“Namorados para sempre” e a crise do casamento contemporâneo

Trata-se de um filme forte, que mostra o atual panorama da família média do Ocidente

Blue Valentine (em tradução aproximada seria “dia dos namorados deprê”, mas no Brasil recebeu o nome de “Namorados para Sempre”) é um filme norte-americano que aborda as dificuldades e a crise porque passa as famílias contemporâneas ocidentais, a partir do perfil médio de uma família norte-americana. A estória se passa entre Cindy (Michelle Williams) e Dean (Ryan Gosling), quando se conhecem por acaso numa casa de cuidados para idosos e apaixonam-se e depois, passados cinco anos de casamento, a relação se esgota (o texto à frente contém spoiler).

Na trama dá para perceber perfeitamente os resultados do momento histórico levantado por Bauman (2004) e Birman (2016), além de Baptista e Teodoro (2012), onde o princípio da liberdade – que por muito tempo foi negligenciado aos casais – passa a suprimir a perspectiva da segurança, fazendo com que nenhuma instituição garanta a mediação dos conflitos entre os casais e, desta forma, possibilite a manutenção do relacionamento. Neste contexto, cabe apenas ao casal (ou a uma das partes, já que a liberdade individual não pode ser suplantada, neste paradigma) decidir ou não pela manutenção do relacionamento.

O que ocorre com Cindy e Dean, de acordo com o roteiro, é uma constante tentativa de Dean desenvolver um diálogo, e o mesmo é rechaçado por Cindy (numa dinâmica de incomunicabilidade e reações hostis que, por vezes, são mútuas), que num processo de regressão (na linguagem psicanalítica), acaba por embrenhar-se numa constante reminiscência do passado, saudosa do período em que era cortejada por dois jovens rapazes. No entanto, nesta estória não há vilões ou mocinhos. Apesar da filha do casal ter uma maior ligação afetiva com Dean, este por sua vez parece não ter se desenvolvido ao mesmo compasso que a esposa, mantendo uma dinâmica cotidiana que beira à eterna jovialidade, o que parece ter ocasionado um transbordamento de ressentimento na esposa que, como mecanismo de defesa, fechou-se para o diálogo.

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Na segunda metade do filme, dá para perceber que a roteirização recai para Cindy a escolha pela ascensão profissional como primeiro plano – inclusive este é um objeto de tensão inicial do caso, sendo que Cindy é apontada como a mulher com potencial futuro, pela educação, e Dean aparece como o homem mediano, destinado ao trabalho braçal –, o que pode ter colaborado para a corrosão do relacionamento e posterior rejeição da mesma ao marido, naquilo de Fromm (1960) aponta como falha no processo de transformação dos impulsos passionais em amor maduro (passando por um longo processo de percepção do outro pelo viés da compaixão). Provavelmente a personagem ficou fixada num ideal de paixão duradoura, um up constante nos modos de interação marital, que tanto Baptista e Teodoro (2012) quanto Von Franz (1981) dizem ser impossível ocorrer por muito tempo, sendo necessária a conscientização do casal para a chegada de um período de marasmo.

No mais, a filha é apresentada como objeto de jogatina. Embora Dean pareça ter mais empatia por ela, também a usa como desculpa para tentar chantagear a esposa, na busca de debelá-la do pedido de divórcio. No entanto, ele, Dean, é o que mais se aproxima do que Baptista e Teodoro (Idem) comentam sobre o ideal de relacionamento, onde o narcisismo e as vontades pessoais, muitas vezes, devem ser deixados momentaneamente de lado, pelo bem da coesão familiar. No mais, a criança apresenta estar numa faixa etária entre 5 e 7 anos, já compreende o que vem ocorrendo entre os pais e sofre muito com o processo. Isso fica claro, sobretudo, na cena final do filme, quando Dean se despede da mesma e esta entra em desespero.

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Sabe-se que, na literatura especializada em relações familiares, esta criança pode carregar a culpa pela separação dos pais, além de quase sempre desenvolver hábitos nervosos, o que irá se arrastar por um longo período de sua vida. Além disso, já têm possibilidade de culpar os dois ou um dos genitores pela separação, dependendo da forma como encaram o processo ou se, eventualmente, serão ou não expostas à alienação parental.

Blue Valentine é um filme forte, que mostra o atual panorama da família média do Ocidente. Deve ser assistido com coração aberto, pois pode mexer com as emoções dos expectadores. Como poucos, é um longa que denuncia a crise nas famílias, crise esta gerada pela instabilidade das instituições mediadoras e pelo princípio da liberdade individual, cuja combinação eclodiu num modelo de relacionamento que, ao que parece, ainda não encontrou um equilíbrio mínimo.

Divórcio – De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – compilados pela Agência Brasil, o Brasil registrou 1.095.535 casamentos civis em 2016, dos quais 1.090.181 entre pessoas de sexos diferentes e 5.354 entre pessoas do mesmo sexo. Estes números apontam para uma queda de 3,7% no total de casamentos em relação a 2015. Já em relação ao número de divórcios a pesquisa apurou um aumento. Foram concedidos 344.526 divórcios em 1ª instância ou por escrituras extrajudiciais, o que corresponde a um acréscimo de 4,7% em relação a 2015, quando foram registrados 328.960 divórcios. Esta realidade impacta sobremaneira a saúde mental dos filhos, cuja percepção sobre o fenômeno varia de acordo com a faixa etária.

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Ainda de acordo com o IBGE, em média, o homem se divorcia mais velho que a mulher, com 43 anos dele contra 40 dela. No Brasil, o tempo médio entre a data do casamento e a data da sentença ou escritura do divórcio é de 15 anos. A maior proporção das dissoluções ocorreu em famílias constituídas somente com filhos menores de idade (47,5%) e em famílias sem filhos (27,2%). A guarda dos filhos menores é ainda predominantemente da mãe e passou de 78,8% em 2015 para 74,4% em 2016. A guarda compartilhada aumentou de 12,9% em 2015 para 16,9% no ano passado. (Com informações do IBGE e da Agência Brasil)

FICHA TÉCNICA
BLUE VALENTINE

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Diretor: Derek Cianfrance
Elenco: : 
Ryan Gosling, Michelle Williams, Mike Vogel
Gênero:
Romance/Drama
Ano:
2010

Referências:

BAUMAN, Zigmund. Amor Líquido. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 2004.

BAPTISTA, M. N., & TEODORO, M. L. M. (Orgs.) (2012). Psicologia de família: Teoria, avaliação e intervenção. Porto Alegre, RS: Artmed.

BIRMAN, Joel. Mal-estar na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

FROMM, Eric. A arte de amar. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia,1960.

Resenha Blue Valentine. Disponível em <: https://omelete.com.br/filmes/criticas/namorados-para-sempre/?key=57649 >. Acesso em 14/05/2018.

VON FRANZ, Marie Louise. Puer Aeternus. São Paulo: Paulus Editora, 1992.

Psicólogo. Mestre em Comunicação e Sociedade (UFT). Pós-graduado em Docência Universitária, Comunicação e Novas Tecnologias (UNITINS) e em Psicologia Analítica (UNYLEYA-DF). Filósofo, pela Universidade Católica de Brasília. Bacharel em Comunicação Social (CEULP/ULBRA), com enfoque em Jornalismo Cultural; é editor do jornal e site O GIRASSOL, Coordenador Editorial do Portal (En)Cena.