A série brasileira “Elize Matsunaga – Era uma vez um crime” é um documentário televisivo original da Netflix em parceria com a produtora Boutique Filmes, dirigida por Eliza Capai. A produção lançada em julho de 2021, tem conteúdo com censura 14 anos, melancólico focado, especialmente, nos sintomas psicológicos e jurídicos da autora confessa de um dos crimes mais impactantes da história recente do país ocorrido em 19 de maio de 2012.
A série explora fotos e vídeos de conteúdo intimista do antigo casal, apresenta vasto material jornalístico veiculado à época do julgamento, as falas de amigos, familiares e de especialistas sobre o caso oferecendo, e, por fim, destaca-se por conter muitas horas de declarações diretas de Elize tomadas durante uma saída oficial do ressesso de páscoa da prisão de Tremembé em 2019, falando em primeira pessoa, com iluminação e enquadramentos ajustados para fazer audiência sentir-se em frente a ela, olhando nos olhos, com expressiva proximidade.
Os episódios da série são: 1 – Estado civil: viúva; 2 – Uma vida de princesa; 3 – A infeliz ideia de Eliza e 4 – Ecos de um crime.
São apresentados temas de muito relevo para a psicologia e psicanálise, sadismo, masoquismo, depressão, e psicopatia foram conceitos diversas vezes mencionados pelos que tentavam enquadrar e compreender a subjetividade complexa da autora do crime bárbaro.
No julgamento, tanto a defesa como a acusação fundavam seus argumentos e aspectos psicológicos relativos a Elize. Os primeiros arguiam que a pena do crime deveria ser afastada, atenuada ou reduzida, pois no momento que atitou no marido, e esquartejou o corpo dele e o transportou em malas, ela não respondia por suas ações, pois estava tomada por violenta emoção.
Segundo a defesa, a autora do crime teve uma crise de ansiedade decorrente de longo período do medo que sentia de ser machucada e morta pelo marido, e tal medo estaria justificado no longo período de violência psicológica sofrida por ela contexto do casamento.
Já a acusação também faz uso da psicologia para pedir aumento da pena de Elize, que teria cometido o crime por motivo torpe, por mero ciúme e a associa a figura estigmatizada da mulher que deseja ser Cinderela, e ter “uma vida de princesa”, deixar as raízes humildes e ascender socialmente por meio do casamento do qual ela não estaria disposta a abrir mão.
Neste contexto, entre argumentos de defesa e de acusação as personalidades de Elize e do marido assassinado tornam-se objeto de diversas discussões e especulações ao longo da série num esforço de compreensão e categorização da barbárie.
Como exemplo, tem-se a apresentação ao público de “fatos novos” que poderiam justificar para o público os comportamentos de Elize. Isso porque, foi descrito o impacto da morte prematura do pai na história dela. Foram retratados a vida difícil em termos de condições materiais que a família enfrentava e o contexto rural e muito rústico que ela viveu a infância e adolescência.
Além disso, tem-se um possível abuso sexual que ela teria sofrido aos 15 anos, perpetrado pelo padrasto e que teria marcado profundamente sua subjetividade e, por fim, a experiência vivida como profissional do sexo que a levou a sair do contexto familiar e a conhecer o futuro marido.
Por fim, vale destacar a releitura feminista que a série se propõe a fazer tanto do crime em si questionando diversos pontos de pré-conceitos ligados ao fato de a autora ser uma mulher, ter sido profissional do sexo e ter agido motivada por ciúmes, destacando, ainda, diversos casos famosos como o de Ângela Dinis morta pelo marido nos anos 60. O crime de Elize teria o mesmo fim caso fosse cometido por um homem? Fica a dúvida necessária e o convite à reflexão.
FICHE TÉCNICA
Elize Matsunaga – “Era uma vez um crime”
Ano produção: 2021
Dirigido por Eliza Capai
Classificação – Não recomendado para menores de 14 anos
Gênero: Documentário