O Labirinto do Fauno: da fantasia a realidade

O filme Labirinto do Fauno nos apresenta a história de Ofélia, uma menina órfã de pai que está indo com sua mãe, que está prestes dar à luz, para a casa de seu padrasto, o capitão Vidal, um homem cruel, sádico e preconceituoso.

Além disso, Ofélia nos é apresentada como a reencarnação de uma princesa que fugiu do submundo. Um mundo de magia e de seres fabulosos.

Ofélia é uma menina que encontra na fantasia dos livros de contos de fada uma forma de aliviar sua dura realidade.

No desenvolvimento psíquico da criança, há uma época em que ela se volta à fantasia. Ela se imagina em histórias fantásticas com bruxas, fadas, princesas, príncipes, heróis. Os contos de fada fascinam, pois a criança ainda está muito próxima do mundo dos arquétipos e do inconsciente coletivo.

Nessa fase, ela está em contato com a função intuição.

Na função intuição estão as possibilidades emergentes. Essa é a função mais próxima do inconsciente coletivo e ela faz oposição à sensação, que representa a realidade da forma como se apresenta, pois ela nos diz que algo existe e está pautado nos cinco sentidos.

Conforme Carl Jung (2008) a intuição é a função pela qual se antevê o que se passa pelas esquinas. Por isso, indivíduos com função principal intuição nunca estão “no presente”, pois a realidade para eles é sempre algo difícil.

A maioria desses indivíduos relata uma infância difícil e esse é o caso de Ofélia. Ela é uma órfã de pai, sua mãe grávida passa muito mal e ainda o novo marido de sua mãe é um homem sádico. Então o que seria uma fase de desenvolvimento, torna-se seu escapismo, seu mecanismo de defesa.

Além disso, Ofélia está em uma fase em que seu ego está em desenvolvimento e ela precisará se diferenciar dos pais, ou mais especificamente da mãe.

Ofélia está mergulhada no mundo da Grande Mãe. A figura do masculino (o pai morto) está ausente e depois é substituída por um masculino terrível (o capitão). No mundo da Grande Mãe ou o homem é insignificante, ausente ou é um violador cruel.

Sua mãe está gravemente doente e ela vive uma desolação, um deserto, uma negritude, uma seca, típico do momento em que a Boa Mãe morre e dá lugar a Mãe Terrível, com seu animusigualmente terrível.

Carl Jung (1986) nos diz que para o nosso desenvolvimento psíquico é necessário um sacrifício. O sacrifício é o distanciamento do caráter regressivo do inconsciente, representado pelo mundo materno. E esse distanciamento no caso da mulher se dá com o aparecimento do masculino. E existe um masculino positivo incipiente representado pelo irmão que está sendo gestado.

No decorrer da trama Ofélia encontra um fauno, e ele revela a ela que sua missão é ajudá-la a retornar para seu verdadeiro lar, o submundo (o mundo do inconsciente), onde é uma princesa. Mas ela terá que se submeter a três provas, apresentadas por ele, para que haja certeza que sua essência está intacta.

É importante nesse momento nos atentarmos sobre essa criatura.

Os faunos eram criaturas da mitologia romana que possuíam corpo meio humano, meio bode. Seu nome fauno se origina do latim Faunus, que significa favorável.

São divindades do campo e possuem vida bastante longa, embora não sejam imortais. São similares aos silvanos de Roma e aos sátiros gregos.

Os faunos possuem características que os tornam similares ao deus grego . São pequenas divindades que desempenham papel análogo ao dos heróis míticos, que são intermediários entre os deuses e os homens, sendo intermediários entre os animais, de vida puramente instintiva (o bode), e as divindades.

O fauno do filme é uma espécie de guardião do portal que une os mundos da consciência e do inconsciente. Ou seja, ele simboliza o psicopompo, o animus. Sendo aquele que guiará Ofélia em sua jornada iniciática. Entretanto ele ainda se apresenta em uma forma animalizada e muito ligada aos instintos.

Os faunos, assim como Pã, são figuras míticas muito ligadas a sexualidade e aos instintos. Portanto, nessa jornada iniciática Ofélia terá que entrar em contato com seus instintos animalizados.

E essa jornada iniciática se dá por meio de três provas.

O tema das três provas é um tema recorrente nos contos de fada e mitos.

Na primeira tarefa, ela deve recuperar uma chave de um sapo gigante que vive nas raízes de uma figueira e está sugando sua vida. A chave se encontra dentro da barriga do sapo gigante.

A árvore costuma ser um aspecto da mãe, e em suas raízes vive um sapo, um elemento masculino. Aqui Ofélia precisa descer ao submundo, ao mundo do inconsciente, ao mundo da mãe e encarar seu animus terrível.

O sapo também representa a prima-matéria e o ato de vomitar a chave após engolir as pedras (outro símbolo da prima-matéria), representa uma das fases do processo alquímico. aCoagulatio, que simboliza o primeiro estágio da produção de chumbo em ouro.

E ao pegar a chave, Ofélia agora poderá abrir as portas do seu inconsciente e conhecer seus segredos mais profundos.

Interessante que no simbolismo da mãe, vida e morte se entrelaçam. A figueira está morrendo, assim como sua mãe biológica, mas ambas contem vida dentro de si, pois a figueira é uma árvore que simboliza a abundância e, também, a imortalidade.

Na segunda tarefa, a menina deve entrar no mundo de um ser inumano, que possui olhos nas mãos e deve usar a chave para pegar um punhal. Mas deve fazer isso sem tocar de forma alguma na abastada mesa de comida. Ela terá que cumprir esta tarefa em tempo determinado, caso contrário a passagem por ela aberta se fechará.

Essa tarefa se assemelha a alguns mitos, como o de Perséfone, que ao comer a romã no mundo de Hades ficou a ele presa. E de Psique, que em sua última tarefa imposta por Afrodite, deveria descer ao mundo dos mortos, mas não deveria comer nem beber nada do farto banquete de Perséfone.

Nessa prova, ela deve conter seus desejos, sua fome e as tentações.

O ato de comer torna algo incorporado ao corpo e torna quem come ligado ao lugar onde come. Sonhar que se come algo, geralmente simboliza que aspectos do inconsciente serão assimilados pela consciência.

Ofélia não consegue resistir à tentação de comer e acorda a criatura, mas consegue escapar e pegar o punhal.

O punhal é um símbolo de sacrifício. Ofélia não conseguiu sacrificar seu desejo, mas algo foi incorporado a sua consciência. É também um símbolo do espírito, um servidor do instinto.

Outro ponto importante é a figura inumana com olhos nas mãos. Essa figura representa algo que só enxerga o que é palpável. Ela remete a função inferior de Ofélia, a sensação. Visto que a sensação só aceita como real aquilo que ela pode tocar. Ou seja, Ofélia agora abriu e acessou a porta do inconsciente, a sua função inferior. E dela retirou e assimilou o espírito para dominar seus instintos, a mente que discrimina e separa.

Na terceira e última prova, Ofélia deve levar o irmão recém-nascido ao centro do labirinto quando a lua estiver cheia, e entregá-lo ao fauno para, enfim, regressar ao seu verdadeiro lar.

Ofélia consegue pegar o bebê e o leva ao fauno. Este pede a ela para lhe dar o bebê para que ele possa fincar o punhal e obter uma gota de sangue inocente. Ofélia se recusa. O fauno perde a paciência e lembra a ela que ele precisa de sua total obediência, mas ela se recusa.

 

O Capitão Vidal, então, descobre o que Ofélia fez e vai atrás dela pelo labirinto. Ele leva o bebê e atira nela.

Ofélia cai e vimos seu sangue escorrendo pela mão. A morte se aproxima.

Ofélia cumpriu a ultima tarefa, a do auto-sacrifício. O sacrifício de sua ingenuidade, de sua inocência.

A morte de Ofélia pode ser vista no aspecto simbólico. A mortificatio da alquimia. É uma morte iniciática um morrer para um estilo de vida e um renascer para outro estágio de desenvolvimento.

O palácio com o rei e a rainha unidos são símbolos da totalidade. Ofélia agora alcança um novo nível de consciência onde masculino e feminino se harmonizam.

Ofélia realizou o rito de passagem da infância para a adolescência por meio do sangue (que pode ser uma alusão a menstruação).

O masculino antes cruel e ainda animalizado agora surge em uma figura mais humana e benéfica na figura do irmão.

O ego de Ofélia entrou em contato com o centro ordenador, O Self. E ela agora está pronta para entender os ciclos da vida, morte e renascimento.

Referências:

JUNG, C.G. Fundamentos de Psicologia Analítica, 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2008d.

______ Tipos Psicológicos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

______Símbolos da Transformação. Vozes. Petrópolis: 1986.

PEDRAZA, R. L. Hermes e Seus Filhos. Rio de Janeiro: Paulus, 1989.

VON FRANZ. M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo:2002.


FICHA TÉCNICA DO FILME

O LABIRINTO DO FAUNO

Título Original: Pan’s Labyrinth
País: México e Espanha
Diretor: Guillermo del Toro
Atriz principal: Ivana Baquero
Ano: 2006

Psicanalista Clínica com pós-graduação em Psicologia Analítica pela FACIS-RIBEHE, São Paulo. Especialista em Mitologia e Contos de Fada. Colaboradora do (En)Cena.