O Estranho Mundo de Jack: crônicas sobre sentidos, valores e crenças

Em “O Estranho Mundo de Jack”, primeira animação em stop-motion dos cinemas, realizada pelos estúdios Walt Disney, lançado em 1993, conhecemos a história de Jack Esqueleto, o Rei das Abóboras e dos habitantes da Cidade do Halloween, tão assustadores e bizarros quanto à própria data.

Na Cidade do Halloween todos vivem em função da festa mais macabra que se conhece, o famoso  “Dia das bruxas”.  É o dia em que toda a população “halloweense” finalmente tem seu trabalho reconhecido, é a hora de colocar todas as atividades programadas ao longo do ano em ação. É somente para isso que eles vivem: para amedrontar a humanidade. Jack é o Rei do susto, da bizarrice, do medo. É considerado como uma celebridade para a Cidade do Halloween, todos querem ser como ele ou tê-lo para si.

Mas o próprio Jack já não se sente mais pertencente a isso, cansou-se da fama e dos sustos, algo já não combina mais com seus dias. “Eu sei, foi como ano passado, e o outro, e o outro”. É como se a vida de Jack estivesse sempre em replay. Mas ninguém percebe isso, nenhum dos moradores da cidade sente que Jack está insatisfeito e padece de uma profunda melancolia.

Quando Jack se afasta da movimentada cidade e dos seus habitantes eufóricos, descobre, por acidente, a entrada para outras cidades, tais como: Cidade da Páscoa, Cidade dos Namorados, dentre outras celebrações. No entanto, o Rei das Abóboras se encanta por uma em especial, representada por uma árvore colorida, cheia de enfeites e presentes, é a porta de entrada para a Cidade do Natal, algo totalmente oposto ao que Jack está acostumado: uma cidade repleta de luzes, cores e leveza.

Sob a tradição das árvores natalinas, tem-se:

Em quase todos os países do mundo, as pessoas montam árvores de Natal para decorar casas e outros ambientes. Em conjunto com as decorações natalinas, as árvores proporcionam um clima especial neste período. Acredita-se que esta tradição começou em 1530, na Alemanha, com Martinho Lutero. (…) Esta tradição foi trazida para o continente americano por alguns alemães, que vieram morar na América durante o período colonial. No Brasil, país de maioria cristã, as árvores de Natal estão presentes em diversos lugares, pois, além de decorar, simbolizam alegria, paz e esperança (PESQUISA, s/p, s/d).

Mas o que seria tudo aquilo? O Rei dos horrores sente-se invadido por um sentimento antes desconhecido, todas suas inquietações e lamentações desaparecem e em seu lugar repousa um aconchego e uma felicidade que não se permite explicações. Que cidade é essa? Que festa eles estão celebrando?

Segundo a literatura, o Natal é a data em que as pessoas comemoram o nascimento de Jesus Cristo, diz-se, ainda, que na antiguidade, devido ao fato de não saberem ao certo qual a data de nascimento do menino Jesus, o Natal era comemorado em várias datas durante o ano. Somente no século IV foi que o dia 25 de dezembro foi estabelecido como a data oficial da comemoração, isso porque na Roma Antiga, o dia 25 de dezembro era a data em que a população romana comemorava o início do inverno, acreditando, portanto, que há certa relação deste fato com a oficialização da comemoração do Natal. Para o Ocidente, esta data natalina tem sua importância devido ao fato de marcar o primeiro ano da nossa história.

Mas Jack não tinha conhecimento dessa data, nunca sequer pensou que pudesse existir outra festividade além daquela que ele estava habituado a comemorar. Além disso, tinha a figura de homem grande, com uma enorme barba branca, com uma roupa completamente vermelha, que chamou ainda mais a sua atenção. Pensando em se tratar de algo inovador, ele resolve incorporar a festa natalina na Cidade de Halloween, de um modo peculiar e assombroso.

Mas, assim como Jack, muitos têm uma interpretação equivocada sobre o que seria o Natal, as criaturas não compreendem muito bem o que seria o espírito natalino. No entanto, também se encantam por essa realidade diferente, ainda mais pelo fato dessa cidade nova ter um Rei do Natal, um homem enorme, mau, que sai a meia-noite espalhando o terror a quem quer que seja. O Papai Cruel, pois nada sôa tão bem como um velho tirano, cruel e perverso, ao invés de um bom velhinho, que espalha a felicidade por onde passa.

Deixo aqui uma interpretação pessoal, é neste momento que acredito que o filme deixa uma mensagem sobre o que seria o espírito natalino. As criaturas, por mais perversas e sombrias que parecem ser, demonstram uma fidelidade e um carinho enorme por Jack, mesmo não sabendo do que se tratava, perfeitamente, o Natal. Todos são tomados por um entusiasmo e trabalham juntos para promover o melhor Natal de todos. É nesse momento que as coisas se transformam, porque existe um trabalho em equipe, o apoio e a amizade de todos para realizar o mais novo sonho de Jack: Celebrar o Natal-Halloween.

Mas quem é, de fato, o Papai Noel? Alguns estudiosos afirmam que a figura do bom velhinho foi inspirada no bispo Nicolau, nascido na Turquia no ano de 280 d.C, um homem de bom coração, cujo o principal costume era ajudar as pessoas pobres, deixando um saquinho com moedas próximas às chaminés de suas casas.

A roupa vermelha na verdade so foi atribuida ao velhinho em 1886, pelo cartunista alemão Thomas Nast, pois chamava mais atenção, antes a roupa do papai Noel, era na cor marrom ou verde escuro (o estilo de roupa é devido a estação fria, portanto devendo ser uma roupa grossa e que mantivesse o velhinho aquecido: roupa de inverno).

Assim como toda a festa era uma novidade para os halloweenses, o bom velhinho também era um personagem novo e curioso.

Temos aqui um bom exemplo de como um contexto social influencia na vida das pessoas. No filme, os personagens conhecem apenas o lado sombrio e frio que a vida pode oferecer, convivem apenas com os medos, sustos, terror, assombrações, é isso que dá sentido às suas vidas, e qualquer coisa que apareça, além disso, torna-se novo.

Para Jack e os habitantes da Cidade de Halloween, o dia das bruxas é algo bom, é concebido de forma positiva, diferente do que as outras pessoas das demais cidades acham, porque para eles sua realidade é totalmente oposta. O “feio” é “belo”, o “mau” é “bom”. O que os outros encaram como terror e medo, para eles nada mais é que diversão e alegria, porque é para isso que eles vivem, é somente isso que eles conhecem. Por ser assim Jack acaba estragando o Natal, não porque não gosta da festa, é exatamente o contrário, mas sua perpecção de “bom” e “mau” é totalmente diferente da percepção das outras pessoas. Enquanto as pessoas o encaram como sendo um impostor, alguém que veio trazer a desgraça para o mundo, um ser perverso e mau, Jack apenas pensa estar fazendo o bem, ajudando o Papai Cruel, e que tudo está maravilhoso, mas a verdade é que o mundo está em estado de pânico.

Jack interpreta o espírito natalino à sua maneira, sob influência do seu mundo, de como ele está acostumado a agir e por isso gerou toda uma confusão no restante do mundo. Mas o que há, de fato, errado nisso tudo?

Você já se perguntou qual o sentido do Natal? Já parou para pensar que uma quantidade enorme de pessoas comemora o Natal à sua maneira e nem por isso essa comemoração é pior ou melhor que a sua? O filme traz além das festividades típicas de diferentes sociedades, uma oportunidade de reflexão acerca de juizo de valores e de como encaramos aquilo que a nossos olhos é diferente. Traz em sua trama, entre as linhas e musicais, de como a concepção de mundo pode, muitas vezes, influenciar nossa concepção de “normal” e limitar nossas ações diante daquilo que negamos pelo fato de não se encaixar em nossos conceitos.

Talvez devêssemos deixar de lado nossos pré-julgamentos e abrir os olhos para as novidades que nos cercam. Digo “talvez” porque isso é uma escolha de cada um. Quando pensamos em Natal, geralmente, nos limitamos a uma imagem de um bom velhinho, árvores de natal e luzes coloridas, devíamos nos permitir uma visão além das que já conhecemos. Quantos são os costumes que deixamos de conhecer e aprender apenas por que somos habituados a viver sob um mesmo costume, uma mesma comemoração?

Para muitos o Natal é uma data de extrema importância e indispensável para a vida humana, para outros é apenas mais uma data, sinônimo de férias ou presentes. O que vale de verdade é o sentido que nós mesmos atribuímos às coisas, aquilo em que acreditamos e valorizamos, seja diferente do outro ou não. O que importa, de fato, é a renovação de nossos valores.

FICHA TÉCNICA:

O ESTRANHO MUNDO DE JACK

Título Original: The Nightmare Before Christmas
Lançamento: 1993
Direção: Henry Selick
Roteiro: Tim Burton
Gênero: Terror, Fantasia, Drama, Comédia
Origem: EUA