Outro aspecto para o qual a Loucura se mostra soberana é o atual estilo de vida que grande parte da população metropolitana desfruta. A cada dia estamos mais atrasados, mais apressados, mais cansados, mais atarefados e, conseqüentemente, mais loucos. Em prol de ter uma sociedade mais dinâmica e mais lucrativa, temos que abdicar de nossa sanidade mental, e nos submetemos a condições sub-humanas de trabalho. Somos considerados loucos ao tentar alcançar a perfeição social representada por Erasmo como uma colmeia de abelhas, e nos fala que foram necessários milhares de anos de aperfeiçoamento da natureza para que uma colmeia apresentasse uma organização social tão perfeita que todos os componentes dela já nascem sabendo o que fazer e cumprem seu dever incansavelmente até que a morte corte o fio que os prende à vida. Para Erasmo o simples fato de buscarmos o conhecimento e irmos contra toda a sabedoria da natureza é um ato explícito de Loucura.
Uma passagem interessante, a qual cabe uma citação, e que pode ser considerada completamente atual, é como Erasmo de Roterdã encara as três principais fases de um ser humano: a Infância, a Idade Adulta e a Velhice. A Loucura da criança, que brinca incansavelmente, devaneia com situações imaginárias, não mede os riscos das suas ações, está no simples fato de que ela não teve vivência suficiente para aprender com os seus erros e imprudências, ainda não é cobrada pela sociedade a ponto de ter que sustentar uma sobriedade de pensamento constante, ou seja, ela ainda tem a sua liberdade de pensar e agir contra tudo o que a sociedade considera moral ou imoral.
Mas, à medida que crescemos, aprendemos de nossos superiores que determinadas atitudes são mal vistas pelo grupo social onde estamos inseridos, e a partir daí começamos a nos policiar e a olhar todo o comportamento de uma criança como algo que passado, e então abrimos mão dessa Loucura. Quando chegamos à velhice, eis que nos é dada a oportunidade de desfrutar da doçura da loucura novamente, sem que a sociedade nos encare como tal. Erasmo considera que se o ancião não “enlouquecesse” seria o ser mais importuno dentro de uma sociedade, posto que sua vasta experiência e vivência seria o suficiente para que os mesmos fossem irrefutáveis em qualquer discussão, sagazes em qualquer negócio e corretos em qualquer ação. Dessa forma Erasmo aproxima as crianças dos idosos, e conclui que a boa vivência entre ambos está única e exclusivamente ligada á loucura que ambos desfrutam.
E como um último exemplo de como a Loucura continua contemporânea, temos os exemplos dos monarcas, que movidos por ela, enviam seus exércitos para uma morte quase certa, apenas por caprichos egoístas de uma moral ferida. Ainda em pleno século XXI, temos líderes que forjam situações de conflito apenas com o interesse econômico de manter seus “reinos” felizes e prósperos, mesmo que isso custe milhares de vidas dos inocentes do “reino” atacado. Nesses casos a Loucura se torna algo tão sistematizado que temos uma metodologia aplicada a ela. Generais discutem estratégias e definem ataques, obedecendo a uma hierarquia e com uma sofisticação tão refinada que apenas a própria Loucura em pessoa poderia ter idealizado. Somos confrontados com a discrepância de que um homem, armado, que fere seu próximo, é um louco, mas que centenas dos mesmos, armados, mas motivados por um ideal nacionalista, e pela Loucura do seu líder, e não a sua própria, vêm a ser considerado um herói, e louvado por toda uma nação.
Esses foram alguns exemplos, dos inúmeros citados e devidamente criticados por Erasmo em 1509, e se fôssemos citar todos, com certeza seria uma discussão interminável. Mas o que podemos aprender e, acima de tudo, apreender do texto, é que, independente de como a Loucura se apresenta, sua interpretação nunca será a mesma, pois depende do seu contexto, da sua motivação, das suas conseqüências e, sobretudo, da ótica da pessoa que a observa. Nós, seres humanos, somos completamente diferentes, desde um nível microscópico e genético até um nível macroscópico e cognitivo, e, portanto, é muito improvável que compartilhemos de modo absoluto uma opinião. Cabe a nós pesar e entender que da mesma forma que julgamos a Loucura do próximo, a nossa será igualmente julgada, e com a mesma mão de ferro que a punimos, seremos punidos. Talvez, tão antiga quanto a sociedade, seja a Loucura que permeia a razão e os costumes, e por ser tão discreta, deixamos que ela passe completamente despercebida. Pois bem, então que sejamos Loucos, mas sejamos conscientes!
REFERÊNCIAS:
ROTTERDAM, Erasmo de. Elogio da Loucura. Disponível em:http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/elogio.pdf Acessado em: 17/10/2011.