio espiritual masculino se modificou de forma predominante, a reverência da essência feminina instintiva retroagiu para o inconsciente. É essa natureza, tão intrínseca com a imagem da prostituta sagrada, que necessita ser recuperada; uma vez que essa deusa é vital para o movimento em relação à totalidade, tanto do homem quanto da mulher. Um entendimento desse arquétipo, a mulher humana que canalizava as características da deusa do amor, possui a capacidade de conhecimento e respeito a esses atributos femininos. Expressões culturais de modificações dependem da propagação das transformações psicológicas nas atitudes conscientes dos indivíduos. Assim, para restabelecer o desejo é necessário a integração com a deusa do amor plenamente encarnada.
Outro fato que a obra pontua é o sacrifício da Deusa em relação ao seu filho amante e mesmo que lamenta a sua perda; o processo é psicologicamente sadio e lógico. O choro da mulher é uma forma da integração das circunstâncias mudadas; não é possível voltar ao passado. Como um ritual, o choro auxilia nas transformações essenciais para o amadurecimento da vida. Se a mulher não tiver sacrificado a idealização da infância, por exemplo, e vivido um período de choro para aceitar a perda, pode-se continuar em uma prisão de permanente proteção e segurança, desprotegida do risco e do perigo do mundo exterior.
A vitalidade da deusa se baseia na capacidade de desistir daquilo que há de mais essencial, com intuito de garantir amadurecimento e regeneração, as mudanças só acontecem no momento em que atitudes e valores arcaicos são substituídos por novos. Sua força não é rígida e racional, sem emoção; mas sim, ela tem uma percepção das mais profundas emoções e não nega o seu planto.
A autora explica que a necessidade psicológica personificada pelo matrimônio sagrado é o movimento da psique em direção a totalidade. Em outras palavras, elementos masculino e feminino integram-se na presença de um terceiro, o divino. Psicologicamente, o matrimônio sagrado personifica a união dos opostos. e o princípio masculino e do feminino, a conjugação da consciência e da inconsciência, do espírito e da matéria.
Durante o tempo em que a prostituta sagrada coabitou a sociedade, as culturas eram embasadas sobre sistema matriarcal. Matriarcado não no sentido que mulheres comandavam os homens em cargos de autoridade; mas sim, que tanto o homem quanto a mulher tinham suas funções distintas.
Por fim, a obra pontua que prostituta sagrada pode estar distante do mundo contemporâneo; entretanto é uma característica vital e ativa no processo psíquico individual. Percebe-se que a conscientização desse arquétipo possibilita uma nova forma em relação à vida.
FICHA TÉCNICA
A PROSTITUTA SAGRADA: A FACE ETERNA DO FEMININO
Editora: Paulus
Gênero: Psicologia e Aconselhamento Saúde e Família
Autor: Nancy Qualls-Corbett
Ano de lançamento: 1997
Idioma: Português
Ano: 2002
Páginas: 224
REFERÊNCIA
CORBETT,N. A prostituta sagrada: A Face Eterna do Feminino. Coleção Amor e Psique. São Paulo 4 edição, 2002.