Autoconhecimento e Inconsciente: uma perspectiva junguiana

A psique naturalmente já tem sua dinâmica homeostática. Porém, vivemos comprimidos entre a primitividade e a massificação. De um lado, temos o ser primitivo, que, reinante há não muito tempo, configura a maior parte da história humana, com sua identificação com a psique coletiva e a inebriante participação mística (JUNG, 2015a). Do outro, a cultura, que massifica o sujeito, o condiciona a ser mera peça do estado, com o desenvolvimento unilateral de suas capacidades para desempenhar estritamente uma única função (Id., 2013c, 2015b)

Devido a isso, o indivíduo pena para desenvolver e manter seu senso de individualidade, e é exatamente isso que ele deve fazer para ter uma boa convivência com sua psique. Para tanto, ele necessita de “uma valorização psicológica objetiva das diferenças individuais ou qualquer objetificação científica dos processos psicológicos individuais” (Id., 2015b, § 9), ou seja, autoconhecimento. Este não se refere apenas à personalidade consciente do eu, e sim também tudo aquilo que necessariamente passa despercebido de sua atenção, ou seja, é inconsciente (Id., 2013c).

Um bom grau de reflexão autocrítica já ajuda nesse processo, bem como a observância do que os outros podem pensar sobre você. De forma saudável, este último pode, além de nos fazer enxergar aquilo que não vemos, também oferecer atenção às nossas próprias projeções sombrias – aquilo que, não suportando manter conosco, delegamos inadvertidamente ao outro.

“[…] não se deve esquecer a seguinte regra: o inconsciente de uma pessoa se projeta sobre outra pessoa, isto é, aquilo que alguém não vê em si mesmo, passa a censurar no outro. Este princípio tem uma validade geral tão impressionante que seria bom se todos, antes de criticar os outros, se sentassem e ponderassem cuidadosamente se a carapuça que querem enfiar na cabeça do outro não é aquela que se ajusta perfeitamente a eles” (Id., 2013b, § 39).

Outra forma saudável é observar os próprios padrões de repetição, que tendem a se perpetuar enquanto o indivíduo não toma consciência deles. Jung, em sua célebre frase diz: “Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamar isso de destino” (Id., 1948/1970, § 126). A consciência é uma instituição de adaptação e orientação, e, portanto, necessita permanecer nos ditames do previsivelmente conhecido o quanto for possível. O inconsciente, clamando por uma vivência mais ampla que abarque a totalidade da existência da psique, produz um movimento de compensação da atitude consciente.

Fonte: encurtador.com.br/hxNQR

“A compensação inconsciente de um estado neurótico da consciência contém todos os elementos que, quando conscientes, isto é, quando compreendidos e integrados como realidades na consciência, são capazes de corrigir eficaz e salutarmente a unilateralidade da consciência” (Id., 2014, § 187).

Em geral, como continua a dizer o autor, a consciência ignora tais efeitos, e com isso o fenômeno da compensação se passa inconsciente, sem efeito imediato. Porém, ao longo do tempo, à medida que não se dá atenção à compensação, o inconsciente produz um efeito indireto: “a oposição inconsciente, numa constante infração, vai arranjando sintomas e situações, que finalmente se contrapõem sem cessar às intenções conscientes” (Ibid., § 187).

A via régia de informações para o inconsciente, é quando a consciência se desliga. Aqui o sujeito por alguns momentos interage com figuras fantásticas, revive cenas traumáticas, realiza seus desejos mais profundos. Enfim, ele entra em contato com o processo de homeostase mais natural da psique: o sonho. Aqui, ele irá se manifestar, em sua maioria, como uma compensação da atitude consciente (Id., 2011). Dando atenção às vivencias oníricas, o sujeito pode experimentar processos de desenvolvimento satisfatórios.

Outra forma, que é justamente a pedra angular de todo desenvolvimento teórico junguiano, é a análise. Na presença de um profissional, o sujeito conta toda sua vivência e expõe sua subjetividade, criando uma relação dialética com o terapeuta (Id., 2013a). Este, se esforça para entender e interpretar todo o conteúdo falado, na tentativa de ajudar o cliente a perceber a influência do inconsciente em sua vida, de forma que, futuramente, ele possa se auto monitorar.

Dessa forma, se desenvolve um contato com a própria subjetividade, de modo a diminuir as barreiras que se interpõem entre consciência e inconsciente. Nesse constante contato, o indivíduo começa se relacionar, através de sonhos e percepções visuais, com figuras imagéticas do inconsciente, sua linguagem por excelência (Id., 2015b).

REFERÊNCIAS

JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (Obras Completas).

JUNG, Carl Gustav. Civilização em transição. 6. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. (OC 10/3). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth; revisão técnica de Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. 27. ed. Petropolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 7/2). Tradução de Dora Ferreira da Silva.

JUNG, Carl Gustav. Presente e futuro. 8. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. (OC 10/1). Tradução de Maria Sá Cavalcante.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia do inconsciente. 24. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2014. 168 p. (OC 7/1). Tradução de Maria Luiza Appy.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e alquimia. Petrópolis, Rj: Vozes, 2011. (OC 12). Tradução Maria Luiza Appy, Margaret Makray, Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva; revisão literária Dora Mariana Ribeiro Ferreira da Silva, Maria Luiza Appy; revisão Técnica, Jette Bonaventure.

JUNG, Carl Gustav. Tipos psicológicos. Petrópolis, Rj: Vozes, 2015. (OC 6). Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth.

JUNG, Carl Gustav. AION: Researches into the Phenomenology of the Self. CW 9. Princeton: Princeton University Press, 1948/1970